I. A inexistência de fundamento ou causa justificativa – que alguns qualificam como requisito negativo do instituto do enriquecimento sem causa – significa que a obrigação de restituir pressupõe que a deslocação patrimonial obtida por alguém a expensas de outrem tenha acontecido sem causa jurídica a justificá-la, seja porque nunca existiu, seja porque, tendo existido, se extinguiu entretanto.
II. No caso de enriquecimento por pagamento de dívidas alheias, importa ponderar, no que à falta de causa diz respeito, que tem de atender-se ao fim imediato do que realiza o pagamento, para se entender se visava liberar os devedores, realizar-lhes uma prestação.
III. Enquanto elementos constitutivos do direito à restituição, cabe a quem o invoca, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil, alegar e demonstrar a verificação de todos os requisitos do instituto, nomeadamente, a falta de causa justificativa para a deslocação patrimonial feita a expensas suas em benefício daqueles a quem pede a restituição, não bastando para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus probandi, que não se prove a existência de uma causa de atribuição; é preciso convencer o tribunal da sua falta.[2]
IV. No desconhecimento dos contornos das contas da atividade conjunta e que estiveram na origem da atribuição patrimonial, não pode afirmar-se que a mesma carece de causa.
(Sumário elaborado pela Relatora)
I. RELATÓRIO.
AA e BB intentaram ação declarativa de condenação com forma de processo comum contra CC pedindo que:
- os Autores sejam considerados sub-rogados nos direitos da "Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Tavira, CRL" no âmbito do contrato melhor identificado no articulado inicial, e consequentemente, a condenação da Ré, em nome próprio e na qualidade de única herdeira de DD, a pagar solidariamente aos Autores a quantia de € 138.850,03, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento; ou, caso assim não seja entendido,
- a condenação da Ré, em nome próprio e na qualidade de única herdeira de DD, a título de enriquecimento sem causa, a pagar solidariamente aos Autores a quantia de € 138.850,03, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão alegaram, em síntese, que pagaram um empréstimo bancário contraído pela Ré e pelo seu falecido marido, o que fizeram com receio de perderem a casa onde viviam com os pais do Autor e que estava hipotecada para garantir tal empréstimo.
*
A Ré, pessoal e regularmente citada, deduziu contestação na qual alegou que existia uma sociedade irregular entre o Autor, o irmão (seu falecido marido) e o pai de ambos, tendo o dinheiro do empréstimo sido utilizado para pagar dívidas dessa sociedade, tendo também o falecido marido pago o empréstimo em causa nos autos.
*
Foi proferido despacho saneador que fixou o valor da ação, bem como o objeto do litígio e os temas da prova.
*
Realizada a audiência final, veio a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, condena-se a Ré CC, por si e na qualidade de única herdeira de DD, a pagar aos Autores AA e BB a quantia de € 69.057,35, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-a do demais peticionado. (…)”
*
Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação, apresentando, após alegações, as seguintes conclusões:
1. Os Autores/Recorrentes discordam da decisão recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar aos mesmos apenas a quantia de 69.057,35€ (acrescida de juros de mora), ao invés dos 138.850,03€ peticionados.
2. Os Autores não concordam com conclusão, avançada pelo tribunal, de que “o dinheiro em causa foi utilizado para pagar dívidas do Autor e do seu falecido irmão pelo que se tem que se presumir, na falta de outro elemento,que cada um teria que pagar metade dessas dívidas, pelo que o empobrecimento dos Autores é de apenas metade do valor pago (69.057,35€).” (página 31 da douta sentença)
3. Em face da matéria de facto provada, entendem os Recorrentes que o tribunal a quo deveria ter decidido de modo diverso.
4. Realizada audiência de julgamento, foram considerados provados factos suficientes à procedência total do pedido dos Autores (conforme resulta dos pontos 1 a 11 dos “Factos Provados” na sentença), nomeadamente os seguintes:
• em 29 de Novembro de 1999, a Ré e o seu falecido marido celebraram com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Tavira um contrato de abertura de crédito, pelo qual esta instituição abriu a favor daqueles um crédito até à quantia de 72.325,70€, pelo prazo de 15 anos, amortizável em 180 prestações mensais;
• os Autores depositaram na conta da Ré e do seu falecido marido a quantia total de 138.114,71€ (ponto 7 dos “Factos Provados”);
• esta quantia foi integralmente utilizada pela Ré e o seu falecido marido para pagamento das prestações mensais devidas no âmbito do empréstimo contraído pelos mesmos junto da Caixa de Crédito Agrícola (ponto 8 dos “Factos Provados”);
• o pagamento dos Autores ocorreu com o único intuito de evitar o accionamento da hipoteca (ponto 10 dos “Factos Provados”);
• até à presente data os Autores não foram reembolsados das referidas quantias (ponto 11 dos “Factos Provados”).
5. No que respeita ao alegado pela Ré, sumariamente o tribunal considerou provado o seguinte:
• no decurso dos anos 1990, por período não concretamente apurado, o Autor e o falecido marido da Ré trabalhavam em conjunto na actividade de prestações de serviços de máquinas agrícolas, nunca tendo em vista constituir sociedade (ponto 12 dos “Factos Provados”);
• a conta referida no ponto 1 dos “Factos Provados” tinha em vista e foi usada para pagar dívidas do Autor e do falecido marido da Ré (ponto 12 dos “Factos Provados”);
• o empréstimo referido no ponto 1 dos “Factos Provados” serviu para liquidar o empréstimo n.º ...08, concedido em 30-06-1998, sendo mutuários a Ré e o seu falecido marido, tendo sido liquidado com o novo empréstimo o valor de 43.053,27€ (ponto 15 dos “Factos Provados”.
6. Por outro lado, o tribunal considerou não provados diversos factos que sustentavam a tese da Ré, designadamente:
• que o montante financiado através do contrato em causa nos autos tenha sido usado fundamentalmente para benefício dos Autores, não tendo a Ré utilizado qualquer parcela desse dinheiro em seu proveito, ou do seu falecido marido [alíneas e) e d) dos factos não provados]
• que os valores mutuados através do contrato referido no ponto 1) dos “Factos Provados” foram usados para pagamentos de dívidas da dita sociedade irregular, nomeadamente, relativas a uma grande reparação de uma das máquinas em uso pela sociedade [alínea g) dos factos não provados];
7. O ponto 12 dos “Factos Provados” não permite concluir que o dinheiro mutuado ao abrigo do contrato de abertura de crédito foi utilizado para pagar dívidas do Autor e do falecido marido da Ré.
