PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
FIADOR
INSOLVÊNCIA
NORMA SUPLETIVA
VENCIMENTO IMEDIATO DAS PRESTAÇÕES
Sumário


I - No caso de dívida fracionada em prestações, o vencimento imediato das restantes prestações à falta do pagamento de uma das prestações, nos termos do artigo 781.º C.C., constitui um benefício que a lei concede ao credor e que deve ser exercido mediante interpelação do devedor.
II - Este artigo tem natureza supletiva, podendo ser afastado por vontade das partes.
III - Nos termos do artigo 782.º CC, a perda do benefício do prazo com a falta de pagamento de uma das prestações não se estende ao fiador.
IV. Ao fiador, também não se lhe estende a perda do benefício do prazo decorrente da declaração de insolvência da devedora, a que alude o artigo 91.º, n.º 1, do CIRE
IV - Só assim não será se as partes tiverem convencionado o afastamento do regime constante do artigo 782.º CC, pois se trata de norma supletiva.
V - O fiador terá de ser interpelado para pôr termo à mora, a fim de obviar ao vencimento antecipado das prestações, não podendo tal interpelação ser substituída pela citação, já que esta não seria idónea para obviar às consequências não automáticas da mora do devedor.
VI. Verificada uma situação de iliquidez ou insuficiente concretização da determinação quantitativa da obrigação exequenda, sem que a irregularidade tenha sido corrigida na fase liminar da acção executiva (art.º 726º, n.º 4 do CPC), ao executado, se a execução prosseguir sem que a falta do pressuposto seja sanada, fica sempre salva a possibilidade de se opor à execução (art.º 729º, alínea e) do CPC).
VII. Na situação em análise, perante o estado dos autos e a dimensão da irregularidade em causa, não resta alternativa à extinção da instância executiva, pois os elementos juntos aos autos ou os que terão sido comunicados aos executados não contêm a necessária descrição detalhada dos montantes relativos a capital vencido e não pago, juros remuneratórios, comissões e despesas e respetivas datas de vencimento, bem como das taxas e base de incidência dos montantes devidos a título de juros moratórios, e imputação de valor no âmbito da insolvência do devedor.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,

I. RELATÓRIO.

Por apenso aos autos de execução de para pagamento de quantia certa sentença que Banco Comercial Português, S.A. moveu contra AA e mulher BB, para haver deles a quantia de 123 948,37€, acrescida de juros de mora, vieram os identificados Executados deduzir oposição por embargos de executado.

Alegaram, em resumo, em resumo, não serem os Embargantes devedores no título dado à execução e não resultando do contrato de fiança qualquer relação com a obrigação exequenda; não terem sido interpelados, enquanto fiadores que não renunciaram ao benefício do prazo, para o pagamento das prestações vencidas e não liquidadas pelo devedor principal; não ser percetível o cálculo da dívida exequenda apresentado no requerimento executivo; já se encontrarem prescritas quer parte das prestações de capital quer parte dos juros moratórios; agir a Embargada em abuso de direito ante a respetiva inércia na execução do crédito.

Mais impugnaram a liquidação da dívida exequenda.

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A Embargada apresentou contestação, impugnando os efeitos jurídicos extraídos pelos Embargantes e alegando ter efetivamente interpelado os Embargantes para o pagamento da dívida exequenda.

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A Embargada apresentou contestação, negando que os Embargantes não hajam sido interpelação previamente à execução, posto que o foram por missivas postais datadas de 30 de junho de 2021, devendo em conformidade serem «contabilizados juros moratórios não só a partir da citação dos Embargantes, mas desde a data em que foram para este efeito interpelados pela Embargada»; e negando a extração de efeitos jurídicos pretendida pelos Embargantes, uma vez que pugna pela inaplicabilidade da prescrição aos juros em causa

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Foi dispensada a audiência prévia, após o que veio a ser proferido despacho saneador sentença, em cujo decreto judicial se decidiu:

“Pelo exposto, julgo os embargos totalmente procedentes e, consequentemente, determino a extinção da execução quanto aos Embargantes.”

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Inconformada, a Exequente veio interpor o presente recurso de apelação, apresentando, após alegações, as seguintes conclusões:

I. A douta sentença recorrida não deve manter-se, pois não consagra a justa e correta aplicação ao caso “sub judice” das normas legais e dos princípios jurídicos competentes.

II. Em conformidade com o exposto no requerimento inicial de que os presentes são apenso, por escritura pública outorgada em 08/10/2001, os Mutuários celebraram com o Banco Recorrente um contrato de mútuo com hipoteca, nos termos do qual este entregou àqueles, a título de empréstimo, a quantia de 62.349,73€.

III. Acresce que, os Executados Recorridos AA e BB, constituíram-se fiadores e principais pagadores de todas as obrigações assumidas pelo mutuário perante o Banco Exequente, conforme contrato de fiança celebrado em 06/06/2004.

IV. Isto é, foi previamente estabelecido, por acordo, que os aqui Recorridos, constituíram-se fiadores e principais pagadores de todas as obrigações assumidas pelo mutuário pela utilização do capital mutuado.

V. O mutuário Ivan Castro foi declarado insolvente, no âmbito do processo n.º603/14.6T8BJA, que corre termos no Juízo local de Beja, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja.

