RESPONSABILIDADE CIVIL
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
LUCRO CESSANTE
Sumário

I - Podem ser considerados na sentença (com referência, sempre, aos limites de cognição do tribunal traçados pelos factos essenciais alegados pelas partes – art. 5º, nº 1 e 615º, nº 1 d) do CPC) os factos complementares e instrumentais – estes, quando resultem da instrução da causa (art. 5º, nº 2, a) do CPC); aqueles, quando resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido as partes possibilidade de se pronunciar.
II - Deve entender-se que a disciplina prevista no art. 5º, nº 2, b) do CPC exige para que os factos complementares ou concretizadores sejam considerados (independentemente de requerimento das partes nesse sentido) que as partes sejam expressamente advertidas, antes do encerramento da discussão de facto, sobre tal, pois que importa cumprir o contraditório quanto ao próprio aproveitamento do facto pelo tribunal.
III - Sendo a factualidade que a parte pretende ver incluída na decisão, a coberto da alínea b) do nº 2 do art. 5º do CPC, indispensável à decisão da causa, a não observância de tal necessário pressuposto para a sua aquisição oficiosa imporá a anulação da decisão, nos termos do art. 662º, nº 2, c) do CPC.
IV - Sendo a matéria que se pretende incluir na fundamentação de facto irrelevante e indiferente e, muito menos, não sendo indispensável à apreciação da pretensão recursória, deve o tribunal abster-se de apreciar da impugnação da decisão de facto que a tem por objecto.
V - As alegações cumprem o ónus primário de alegação em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto solicitada em apelação (art. 640, nº 1 do CPC) se permitirem, ainda que por actividade interpretativa do tribunal, apreender o preciso objecto do recurso (sem obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente lhe na concretização do objecto do recurso).

Texto Integral

Apelação nº 827/18.7T8PVZ.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Rui Moreira
Lina Castro Baptista

*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Autora (apelante e apelada): AA
Ré (apelante e apelada): A..., S.A. (atual denominação social de B..., S.A.)
Juízo central cível da Póvoa de Varzim (lugar de provimento de Juiz 3) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
*
Realizada a audiência de julgamento na acção destinada ao exercício do direito a indemnização com fundamento na responsabilidade civil emergente de acidente de viação em que AA pediu a condenação da ré B..., S.A. (actualmente denominada A..., S.A.) a pagar-lhe a quantia de 431.455,56€, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento e, ainda, quantia a liquidar em decisão ulterior (relativa a dores, custos e sequelas da cirurgia para retirada do material de osteossíntese), foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ré (no mais julgando improcedente a acção e absolvendo a ré do pedido):
- a pagar à autora, a título de danos patrimoniais, a quantia de quarenta mil duzentos e noventa e seis euros e quarenta e nove cêntimos (40.296,49€), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal para obrigações civis, desde a citação, até integral pagamento,
- a pagar à autora, a título de danos não patrimoniais, a quantia de trinta e cinco mil euros (35.000,00€), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal para obrigações civis, desde a data da decisão, até integral pagamento.
Não se conformando com o assim decidido, apelam autora e ré.