8. As únicas dívidas comuns ao Autor e ao marido da Ré apenas poderiam ser as relativas à dita sociedade irregular, já que nem sequer se encontram alegadas outras.
9. Se o tribunal a quo considerou não provado que os valores mutuados tenham sido usados para pagamentos de dívidas da sociedade irregular entre o Autor e o falecido marido da Ré, não podia concluir que “o dinheiro em causa foi utilizado para pagar dívidas do Autor e do seu falecido irmão”.
10. Por outro lado, encontra-se demonstrado que o crédito foi concedido a favor da Ré e do seu falecido marido, que a quantia foi depositada numa conta titulada unicamente por estes, e que a mesma serviu, pelo menos em parte, para liquidar um empréstimo da Ré e do seu falecido marido, no valor de 43.053,27€.
11. Portanto, os factos existentes permitem concluir que a quantia mutuada foi usada em exclusivo benefício da Ré e do seu falecido marido.
12. Encontra-se igualmente provado que os Autores liquidaram, por conta do mencionado crédito, a quantia de 138.114,71€.
13. Pelo que devia a Ré ter sido condenada a devolver aos Autores este valor, acrescido dos juros de mora desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.
Sem prescindir, e caso assim não seja entendido,
14. Ficou provado que o empréstimo em causa nos Autos serviu, entre outras coisas, para liquidar o empréstimo n.º ...08, no valor de 43.053,27€, concedido em 30-06-1998, sendo mutuários a Ré e o seu falecido marido (ponto 15 dos “Factos Provados).
15. Ainda que existissem dívidas da responsabilidade do Autor e do marido da Ré (o que não se aceita nem ficou demonstrado), este facto demonstra que pelo menos 60% da quantia mutuada foi utilizada para pagar um empréstimo em que os únicos responsáveis eram a Ré e o seu falecido marido – o que desde logo afasta a presunção de divisão das dívidas, de que o tribunal se socorre.
16. No mínimo, a Ré seria sempre responsável por devolver aos Autores 60% da quantia paga por estes.
17. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o n.º 2 do artigo 342.º, a segunda parte do artigo 346.º e o artigo 349.º do Código Civil, e a última parte do n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
Termos em que, requer a V. Exas., face a tudo o que ficou supra alegado, que seja concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-a por outra que:
a) condene a Ré a pagar aos Autores/Recorrentes a quantia de 138.114,71€ (cento e trinta e oito mil, cento e catorze euros e setenta e um cêntimos), acrescida dos juros de mora às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, desde a data de citação até efectivo e integral pagamento; Sem prescindir, e caso assim não seja entendido,
b) condene a Ré a pagar aos Autores/Recorrentes a quantia de 82.868,82€ (oitenta e dois mil, oitocentos e sessenta e oito euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida dos juros de mora às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.
*
Também a Ré interpôs recurso de apelação, apresentando a seguinte síntese conclusiva:
A) O falecido marido da Ré e seu irmão, autor na presente ação na década de 1990, com início e fim em datas imprecisas, desenvolveram uma atividade empresarial na área da prestação de serviços agrícolas.
B) No exercício dessa atividade efetuaram compras e vendas de bens, compraram e venderam serviços, pagaram salários, efectuaram os mais diversos pagamentos, usaram cheques, livranças e provavelmente outros meios de pagamento em curso corrente.
C) Foram titulares de várias contas bancárias, em diversas instituições bancárias, nomeadamente, Na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Tavira, no Banco Nacional Ultramarino e Banco Português do Atlântico.
D) Essas contas independentemente de quem figurava como titular foram usados no exercício do trafego comercial da "atividade conjunta" que os dois irmãos desenvolveram nos anos noventa (90) do século passado.
E) A conta número ...22 referida em (1) dos factos provados, foi usada para pagar dívidas do Autor e do irmão DD número treze (13) dos factos provados, decorrentes do exercício da atividade empresarial desenvolvida por ambos.
F) Não é possível determinar, por todas as circunstâncias facilmente presumíveis, o quanto foi pago ou quanto beneficiou cada um dos irmãos, "sócios", em resultado do dinheiro transitado nessa conta.
G) O pedido efetuado pelos Autores não podia ter sido desinserido da atividade exercida por ambos em conjunto e desligado da contabilidade dessa atividade.
H) A sentença que dê provimento a um pedido da natureza e tipo do dos Autores, consubstancia a liquidação e apuramento de contas de uma empresa, cuja contabilidade se ignora completamente não existindo elementos mínimos que a permitam realizar.
I) Os direitos invocados pelos Autores não se compaginam com o tempo decorrido sobre a sua constituição, vinte e dois anos sobre o pagamento da primeira fração do crédito reclamado e sete anos sobre o pagamento integral do crédito que dizem ter pago.
J) A admitir a existência de tais créditos, já teriam sido devorados pela prescrição. K) A errada representação de que a Ré é herdeira da falecida sogra não é apta a fazer ressuscitar um crédito na esfera dos Autores, que nunca existiu.
L) A sentença a quo acolhe parcialmente o pedido do Autores com o seguinte enquadramento:
- "Subsidiariamente, os Autores vêm exigir o pagamento a título de enriquecimento sem causa.
Ora, o artigo 473º do Código Civil dispõe que: “1- Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2- A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”.
Por outro lado, o artigo 474º do Código Civil estabelece que: “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”, consagrando a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa.
Finalmente, o artigo 479º do Código Civil estatui que: “1- A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
2- A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte.”.
Segundo PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA", a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
a) é necessário que haja um enriquecimento (obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista);
b) em segundo lugar, que o enriquecimento careça de causa justificativa - ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido (sendo que, em termos gerais, a falta de causa justificativa traduz-se na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento);
c) finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição (a vantagem económica alcançada por um dos sujeitos resulte do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro).
