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PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Sumário
I - As prescrições previstas nos artigos 316º e 317º do Código Civil são prescrições de curto prazo, de natureza presuntiva, visto que se fundam na presunção do cumprimento. II - O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento. III - Ao devedor que se queira valer da prescrição presuntiva cabe-lhe o ónus de alegar expressa e inequivocamente que já efectuou o pagamento, ficando apenas dispensado de provar esse pagamento, cabendo à parte contrária o ónus de provar que ele não ocorreu. IV - Não cumpre tal ónus o devedor que se limita a impugnar, singela e imotivadamente, a alegação do credor de que o devedor prometeu pagar a dívida, mas que não fez qualquer pagamento. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1.AA intentou a acção declarativa comum, contra VANKATI – Transportes, Unipessoal, Lda., e BB, pedindo a condenação solidária das Rés no pagamento da quantia de € 5.579,44 [cinco mil quinhentos e setenta e nove euros e quarenta a quatro cêntimos], acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor.
2. Para tanto, alegou, no essencial, que no exercício da sua actividade profissional prestou serviços jurídicos à Ré Sociedade no âmbito do processo cível n.º 168361/12.3YIPRT, ao qual esta acção se encontra apensa, e para a qual a 1ª Ré, representada pela sua legal representante, a 2ª Ré, lhe conferiu mandato, que importou a título de despesas, honorários e provisões a quantia de €3.521,35, e que também prestou serviços jurídicos no âmbito do processo n.º 1023/17.6T8STR, que importou a título de honorários, despesas e outros, o montante de €1.943,70.
Justificou a demanda contra à 2ª Ré (pessoa singular) radicada na sua qualidade de gerente e legal representante da Ré pessoa colectiva.
Invocou ainda que solicitou o pagamento às Rés, concedendo-lhe o prazo de 10 dias para o efeito, mas estas nada pagaram.
3. Citadas, as Rés apresentaram contestação nos autos, invocando, em síntese, a prescrição presuntiva do direito de crédito que o Autor pretende fazer valer na presente acção, impugnando a falta de pagamento. 4. O Autor veio responder à matéria de excepção invocada pelas Rés, concluindo pela improcedência da excepção invocada.
5. Foi proferido despacho saneador tabelar, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, conforme consta da respectiva acta, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condenar a ré “VANKATI – TRANSPORTES, UNIPESSOAL, LDA.”, a pagar ao autor AA, a quantia de €5.465,05 [cinco mil quatrocentos e sessenta e cinco euros e cinco cêntimos] valor este já com IVA incluído, acrescido de juros de mora vincendos a contar da presente data;
b) No mais, absolver a ré identificada em a) do demais peticionado;
c) Absolver a ré BB, do pedido;
d) Condenar Autor e Ré sociedade nas custas do processo, que se fixa em 1/4 para o Autor e em 3/4 para os Ré sociedade.
6. Inconformada veio a R. VANKATI – Transportes, Unipessoal, Lda., interpor o presente recurso, que motivou concluindo do seguinte modo:
1.ª O Apelado é Advogado, escrupuloso, não sendo compreensível que não cobre os seus Honorários em tempo razoável.
2.ª Decorreram, desde o termo dos processos em que cessou a prestação da sua actividade 5 (cinco) e 4 (quatro) anos.
3.ª Decorreu o prazo da prescrição presuntiva prevista na alínea c) do artigo 317.° do Código Civil, encontrando-se reunidos os pressupostos da invocada prescrição.
4.ª As Rés impugnaram frontalmente a afirmação contida no artigo 27.° da petição inicial de que nenhum pagamento fizeram ao Autor.
5.ª A impugnação do articulado pelo Autor, ora Apelado, de que as Rés nada pagaram, claramente significa que pagaram a quantia reclamada pelo Apelado.
6.ª A impugnação da matéria de facto alegado no artigo 27º da petição inicial preenche o requisito da alegação do pagamento da quantia peticionada.