A autora, pretendendo se adite à indemnização fixada o montante de quinze mil euros (15.000,00€) a título de ‘dano patrimonial pela perda de rendimento do trabalho no período da incapacidade temporária’ e a quantia de vinte e cinco mil euros (25.000,00€) a título de ‘compensação pelo dano patrimonial futuro da perda profissional após a alta até ao fim da sua vida útil’, formula as seguintes conclusões:
1.º Deve a sentença tomar em consideração os factos instrumentais que relevem para a relação material controvertida, que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão a proferir corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão, nos termos e para os efeitos dos art.º 5.º, n.º 1, alínea a) e art.º 611.º do CPC;
2.º As concretas passagens de minutos 13:54 a 15:25 e de minutos 15:45 e 16:10 do depoimento da testemunha BB, as concretas passagens de minutos 12:59 a 13:29, 13:57 a 14:06, 20:51 a 20:57 e minutos 22:11 a 22:36 do depoimento da testemunha CC, e as concretas passagens de minutos 10:57 a 12:42 e minutos 13:11 a 13:53 da testemunha DD, conjugadas com as concretas passagens de minutos 10:28 a 11:35 das declarações de parte da Autora AA, impõem que o facto “A A. actualmente, trabalha no callcenter da companhia aérea C..., auferindo entre €700,00 e €800,00 de retribuição mensal”, seja conhecido e julgado provado, sendo, consequentemente, aditado ao elenco dos factos provados e considerado na prolação da decisão do litígio;
3.º O défice funcional temporário total fixado em 809 dias advindo das lesões sofridas, com internamento e convalescença, traduziu-se na incapacidade fáctica de produzir força laboral e, consequentemente, rendimento, consubstanciando um dano patrimonial autonomizável das indemnizações devidas a título de dano biológico e danos não patrimoniais;
4.º Prevê o n.º 8 do art.º 64.º do DL n.º 291/2007, de 21/8 que, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado que não tenha profissão certa, deve o tribunal basear-se no montante da retribuição mínima mensal garantida à data da ocorrência, devendo a Autora ser autonomamente indemnizada, por montante não inferior a € 15.000,00 (quinze mil euros), a título do dano patrimonial de perda de rendimento em incapacidade temporária.
5.º Para além disso, jurisprudência recente tem autonomizado como parâmetro indemnizatório, o dano biológico, por um lado, como dano-evento e, por outro, como dano-consequência, relevando no caso sub judice, o rebate profissional que advém do défice permanente do qual padece a Autora, que se estenda à afetação da sua capacidade profissional, traduzindo uma incapacidade fáctica de produzir rendimento, o qual deve ser autonomamente considerado e, em função do qual, deve a Autora ser indemnizada em montante não inferior a € 25.000, 00 (vinte e cinco mil euros).
6.º Violou a sentença recorrida o normativo constante dos art.º 342.º, n.º 1, 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, 566.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Civil, art.º 5.º, n.º 1, alínea a), 410.º, 413.º e 607.º, n.º 4 do CPC, e art.º 64.º, n.º 7 e 8 do DL n.º 291/2007, de 21/8.
A ré, entendendo que não se justifica a atribuição de indemnização a título de dano biológico, na vertente patrimonial, e insurgindo-se contra os valores indemnizatórios fixados, que entende excessivos (quer o dano não patrimonial, quer o patrimonial, se for de o considerar verificado), termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso visa a reapreciação da decisão vertida na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância a respeito da vertente patrimonial e não patrimonial decorrente do dano biológico de que a recorrida ficou a padecer em virtude do acidente dos autos.
Da inexistência de prejuízo a título de dano biológico, na vertente patrimonial
2. O Tribunal recorrido fixou em 40.000,00€ a compensação devida à apelada como indemnização do dano biológico, na vertente patrimonial, por ela sofrido em consequência do sinistro dos autos, condenação com a qual a recorrente não se conforma;
3. A propósito do valor indemnizatório alegadamente devido à apelada em virtude deste dano, importa começar por fazer notar que resultou demonstrado que, em consequência do presente sinistro, esta ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos e que as sequelas de que é portadora são compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, implicando, ligeiros esforços suplementares;
4. Assim, perante a ausência de efetivo rebate nos rendimentos do seu trabalho, crê a recorrente que não assiste à apelada o direito a ser indemnizada nesta vertente do dano, pois tais sequelas não acarretam qualquer prejuízo económico na esfera patrimonial da recorrida, já que o seu dano biológico tem apenas uma componente não patrimonial, pela qual, aquela deverá ser compensada;
5. Por outras palavras, em face do enquadramento factual resultante da douta decisão sob censura, não é previsível qualquer dano patrimonial decorrente da incapacidade permanente de que a apelada padece, o que é o mesmo que dizer que nenhum dano haverá a indemnizar neste campo, ou a este título;
6. O que impõe a revogação da douta sentença na parte em que condenou a aqui recorrente a pagar à recorrida a quantia de 40.000,00€ a título de indemnização pelo dano biológico de cariz notoriamente patrimonial, o que, desde já, se requer;
7. Por seu lado, a compensação a título de dano biológico na vertente de danos não patrimoniais sofridos pela recorrida, face à matéria que deverá ser dada como assente, melhor explicada infra, nunca poderá ultrapassar os €20.000,00, que deverá ser o valor global a pagar pela recorrente à recorrida pelo ressarcimento total dos danos por esta sofridos, a título de dano biológico, em ambas as suas vertentes.