Para além disso, é ainda necessário, para que haja lugar à obrigação de restituir, que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito de restituição, ou seja, que não haja de permeio, entre o ato gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro ato jurídico e, por outro lado, que a lei não faculte aos empobrecidos um outro meio de serem ressarcidos"
Ora, “O enriquecimento é injusto, não apresentando causa justificativa, quando não está de harmonia com a correta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, em virtude de determinado valor se achar no património do beneficiado, quando o seu lugar era no património do prejudicado”, sendo certo que a “A rutura da união de facto, motivada por vontade unilateral de um dos seus membros, que expulsando o outro, continua a viver, sozinho, no apartamento, após aquele, com vista a adquirir a sua co-titularidade para servir como casa de morada de família de ambos, lhe ter entregue dinheiro para pagar metade do preço da compra e respetivas despesas de escritura e registo, determinou o desaparecimento subsequente da causa da deslocação patrimonial, constituindo um caso especial da obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa”.
No caso sub judice, os Autores pagaram um empréstimo que era da responsabilidade da Ré e do seu falecido marido entre 30 de novembro de 1999 e 30 de novembro de 2014, pagando a quantia total de € 138.114,71, sendo certo que o dinheiro em causa foi utilizado para pagar dívidas do Autor e do seu falecido irmão pelo que se tem que presumir, na falta de outro elemento, que cada um teria que pagar metade dessas dívidas, pelo que o empobrecimento dos Autores é de apenas metade do valor pago (€ 69.057,35), sendo certo que nunca chegou a ser constituída uma sociedade entre os 2 irmãos.
Assim, operou-se uma deslocação do património dos Autores, que ficou diminuído no montante de € 69.057,35, para o património da Ré e do seu falecido marido, que ficou aumentado em igual importância, na medida em que era sua responsabilidade pagar aqueles valores que foram suportados pelos Autores, pelo que se verificou um enriquecimento do património dos mesmos à custa do correlativo empobrecimento do património dos Autores.
De igual modo se verifica o requisito da falta de causa justificativa desta deslocação patrimonial.
De facto, para que se considere verificado este requisito não basta que se não prove a causa da atribuição patrimonial; é, ainda, necessário que se prove a carência da causa justificativa, prova essa cujo ónus, nos termos do artigo 342º, n.º 1 do Código Civil, impende sobre os Autores, por constituir facto constitutivo do direito à restituição por enriquecimento injusto.
Na verdade, extrai-se da matéria provada que a Ré e o seu falecido marido não tinham direito ao montante de € 69.057,35 que foi pago pelos Autores e era da sua responsabilidade o pagamento, pelo que que se encontram preenchidos o todos os requisitos do enriquecimento sem causa supra referidos.
Além disso, ocorre também que os Autores não têm outro meio de ser indemnizados ou restituídos, uma vez que não está provada a existência jurídica de qualquer contrato entre Autores e Ré
Em suma, têm, pois, os Autores direito a ser restituídos do valor correspondente àquilo com que a Ré e o seu falecido marido injustamente se locupletaram (artigo 473º, n.º 1 do Código Civil).
Assim, preenchidos que estão os pressupostos do enriquecimento sem causa, impõe-se concluir, nos termos dos artigos 473º, 474º, 479º, 2068º e 2091º do Código Civil, que a Ré, em seu nome pessoal e na qualidade de única herdeira do seu falecido marido, está obrigada a restituir aos Autores a quantia de € 69.057,35 correspondente à vantagem patrimonial que obteve e no caso equivalente à perda de igual montante verificada no património dos Autores."
M) Sem reparos quanto aos normativos chamados para o enquadramento jurídico do instituto do enriquecimento sem causa, nem quanto às aplicações doutrinárias e jurisprudências chamadas para ajudar na exegese do instituto jurídico em questão;
N) Leitura diferente temos da aplicação do instituto em causa (enriquecimento sem causa) ao caso sub judice, com fundamento na maioria das conclusões expendidas anteriormente, Vejamos:
1- Não pode estar determinado de forma válida, se o houve, o enriquecimento dos Autores, o modo de cálculo aplicado na sentença que se discute carece demonstração alicerçada em factos seguros que não ofereçam o escopo à critica, o que não é o caso.
2 - O enriquecimento a existir, o que não se aceita e contesta desde o inicio, tem uma causa; a actividade empresarial desenvolvida durante um curso de tempo, pelo Autor marido e pelo irmão deste, o falecido DD marido da Ré.
3 - Do mesmo modo, entendemos que não pode proceder a afirmação de que o enriquecimento, cuja existência a Ré não aceita e pensa ter demonstrado, tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
4 - Não obstante aos Autores assistiam outros meios para serem reintegrados por eventuais violações de direitos, decorrentes da "atividade conjunta" - empresarial, na nossa preferência, sendo certo que o empréstimo em discussão foi uma gota de água no universo da atividade conjunta desenvolvida pelos dois irmãos.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO APLICÁVEL ECOM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., SE REQUER QUE SE DIGNEM A APRECIAR O PRESENTE RECURSO , JULGANDO-O PROCEDENTE, POR PROVADO, E EM CONSEQUÊNCIA DECIDIREM PELA ABSOLVIÇÃO DA RÉ, POR TUDO O EXPOSTO, ALEGADO E CONCLUÍDO.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
***
II. QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, 639º, nº 1, 6’8º, n.º 2. ex vi do artigo 679º do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, e não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir:
- se foi validamente impugnada a matéria de facto:
- se se verificam os pressupostos do enriquecimento sem causa, e deve a Ré ser condenada a pagar a totalidade da quantia peticionada pelos Autores, ou se pelo contrário, por não se mostrarem os mesmos preenchidos, deve a mesma ser absolvida do pedido.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO.
III.1. Com interesse para a boa decisão da causa, o Tribunal Recorrido considerou provados os seguintes factos:
1) Em 29 de Novembro de 1999, a Ré CC e marido, DD, celebraram com a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Tavira, CRL”, um contrato de abertura de crédito, pelo qual esta instituição abriu a favor daqueles um crédito até à quantia de
P T E . 14.500.000$00, ou seja, € 72.325,70, pelo prazo de 15 anos, amortizável em 180 prestações mensais, tal como resulta de fls. 10 a 14, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 1º e 2º da petição inicial).