VI. Ora, decorre do disposto no artigo 91.º do CIRE que “A declaração de insolvência determina o vencimento imediato de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva”.

VII. Nesta conformidade, sem prejuízo do incumprimento se reportar a 08/07/2005, a verdade é que o contrato em apreço venceu-se automaticamente e por consequência direta da declaração de insolvência do mutuário.

VIII. O vencimento das obrigações dos mutuários Insolventes, como causa de resolução decorrente da lei, levou ao incumprimento do clausulado contratual celebrado entre o Banco Recorrente, o mutuário Insolvente e Recorridos, na qualidade de fiadores.

IX. Pelo que é inquestionável que o contrato de mútuo tinha, por força da lei, de ser imediatamente resolvido pelo Banco Recorrente – o que sucedeu.

X. O próprio contrato de mútuo previa a resolução no caso de se verificarem os pressupostos de uma ação judicial (no presente caso, a ação de insolvência do mutuário), legitimando o Banco Contestante a resolver imediatamente o referido contrato.

XI. De facto, o incumprimento pontual de qualquer das obrigações resultantes do contrato celebrado sempre importaria o vencimento do crédito do Banco Exequente e a imediata exigibilidade do valor em dívida.

XII. Entende o Tribunal a quo que o Banco Recorrente não pode exigir totalidade da dívida, talqualmente se os fiadores tivessem renunciado ao benefício do prazo e, destarte, como se, perante estes, fosse imediatamente exigível todo o capital mutuado

XIII. Entendimento esse que o Recorrente, com a devida vénia, não pode concordar.

XIV. Num primeiro momento, reitera-se que o contrato foi legal e validamente resolvido por força da declaração de insolvência do mutuário.

XV. Nesta conformidade, a resolução contratual não dependeu da vontade unilateral do Banco Contestante, tendo decorrido por imposição legal, designadamente do teor do disposto nos artigos 91.º do CIRE e 780.º do Código Civil.

XVI. Tal significa que a responsabilidade do fiador, salvo estipulação em contrário (artigo 631.º, n.º 1, do Código Civil), se molda pela do devedor principal e abrange tudo aquilo a que ele está obrigado, não só a prestação devida, mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo ou a pena convencional que porventura se haja estabelecido (artigos 798.º e 810.º do Código Civil).

XVII. Sendo características fundamentais da fiança, acessoriedade e a subsidiariedade, esta concretiza-se através do benefício da excussão, que se traduz no direito que assiste ao fiador de recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, muito embora este benefício seja renunciável, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do Código Civil.

XVIII. Com efeito, a renúncia ao benefício de excussão tem apenas como consequência o afastamento da regra da subsidiariedade, traduzida no direito que assiste ao fiador de, nada sendo estipulado em contrário, recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal.

XIX. Acresce que, o artigo 781.º do Código Civil estabelece que “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

XX. Sucede, porém, que o artigo 782.º do Código Civil estabelece exceções ao regime geral consagrado no citado artigo 781º, ao estatuir que “A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”.

XXI. Nesta conformidade, a perda do benefício do prazo traduz-se no facto de a lei consentir que, em determinadas circunstâncias, o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, sendo que, apesar de o devedor ser o beneficiário exclusivo do prazo estipulado não é extensível aos garantes da obrigação, nos precisos termos do citado artigo 782.º do Código Civil.

XXII. Ora, a renúncia ao benefício de excussão nada tem a ver com o benefício do prazo, já que quanto ao fiador, em conformidade com o já citado artigo 782.º do Código Civil, e salvo se houver estipulação em contrário, não vale a exigibilidade antecipada da obrigação, determinada pela perda do benefício do prazo com que é sancionada a falta de pagamento de uma das prestações da obrigação fracionada.

XXIII. Nos casos em que a perda do benefício do prazo do devedor não se estende aos fiadores, torna necessário que estes sejam interpelados para pagamento da totalidade das prestações em dívida.

XXIV. No entanto, quando a causa do vencimento antecipado da totalidade da dívida resulta da declaração de insolvência do devedor, o fiador deixa de ter a possibilidade de se lhe opor e oferecer o pagamento para evitar posteriores vencimentos e a mora, uma vez que o vencimento é automático e independente de qualquer interpelação.

XXV. Não obstante, o Banco Recorrente interpelou os recorridos/ Fiadores para pagamento da dívida em 27/01/2022, conforme carta de interpelação junta com a contestação sob o doc. nº 1 e respetivos AR´s.

XXVI. Assim, os fiadores foram interpelados para pagamento do capital ainda em dívida, em data posterior à declaração de insolvência e respetiva venda do imóvel no âmbito dos autos de insolvência, sendo certo que jamais o Recorrente poderia interpelar para pagamento das prestações vencidas e não pagas, uma vez que nessa data a dívida encontrava-se totalmente vencida e, em virtude da venda do imóvel, reduzida ao montante indicado na carta de interpelação.

XXVII. Com efeito, a douta decisão recorrida, ao extinguir a ação com fundamento da inexigibilidade da totalidade da dívida, violou o disposto nos artigos 780º, 627, 634 781º e 782º, todos do Cód. Civil e 91º do CIRE.