Caso assim se não entenda, o que apenas se equaciona para efeitos do presente raciocínio,
Da matéria incorretamente julgada
8. A recorrente, sempre com o devido e merecido respeito, entende que parte da matéria de facto dada como provada não foi devidamente apreciada e, consequentemente, também não foi devidamente decidida.
9. Em causa está a seguinte matéria, vertida nos factos assentes:
al. r) na parte onde se lê: “…devido a sintomatologia ansiosa, queixas de desânimo, dificuldades de atenção e concentração e fobia à condução, com prescrição de medicação, tendo cessado o acompanhamento em psiquiatria em 6/02/2017 com orientação para psicologia, acompanhamento que hoje mantém;
al. t) na parte onde se lê: “Em consequência de tais lesões e sequelas a autora sofre cefaleia hemicraniana direita diária, … falta de concentração, nomeadamente para a actividade de leitura, cansaço psicológico e moral, e intolerância ao ruído, que a leva a evitar locais com muitas pessoas”
al. w) na parte onde se lê “…a autora desenvolveu fobia na condução de veículos, que evita … deixou de dançar, actividade que mantinha a nível amador, duas a três vezes por semana, e com participação em provas, e deixou de ter gosto em frequentar discotecas e espectáculos”;
al. x) Onde se lê “da interrupção dos estudos e das modificações de hábitos sociais, a autora suportou e suporta sofrimento, dores e incómodos, tristeza e desgosto;
al. z) “A autora pretendia frequentar o 2.º e último ano do mestrado em Turismo no ano lectivo de 2016/2017, para o qual se chegou a inscrever em 4/10/2016, mas não concluiu este mestrado por causa das consequências das lesões sofridas e por tal mestrado não ter voltado a abrir edição nomeadamente no ano de 2017/2018;”
al. aa) “Posteriormente, a autora não voltou a tentar qualquer outra graduação em mestrado, por dúvidas em ter capacidade para o fazer, nomeadamente por causa das persistentes cefaleias e dificuldades de concentração”.
10. Os meios de prova que sustentam esta posição (leia-se discórdia) da apelante são os relatórios periciais médicos juntos aos autos, o depoimento da própria A., aqui recorrida, prestado durante a audiência de discussão e julgamento e os documentos emitidos pela Faculdade de Letras da Universidade ..., também juntos aos presentes autos;
11. Dos relatórios médicos periciais elaborados pelo INML, resulta que:
- Relatório de ortopedia de 23.04.2021 que diz que a recorrida tem “mobilidade completa simétrica e indolor… sem perda de força muscular… sem encurtamento clavicular…”
- Relatório de perícia de psiquiatria forense, de 13.06.2021 que refere “EXAME DO ESTADO MENTAL apresenta um discurso coerente, bem construído sintática e semanticamente, sem alterações da forma nem do curso do pensamento. as suas funções cognitivas, numa avaliação clínica, situam-se dentro das variações da normalidade para o grupo etário…
não apresenta sintomatologia ansiosa nem humor depressivo
sem alteração da perceção
DISCUSSÃO

foi avaliada em perícia médico legal de psicologia que concluiu que não apresenta défices neuropsicológicos permanentes, admitindo ligeiros défices temporários a seguir ao acidente…
estado mental normal…
sem evidências de psicopatologia de natureza pós-traumática
CONCLUSÕES
a examinada tenha apresentado ligeiros défices no funcionamento neuropsicológico a seguir ao acidente, tendo beneficiado de tratamento em conformidade.
atualmente, não se observa alteração psicopatológica suscetível de se constituir como dano psíquico permanente decorrente do evento traumático em apreço.”
