ACÇÃO DE HONORÁRIOS
VALOR
LAUDO
Sumário


I) Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais (cf. artigo 105º, n.º 3, do EOA).
II) Assim, tendo o A., após a prestação dos serviços, apresentado nota de honorários, em que discriminou todos os serviços com indicação do valor de € 80,00/hora, há que presumir que teve efectivamente em conta aqueles critérios orientadores na fixação deste valor.
III) Por conseguinte, tendo sido emitido laudo que reduziu o número de horas necessárias para a prestação dos ditos serviços (de 298 indicadas para 100), os honorários em causa devem ser fixados atendendo a este elemento e ao valor-hora que resulta da nota de honorários, e não por montante superior, como o indicado no laudo e na sentença, que “majorou” os honorários em função dos resultados obtidos, sem ter em conta o valor-hora efectivamente pedido pelo causídico.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório
1. AA intentou acção de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 23.379,33, acrescida de juros legais vincendos, até integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida de € 23.290,00.

2. Para tanto, alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade profissional prestou, a pedido da R. e mediante procuração, os serviços de advocacia no âmbito do Processo n.º 3049/15.5T8STB e Apensos, designadamente, Processo nº 3049/15.5T8STB-A, 3049/15.5T8STB-B, 3049/15.5T8STB-C, 3049/15.5T8STB-D, 3049/15.5T8STB-B.E1 e 3049/15.5T8STB-B.E1.S1, no valor peticionado, como constam da nota de honorários devidamente elaborada e discriminada, e que R., apesar de instada, não pagou.

3. Citada, veio a R. contestar, invocando, em síntese, o excesso da nota de honorários, designadamente as horas de trabalho indicadas pelo Autor.

4. Foi solicitado à Ordem dos Advogados a realização de laudo de honorários, o qual se mostra junto aos autos.
Realizou-se a audiência prévia, na qual, além do mais, foi acordado pelas partes que os autos dispensavam a produção de qualquer prova, vindo a ser proferido saneador-sentença, no qual se decidiu:
«… julgo parcialmente procedente por provada a presente acção e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 15.450,00 (acrescida dos impostos aplicáveis) acrescida dos respectivos juros de mora vincendos à taxa supletiva até integral pagamento.»

5. Inconformada veio a R. interpor o presente recurso, o qual motivou, pedindo a redução do valor dos honorários fixados, sustentando a sua pretensão nas seguintes conclusões:
A - Não pode a recorrente conformar-se com a sentença, uma vez que, a mesma foi produzida à revelia, do artigo 106 n.º 3 do EOA, da proporcionalidade, do excesso pronúncia prevista nos artigos 615.º alínea d) e nº 2 do 608.º, do CPC e das próprias regras de experiência comum.
B - Os factos alegados pelo autor, com especial relevância para a questão agora colocada em apreço a V.Exªs, cumpre antes de mais dizer que o autor fundamenta o seu pedido de honorários com base no seguinte:
a) Numero de horas despendidas – 298h;
b) Valor hora – 80.00€.
C - O que leva a concluir que terá transposto nestes dois elementos todo o trabalho que realizou, considerando a complexidade, o resultado e todos os demais elementos.
D - Certo é que, o autor na P.I não alega e não faz referência a qualquer outro critério de forma expressa, seja ele de majoração, complexidade resultado, etc…
E - Pedido o laudo á ordem dos advogados, esta em fase dos elementos que lhe foram transmitidos, determinou que o trabalhou realizado pelo A., representava em tempo cerca de 100 horas, e não as 298 horas, alegadas pelo A.
F - O referido Laudo, contudo, remeteu para o critério estabelecido no artigo 105 n.º 3 do EOA e entendeu que o valor total de honorários seria de 16.000,00€.
G - Portando o Laudo, nada refere quanto ao valor de hora de trabalho.
H - Sendo no entanto fácil de concluir que com recurso aquele critério estabelecido no artigo 105 n.º 3 EOA, o laudo elevou o valor de 8.000,00€ correspondente às 100 horas que fixou a multiplicar pelos 80.00€ pedidos pela A., dizíamos, elevou esse valor de 8.000,00€ para 16.000,00€.