XXVIII. Por tudo o exposto, deve a decisão recorrida ser revogada, nos termos e com os fundamentos aqui explanados, e substituída por outra que julgue totalmente improcedentes os embargos deduzidos e respetiva condenação dos Recorridos no valor da ação executiva e respetivos juros e demais encargos judiciais.

Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se a douta sentença recorrida e, em conformidade, ser substituída por outra nos termos expostos.

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Os Apelados responderam ao recurso, apresentando, após alegações, a seguinte síntese conclusiva:

a) Aceita-se que a declaração de insolvência do mutuário Ivan Castro tenha determinado o vencimento antecipado do crédito hipotecário ..., celebrado em 08.10.2002, por imposição do artº 91º do CIRE.

b) Não se aceita que a Recorrente peticione juros moratórios calculados à data de um não provado incumprimento iniciado em 08.07.2005.

c) A liquidação da obrigação pode estar ou não dependente de uma operação de simples cálculo aritmético cfr. o artº 716º do C.P.C., se estiver em causa uma obrigação cuja liquidação dependa de factos jurídicos que estão bem assentes no título executivo.

d) Esta liquidação não depende de simples cálculo aritmético, pois os factos que a Recorrente alega para a suportar, não são concretos, notórios, nem de conhecimento oficioso.

e) Assim, a Liquidação da Obrigação do requerimento executivo padece de clareza e determinação, desconhecendo os Recorridos exatos termos em que o valor peticionado foi apurado, por clara ausência de prova.

f) Para o recurso à ação executiva, com vista à realização coativa de uma prestação, esta deve mostrar-se certa, líquida e exigível, conforme determina o art.º 713º do Código de Processo Civil, o que não resulta destes autos, não podendo estes proceder por falta da liquidez da respetiva obrigação, que não se encontra determinada na sua quantidade.

g) A Recorrente podia ter feito operar o vencimento desta obrigação, baseada num eventual, por não provado, incumprimento por parte do mutuário, mas não o fez.

h) Não considerou resolvido o contrato, não procedeu ao vencimento da operação de crédito, nem considerou exigível qualquer dívida referente a este mútuo na data de 08.07.2005.

i) Existindo incumprimento reportado a tal data, competia à Recorrente interpelar os Recorridos para se substituírem ao mutuário no cumprimento da dívida, o que não fez.

j) E não fez operar a perda do benefício do prazo quanto aos Recorridos, fiadores, porque, com o incumprimento, quem perde este benefício é apenas o mutuário, cfr. artº 782º do Código Civil.

k) O mutuário foi declarado insolvente em 17.12.2014 e a Recorrente não atuou de modo a poder vir exigir aos Recorridos a quantia que agora peticiona, pois deveria tê-los interpelado para pagamento da quantia então apurada.

l) O que vem que tornar inexigível a obrigação em discussão nestes autos, quanto aos Recorridos.

m) Após a declaração de insolvência do mutuário, a Recorrente esteve nove anos sem cumprir o seu dever de comunicação e interpelação junto dos Recorridos e sem diligenciar pela cobrança da quantia de que agora peticiona.

n) A falta de atuação e comunicação da Recorrente para com os Recorridos criou nestes a convicção de que tudo estaria bem com o crédito afiançado.

o) A Recorrida atua num manifesto caso de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, invocado ao abrigo do artº 334º do Código Civil.

p) Os Recorridos nunca renunciaram à perda do benefício do prazo, a que aludem os artºs 781º e 782º do Código Civil.

q) Recorrente apenas no dia 27.01.2022 remeteu aos Recorridos as cartas que juntou aos autos com a Declaração de vencimento antecipado do Crédito Hipotecário ..., celebrado em 8 de Outubro de 2002, reportando o vencimento deste financiamento para tal data e não antes, e exigindo o pagamento da totalidade do capital mutuado, acrescido de juros moratórios e comissões.

r) Cumprindo a já invocada inexigibilidade da dívida por não renúncia da perda do benefício do prazo, bem como a inexigibilidade da mesma por iliquidez da obrigação e, ainda, a sua inexigibilidade conforme o já também invocado abuso de direito.

s) Mesmo que a Recorrente venha alegar o vencimento antecipado da dívida, ainda que por imposição legal, nada a desonera da sua obrigação de comunicação e interpelação aos Recorridos, nos seus devidos tempos e não à posteriori.

t) Mesmo admitindo o vencimento antecipado da dívida em 17.12.2014, sem comunicação resolutiva, nem nessa altura os Recorridos, como fiadores, foram interpelados para o seu pagamento, por total falta de atuação da Recorrente, pelo que nunca perderam o benefício do prazo que se lhes aproveita.

u) E não pode a Recorrente suportar-se da interpelação efectuada aos Recorridos pela totalidade do capital mutuado e juros, “talqualmente se os fiadores tivessem renunciado ao benefício do prazo e, destarte, como se, perante estes, fosse imediatamente exigível todo o capital mutuado.”

v) Bem andou o Tribunal a quo ao decidir que inexiste fundamento para a invocação da perda do benefício do prazo quanto aos aqui Recorridos, carecendo a dívida exequenda de exigibilidade perante estes e determinando a extinção da execução.

w) Pelo que, face tudo quanto foi exposto, cabe concluir pela falta manifesta, completa e absoluta de fundamento do presente recurso que, assim, deve ser julgado improcedente.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os legais efeitos.