2) Para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações resultantes do referido contrato, constituíram-se fiadores do referido empréstimo EE e mulher, FF (artigo 4º da petição inicial).
3) Para garantia do mesmo crédito, estes fiadores constituíram a favor da mutuante hipoteca voluntária sobre o prédio misto sito em Solteiras, freguesia da Conceição, concelho de Tavira, inscrito na matriz predial urbana sob os artigos ...05 e ...60 e na matriz predial rústica sob o artigo ...11, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º ...14, prédio que corresponde à habitação própria permanente dos fiadores, bem como dos Autores AA
AA e BB, que vivem todos na mesma casa (artigos 5º e 6º da petição inicial).
4) Em 30 de Novembro de 1999, a referida quantia de PTE. 14.500.000$00, ou seja, € 72.325,70, foi depositada na conta dos mutuários, com o número ...12 (artigo 3º da petição inicial).
5) O mutuário DD faleceu em .../.../2015, no estado de casado, no regime da comunhão de adquiridos, com a Ré CC, tendo um filho, GG, mas o mesmo renunciou à herança, tal como resulta de fls. 39-vº e 40, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 9º a 11º da
petição inicial).
6) A fim de evitar o acionamento da hipoteca e a consequente venda judicial da habitação onde os Autores residiam e residem, os mesmos pagaram as prestações mensais devidas no âmbito do contrato de abertura de crédito referido em 1), em virtude de incumprimento dos pagamentos por parte dos mutuários e dos fiadores (artigos 12º a 14º da petição inicial).
7) Os Autores na conta bancária dos mutuários, a Ré CC e do seu falecido marido DD os valores infra discriminados, nas datas e pelos modos indicados, no valor total de € 138.114,71:
Data | Valor (euros) | Meio | Conta Creditada | Documento |
02.03.2000 | 1.496,39 | transferência | ...43 | 2 |
31.03.2000 | 823,02 | depósito | ...43 | 4 |
11.04.2000 | 2.244,59 | depósito | ...43 | 4 |
23.06.2000 | 748,19 | cheque | ...43 | 2 |
26.07.2000 | 735,32 | depósito | ...43 | 2 |
25.08.2000 | 648,43 | depósito | ...43 | 2 |
31.08.2000 | 823,01 | depósito | ...43 | 2 |
29.09.2000 | 748,20 | depósito | ...43 | 5 |
02.11.2000 | 798,08 | depósito | ...43 | 5 |
04.12.2000 | 798,08 | depósito | ...43 | 6 |
29.12.2000 | 748,20 | depósito | ...43 | 6 |
30.01.2001 | 758,17 | depósito | ...43 | 7 |
26.02.2001 | 778,12 | depósito | ...43 | 7 |
31.03.2001 | 783,11 | depósito | ...43 | 8 |
30.04.2001 | 758,17 | depósito | ...43 | 8 |
29.05.2001 | 798,08 | depósito | ...43 | 9 |
29.06.2001 | 773,13 | depósito | ...43 | 9 |
31.07.2001 | 778,12 | depósito | ...43 | 2 |
31.08.2001 | 756,49 | depósito | ...43 | 2 |
28.09.2001 | 798,07 | depósito | ...43 | 2 |
02.11.2001 | 778,12 | depósito | ...43 | 2 |
30.11.2001 | 773,14 | depósito | ...43 | 2 |
27.12.2001 | 778,12 | depósito | ...43 | 2 |
31.01.2002 | 777,00 | depósito | ...43 | 2 |
01.03.2002 | 777,00 | depósito | ...43 | 2 |
28.03.2002 | 777,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.04.2002 | 777,00 | depósito | ...43 | 2 |
03.06.2002 | 777,00 | depósito | ...43 | 2 |
28.06.2002 | 771,00 | depósito | ...43 | 2 |
01.08.2002 | 776,31 | depósito | ...43 | 2 |
02.09.2002 | 777,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.09.2002 | 776,00 | depósito | ...43 | 2 |
31.10.2002 | 777,00 | depósito | ...43 | 2 |
28.11.2002 | 776,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.12.2002 | 775,00 | depósito | ...43 | 2 |
03.02.2003 | 777,00 | depósito | ...43 | 2 |
28.02.2003 | 777,00 | depósito | ...43 | 2 |
28.03.2003 | 775,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.04.2003 | 777,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.05.2003 | 777,00 | depósito | ...43 | 2 |
02.07.2003 | 780,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.07.2003 | 780,00 | depósito | ...43 | 2 |
01.09.2003 | 782,00 | depósito | ...43 | 2 |
03.10.2003 | 780,00 | depósito | ...43 | 2 |
17.11.2003 | 782,00 | depósito | ...43 | 2 |
31.12.2003 | 1.543,66 | transferência | ...43 | 2 |
27.02.2004 | 857,68 | depósito | ...43 | 2 |
31.03.2004 | 796,00 | depósito | ...43 | 2 |
27.04.2004 | 795,00 | depósito | ...43 | 2 |
15.06.2004 | 800,00 | depósito | ...43 | 2 |
07.07.2004 | 797,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.07.2004 | 802,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.07.2004 | 775,00 | transferência | ...43 | 2 |
30.09.2004 | 795,00 | depósito | ...43 | 2 |
22.10.2004 | 785,00 | depósito | ...43 | 2 |
03.12.2004 | 820,70 | transferência | ...43 | 2 |
10.12.2004 | 763,00 | depósito | ...43 | 2 |
02.03.2005 | 1.686,97 | transferência | ...43 | 2 |
25.05.2005 | 1.560,00 | depósito | ...43 | 2 |
29.06.2005 | 331,37 | transferência | ...43 | 2 |
22.07.2005 | 1.653,95 | depósito | ...43 | 2 |
05.08.2005 | 1.541,00 | depósito | ...43 | 2 |
09.11.2005 | 2.313,98 | transferência | ...43 | 2 |
29.12.2005 | 1.906,12 | transferência | ...43 | 2 |
29.12.2005 | 331,37 | transferência | ...43 | 2 |
31.03.2006 | 2.540,00 | transferência | ...43 | 2 |
13.06.2006 | 1.752,00 | transferência | ...43 | 2 |