7.ª O crédito correspondente aos Honorários reclamados pelo Apelado encontra-se prescrito.
8.ª A sentença apelada fez errada aplicação do artigo 317.° do Código Civil e 574.º. do Código do Processo Civil, preceitos legais que violou.
7. Contra-alegou o A., pugnando pela improcedência do recurso e consequente confirmação da sentença recorrida.
8. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
* II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se ocorreu a prescrição do crédito por honorários e despesas, nos termos do artigo 317º, alínea c), do Código Civil.
* III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. O Autor exerce como profissional a actividade de advogado, de forma habitual e lucrativa, encontra-se inscrito para o efeito na ordem dos Advogados, no Conselho Distrital de Coimbra, sendo portador da cédula profissional com o n.º ..., e com escritório na Av. ..., em Leiria.
2. A ré VANKATI – TRANSPORTES, UNIPESSOAL, LDA., é uma Sociedade Comercial por quotas, contribuinte nº 507609034, com o número de identificação de pessoa colectiva 507609034, com sede na Estrada Cidade de Santarém, Alqueidão, freguesia de Casével e Vaqueiros, Santarém, que tem por objecto o transporte rodoviário de mercadorias, aluguer de máquinas e equipamentos, comércio de materiais de construção, aterros e desaterros.
3. O capital social da Ré Sociedade é de €125.000,00.
4. A ré BB é sócia única da Ré Sociedade, sendo detentora da quota única de €125.000,00, e assume a gerência da mesma.
5. A Ré Sociedade recorreu aos serviços profissionais do Autor, para exercer o mandato judicial no âmbito processo de n.º 168361/12.3YIPRT, aos quais estes autos se encontram apensos, e no âmbito do processo n.º 1023/17.6T8STR, que correu termos Juízo Local Cível - Juiz 1, deste Tribunal Judicial da Comarca de Santarém.
6. Para o efeito, a Ré Sociedade, representada pela ré BB, conferiu ao Autor, em procuração bastante, com precisos poderes para a representar nas supra referidas acções
7. No âmbito do processo n.º 168361/12.3YIPRT, o Autor patrocinou a aqui Ré Sociedade, esta também na qualidade de Ré, em que figurava na qualidade de autora CC.
8. Já no âmbito do processo n.º 1023/17.6T8STR, o Autor patrocinou a aqui Ré Sociedade, esta na qualidade de Autora, em que figurava na qualidade de ré “Moneris- Serviços de Gestão, S.A.”.
9. Nos processos em referência, o Autor consultou os processos, estudou, preparou e elaborou as seguintes notas de despesas e honorários por referência ao valor/hora e tempo concretamente despendido: A) processo n.º 168361/12.3YIPRT:
1) 2/11/2012 - Abertura de Pasta, custo: €75,00;
2) 12/11/2012- Consulta, custo: €75,00;
3) 12/11/2012 - Procuração: custo €37,5;
4) 12/11/2012 - Recebimento em numerário da cliente - €190,00;
5) 13/11/2012 - Pagamento de Taxa de Justiça €183,6 - pagamento €184,0;
6) 13/11/2012 - Elaboração e envio de Oposição (Injunção)- custo: €202,5;
7) 22/11/2012 - Recepção, análise e arquivamento de notificação- custo €22,50;
8) 06/03/2013- Recepção, análise e arquivamento de notificação- Despacho- custo: €22,50;
9) 08/05/2013 - Recepção, análise e arquivamento de notificação- Documentos - custo: 22,50;
10) 27/02/2014 - Recepção, análise e arquivamento de notificação -Despacho- custo: €22,50;
11) 12/03/2014 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Requerimento- custo: €22,50;
12) 24/03/2014 Elaboração e envio de Contestação, custo: €150,00;
13) 24/03/2014 Elaboração e envio de Fax, custo: €37,50;
14) 24/03/2014 Elaboração e envio de email, custo: €37,50;