- Esclarecimento prestado ao relatório identificado supra, em 03.10.2021:
“A examinada não apresenta, ao exame do estado mental, psicopatologia ou outra manifestação clínica que configure uma perturbação psiquiátrica de natureza pós-traumática, nomeadamente perturbações de stress pós-traumático;
As suas queixas expressas durante a avaliação clínica não se revestem atualmente de dimensão patológica, nem se fazem acompanhar de ativação neurofisiológica;
- Relatório de neurocirurgia de 20.05.2021
“…sertralina e paracetamol que toma ocasionalmente… exame neurológico normal… não apresenta lesões ou sequelas…”
12. Donde se retira que a recorrida não ficou com qualquer limitação que a impedisse de dançar ou sequer que a obrigasse a deixar de dançar ou que obrigasse à modificação dos seus hábitos sociais, nomeadamente no que diz respeito à participação ou frequência em eventos ou provas de dança, já que manteve a sua mobilidade completa, simétrica e indolor, sem perda de força muscular e sem encurtamento clavicular;
13. Mais se retira que, após o acidente e da realização das perícias, a apelada manteve um discurso coerente, bem construído sintática e semanticamente, sem alterações da forma nem do curso do pensamento; as suas funções cognitivas, numa avaliação clínica, situam-se dentro das variações da normalidade para o grupo etário, o que lhe permitiria, e permite, de forma normal, ler, concentra-se, estudar, ter atenção, tolerar o ruído, não evidenciar cansaço psicológico e moral;
14. Acresce que a apelada não ficou com qualquer alteração da sua perceção, nem apresenta quaisquer défices neuropsicológicos permanentes, mas antes um estado mental normal, sem evidências de psicopatologia de natureza pós-traumática e que embora tenha apresentado ligeiros défices no funcionamento neuropsicológico a seguir ao acidente, os mesmos terão sido ultrapassados em virtude do tratamento em conformidade que fez, não mais ficando a padecer deles.
15. Aliás, a recorrida, presentemente, segundo os peritos médicos que elaboraram o relatório aqui em análise, no tocante ao seu estado mental, não padece de qualquer alteração psicopatológica ou outra manifestação clínica suscetível de se constituir como dano psíquico permanente decorrente do evento traumático em apreço ou que configure uma perturbação psiquiátrica de natureza pós-traumática, nomeadamente perturbações de stress pós-traumático;
16. Mais ainda, as queixas da apelada, manifestadas durante a avaliação clínica a que foi submetida, não se revestem de dimensão patológica, nem se fazem acompanhar de ativação neurofisiológica, contrariamente ao decidido nas alíneas r), t), w), x), z) e aa);
17. Resulta também desses relatórios que a recorrida não apresenta sintomatologia ansiosa nem humor depressivo e que apenas toma ocasionalmente sertralina e paracetamol, contrariamente ao decidido nas alíneas r) e t);
18. Resumindo:
Da leitura dos referidos relatórios periciais, resulta que a recorrida não padece, felizmente para ela, de sintomatologia ansiosa, de desânimo, de dificuldades de atenção ou concentração, de cefaleias diárias, de dificuldades de leitura, de cansaço psicológico e moral, de intolerância ao ruído, de impossibilidade de dançar e de participar em provas de dança, de problemas que a obriguem ou obrigassem a interromper os estudos ou a impedissem de os retomar, situações que a obriguem a modificar os seus hábitos sociais, conforme vertido nas al. r), t), w), x), z) e aa), pelo que, consequentemente, também não poderá sofrer dores ou incómodos, tristeza e desgosto, por algo que, repita-se, felizmente não tem.
19. Por outro lado, do próprio depoimento (declarações de parte) prestado pela recorrida, com a referência 20221019154734_15191808_2871559, entre os períodos de 00:00:00 e 00:33:35, resultam inúmeras alegações que demonstram que aquela matéria foi incorretamente julgada;
20. Assim, disse a recorrida, com interesse para a presente discussão,
Sobre a dança:
00:16:15
“Autora (doravante A): Chegamos a fazer um concerto temático…Cinderela…”,
Donde resulta, contrariamente ao vertido em w), a recorrida afirmou que apenas tinha participado numa única prova e não em “…provas…”, impondo-se, assim, a retificação desta alínea, nos termos aqui referidos.
21. Sobre a fobia à condução
00:18:55
“Mandatário da A (doravante MA): Já tentou conduzir?
A: Sim, tentei … com alguém ao lado
MA: E conseguiu?