30.08.2006 | 934,62 | transferência | ...43 | 2 |
27.10.2006 | 872,67 | transferência | ...43 | 2 |
10.11.2006 | 1.668,09 | transferência | ...43 | 2 |
30.11.2006 | 862,08 | transferência | ...43 | 2 |
29.12.2006 | 855,15 | transferência | ...43 | 2 |
19.03.2007 | 2.599,16 | transferência | ...43 | 2 |
01.06.2007 | 1.800,00 | transferência | ...43 | 2 |
13.08.2007 | 500,00 | depósito | ...43 | 2 |
13.08.2007 | 1.263,15 | depósito | ...43 | 2 |
11.09.2007 | 1.706,86 | transferência | ...43 | 2 |
22.10.2007 | 852,00 | transferência | ...43 | 2 |
31.10.2007 | 519,00 | transferência | ...43 | 2 |
26.11.2007 | 120,00 | transferência | ...43 | 2 |
14.12.2007 | 1.020,00 | depósito | ...43 | 2 |
08.02.2008 | 859,15 | depósito | ...43 | 2 |
17.03.2008 | 847,50 | cheque | ...43 | 2 |
18.03.2008 | 820,00 | transferência | ...43 | 2 |
01.04.2008 | 853,00 | transferência | ...43 | 2 |
30.05.2008 | 856,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.06.2008 | 871,46 | depósito | ...43 | 2 |
01.08.2008 | 856,31 | depósito | ...43 | 2 |
29.08.2008 | 860,00 | depósito | ...43 | 2 |
13.10.2008 | 1.708,13 | transferência | ...43 | 2 |
04.11.2008 | 850,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.12.2008 | 1.650,00 | depósito | ...43 | 2 |
06.02.2009 | 936,00 | depósito | ...43 | 2 |
25.03.2009 | 116,99 | depósito | ...43 | 2 |
25.03.2009 | 750,00 | depósito | ...43 | 2 |
01.04.2009 | 850,00 | transferência | ...43 | 2 |
30.04.2009 | 825,00 | depósito | ...43 | 2 |
29.05.2009 | 809,50 | depósito | ...43 | 2 |
18.06.2009 | 90,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.06.2009 | 850,00 | depósito | ...43 | 2 |
31.07.2009 | 850,00 | depósito | ...43 | 2 |
31.08.2009 | 855,73 | depósito | ...43 | 2 |
01.10.2009 | 856,00 | transferência | ...43 | 2 |
30.10.2009 | 863,22 | depósito | ...43 | 2 |
27.11.2009 | 880,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.12.2009 | 894,00 | transferência | ...43 | 2 |
29.01.2010 | 845,00 | transferência | ...43 | 2 |
26.02.2010 | 840,00 | depósito | ...43 | 2 |
31.03.2010 | 860,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.04.2010 | 850,00 | depósito | ...43 | 2 |
31.05.2010 | 850,00 | depósito | ...43 | 2 |
29.06.2010 | 825,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.07.2010 | 845,00 | depósito | ...43 | 2 |
31.08.2010 | 861,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.09.2010 | 840,00 | depósito | ...43 | 2 |
29.10.2010 | 850,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.11.2010 | 839,41 | depósito | ...43 | 2 |
31.12.2010 | 860,00 | depósito | ...43 | 2 |
28.01.2011 | 850,00 | depósito | ...43 | 2 |
28.02.2011 | 840,00 | depósito | ...43 | 2 |
31.03.2011 | 860,00 | depósito | ...43 | 2 |
29.04.2011 | 840,00 | depósito | ...43 | 2 |
31.05.2011 | 860,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.06.2011 | 850,00 | depósito | ...43 | 2 |
29.07.2011 | 840,00 | depósito | ...43 | 2 |
31.08.2011 | 860,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.09.2011 | 834,11 | depósito | ...43 | 2 |
31.10.2011 | 860,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.11.2011 | 840,00 | depósito | ...43 | 2 |
30.12.2011 | 840,00 | depósito | ...43 | 2 |
31.01.2012 | 865,00 | depósito | ...43 | 2 |
29.02.2012 | 837,00 | depósito | ...43 | 10 |
30.03.2012 | 837,00 | depósito | ...43 | 10 |
30.04.2012 | 841,00 | depósito | ...43 | 10 |
31.05.2012 | 863,00 | depósito | ...43 | 10 |
29.06.2012 | 830,44 | depósito | ...43 | 10 |
31.07.2012 | 862,00 | depósito | ...43 | 10 |
31.08.2012 | 836,00 | depósito | ...43 | 10 |
01.10.2012 | 864,50 | depósito | ...43 | 10 |
31.10.2012 | 861,50 | depósito | ...43 | 10 |
30.11.2012 | 835,00 | depósito | ...43 | 10 |
28.12.2012 | 835,50 | depósito | ...43 | 10 |
30.01.2013 | 835,50 | depósito | ...43 | 10 |
28.02.2012 | 836,00 | depósito | ...43 | 10 |
28.03.2013 | 835,00 | depósito | ...43 | 10 |
29.04.2013 | 835,00 | depósito | ...43 | 10 |
31.05.2013 | 863,10 | depósito | ...43 | 10 |
28.06.2013 | 859,00 | depósito | ...43 | 10 |
31.07.2013 | 863,00 | depósito | ...43 | 10 |
30.08.2013 | 840,00 | depósito | ...43 | 10 |
30.09.2013 | 840,00 | depósito | ...43 | 10 |
31.10.2013 | 810,00 | depósito | ...43 | 10 |
29.11.2013 | 840,00 | depósito | ...43 | 10 |
31.12.2013 | 840,00 | depósito | ...43 | 10 |
31.01.2014 | 840,00 | depósito | ...43 | 10 |
28.02.2014 | 850,00 | depósito | ...43 | 10 |
31.03.2014 | 840,00 | depósito | ...43 | 10 |
29.09.2014 | 840,00 | depósito | ...43 | 10 |
30.05.2014 | 842,00 | depósito | ...43 | 10 |
30.06.2014 | 840,00 | depósito | ...43 | 10 |
31.07.2014 | 845,00 | depósito | ...43 | 10 |
29.08.2014 | 850,00 | depósito | ...43 | 10 |
30.09.2014 | 830,00 | depósito | ...43 | 10 |
31.10.2014 | 840,00 | depósito | ...43 | 10 |
28.11.2014 | 775,69 | depósito | ...43 | 10 |
8) As quantias referidas em 7) foram integralmente utilizadas para pagamento das prestações mensais devidas no âmbito do contrato mencionado em 1), as quais foram debitadas na mesma conta pelo credor mutuante, Caixa de Crédito Agrícola (artigo 18° da petição inicial).