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II. QUESTÕES A DECIDIR.

Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, 639º, nº 1, 6’8º, n.º 2. Ex vi do artigo 679º do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, e não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir se a obrigação/quantia exequenda é ou não exigível aos ora Embargantes/Fiadores, o que passa, por sua vez, por saber se, in casu, a exequente interpelou previamente aqueles para que lhes possa exigir a totalidade da quantia em divida, cujo vencimento foi determinado pela insolvência do mutuário.

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III. FUNDAMENTAÇÃO.

III.1. Com interesse para a boa decisão da causa, o Tribunal Recorrido considerou provados os seguintes factos:

1. No dia 08 de outubro de 2001, por escritura pública, foi celebrado entre a Embargada, CC e DD, o contrato de mútuo com hipoteca junto ao requerimento executivo como documento n.º 1 e aqui dado por reproduzido, no qual consta, entre o mais, a seguinte cláusula décima, alínea b): a presente hipoteca poderá ser executada: se o imóvel ora hipotecado vier a ser alienado, onerado, arrendado, total ou parcialmente, objecto de arresto, execução ou qualquer outro procedimento cautelar ou acção judicial, casos em que se consideram igualmente vencidas e exigíveis as obrigações que assegura.

2. No dia 07 de abril de 2004, por documento particular com reconhecimento de assinaturas, foi celebrado entre a Embargada e os Embargantes, o contrato de fiança junto ao requerimento executivo como documento n.º 2 e aqui dado por reproduzido, no qual consta, entre o mais, a seguinte cláusula primeira: Os segundos contratantes declaram que se constituem como fiadores e principais pagadores, responsabilizando-se solidariamente pelo pagamento de tudo o que vier a ser devido ao Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta, em consequência do Contrato de Mútuo celebrado em 08 de Outubro de Dois Mil e Um entre o Primeiro Contratante e CC, contribuinte número ...64 e DD, contribuinte número ...51, no montante de 62.349,74 Euros (Sessenta e dois mil trezentos e quarenta e nove Euros e setenta e quatro cêntimos), renunciando desde já e expressamente ao benefício de excussão prévia, tendo este Banco autorizado que a dívida fique apenas em nome de DD.

3. As prestações mensais e sucessivas para amortização de capital e juros do mútuo supra aludido deixaram de ser liquidadas pelo mutuário DD em 08 de julho de 2005.

4. O mutuário DD foi declarado insolvente em 17 de dezembro de 2014.

5. A Embargada, credor hipotecário reclamante no processo de insolvência de DD, adquiriu em venda realizada no mesmo, em 10 de maio de 2021, pelo valor de € 14.500,00, o imóvel hipotecado para garantia do mútuo supra aludido.

6. A Embargada declarou vencida, perante os Embargantes, a totalidade da dívida do mútuo supra aludido por carta datada de 27 de janeiro de 2022, junta à peça de contestação como documento n.º 1 e aqui dada como reproduzida, nos termos da qual, entre o mais, consta o seguinte: «(…) verificando-se ter ocorrido a venda do imóvel, objeto da garantia hipotecária constituída a favor do Banco, vimos por este meio, nos termos do disposto na cláusula 10º do Documento Complementar associado àquele financiamento, declarar o vencimento antecipado e imediato das obrigações garantidas que, nesta data, ascendem à quantia de 73 501,97 €. (…)».*

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III.2 Factos não provados

Com interesse para a causa, o Tribunal Recorrido não elencou qualquer facto não provado. *

III.3. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

Como resulta dos factos provados, na génese da execução está um contrato de mútuo celebrado em 08.10.2001, por escritura pública, no montante de €62.349,72, reembolsável em 360 prestações mensais e sucessivas, ou seja, em trinta anos.

Os ora Apelados constituíram-se fiadores do mutuário no contrato de mútuo mencionado por documento de 07.04.2004, no qual declararam que “se constituem como fiadores e principais pagadores, responsabilizando-se solidariamente pelo pagamento de tudo o que vier a ser devido ao Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta, em consequência do Contrato de Mútuo celebrado em 08 de Outubro de Dois Mil e Um entre o Primeiro Contratante e CC, contribuinte número ...64 e DD, contribuinte número ...51, no montante de 62.349,74 Euros (Sessenta e dois mil trezentos e quarenta e nove Euros e setenta e quatro cêntimos), renunciando desde já e expressamente ao benefício de excussão prévia, tendo este Banco autorizado que a dívida fique apenas em nome de DD.”

As prestações relativas ao empréstimo deixaram de ser pagas pelo mutuário em 08 de julho de 2005 e o mesmo mutuário foi declarado insolvente em 17 de dezembro de 2014.

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A fiança traduz-se numa garantia pessoal, pois, nos termos do artigo 627.º, n.º 1, Código Civil, o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.

Assim, o credor, para além da garantia que constitui o património do devedor, beneficia ainda do património de um terceiro, que passa a responder pela satisfação do crédito (responsabilidade pessoal pelo cumprimento de obrigação alheia).