I - E se o A., não faz referência aos critérios previstos no artigo 105 n.º 3 EOA, não nos parece que tenha sido por esquecimento, mas antes sim, porque incorporou desde inicio tais critérios aquando da determinação quer das horas despendidas quer do valor hora cobrado. (Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães, 1227/06.7TBVCT-A.G1 – 23/03/2011)
J - Horas estas, que foram reduzidas em aproximadamente 2/3, conforme resulta do Laudo.
K - O Tribunal “a quo”, na esteira do Laudo apresentado pela OA, vem preencher diferencial entre os 8.000,00€ para os 16.000,00€, fazendo referência ao critério da majoração pelo resultado obtido.
L - Mais uma vez, também aqui verificamos que existe a adopção agora pelo tribunal “a quo” de um critério nunca alegado sequer pelo A.
M - Quanto ao critério da majoração, fundamento do tribunal “a quo”, diga se que a aplicação do mesmo pressupõe um acordo entre advogado e cliente, conforme previsto no artigo 106 n.º 3 da EOA.
N - Acordo este, que nunca existiu, dai que nem tão pouco alguma vez tenha sido alegado pelo A.
O - O tribunal “a quo”, ao decidir com base em tal entendimento foi para além daquilo que constitui os elementos da causa de pedir do A.
P - Tal decisão, salvo melhor entendimento de V.Exªs Juízes Desembargadores, constitui por parte do tribunal “a quo” um excesso de pronuncia nos termos dos artigos 615.º alínea d) e nº 2 do 608.º, do CPC.
Q - Tal falta de acordo quanto a esta matéria, sendo o mesmo utilizado para condenar a R. nos 16.000,00€, constituiria também uma violação do principio da proporcionalidade, bem como, das próprias regras de experiencia comum, neste caso em matéria profissional, no âmbito do exercício da advocacia.
R - Uma vez que, se nunca existiu acordo entre as partes, advogado/cliente, para o uso do critério da majoração pelos resultados obtidos e se o A. emite a sua nota de honorários após o encerramento de todos os processos em curso, informando a cliente que iria cobrar 80.00€ hora pelo serviço prestado, obviamente o A. só poderia ter colocado nesse valor hora, todos os critérios que entendeu como possíveis à luz do artigo 105 n.º 3 do EOA, sem nunca esquecer a proporcionalidade dos mesmos.
S - A R. aceita o numero de horas determinado no Laudo, 100 horas, à razão de 80.00€ hora, correspondente ao valor peticionado pela A., até porque quer a OA quer o próprio tribunal “a quo”, não mencionaram qualquer outro valor que não este.
T - Assim aceita a R. o valor de 8.000,00€ a título de honorários.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente e provado e, por via dele ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene a recorrente no pagamento de 8.000,00€ a título de honorários ao recorrido.

6. Não se mostram juntas contra-alegações.

7. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia; e
(ii) Da redução do montante de honorários fixados.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
A) O Autor é advogado, portador da cédula profissional com o nº ..., com escritório na Praça ..., ..., ..., em ... Vila Nova de Santo André.
B) No exercício da sua actividade prestou, a pedido da Ré e mediante procuração, os serviços de advocacia no âmbito do Processo nº 3049/15.5T8STB e Apensos, designadamente, Processo nº 3049/15.5T8STB-A, 3049/15.5T8STB-B, 3049/15.5T8STB-C, 3049/15.5T8STB-D, 3049/15.5T8STB-B.E1 e 3049/15.5T8STB-B.E1.S.1.
C) Os serviços prestados pelo Autor à Ré ocorreram no período compreendido entre 3 de Junho de 2015 e 28 de Janeiro de 2019.
D) Reuniões com a Cliente e análise dos documentos confiados, bem como consulta ao “Citius” sobre o andamento do Processo Principal e Apensos.
E) No Processo nº 3049/15.5T8STB-A (Apenso A) – Habilitação de Herdeiros, designadamente, na análise de documentos e da douta Sentença.