15) 08/07/2014 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Despacho, custo: €22,50;
16) 11/07/2014 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Requerimento, custo: €22,50;
17) 02/02/2015 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Despacho, custo: 22,50;
18) 24/02/2015 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Data da Audiência de Discussão e Julgamento, custo €22,50;
19) 07/04/2015 Reunião com a cliente, custo: €75,00;
20) 13/05/2015 Audiência de Discussão e Julgamento- Santarém, custo: €150,00;
21) Deslocação para Audiência de Discussão e Julgamento- Santarém, custo: €61,60;
22) 25/05/2015 Elaboração e envio de Requerimento, custo: €75,00;
23) 25/05/2015 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Requerimento, custo: €22,50;
24) 03/06/2015 Recepção, análise e arquivamento de email, custo: €22,50;
25) 03/06/2015 Recepção, análise e arquivamento de email, custo: €22,50;
26) 04/06/2015 Elaboração e envio de Requerimento, custo: €37,50;
27) 02/10/2015 Audiência de Discussão e Julgamento- Santarém, custo: €300,00;
28) 02/10/2015 Deslocação para Audiência de Discussão e Julgamento- Santarém, custo: €61,600;
29) 12/10/2015 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Requerimento, custo: €22,50;
30) 28/10/2015 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Despacho, custo: €22,50;
31) 16/11/2015 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Sentença, custo: €22,50;
32) 24/11/2015 Elaboração e envio de Requerimento, custo: €52,50;
33) 24/11/2015 Elaboração e envio de Carta Registada com A.R., custo: €37,50;
34) 30/11/2015 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Requerimento: custo €22,50;
35) 13/01/2016 Pagamento de Taxa de Justiça, valor: €25,50;
36) 13/01/2016 Elaboração e envio de Alegações, custo: €375,00;
37) 12/02/2016 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Alegações, custo: €22,50;
38) 24/02/2016 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Recurso custo: €22,50;
39) 26/10/2016 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Acórdão, custo: € 22,50;
40) 09/11/2016 Reunião com a cliente, custo: €75,00;
41) 15/11/2016 Recepção, análise e arquivamento de email, custo: €22,50;
42) 23/11/2016 Elaboração e envio de email, custo: €37,50;
43) 23/11/2016 Elaboração e envio de Fax, custo: €37,50
44) 28/11/2016 Recepção, análise e arquivamento de email, custo: €22,50;
45) 06/12/2016 Elaboração e envio de email, custo: €37,50
46) 06/12/2016 Recepção, análise e arquivamento de email, custo: €22,50;
47) 16/12/2016 Recepção, análise e arquivamento de email, custo: €22,50;
48) 27/12/2016 Elaboração e envio de email, custo: €37,50;
49) 27/12/2016 Recepção, análise e arquivamento de email €22,50;
50) 06/01/2017 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Sentença, custo: €22,50;
51) 13/01/2017 Elaboração e envio de email, custo: €37,50;
52) 19/01/2017 Pagamento de Taxa de Justiça, custo €51,00;
53) 19/01/2017 Elaboração e envio de Alegações, custo, €225,00;
54) 08/03/2017 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Recurso, custo: €22,50;
55) 05/07/2017 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Acórdão, custo: €22,50;
56) 23/10/2017 Recepção, análise e arquivamento de email, custo €22,50
57) 30/10/2017 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Regulamento das Custas Processuais, custo: €22,50;
58) 12/10/2021 Telefone, custo: €10,00;
59) 12/10/2021 Correio, custo: € 5, 0 0;
60) 12/10/2021 Fotocópias: €20, 00
61) 05/11/2021 Honorários- Tempo com estudo e preparação do processo, custo: €500,00.