Dispõe o n.º 2 do artigo 627.º do Código Civil que a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o devedor principal, traduzindo-se a acessoriedade na estrita ligação entre a obrigação principal e a obrigação do devedor, por forma a que a obrigação do fiador acompanha as vicissitudes da obrigação principal desde o nascimento até à extinção — quanto à (in)validade veja-se o artigo 631.º do Código Civil, e quanto à extinção o artigo 651.º do mesmo diploma.

Outra consequência da acessoriedade consiste na possibilidade de o fiador invocar perante o credor os meios de defesa do afiançado (artigo 637.º do Código Civil).

De acordo com o artigo 634.º Código Civil, a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora e da culpa do devedor.

A subsidiariedade que caracteriza a fiança traduz-se na possibilidade de o fiador poder recusar o cumprimento da obrigação do devedor principal enquanto não estiverem excutidos todos os bens deste último, como decorre do artigo 638º do Código Civil. É o chamado benefício da excussão prévia, de que também, em regra, goza o fiador, quer em relação ao património do devedor, quer em relação a bens onerados com garantia real anterior à fiança (artigo 639º do Código Civil), excussão essa que visa evitar a execução judicial dos bens do fiador enquanto a garantia concedida pelo património do devedor ou por outras garantias reais prestadas por terceiro anteriormente à fiança não se mostre insuficiente para assegurar o cumprimento da obrigação. É que, como ressalta do já dito, a fiança tem como característica normal a subsidiariedade: o património do fiador apenas pode ser objecto dos actos de agressão do credor depois de se concluir que o património do devedor e as garantias reais anteriores à fiança não bastam para assegurar a satisfação do crédito. Benefício esse, porém, que é excluído se o fiador a ele tiver renunciado.

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Nos termos do disposto no artigo 779º do Código Civil, “o prazo tem-se por estabelecido a favor do devedor, quando não se mostre que o foi a favor do credor, ou do devedor e do credor conjuntamente”, normativo esse que tem como subjacente a regra de que o credor não pode exigir o cumprimento da obrigação antes do vencimento do prazo (para ele previsto), sendo esse prazo estabelecido em benefício do devedor[2].

Porém, essa regra sofre algumas exceções, e desde logo aquela que se encontra contemplada no âmbito da previsão do artigo 780º, nº. 1, onde se preceitua que “estabelecido o prazo a favor do devedor, pode o credor, não obstante, exigir o cumprimento imediato da obrigação, se o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido judicialmente declarada (…).”

Outras das exceções encontra-se também consagrada no dispositivo legal seguinte, ou seja, no artigo 781º onde se estatui que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.”

Nos dois últimos normativos citados, verifica-se, assim, a perda do benefício do prazo do devedor a favor do credor, sendo que no artigo 780º, nº. 1, tal perda ocorre, além do mais, quando o devedor (principal) se tornar insolvente (ainda que a insolvência não seja declarada judicialmente), enquanto que no artigo 781º ocorre naquelas situações em que encontrando-se a obrigação fracionada em duas ou mais prestações, todavia, o devedor entra em incumprimento, deixando de liquidar alguma delas.

Porém, se em tais situações essa perda de benefício do prazo pode ocorrer em relação aos devedores principais, todavia, ela já não se estende, em regra, em relação àqueles que com eles estão co-obrigados no cumprimento da obrigação (tal como sucede, entre outros, com o fiador), por força do estatuído no artigo 782º onde se dispõe que “a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.”

A não ser que na relação contratual e onde se consignou a obrigação de fiança tenha sido estipulado, de forma expressa e clara, que aquela perda do benefício do prazo também vinculava os fiadores (a eles se estendendo, portanto) – estipulação perfeitamente possível ao abrigo do princípio da liberdade contratual ou da autonomia da vontade (405º do Código Civil).

Neste sentido, decidiu-se no Acórdão desta Relação de 10.02.2021, proferido no âmbito do processo n.º 1511/19.0T8STB-A.E1, que:

“1- O artigo 781.º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que, na falta de realização de uma das prestações, fica o credor com o direito de exigir essa prestação e as subsequentes ainda não vencidas, mas não está dispensado de interpelar o devedor para que este cumpra imediatamente a totalidade da dívida.

2 – O imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação na sua totalidade.

3 – A realização da interpelação judicial ou extrajudicial do devedor pelo credor releva para efeitos de contagem dos juros moratórios.

4 – A necessidade que tem o credor de fazer chegar ao fiador a informação sobre o vencimento da obrigação pura, apresenta-se como um ónus: o credor que não queira ter a desvantagem de não ter cobertura da garantia para todo o crédito terá de informar o fiador da interpelação ao devedor.

5 – O fiador tem o ónus de, não tendo sido informado pelo credor do ocorrido vencimento da obrigação principal, invocar essa mesma omissão, para se furtar licitamente a cumprir a “parte” em que a sua responsabilidade resulta agravada.

6 – Se a citação valeu como interpelação para desencadear o vencimento antecipado das prestações vincendas, a dívida apenas se poderá considerar vencida desde aquele momento e daqui decorre que os juros de mora só são devidos desde o acto de chamamento para a acção executiva.”

E no mesmo processo, o Supremo Tribunal de Justiça, no recente Acórdão proferido em 11.05.2022 esclareceu que:

“Constitui atualmente jurisprudência estável e consolidada neste Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que:

Que qualquer uma das citadas normas dos artigos 781º e 782º tem natureza supletiva, podendo o regime nele consagrado ser afastado por convenção das partes, e à luz do princípio da liberdade contratual plasmado no artº. 405º, nº. 1.