F) No Processo nº 3049/15.5T8STB-B (Apenso B) – Oposição à Penhora, designadamente, preparação, estudo e elaboração de Oposição à Execução, análise da Contestação apresentada pela R., análise de despachos judiciais, preparação, estudo e deslocação ao Tribunal para realização de Tentativa de Conciliação, análise da douta Sentença, análise de Recurso interposto pela R. e Resposta ao Recurso de Apelação.
G) Oposição à Penhora e à Execução (Embargos de Executado), deslocação ao Tribunal para realização de tentativa de conciliação, análise da douta Sentença, análise de Recurso interposto pela exequente Caixa Geral de Depósitos e Resposta ao Recurso de Apelação.
H) No Processo nº 3049/15.5T8STB-C (Apenso C) – Oposição à Penhora, designadamente, preparação, estudo e elaboração apresentada pela Ré, análise da Contestação apresentada pela exequente Caixa Geral de Depósitos, análise de diversos despachos judiciais e requerimentos, conforme Oposição à Penhora (Embargos de Executado) e douto Despacho atendendo à pretensão da executada.
I) No Processo nº 3049/15.5T8STB-D (Apenso D) – Reclamação de Créditos, designadamente análise de documentos, Oposição à Reclamação de Créditos, análise a requerimentos e à douta Sentença proferida, conforme Oposição à Reclamação de Créditos e douta Sentença.
J) No Processo nº 3049/15.5T8STB-B.E1 que correu termos no Tribunal da Relação de Évora, designadamente, análise ao Acórdão, requerimento e Alegações de Recurso de Revista, análise das Alegações de Parte e de despachos judiciais, conforme Acórdão e Alegações de Recurso.
K) No Processo nº 3049/15.5T8STB-B.E1.S.1 que correu termos no Supremo Tribunal de Justiça, análise de despachos judiciais e análise do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
L) Foram consideradas pelo Autor, 298 horas de trabalho, a € 80,00/hora
M) Em 11/12/2018, no seguimento do Recurso interposto pela Ré, foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça Acórdão que, concedendo a Revista, revogou o Acórdão recorrido, com a inerente repristinação da Sentença apelada, extinguindo a execução e absolvendo a ora Ré de qualquer pagamento.
N) O Autor, em 19 de Outubro de 2020, remeteu à Ré, por carta registada, Nota de Honorários devidamente elaborada e discriminada no valor de € 23.840,00, nela fazendo menção à quantia de€ 550,00 recebidos a título de provisão de honorários.
O) Apesar de instada para proceder ao pagamento dos honorários em dívida, a Ré recusa proceder ao seu pagamento.
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B) – O Direito
1. A R. discorda de sentença, começando por arguir a nulidade da mesma por excesso de pronúncia.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do C. P. Civil, comina-se com a nulidade a sentença quando: “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”
Efectivamente, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (cf. artigo 608º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Por conseguinte, a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tem sido entendimento pacífico da doutrina e na jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art.º 615º nº 1, al. d), do CPC. Daí que, se na sua apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.
Como escreve Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª Edição, pág. 57, “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”. E acrescenta, citando Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pg. 143, que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Se bem percebemos a pretensão da R. funda-se no facto de o tribunal a quo, na fixação dos honorários, ter utilizado o “critério da majoração”, relativamente ao qual diz não ter havido acordo prévio, nem ter sido alegado pelas partes.
Porém, importa lembrar que a questão submetida ao tribunal respeitava à fixação dos honorários pedidos pelo A. pelos serviços prestados à R. no âmbito do mandato forense por esta conferido e foi essa a questão apreciada e decidida pelo tribunal “a quo”, convocando os critérios legalmente previstos, que teve por pertinentes.
Se o fez erradamente, designadamente para fixar os honorários em € 16.000,00, e se violou o princípio da proporcionalidade, bem como, as próprias regras de experiencia comum, neste caso em matéria profissional, no âmbito do exercício da advocacia, a que a que a R. alude, tal questão tem a ver com o mérito da decisão e não com a nulidade da mesma.
Por conseguinte, improcede a invocada nulidade.

2. Quanto à questão de fundo, com a presente acção visava o A. obter o pagamento da R. dos honorários pelos serviços jurídicos prestados no âmbito dos processos que identifica.