10. Num total de €3.515,70, tendo, por conta de tais custos, recebido a quantia de €190,00. B) processo n.º 1023/17.6T8STR:
1) 09/01/2013 Abertura de Pasta, custo: €75,00;
2) 09/01/2013 Consulta, custo: €75,00;
3) 09/01/2013 Procuração, custo: €37,50;
4) 28/03/2017 Elaboração e envio de email, custo: €37,50;
5) 03/04/2017 Elaboração e envio de Petição Inicial, custo: €292,50;
6) 16/06/2017 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Contestação com Documentos, custo: €22,50;
7) 27/06/2017 Elaboração e envio de Réplica, custo: €52,50;
8) 11/09/2017 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Despacho, custo: €22,50;
9) 20/09/2017 Elaboração e envio de Requerimento, custo: €135,00;
10) 25/10/2017 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Data da Audiência Prévia, custo: €22,50;
11) 26/10/2017 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Requerimento, custo: €22,50;
12) 27/10/2017 Elaboração e envio de Declaração Electrónica de Adesão, custo 37,50;
13) 08/11/2017 Elaboração e envio de Requerimento, custo: €52,50;
14) 09/11/2017 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Data da Audiência Prévia, custo: €22,50;
15) 09/11/2017 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Requerimento, custo: €22,50;
16) 15/12/2017 Audiência Prévia, custo: €82,50;
17) 15/12/2017 Pagamento de Certidão Comercial Permanente, custo: €25,00;
18) 19/12/2017 Elaboração e envio de Requerimento, custo: €37,50;
19) 19/12/2017 Elaboração e envio de email, custo: €37,50;
20) 19/12/2017 Elaboração e envio de email para notificação da Colega do requerimento enviado via CITIUS, custo: €20,40;
21) 19/12/2017 Elaboração e envio de requerimento via CITIUS para juntar ao processo certidão permanente, custo: €29,70;
22) 20/12/2017 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Junção de Documento Comprovativo, custo: € 22,50;
23) 27/12/2017 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Impossibilidade de notificação de testemunha, custo: €22,50;
24) 28/12/2017 Elaboração e envio de Requerimento, custo: €37,50;
25) 23/04/2018 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Sentença, custo: €22,50;
26) 30/04/2018 Elaboração e envio de email, custo: €37,50;
27) 15/06/2018 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Regulamento das custas, custo: €22,50;
28) 18/06/2018 Recepção, análise e arquivamento de carta da colega- Custas de parte, custo: €22,50;
29) 28/06/2018 Elaboração e envio de email, custo: €37,50;
30) 04/07/2018 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Requerimento, custo: €22,50;
31) 17/07/2018 Elaboração e envio de Requerimento, custo: €67,50;
32) 06/09/2018 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Requerimento, custo: €22,50;
33) 14/09/2018 Elaboração e envio de Requerimento, custo: €37,50;
34) 20/09/2018 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Pagamento de Taxa de Justiça e Multa, custo: € 22,50;
35) 17/10/2018 Recepção, análise e arquivamento de notificação- Despacho, custo: €22,50;
36) 13/10/2021 Fotocópias, custo: €20,00;
37) 13/10/2021 Telefone, custo: €5,00;
38) 05/11/2021 Honorários- Tempo com estudo e preparação do processo, custo: €200,00.
11. Num total de €1.943,70.
12. Em 05.11.2021, o Autor remeteu às Rés, através de e-mail, as notas de despesas e honorários, solicitando o pagamento, no prazo de 10 dias, da quantia total de €5.465,05, sendo €3.521,35 referente ao processo n.º 168361/12.3YIPRT, e a quantia de €1.943,70 referente ao processo n.º 1023/17.6T8STR, indicando que o pagamento poderia ser realizado por cheque a remeter para o escritório do Autor, ou por transferência bancária, para o IBAN nº DD e SWIFT/BIC: CGDIPTPL, da Caixa Geral de Depósitos.
*
A.2. E considerou-se como não provado que:
A - As Rés procederam ao pagamento da quantia referida em 12 dos factos provados.