Que a renúncia ao benefício de excussão prévia (consagrado no artº. 640º al. a)) por parte do fiador não se confunde (não lhe sendo por si só extensível) com a renúncia à perda do benefício do prazo de goza, e que se encontra consagrado no artº. 782º.

Que salvo expressa estipulação contratual em sentido contrário, a perda do benefício do prazo por parte do devedor principal à luz do artº. 781º, devido ao seu incumprimento, não se estende (automaticamente) ao fiador, e daí que pretendendo o credor dele exigir/obter ou antecipar o pagamento imediato de todas as prestações futuras em dívida, nomeadamente naquelas situações em que a obrigação de pagamento se encontra escalonada/fracionada no tempo, necessário se torna a sua interpelação (admonitória) prévia para o efeito. Exigência essa que, é desde logo, imposta quer devido à natureza acessória da fiança, quer também pelos próprios ditames da boa fé.

Que essa exigência de interpelação prévia se torna inclusive extensível ao próprio devedor principal, quando se pretenda obter dele o vencimento/pagamento antecipado da totalidade da dívida, e que o disposto no artº. 781º, ao contrário do que à primeira vista poderia ser-se levado a concluir, não funciona ope legis, pois que tal corresponde a um direito potestativo concedido ao credor de desencadear ou não, conforme os seus ponderados interesses do momento, o vencimento antecipado de todas prestações futuras.(…)” .

Também no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, proferido em 30/6/2022, se colhe importante contributo para a interpretação do regime previsto nos artigos 781º e 782º do Código Civil. Ali pode ler-se:

“(…)A Exequente/Embargada chamou em seu proveito de alegação o disposto no art.º 781.º do Código Civil, segundo o qual “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

Como é doutrina comum e maioritária, este preceito legal não prevê um vencimento imediato, apelidado por alguns “em sentido forte”, das prestações previstas para liquidação da obrigação, designadamente da obrigação de restituição inerente a um contrato de mútuo com hipoteca, acrescido de um outro contrato de mútuo, como no caso dos autos – constitui antes um benefício que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato toda a obrigação, em consequência manifestando o credor a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui – assim Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., 1997, pg.54, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., 2009, pgs. 1017 a 1019, Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, I (75/76), pg. 317, e Menezes Cordeiro, Tratado, Direito das Obrigações, IV (2010), pg. 39.

A obrigação fica assim apenas exigível, ou, como alguns entendem, exigível “em sentido fraco”.

Note-se que a norma do art.º 781.º do Código Civil não se constitui como norma imperativa, mas existindo, como existe, nos contratos de mútuo dos autos uma cláusula no sentido de que à credora fica reconhecido o direito de “considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato”, concedia-se à mutuante a possibilidade de actuar o vencimento do direito à totalidade das prestações convencionadas pelo simples facto de intentar acção executiva contra os mutuários, como intentou.

Não existe, desta forma, nos contratos dos autos, qualquer cláusula de vencimento automático, apenas a reprodução do esquema de vencimento das prestações que a doutrina associa ao disposto no art.º 781.º do Código Civil.(…)”.

Em síntese, o regime consagrado no artigo 781.º Código Civil não dispensa a interpelação do devedor - e menos ainda do fiador - para desencadear o vencimento imediato das prestações vincendas.

Como é sabido, a interpelação pode revestir-se de carácter judicial ou extrajudicial (artigo. 805º, nº. 1 do Código Civil)

A interpelação judicial pode ser concretizada/feita por notificação judicial avulsa (cf. artigos. 219º, 256º e 257º do Código de Processo Civil) ou por via de citação para a ação (cf. artigo 219º, nº. 1, e seguintes do mesmo Código de Processo Civil).

No que concerne à interpelação extrajudicial, ela não está sujeita a qualquer forma especial, podendo ser feita por qualquer meio/modo, verbalmente ou por escrito (cf. artigo 219º).

Tudo o que se expôs serve para melhor compreender a solução do caso dos autos.

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No caso dos autos, não vem controvertido que a dívida em causa correspondente ao reembolso do contrato de mútuo, de que os ora Embargantes se constituíram fiadores, correspondia a obrigação liquidável em prestações.

O que, como vimos, convoca o regime do artigo 781.º do Código Civil, nos termos do qual, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.

Os ora Embargantes renunciaram expressamente ao benefício de excussão prévia, mas não ao benefício do prazo previsto no artigo 782º do Código Civil citado.

Como se referiu, a doutrina tem maioritariamente entendido que, no caso de dívida fracionada em prestações, o vencimento imediato das restantes prestações à falta do pagamento de uma das prestações, nos termos do artigo 781.º Código Civil, constitui um benefício que a lei concede ao credor e que deve ser exercido mediante interpelação do devedor[3].

O credor fica com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda não se tenha vencido.

Assim se deve interpretar o texto do artigo 781.º, e não no sentido de que, vencendo-se imediatamente, ex vi legis, as prestações restantes, o devedor comece desde esse momento, ao arrepio da doutrina geral do artigo 805.º, n.º 1 (relativamente às prestações cujo vencimento ainda não ocorreu), a responder pelos danos moratórios.