Na sentença, em face da factualidade provada, que não é impugnada no recurso, configurou-se, e bem, a relação contratual em causa como de contrato de mandato judicial, oneroso e com representação, nos termos dos artigos 1157.º, 1158.º, nº 1 e 1178.º do Código Civil, mediante o qual o A. se obrigou a patrocinar a R. e a desenvolver todo o trabalho técnico e intelectual, em representação dos interesses desta, com vista à obtenção do vencimento do pleito, sendo uma obrigação da R, como contrapartida, pagar a remuneração por esse trabalho.
Em causa no recurso está unicamente a fixação do valor dos honorários pela prestação desse trabalho.
Lembremos que o A., pelos serviços prestados, pediu o pagamento de 298 horas de trabalho, que contabilizou a € 80,00/hora, no montante total € 23.290,00, acrescidos de IVA (cf. petição inicial e nota de honorários)
Na sentença, aderindo-se ao laudo de honorários, que reduziu o tempo de trabalho para 100 horas, fixou-se o montante total dos honorários em € 16.000,00, valorando-se, tal como no laudo, a componente “resultado obtido”, referindo-se que, “[s]e o tempo despendido de 100 horas justifica plena e cabalmente a quantia de € 8.000,00 de honorários, a quantia de € 16.000,00 estabelecido no laudo de honorários, equivale a aplicar uma majoração pelos resultados obtidos de pouco mais de 5% do beneficio da Ré (entendido como o valor que deixou de ter de pagar) com pleito e com o trabalho despendido pelo Autor, o que [se] afigura ajustado recorrendo a critérios de equidade”.
A R. discorda, invocando, além do mais, não ter havido acordo quanto à majoração em causa, que não foi invocada pela A. e que o A. emite a sua nota de honorários após o encerramento de todos os processos em curso, informando a cliente que iria cobrar 80.00€ hora pelo serviço prestado, pelo que o A. só poderia ter colocado nesse valor hora todos os critérios que entendeu como possíveis à luz do artigo 105 n.º 3 do EOA, sem nunca esquecer a proporcionalidade dos mesmos.
Vejamos:

3. Nos termos do artigo 1158º, n.º 2, do Código Civil, se o mandato for oneroso, como é o caso, “a medida de retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade”.
Por sua vez, prescreve-se no artigo 105º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro, que:
«1 - Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.
2 - Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.
3 - Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.»
Afigura-se-nos constituir orientação jurisprudencial unânime, que a norma do n.º 3 deste preceito não estabelece qualquer critério legal de fixação do montante dos honorários a advogado, na falta de ajuste ou de tarifas profissionais, nele se consagrando apenas “critérios ou parâmetros referenciais de carácter deontológico/estatutário a serem observados pelos advogados na fixação dos respectivos honorários”, mas, apesar de assumirem natureza meramente indicativa, tais elementos não poderão deixar de ser tidos em consideração pelo julgador, no justo cálculo do montante de honorários (cf., entre outros o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22/03/2011 (proc. n.º 1227/06.7TBVCT-A.G1), disponível, como os demais citados em www.dgsi.pt.
Assim, como se conclui neste aresto, «[a] fixação de honorários a advogado, na falta de acordo entre as partes ou na impossibilidade de se determinar o respectivo montante em conformidade com o critério acordado, é determinada, conforme o disposto no art. 1158º, nº2 do C. Civil, por juízo de equidade, integrado pelos critérios ou parâmetros referenciais de carácter deontológico/estatutário indicativos previstos no art. 100º, nº3 do EOA, sem esquecer a boa fé que deve estar sempre subjacente às relações contratuais», e «[n]ão obstante não existir uma hierarquia entre os elementos de ponderação previstos no art. 100º, nº3 do EOA [com correspondência no actual art 105º, n.º 3], há que aceitar que, perante as circunstâncias concretas de cada caso, uns possam assumir maior relevância que outros, sendo certo que, segundo a nossa jurisprudência, o tempo gasto pelo advogado e a dificuldade do assunto, normalmente, são os elementos mais decisivos, já que reflectem a complexidade da causa e o esforço despendido pelo advogado para solucionar o problema, devendo ser relegado para um plano secundário o resultado conseguido.»