9) O crédito referido em 1) foi totalmente liquidado em 30 de novembro de 2014, no valor total de € 138.850,03, sendo € 72.325,70 de capital e € 66.524,33 referente a juros, comissões e impostos (artigo 19° da petição inicial).
10) O pagamento das prestações por parte dos Autores ocorreu com o único intuito de evitar o acionamento da hipoteca (artigo 23 da petição inicial).
11) Até à presente data os Autores não foram reembolsados das quantias referidas em 7 ) pagas pelos mesmos (artigo 26° da petição inicial).
12) No decurso dos anos 1990, por período não concretamente apurado, o Autor AA e por iniciativa do seu falecido marido DD trabalhavam em conjunto na atividade de prestações de serviços com máquinas agrícolas, cobrando um preço pela realização de trabalhos com essas máquinas em circunstâncias não concretamente apuradas, desenvolvendo atividades como ceifas, limpeza de terrenos e lavouras, mas nunca tendo em vista constituir uma sociedade (artigo 5° da contestação).
13) A conta referida em 1) tinha em vista e foi usada para pagar dívidas do Autor e de DD (artigo 8° da contestação).
14) O Autor consta como fiador no empréstimo n.º ...22 referido em 1) no sistema informático do banco porque assinou proposta de crédito, mas não outorgou a escritura pública de abertura de crédito por razões não concretamente apuradas.
15) O empréstimo n. ° ...22 referido em 1) serviu para liquidar o empréstimo n." ...08 concedido em 30-06-1998, sendo mutuários a Ré e DD, tendo sido liquidado com o novo empréstimo o valor de € 43.053,27.
*
III.2 Factos não provados
Com interesse para a causa, o Tribunal Recorrido elencou os seguintes factos não provados.
a. O Autor é filho do fiador EE (artigo 7° da petição inicial).
b. O mutuário DD era também filho do fiador EE e irmão do Autor (artigo 8° da petição inicial).
c. A base dessa estrutura societária eram os dois irmãos, sendo o papel do pai de menor importância, contudo, assumia o papel de encarregado nalguns trabalhos, disponibilizava um terreno da sua propriedade para estaleiro das máquinas e equipamentos utilizados na atividade e trabalhava com os filhos, efetuando estes os pagamentos à Segurança Social das quotizações devidas pelo pai (artigo 6° da contestação).
d. Atividade que conheceu um desenvolvimento significativo nos primeiros dois, três anos e teve como consequência a aquisição de equipamentos pesados tipo Bulldozers, tratores de esteira e outros, camiões, ceifeiras, etc (artigo 7° da contestação).
e. Fundamentalmente para benefício dos Autores (artigo 10° da contestação);
f. Não tendo a Ré utilizado qualquer parcela desse dinheiro em seu proveito, ou do seu falecido marido (artigo 11 ° da contestação) .
g. Os valores mutuados através do contrato referido em 1) foram usados para pagamento de dívidas da dita sociedade irregular, nomeadamente, relativas a uma grande reparação de uma das máquinas em uso pela sociedade (artigo 19° da contestação).
h. Em 2000/2001, a atividade societária informal criada pelos dois irmãos conheceu o seu epílogo (artigo 26° da contestação).
i. Situação que radicou em desvios de dinheiro por parte do irmão AA, destinados ao pagamento de NA e outras prestações em débito, o que conduziu à separação definitiva e ao fim da atividade exercida por ambos através da estrutura criada familiarmente pelos dois irmãos e pelo pai (artigo 27° da contestação).
j. Esse fim conduziu a que o Autor AA tivesse ficado com um conjunto de máquinas e equipamentos que eram de ambos, nomeadamente: Bulldozer D4-006; 1 camião marca Ford de 14 toneladas; 1 trator marca DEUTZ 6006; 1 Bulldozer D6-00HANOMAG; tendo em contrapartida para o falecido DD ficado unicamente uma máquina retroescavadora (artigo 28° da contestação).
k. Circulando e estando ainda em atividade algumas dessas máquinas, como é o caso do trator de marca Deutz 6006 que está ao serviço de uma empresa familiar dos Autores de nome "Dunas VaI" (artigo 29° da contestação).
*
III.3. Da não impugnação da matéria de facto.
Nas suas alegações de recurso, a Ré parece dirigir crítica que qualifica de “enorme” à matéria de facto considerada provada e não provada na sentença.
Interpretando, porém, convenientemente a referida alegação, afigura-se, porém, que a critica surge dirigida à interpretação que dos factos é feita, e depois ao respetivo enquadramento, e não ao julgamento fático em si.
Na verdade, a Recorrente não refere de forma expressa pretender deduzir impugnação da decisão da matéria de facto (quanto aos concretos factos julgados provados ou não provados na sentença em crise), à luz do disposto no artigo 640º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Porém, para que não possa afirmar-se que se omite decisão sobre esse ponto, importa referir que, caso a pretensão recursiva se estendesse à matéria de facto, então seria forçoso concluir que a Apelante não cumpriu os ónus legais, previstos – em modo imperativo – naquele normativo processual, a cargo do impugnante da decisão da matéria de facto.