E a interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.

Quando tal suceda, o credor goza do direito de exigir o pagamento, não só da prestação em falta, mas ainda de todas as restantes, não vencidas, não se operando o vencimento destas ex vi legis, mas mediante interpelação do credor, nos termos gerais.

Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.05.2023[4]:

“o desencadeamento do vencimento antecipado de todas as prestações é uma faculdade do credor (é ele quem decide se quer, ou não, continuar sujeito aos prazos de escalonadamente estabelecidos de vencimento das prestações), pelo que só a tornará efectiva, querendo e por via da interpelação do devedor.

Este é, ao que supomos, entendimento generalizado[15].

E, obviamente, se a aludida prévia interpelação é exigida para o devedor principal, por maioria de razão o é para os fiadores, atento o supra explanado quanto à natureza da fiança e o que reza o artº 782º.”

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No caso, acresce que teve lugar a declaração de insolvência do devedor principal em 17.12.2014.

Porém, como também se decidiu no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a declaração de insolvência nenhum efeito tem quanto aos demais obrigados ou garantes, como aliás se decidiu na sentença recorrida[5] – in casu, os embargantes/fiadores, mantendo-se na íntegra a obrigação que assumiram perante o credor.

Também no Acórdão desta Relação de 02.03.2023[6], que aqui seguimos de perto, se decidiu:

“Relativamente à invocada inexistência de interpelação, atento o disposto no artigo 782.º do CC, e porque, relativamente ao fiador, também não se lhe estende a perda do benefício do prazo decorrente da declaração de insolvência da devedora, a que alude o artigo 91.º, n.º 1, do CIRE, cremos ser pacífico o entendimento vertido inter alia no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.03.2021, onde a exequente é também a Caixa Geral de Depósitos, e os fiadores se assumiram igualmente como principais pagadores[25], que «a perda do benefício do prazo não se estende aos fiadores, salvo se, na relação contratual havida e onde se estipulou a obrigação de fiança, se tiver estipulado (ao abrigo do princípio da liberdade contratual ou da autonomia da vontade ínsito no 405º do CC), de forma expressa e clara, que aquela perda também os vinculava».

In casu, não tendo as partes expressamente acordado em sentido diferente, a perda do benefício do prazo não se estende ao fiador, em face do preceituado no referido artigo 782.º do CC, não se podendo retirar tal consequência para o fiador do acordo escrito firmado com o mutuário nesse sentido, nem, como já referido, da insolvência deste.” (o destacado é nosso).”

Assim, e porque no caso, como vimos, não houve, quanto aos fiadores, afastamento da regra constante do artigo 782.º citado, os mesmos fiadores não perderam o benefício do prazo, como bem se entendeu na sentença sob censura.

Note-se que as comunicações referidas no ponto 6. dos factos assentes, não configuram uma interpelação prévia para cumprimento, uma vez que o credor não deu aos fiadores a possibilidade de proceder ao pagamento das prestações em dívida, interpelando-o para o cumprimento da obrigação do devedor que se mostrava então antecipadamente vencida na sua totalidade, referindo que a mesma ascendia no momento a €73.501,97, quando, anos antes, o valor do mútuo contratado, pagável em prestações, durante 30 anos, era de 62.349,73€ (e pretendendo haver dos Executados três meses depois, na execução o montante de €123.948,37).

Apelando, uma vez mais, ao decidido no Acórdão desta Relação de 02.03.2023:

“assim como se tem vindo a entender que a citação dos terceiros garantes para a execução, não tem virtualidade substitutiva de tal interpelação prévia, por não lhes permitir obstar a tais consequências, não automáticas, da mora do devedor, deve considerar-se que não cumpre tal desiderato, uma interpelação extrajudicial para pagamento do valor que escassos dias depois, foi dado à execução. Na verdade, se tivermos presente as exigências que o legislador veio estabelecer a respeito da possibilidade de ser iniciado o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) com o fiador, verificamos que aquele impõe que, aquando da interpelação para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito que se encontrem em mora, a instituição financeira seja obrigada a fornecer informação ao fiador, sobre a inadimplência do devedor, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, como cristalinamente decorre do disposto no artigo 21.º do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro.

Sendo certo que o incumprimento do caso em presença é anterior a essa data, não podemos olvidar – como se mencionou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.05.2022, citando BATISTA MACHADO –, que “a interpelação deve ser integrada por um conteúdo preciso, a saber: (i) a intimação para o cumprimento, (ii) a fixação de termo perentório para o cumprimento e (iii) a admonição ou a comunicação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo”.

Como vimos, a interpelação efetuada ao fiador não cumpre o conteúdo para ser considerada como interpelação prévia, porquanto intima desde logo para o cumprimento da obrigação integralmente vencida, razão por que, na situação em presença, consideramos que ao fiador apenas podem ser exigidas as prestações que, não estando prescritas à data daquela interpelação, se venceram pelo decurso do prazo e até à propositura da execução, e não o valor decorrente do vencimento antecipado resultante da perda do benefício do prazo do mutuário.”