Efectivamente, como se salienta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/07/2018 (proc. n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1):
«Deste quadro normativo resulta que a fixação de honorários implica a emissão de um juízo discricionário, “não no sentido que se dá à palavra no contencioso administrativo (cf. Freitas do Amaral, in "Direito Administrativo", II, 105 e segs.), antes no sentido civilístico que muito tem a ver com a boa-fé que impregna toda a relação contratual e com os inevitáveis poderes do juiz no procedimento das normas contendo conceitos indeterminados pois, para além da ponderação dos factores aludidos no Estatuto da Ordem dos Advogados, impõe que se atente no laudo da Ordem, se o houver, e se considerem juízos de equidade” (cf. Acórdão do STJ de 02-10-2008, disponível em www.dgsi.pt).
Na verdade, a lei não estabelece qualquer método decisório ou critério legal, antes consagra critérios ou parâmetros referenciais de carácter deontológico/estatutário a serem observados pelos advogados na fixação dos honorários respectivos (cf. Acórdão do STJ de 1/3/2007, disponível em www.dgsi.pt).
Deve, assim, em cada caso, considerar-se a especificidade do trabalho desenvolvido, o tempo despendido, o grau de exigência e a dificuldade técnica. Para além disso, e não obstante a obrigação a que se encontra adstrito o advogado ser, essencialmente, uma obrigação de meios e não de resultado (cf. Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Advogados, 1985, pág. 23), deve ainda dar-se a devida relevância ao «resultado obtido».

4. No caso em apreço foi solicitado laudo de honorários à AO, que teve como adequado e suficiente fixar o período temporal despendido na execução dos serviços prestados em 100 hora e, considerando os serviços prestados pelo Sr. Advogado e a aplicação dos critérios enunciados no artigo 105º do EOA, emitiu parecer no sentido de que “não é de conceder laudo ao valor de honorários praticado de 23.840€, mas já seria de conceder laudo se o montante de honorários pretendido fosse de 16.000,00€”.
E este parecer foi seguido na sentença, onde se salientou que:
«… o tempo despendido não assume lugar de relevo nos critérios que hão-de presidir à fixação da remuneração pelo serviço prestado, sendo, pois, fácil concluir que a fixação dos honorários de um Advogado no exercício de mandato forense não representa uma mera operação aritmética que contabiliza o número de horas despendido.
Os usos profissionais, sendo específicos de uma profissão que o tribunal não exerce e que lhe são totalmente alheios, levam a que em situações de divergência sobre o valor da justa compensação a suportar pelos serviços de advocacia, seja solicitado aos órgãos competentes da Ordem dos Advogados, um “laudo”, que nos termos do artigo 2º do Regulamento dos Laudos de Honorários, aparece definido enquanto “parecer técnico e juízo sobre a qualificação e valorização dos serviços prestados pelos advogados, tendo em atenção as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, a demais legislação aplicável”.
Sempre se entendeu que, na emissão do laudo, haverá que partir do pressuposto de que os serviços profissionais referenciados pelo Advogado como tendo sido prestados o foram efectivamente, uma vez que não é da competência da Ordem dos Advogados decidir, se, na verdade, tais serviços foram efectivamente prestados. Tal competência, sob pena de usurpação de poderes, cabe aos Tribunais enquanto órgãos de soberania a quem cabe a função jurisdicional e não à ordem dos Advogados.
Processualmente, é entendimento pacífico e dominante que “O laudo do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, junto a acção de honorários, deve se considerado como um parecer peça escrita, sem eficácia probatória, cuja função útil é a de poder contribuir para esclarecer o julgador” (neste sentido cfr. Acórdão da Relação do Porto de 28-11-2022, disponível em www.dgsi.pt e a título meramente exemplificativo) sem olvidar contudo que) “Porém, como contrapeso, a credibilidade que merece o laudo de honorários só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente fortes que abalem aquela credibilidade” (cfr. Acórdão da Relação de Évora de 13-02-2020, disponível em www.dgsi.pt).
No caso vertente, foi solicitado à Ordem dos Advogados a elaboração de laudo e este mostra.se junto aos autos. Partindo das premissas mencionadas – que os serviços foram efectivamente prestados não cabendo àquele órgão indagá-lo – o laudo proferido analisa os critérios elencados na lei para fixação de honorários e extrai uma conclusão.