Com efeito, nem em sede de alegação, e menos ainda nas conclusões recursivas, a Apelante procedeu à obrigatória especificação (i) dos concretos pontos fácticos da sentença que considerasse erradamente julgados, (ii) dos concretos meios probatórios que pretendesse convocar e que impusessem decisão diversa, (iii) da diferente decisão a dever ser proferida no plano fáctico.
Note-se que nas conclusões não há a mais breve referência a impugnação da matéria de facto.
Donde que, a existir impugnação da decisão de facto – o que não se concede, por falta completa de formulação nesse sentido –, esta, por não obedecer aos requisitos legais [os das al.ªs a) a c) do aludido artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil], faltando também uma análise crítica da prova tendente a evidenciar um qualquer erro de julgamento de facto do Tribunal recorrido neste âmbito, o que determina a rejeição liminar de tal eventual pretensão de impugnação de facto.
Termos em que permanece inalterado o quadro fáctico da sentença – o julgado provado e o não provado – assim tornado definitivo.
*
III.4. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Importa desde logo especificar que o recurso se dirige apenas à parte da decisão recorrida que considerou verificarem-se os pressupostos do enriquecimento sem causa relativamente à quantia que condenou a Ré a entregar aos Autores.
Tal resulta claro da impugnação da Ré, que nenhuma referência faz à sub-rogação em que os Autores fundamentavam o pedido formulado na alínea a) do articulado inicial e relativamente à qual, na sentença sob censura se considerou não se verificarem os respetivos pressupostos.
Por seu turno os Autores, embora façam referência a tal segmento decisório, referem quanto ao mesmo:
“(…)entendem os Autores que se encontram preenchidos os requisitos da sub-rogação legal, previstos no n.º 1 do artigo 592.º do Código Civil, pelo que o direito do credor Caixa de Crédito Agrícola deveria, ao abrigo dessa figura jurídica, transmitir-se para os Autores.
Todavia, não é esse o motivo do presente recurso, uma vez que a figura do enriquecimento sem causa, que alicerçou o pedido subsidiário dos Autores e ao abrigo da qual o tribunal a quo enquadrou a questão, acaba por culminar no mesmo efeito prático pretendido, que é o reembolso da quantia paga.(…)”
Acresce que nas conclusões de recurso que delimitam o objeto do recurso dos Autores, nenhuma referência é feita à parte da sentença em que se julgou que não se mostravam verificados os pressupostos da sub-rogação.
Por outro lado, pese embora a alusão a eventual prescrição constante das alegações de Recurso da Ré, o certo é que se mostra precludido o direito da Ré de deduzir tal exceção de prescrição, por não o ter feito na contestação e por não se verificar nenhuma das situações excecionais previstas no nº 2 do artigo 573.º, do Código de Processo Civil, pelo que está este Tribunal impedido de conhecer da e tal exceção, sob pena de violação do princípio da concentração da defesa.
Cabe, pois, apurar se se verificam os pressupostos do enriquecimento sem causa relativamente a toda a quantia peticionada pelos Autores, o que levará à procedência do recurso interposto pelos mesmos, ou se pelo contrário, os mesmos se mostram inverificados e deve proceder a apelação da Ré.
Vejamos então.
***
A sentença recorrida realizou um adequado enquadramento do instituto do enriquecimento sem causa, pelo que sobre o mesmo faremos apenas uma brevíssima abordagem para depois enquadrar os respetivos pressupostos na factualidade provada.
São requisitos desta fonte de obrigações prevista no artigo 473º do Código Civil:
- a existência de um enriquecimento;
- a inexistência de fundamento para esse enriquecimento;
- ter o enriquecimento sido obtido à custa daquele que pede a restituição.
O enriquecimento pressupõe uma deslocação patrimonial obtida por alguém à custa de outrem, independentemente do ato que esteve na sua origem, vantagem patrimonial que pode traduzir-se num aumento do ativo do beneficiário, ou, com particular interesse para o caso, na redução do seu passivo.
Especificamente, quanto ao “enriquecimento por pagamento de dívidas alheias”, refere Luís de Menezes Leitão[3]: que tal «acção deve considerar-se admissível através da cláusula geral do artigo 473.º, n.º 1. Efectivamente, apesar de não se verificar qualquer das circunstâncias em que a lei permite expressamente a compensação do solvens, o facto de este cumprir uma obrigação alheia provoca um enriquecimento do devedor à sua custa, pelo que, sendo excluída a acção contra o credor, haverá que permitir a aplicação da condictio para possibilitar o exercício do direito de regresso. (…) Por aqui se vê que é residualmente admissível uma acção de enriquecimento por pagamento de dívidas alheias, quando o regresso pela quantia despendida não se pode verificar nos termos de nenhuma outra fonte.».
A inexistência de fundamento ou causa justificativa – que alguns qualificam como requisito negativo deste instituto – significa que a obrigação de restituir pressupõe ainda que a deslocação patrimonial obtida por alguém a expensas de outrem tenha acontecido sem causa jurídica a justificá-la, seja porque nunca existiu, seja porque, tendo existido, se extinguiu entretanto.
A lei não define o que seja causa do enriquecimento, mas aponta, ainda assim, no nº 2 do citado 473º hipóteses integradoras de tal conceito, como são a inexistência da obrigação, o posterior desaparecimento dela ou a não verificação do efeito pretendido.
Assim, no caso de enriquecimento por pagamento de dívidas alheias, importa ponderar, no que à falta de causa diz respeito, que tem de atender-se ao fim imediato do que realiza o pagamento, para se entender se visava liberar os devedores, realizar-lhes uma prestação.
E importa notar que, enquanto elementos constitutivos do direito à restituição, cabe a quem o invoca, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil, alegar e demonstrar a verificação de todos os enunciados requisitos, nomeadamente, a falta de causa justificativa para a deslocação patrimonial feita a expensas suas em benefício daqueles a quem pede a restituição, não bastando para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus probandi, que não se prove a existência de uma causa de atribuição; é preciso convencer o tribunal da sua falta.[4]
A matéria do ónus da prova constitui um dos “raros oásis de consenso” no âmbito do enriquecimento sem causa: na verdade, é doutrina praticamente pacífica e jurisprudência largamente dominante a tese de que cabe ao autor demonstrar a ausência de causa da sua prestação, não obstante tratar-se de um facto negativo[5].