Será, então, de entender como naquele caso, que o credor Exequente dispõe de título bastante quanto aos Executados/fiadores, devendo a execução prosseguir, após a liquidação da dívida pelo exequente, a efetuar apenas relativamente às prestações vencidas, e não pagas?

No caso presente afigura-se que a resposta não poderá deixar de ser negativa, porquanto não só uma, mas duas causas de extinção da obrigação se verificam e interrelacionam entre si – a prescrição, validamente invocada pelos Embargantes, e, bem assim, o recebimento da quantia relativa ao imóvel hipotecado, vendido no âmbito do processo de insolvência, e que a Exequente alega que foi imputada ao valor global da dívida, sem que porém, se perceba como foi tal valor imputado à dívida, já que no processo de insolvência reclamou a Exequente o valor de €116.528,02.

Depois terá recebido o valor relativo ao imóvel, nas cartas que dirigiu aos Executados referiu o valor em dívida de €73.501,97 e meses depois, instaura a execução pelo valor de 123.948,37.

Não estando identificado o montante das prestações vencidas que não foram pagas, nem o momento da imputação do valor recebido no processo de insolvência nos montantes em dívida, não pode com a necessária segurança determinar-se a redução da quantia devida pelos ora Embargantes aos devidos montantes, nem apreciar em termos rigorosos a invocada exceção de prescrição.

Nos termos do artigo 713º do Código de Processo Civil, a execução principia com as diligências, requeridas pelo exequente, que se tornem necessárias e se destinem a tornar a obrigação certa, líquida e exigível caso não o seja em face do título executivo.

Em termos gerais, estes três requisitos constituem pressupostos materiais da ação executiva, por contraponto ao pressuposto de caráter formal que é o título executivo.

Certeza, exigibilidade e liquidez condicionam a exequibilidade do direito exequendo,

É obrigação ilíquida aquela que tem por objecto uma prestação cujo quantitativo não esteja ainda apurado. É o que, como se expôs, sucede no caso dos autos – verifica-se uma insuficiente concretização da determinação quantitativa da obrigação exequenda.

O artigo 716º do CPC trata da liquidação da obrigação na acção executiva, aplicando-se a todos os casos em que a obrigação exequenda se apresente ilíquida em face do título executivo, referindo-se o n.º 1 à obrigação pecuniária ilíquida – quando a liquidação dependa de simples cálculo aritmético, o exequente deve fixar o seu quantitativo no requerimento inicial da execução, mediante especificação e cálculo dos respectivos valores.

Como se decidiu no Acordam do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20.04.2021[7]:

“Verificada uma situação de iliquidez ou insuficiente concretização da determinação quantitativa da obrigação exequenda, sem que a irregularidade tenha sido corrigida na fase liminar da acção executiva (art.º 726º, n.º 4 do CPC), ao executado, se a execução prosseguir sem que a falta do pressuposto seja sanada, fica sempre salva a possibilidade de se opor à execução (art.º 729º, alínea e) do CPC).

13- Na situação em análise, perante o estado dos autos e a dimensão da irregularidade em causa, não resta alternativa à rejeição da execução proposta, com a consequente extinção da instância[15] - além do mais, os elementos juntos aos autos [que terão sido comunicados aos executados – cf. II. 2., supra] não contêm a necessária descrição detalhada dos montantes relativos a capital vencido e não pago, juros remuneratórios, comissões e despesas e respectivas datas de vencimento, bem como das taxas e base de incidência dos montantes devidos a título de juros moratórios (cf. o cit. art.º 15º, n.º 2 do Aviso n.º 5/2017 do BP).[16]

Esta a questão, não alegada (no recurso)[17], que verdadeiramente releva.

14. Também nada será de objectar à derradeira asserção da decisão recorrida: a exequente sempre poderá demandar novamente os executados com base nos mesmos títulos executivos, desde que apresentados através de um requerimento executivo em sejam devidamente alegados os factos que integram a causa de pedir da obrigação exequenda, pedido e causa de pedir que possam ser objecto de contraditório em sede própria (Oposição à Execução) e em plena igualdade substancial das Partes quanto aos ónus e preclusões que impendem sobre cada uma delas.”

Não merece, consequentemente, censura, a decisão recorrida.

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IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente por não provada, e em manter a decisão recorrida.

Custas pela Apelante (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).

Registe e notifique.

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Évora, 2023-11-23

Ana Pessoa
Maria Adelaide Domingos
Albertina Pedroso

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[1] Da exclusiva responsabilidade da relatora.
[2] Cf. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil anotado, Vol. II, 2ª. Ed. Revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 24”)
[3] Antunes Varela, Direito das Obrigações, 6.ª ed., vol. II, pg. 52 e ss., Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 11.ª ed., pg. 892 e ss.; Vasco da Gama Lobo Xavier, RDES, ano XXI, n.ºs. 1 a 4, pg. 201, nota 4.
[4] Proferido no processo n.º 19002/19.7T8SNT-A.L1.S1
[5] E Igualmente no Acórdão do STJ de 11.10.2022, ali mencionado, relativamente ao co-devedor não insolvente.
[6] Proferido no processo n.º 2317/15.0T8SLV-A.E1, relatado pela Exma. Sra. Desembargadora aqui Segunda Adjunta, acessível em www.dgsi.pt
[7] Proferido no processo n.º 1248/19.0T8SRE-A.C1