No caso vertente, admitimos por correctas e adequadas as considerações ali tecidas na subsunção do trabalho exercido pelo Advogado ao Autor aos critérios legais estabelecidos.
Com efeito, a responsabilidade assumida pelo Autor nos serviços que prestou era alta, uma vez que estava em causa a cobrança coerciva de um valor de aproximadamente € 140.000,00 com risco de perda de casa de família.
No que respeita à dificuldade e criatividade intelectual, embora exigisse do Autor a utilização de conhecimentos técnico-jurídicos na área do direito civil e direito dos seguros, o nível de dificuldade e criatividade considera-se mediano.
Nenhuma urgência em particular foi sublinhada, sendo que o processo não tinha natureza urgente, pelo que os prazos de resposta a que o Autor se obrigou integram o padrão normal do trabalho que assumiu.
No que respeita ao resultado obtido, ter-se-á que valorizar particularmente o mesmo, pois conduziu à extinção da acção executiva, o que permitiu evitar o pagamento da elevada quantia exequenda e ao levantamento da penhora sobre a casa morada de família.
No que respeita ao tempo despendido, considerou o laudo – e com o qual concordamos – que o tempo estimado pelo Autor se mostra excessivo, atendendo a juízos de experiência comum, tendo por adequado um total de 100 horas.
E com efeito, atendendo ao que se mencionou designadamente ao nível da dificuldade e criatividade intelectual e situando-se este num patamar médio, reputa-se adequado as 100 horas de trabalho estimados pelo laudo de honorários.
Considerou-se ainda no critério dos demais usos profissionais que os custos de funcionamento e manutenção de um escritório em Vila Nova de Santo André serão mais moderados que em grandes centros urbanos, no que até se concede.
E, sopesando todos estes critérios, considerou o laudo de honorários junto aos autos que reputaria justo um valor de honorários na ordem dos € 16.000,00, por contraponto aos € 23.840,00.
Ora, como já se mencionou, os honorários de um profissional forense não são encontrados mediante a utilização de uma operação aritmética que multiplica o número de horas despendido pelo valor hora fixado pelo Advogado ou acordado pelas partes.
Se assim fosse, nenhum sentido faria apelar aos demais critérios. E, se assim fosse, o resultado obtido seria indiferente à fixação da compensação fixada ao profissional e assim não o é por imposição legal.
O tempo despendido por um profissional do foro será potencialmente o mesmo, independentemente do resultado que se vier a produzir. Dito de outra forma, um profissional competente e zeloso utilizará todos os seus conhecimentos jurídicos e empenho, independentemente do que resultado que venha a obter e que no caso das demandas judiciais – como foi no caso vertente – não dependem de si. E, o resultado obtido é, necessariamente, um critério relevante na fixação dos honorários de um advogado.
Com efeito, ainda que o Estatuto da Ordem dos Advogados proíba a fixação dos honorários mediante o estabelecimento de uma quota litis (quando o direito a honorários fique exclusivamente dependente do resultado obtido na questão e em virtude do qual o constituinte se obrigue a pagar ao advogado parte do resultado que vier a obter, quer este consista numa quantia em dinheiro, quer em qualquer outro bem ou valor) já assim não sucede sempre que se trate da fixação de uma majoração em função do resultado obtido, o que bem se percebe uma vez que o resultado obtido é, justa e adequadamente, um dos critérios para atender na fixação dos honorários.
E isto para dizer que, não obstante se tenha por adequado um dispêndio de 100 horas de trabalho, tal significa que aritmeticamente se alcance o valor doa honorários devidos pela multiplicação do valor hora cobrado pelo Autor, in casu € 80,00.
Com efeito e como já se sublinhou, o tempo despendido é apenas um dos critérios aplicáveis à fixação de honorários e, no caso vertente, entendemos que o resultado obtido deve ecoar nos honorários finais.