B - Em data não apurada, as Rés transmitiram ao Autor que pretendiam proceder ao pagamento daquela quantia.
*
B) – O Direito 1. Com a presente acção visava o A. obter das RR. o pagamento dos honorários e despesas pelos serviços jurídicos prestados no âmbito dos processos que identifica.
Na sentença, em face da factualidade provada, que não é impugnada no recurso, configurou-se, e bem, a relação contratual em causa como de contrato de mandato judicial, oneroso e com representação, nos termos dos artigos 1157.º, 1158.º, nº 1 e 1178.º do Código Civil, mediante o qual o A. se obrigou a patrocinar a R. Sociedade e a desenvolver todo o trabalho técnico e intelectual, em representação dos interesses desta, com vista à obtenção do vencimento no pleito, sendo obrigação da Ré, como contrapartida, pagar a remuneração por esse trabalho.
Mas, ao contrário da pretensão das RR., julgou-se improcedente a excepção de prescrição invocada, sob o entendimento de que, embora o crédito reclamado nos autos integre a previsão da alínea c) do artigo 317.º do Código Civil – porquanto se trata de crédito decorrente dos serviços prestados no exercício de profissão liberal e pelo reembolso das despesas correspondentes –, «as Rés limitaram-se a invocar a prescrição e a impugnar a falta de pagamento invocada pelo Autor», não fazendo uma alegação expressa do pagamento para fundar o estabelecimento da aludida presunção.
Assim, e tendo por base os critérios de fixação dos honorários enunciados no artigo 105º do Estatuto da Ordem dos Advogados (AO), que o montante indicado na nota de honorários e despesas não foi impugnado, e que o mandato foi conferido apenas pela 1ª R. e no benefício desta, que não provou o pagamento dos serviços prestados, condenou-se a mesma no pedido, absolvendo-se a 2ª R..
A 1ª R., VANKATI – Transportes, Unipessoal, Lda., discorda do decidido quanto à matéria da prescrição, porquanto entende estarem reunidos os requisitos para aplicação da norma da alínea c) do artigo 317º do Código Civil, visto que decorreu o prazo da prescrição e as RR. impugnaram a afirmação contida no artigo 27º da petição inicial de que “nenhum pagamento fizeram ao Autor”.
Contudo não lhe assiste razão.
Senão, vejamos:
2. Nos artigos 312.º a 317.º do Código Civil, estão previstas as prescrições presuntivas, nos termos das quais «(…) a lei presumiu que decorridos estes prazos, o devedor teria pago. (…) Elas são tratadas, não bem como prescrições, mas como simples presunções de pagamento. Por isso, são afastadas pela prova da existência da dívida, mas só nos limitados termos que vamos dizer. Enquanto nas prescrições verdadeiras, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, nestas prescrições presuntivas parece que não pode ser assim: se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado da mesma maneira, e a prescrição não funciona, embora ela a invoque.» (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, Coimbra, Reimpressão, 1992, páginas 452 e 453.).
As prescrições presuntivas, como se diz na sentença, fundam-se, pois, numa presunção de pagamento e destinam-se a valer ao devedor que não se muniu de quitação, por se tratar de dívidas que costumam ser pagas em curto prazo, protegendo o consumidor comum.
Com efeito, as presunções prescritivas explicam-se pelo facto de as obrigações a que respeitam costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir, em via de regra, quitação, ou, pelo menos, não se conservar por muito tempo essa quitação. Decorrido o prazo legal, presume-se que o pagamento foi efectuado (cf. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, págs. 1051 e 1052, e Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 109º, pág. 246).
Também Rodrigues Bastos nos alerta para esta realidade, dizendo que “as chamadas prescrições presuntivas são prescrições de curto prazo, que têm esta característica especial: o decurso do termo estabelecido por lei não produz, como nas outras prescrições (cf. art. 304º) a extinção do direito, dando lugar apenas a uma presunção de cumprimento, que pode ser ilidida, embora só pelo meio previsto no art. 313º” (Das Relações Jurídicas, IV, pág. 142).