A: Sim, mas prefiro o autocarro”.
Donde se conclui que, conforme a própria apelada confessou, esta conduz, consegue conduzir, mas prefere andar de autocarro, não padecendo, assim, de qualquer “fobia à condução”, ao contrário do que decorre das alíneas r) e w);
22. Sobre as dores de cabeça
00:33:00
Mandatário da R. (doravante MR): E a dor passa?
A: Sim, passa
MR: Mas a dor de cabeça é que… é… é… de vez em quando ou é de longe a longe?
A: ummm… há alturas em que pode ser todos os dias, depois é de … (impercetível)… também depende de…
MR: E o que é que toma? Ben-u-ron?
A: Ben-u-ron, paracetamol normal!
Destas passagens retira-se que a apelada não sofreu, nem sofre, de cefaleias hemicranias diárias, ao contrário do debitado em t), alínea a qual carece de ser reapreciada, nestes termos, eliminando-se, no mínimo, a palavra “…diárias…”
23. Sobre o mestrado e percurso académico e sem prejuízo do constante dos relatórios periciais referidos supra, quanto à concentração, capacidade de estudo e de leitura, etc.
00:01:05
Juiz: Jura pela sua honra como vai dizer a verdade?
A: Sim, juro!
00:05:05

MA: Esse mestrado que duração é que tinha?
A: Ahhh… tinha dois anos. Era um ano com cadeiras…que conclui…

MA: Alguma vez repetiu um ano… ehhh…ou teve algum…ehhhhh… mau…insucesso? O seu percurso académico foi sempre corrido?
A: tive uma cadeira…tive que repetir…mas foi só um ano…
MA: Pronto e depois quando terminou a licenciatura inscreveu-se logo no mestrado…
A: Exatamente!
00:07:27
MA: Estava no 2º ano que era de quê?
A: A tese. O 2º ano era fazer a tese e já no fim tinha de apresentar a tese, mas eu comecei a trabalhar, a fazer limpezas, ajudar a minha família…
00:08:10
MA: Portanto…não estava inscrita naquele ano?
A: Sim, não estava inscrita
Novamente sobre o Mestrado, mas a instâncias do Mandatário da R. (doravante MR)
00:21:25
MR: Em que ano é que terminou essa licenciatura?
A: Em 2014

MR: Aqui diz que terminou o seu ano letivo 2012/2013, em 18 de julho de 2013. Poderá ser?
A: Ummm… Foi em 2014. Aaahh… Sim… Peço desculpa, sim.

MR: Portanto… começou o Mestrado em 2013/2014?
A: Sim, foi!
00:24:30
MR: então se fez o Mestrado em 2012/2014, … o que é que fez em 2014/2015 e em 2015/2016, nesses dois anos?
A: Eeeeeh… comecei a trabalhar
MR: Então suspendeu o estágio, o estágio não, o Mestrado?
A: Eu continuei inscrita, eu queria fazer tudo e mais alguma coisa, mas não tinha tempo…
MR: Então, se percebi bem, começou o Mestrado…
A: umm, umm (equivalente a sim, sim)
MR: Depois suspendeu o Mestrado durante dois anos?
A: umm, umm (equivalente a sim, sim)
MR: E depois ia retomar o Mestrado outra vez…
A: Sim!
00:25:43
MR: Sabe porque é que o Mestrado deixou de existir?
A: Aahhh… não havia suficientes…
MR: Candidatos??