Não é igual para um cliente pagar o trabalho de um Advogado que nenhum benefício alcançou ou a um Advogado que com empenho e labor jurídico – independentemente do tempo despendido – almejou alcançar os resultados pretendidos e, no caso vertente, os resultados foram significativos: com efeito o resultado do Autor não apenas conduziu à extinção da acção executiva que visava cobrar quantia aproximada a € 140.000,00 como igualmente levou ao cancelamento da penhora que incidia sobre a casa de habitação da Ré e podia ter levado a perda da mesma.
Se o tempo despendido de 100 horas justifica plena e cabalmente a quantia de € 8.000,00 de honorários, a quantia de € 16.000,00 estabelecido no laudo de honorários, equivale a aplicar uma majoração pelos resultados obtidos de pouco mais de 5% do beneficio da Ré (entendido como o valor que deixou de ter de pagar) com pleito e com o trabalho despendido pelo Autor, o que afigura ajustado recorrendo a critérios de equidade.»

5. Na acção de honorários, é usual solicitar-se um “laudo” à Ordem dos Advogados, o qual reveste a natureza de “parecer técnico”, destinado a esclarecer o julgador, e que, como tal, se encontra sujeito à sua livre apreciação (v., neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/1/2010, proc. 2173/06.0TVPRT.P1.S1, e o citado acórdão de 12/07/2018).
E, como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/04/2015 (proc. n.º 4538/09.6TVLSB-B.L1.S1), «[p]ara determinação do seu valor probatório não pode deixar de se tomar em conta que foi elaborado por profissionais do mesmo ramo de actividade, eleitos pela assembleia geral da mesma Ordem, o que faz pressupor que possuem elevados conhecimentos técnicos para aferir, sob o ponto de vista económico, sobre o montante dos honorários devidos».
Porém, entende-se que, no caso, não é de seguir o entendimento firmado no laudo, a que a sentença aderiu, porque há elementos que não foram ponderados aquando da fixação dos honorários pelos serviços em causa.
Efectivamente, embora seja certo que, atendendo aos critérios orientadores do n.º 3 do artigo 105º do EAO, se entenda que os honorários não devem ser fixados em função da multiplicação do valor hora atribuído e do tempo gasto, havendo que dar a devida ponderação aos demais critérios referenciados, como a dificuldade do assunto, a responsabilidade assumida, os resultados obtidos e os usos profissionais, no caso concreto, não se concorda que possam justificar a majoração alcançada na sentença.
Na verdade, o próprio A. quantificou o valor do seu trabalho em € 80,00/hora e foi em função deste valor/hora e do tempo que disse ter despendido (298 horas) que elaborou a nota de honorários, indicando o valor global de € 23.840,00.
E se dúvidas houvesse bastaria atentar no teor da nota de honorários para se verificar que, em relação a cada item, todos os valores parcelares foram contabilizados tendo em conta o valor de € 80,00/hora.
Assim, se na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais (cf. artigo 105º, n.º 3, do EOA), tendo o A. fixado para os serviços prestados, que discriminou, o valor/hora de € 80,00, há que presumir que teve, efectivamente, em conta aqueles critérios orientadores na fixação deste valor, o que não foi tido em conta nem no parecer nem na sentença.
Por conseguinte, entende-se que não há fundamento para a majoração dos honorários em função do resultado/benefício obtido, como se fez na sentença, que nos levaria a considerar um valor/hora pelo dobro do indicado pelo A. pelos serviços prestados.
Deste modo, e tendo-se considerado que o tempo gasto na prestação dos serviços não foi de 298 horas, mas de 100 horas apenas, que se teve como adequado e suficiente, os honorários deverão ser fixados no montante € 8.000,00.

6. Assim, e estando demonstrado que a R. pagou a título de provisão a quantia de € 550,00, deve ser condenada no pagamento do remanescente em falta de honorários, no valor de € 7.450,00, acrescido de IVA e juros moratórios, estes como decidido na sentença.
Em consequência procede a apelação, com a consequente revogação parcial da sentença, em conformidade com o acima decidido.
As custas da apelação serão suportadas pelo recorrido que decaiu totalmente.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar parcialmente a sentença, condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 7.450,00, acrescida de IVA e de juros de mora vincendos à taxa supletiva, até integral pagamento.
Custas a cargo do A./recorrido.
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Évora, 23 de Novembro de 2023
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
José Lúcio
(documento com assinatura electrónica)