Porém, constituindo uma mera presunção de pagamento, a prescrição presuntiva não poderá aproveitar a quem tenha uma actuação em juízo incompatível com a presunção de cumprimento (cf. artigo 314º do Código Civil).
De facto, as prescrições presuntivas são meras presunções de cumprimento e não se confundem com as prescrições extintivas. Nestas últimas, para que os seus efeitos operem, basta ao devedor invocar o decurso do prazo. A partir daí, a excepção procede e a obrigação transforma-se numa obrigação natural, tendo o devedor a faculdade de recusar a prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito.
Nas prescrições presuntivas a sua eficácia restringe-se à liberação do devedor do ónus de prova de cumprimento, destinando-se o prazo prescricional estabelecido na lei a fixar o momento a partir do qual passa a recair sobre o credor a prova em contrário da presunção de cumprimento, prova essa que fica restringida à confissão expressa ou tácita, como se disse.
Por isso, ao devedor que se queira valer da prescrição presuntiva cabe-lhe o ónus de alegar expressa e inequivocamente que já efectuou o pagamento, ficando apenas dispensado de provar esse pagamento e cabendo à parte contrária o ónus de provar que ele não ocorreu [cf., entre muitos outros, os Acórdãos da Relação de Évora, de 07/06/2008 (proc. n.º 1706/08-3), da Relação de Lisboa, de 07/06/2011 (proc. n.º 9150.4YIPRT-A.L1-7), e da Relação de Coimbra, de 10/12/2013 (proc. n.º 229191/11.0YIPRT.C1), disponíveis, como os demais citados sem outra referência em: www.dgsi.pt].
3. No caso em apreço, como se disse, as RR. invocaram a prescrição prevista na alínea c) do artigo 317º do Código Civil, nos termos da qual prescrevem no prazo de dois anos: “Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes”.
Não se questionando que os serviços jurídicos prestados o foram no âmbito da aplicação da norma em causa, nem o decurso do prazo prescricional, para que o réu beneficie da prescrição, tem que invocar, ainda, que procedeu ao pagamento, o que no caso não sucedeu.
Efectivamente, as RR. limitaram-se a dizer que “[d]eixa-se impugnada a matéria de factos articulados no artigo 27º da douta petição inicial” (cf. artigo 9º), onde o A. alegou que: “… as Rés, embora o venham sempre prometendo, até à data de hoje ainda não efectuou nenhum pagamento ao Autor”. E daqui resulta tão só a impugnação das promessas de pagar feita pelas RR. e a impugnação do facto de ainda não terem feito qualquer pagamento ao A., mas não que pagaram a dívida.
Ou seja, com tal singela impugnação, sem qualquer motivação ou justificação, as RR. apenas questionam que tenham prometido pagar e que não tenham feito qualquer pagamento ao A., mas essa impugnação não constitui nem substitui a necessidade da alegação de pagamento, que fundamenta a aplicação das presunções presuntivas, como se disse.
E não faz qualquer sentido a alusão da recorrente na motivação do recurso à “impugnação motivada”, porque na contestação, no que se reporta à impugnação do alegado pelo A. no artigo 27º da petição inicial, não aduzem qualquer justificação ou motivação para tal impugnação.
Deste modo, não tendo as RR. alegado o pagamento da dívida, limitando-se a invocar a prescrição presuntiva e a impugnar que tenham prometido pagar e que não efectuaram qualquer pagamento ao A., não cumpriram o ónus que sobre si impendia, não operando, por isso a prescrição presuntiva a que se reporta a alínea c) do artigo 317º do Código Civil.
4. Por conseguinte, improcede a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
* IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
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Évora, 23 de Novembro de 2023
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Ana Pessoa
(documento com assinatura electrónica)