Ora, no caso dos autos, podemos com segurança afirmar que a Ré e o seu falecido marido obtiveram uma vantagem patrimonial que se traduziu na diminuição do seu passivo, pois os Autores procederam ao pagamento dos montantes referidos nos factos provados relativos a contrato de mútuo de que eram mutuários, pagando ao credor o empréstimo no montante das prestações ali elencadas.
É também legítimo concluir que esta deslocação patrimonial, em favor da Ré e do seu falecido marido ocorreu à custa dos Autores, já que não se tendo provado que estes o fizeram com meios de pagamento de outrem, pode considerar-se que viram o respetivo património diminuído no valor correspondente.
Estando, assim, preenchidos os pressupostos acima enunciados em primeiro e terceiro lugares, resta saber se igualmente se pode afirmar a inexistência de causa justificativa para essa deslocação patrimonial.
Ora, a este propósito apenas se demonstrou o que se deu como provado nos artigos 6º e 10º, que os Autores procederam ao pagamento das referidas quantias com o intuito de evitar a hipoteca do imóvel dado em garantia da dívida, pertencente ao alegado pai do Autor e do falecido marido da Ré.
O que nada esclarece quanto ao entendimento dos mesmos sobre a existência de causa relacionada com a Ré e o falecido marido da mesma, quanto à obrigação em causa, designadamente se existia ou não qualquer circunstância, nomeadamente resultante da atividade conjunta levada a cabo pelo Autor e pelo falecido marido da Ré que sobre os Autores fizesse recair (também) a obrigação de pagamento, sendo certo que se demonstrou que a conta referida em 1) tinha em vista e foi usada para pagar dívidas do Autor e de DD (artigo 13º dos factos provados) e que o Autor consta como fiador no empréstimo n.º ...22 referido em 1) no sistema informático do banco porque assinou proposta de crédito, (artigo 14º dos factos provados).
E também é certo que resulta da matéria de facto que o falecido marido da Ré e o Autor na presente ação na década de 1990, com início e fim em datas imprecisas, desenvolveram uma atividade empresarial na área da prestação de serviços agrícolas, atividade no exercício da qual necessariamente, e como resulta da extensa prova documental junta aos autos, efetuaram compras e vendas de bens, compraram e venderam serviços, empréstimos foram contraídos, efetuaram os mais diversos pagamentos, usaram cheques, livranças e provavelmente outros meios de pagamento, que foram titulares de várias contas bancárias, em diversas instituições bancárias, usadas independentemente de quem figurava como titular no exercício do tráfego comercial da "atividade conjunta" que os dois alegados irmãos, desenvolveram nos anos noventa (90) do século passado, sendo que concretamente, e como se referiu já, a conta número ...22 referida em (1) dos factos provados, foi usada para pagar dívidas do Autor e DD, decorrentes do exercício da atividade empresarial desenvolvida por ambos.
Não se demonstrou o quanto foi pago ou o quanto beneficiou cada um dos intervenientes em resultado e no âmbito da atividade conjunta, do dinheiro movimentado nessa conta, nem qualquer elemento relativo à contabilidade dessa atividade, mas o certo é que o valor deste empréstimo serviu para pagar um outro, em que eram intervenientes Autora, Ré e falecido marido, sendo que a circunstância de os empréstimos terem sido contraídos no âmbito de tal atividade conjunta pode explicar que quer o alegado pai do ora Autor e do falecido marido da ora Ré, quer os ora Autores tivessem intervindo nos contratos de mútuo, assumindo fianças ou dando o imóvel em garantia.
Para que se concluísse pela falta de causa da deslocação patrimonial, pois, haver-se-ia de ter realizado o apuramento de contas da atividade conjunta, pois que os documentos juntos e os factos provados indiciam uma atividade em que, independentemente da titularidade das contas, quer Autores, quer a Ré e o falecido marido, utilizavam as contas e os meios de pagamento obtidos com os empréstimos na dita atividade, sem o que ficaria por esclarecer a participação de todos nos contratos e entrega do imóvel (que agora parece que a todos pertencerá) em garantia de tais créditos.
Note-se que com os pagamentos os ora Autores asseguraram a permanência do imóvel onde viviam no património da alegada família, imóvel que, doutra forma, teria servido de meio de pagamento do empréstimo e saldaria, pelo menos em parte, a dívida.
Assinale-se também que o empréstimo em discussão respeitará a apenas uma parte do financiamento da atividade conjunta desenvolvida pelos dois alegados irmãos.
No desconhecimento dos contornos das contas dessa atividade e que estiveram na origem dessa atribuição patrimonial, não pode afirmar-se que a mesma carece de causa.
E porque era aos Autores que, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil, cabia provar essa “falta de causa” e estes o não fizeram, não pode concluir-se pela existência da obrigação de restituir por parte da Ré ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.
Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.10.2008, “(…) “in dubio” deve entender-se que o eventual enriquecimento derivou de justa causa, já que a deslocação sem causa não é consentânea com a normalidade negocial.”
Procede, pois, a apelação da Ré e improcede a apelação dos Autores.
*
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam em julgar
a) Improcedente a apelação dos Autores:
b) Procedente a apelação da Ré e consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, e absolve-se a Ré do pedido.
Custas pelos Autores – artigo 527º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
*
Évora, 2023-11-23
Ana Pessoa
José António Moita
Maria da Graça Araújo
__________________________________________________
[1] Da exclusiva responsabilidade da relatora.
[2] Cf. Antunes Varela, “Das Obrigações em geral”, 8ª edição, vol. I, pág.491
[3] “Direito Das Obrigações, vol. I, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 444 e seg..)
[4] Cf. Antunes Varela, “Das Obrigações em geral”, 8ª edição, vol. I, pág.491
[5] Cf. Acórdão do STJ de 17.10.2006, proferido no processo n.º 06ª2741, o de 05.12.2019, proferido no âmbito do processo n.º 5940/16.2T8GMR.G1.S2 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 13.07.2020, proferido no âmbito do processo n.º 4570/17.6T8VIS.C1