A: Candidatos e eles fecharam
24. Finalmente, lê-se do documento emitido pela Faculdade de Letras da Universidade ...
que:
A recorrida concluiu a licenciatura em Línguas Aplicadas no ano letivo de 2012/2013, mais precisamente em 18 de julho de 2013, conforme, aliás, também resulta da confissão supra;
A estudante AA, à data do acidente (24.07.2016), não estava inscrita no mestrado em Turismo, donde resulta que teria desistido ou suspendido a sua inscrição;
Sobre este ponto, destaque para a confissão supra, donde se retira que a recorrida confessa que durante o período compreendido entre 2014 e 2016 começou a trabalhar, a fazer limpezas e a ajudar a família, não restando tempo para outras coisas;
Formalizando a inscrição para o ano letivo de 2016/2017 apenas a 14.10.2016, ou seja, convenientemente após a data do sinistro;
Não tendo obtido aproveitamento escolar até à data do acidente, já que ainda lhe faltava concluir os seminários de Acompanhamento do Trabalho e Dissertação I, II, III e IV;
O 1º ano de Mestrado foi durante 2013/2014;
Sendo que a estudante não concluiu o ciclo de estudos;
No ano de 2017/2018 o Mestrado não abriu edição, informação esta completada pela confissão supra, donde se retira que o mestrado em causa não teria continuado devido à falta de candidatos ou interesse de candidatos em fazê-lo, o que, por si só, é elucidativo da procura e interesse profissional do mesmo…
25. Ora, conjugados estes dois elementos de prova – o depoimento da recorrida e o documento emitido pela Faculdade de Letras da Universidade ... – constatamos que a recorrida, após ter terminado a sua licenciatura em 2013, inscreveu-se num mestrado ainda em 2013, o qual tinha a duração de 2 anos e deveria ter concluído até 2015;
26. Entretanto, entre 2014 e 2015, começou a trabalhar (a fazer limpezas) e a ajudar a família, factos estes que fizeram com que deixasse de estudar e colocasse o mestrado de lado, pois já não tinha tempo para o levar a cabo, razão única do seu insucesso académico;
27. Assim, face ao exposto, entendemos que as matérias dadas como provadas, relativamente à interrupção dos estudos (al. x)), à razão vertida em z) para a não conclusão do mestrado e à falta de capacidade da apelada para retomar os seus estudos, mencionada em aa), deverão ser julgadas não provadas, em função das alegações aqui vertidas;
28. E, da conjugação destes três meios de prova, por seu lado, resulta que a matéria debitada nas alíneas r), t), w), x), z) e aa), nas partes identificadas supra, constante dos factos assentes, foi incorretamente julgada, devendo ser reapreciada nos termos aqui exposto, com base nos meios de prova aqui referidos ou outros que V. Exas. reputem de úteis ou necessários e, nesta sequência, remetida para a matéria de facto não provada.
29. Consequentemente, deixando de estar tais matérias nos factos assentes, mormente que a apelada sofreu e ficou a padecer, nomeadamente, mas não só, de dores de cabeça diárias, de sintomatologia ansiosa ou depressiva, de falta de concentração, de fobia à condução, de dificuldades de leitura, de alterações à vida social (sobretudo no que toca à questão da impossibilidade de dançar), da interrupção dos seus estudos (que já há muito estavam interrompidos), de não ter concluído o mestrado devido às consequências do acidente, terão ser reapreciados os valores atribuídos à apelada a título de dano biológico patrimonial e não patrimonial;
30. Tais prejuízos deverão ter apenas em conta as reais lesões de que a recorrida ficou efetivamente a padecer e que, sumariamente, são: o acidente ocorreu em 24.07.2016; a apelada perdeu os sentidos; deu entrada no Hospital ..., de onde foi transferida para o Hospital ...1; onde esteve internada durante cerca de duas semanas; aí foi submetida a duas intervenções cirúrgicas: uma para corrigir a fratura da clavícula, que implicou um internamento de três dias, e uma outra para a retirada do material de osteossíntese, que implicou um internamento de um dia; padeceu de uma ITA de 23 dias; e de uma ITP de 786 dias; de um quantum doloris de 5; e de um dano estético de 2; e de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo que as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares; a apelada nasceu em .../.../1990.
31. Perante tais danos e lesões, e sem prejuízo do vertido nos pontos iniciais destas conclusões (2 a 7), os montantes atribuídos a título de dano biológico patrimonial e não patrimonial deverão ser reduzidos às quantias de €20.000,00, cada um, num total de €40.000,00, quantias estas que são suficientemente justas e equitativas para o ressarcimento das reais e efetivas lesões sofridas pela apelada no acidente dos autos.
Se se entender que a matéria de facto dada como provada não carece de qualquer modificação ou censura e que a matéria alegada nos pontos iniciais (2 a 7) destas conclusões não merece provimento, o que se equaciona apenas como mera hipótese académica, então sempre se dirá o seguinte:
32. O tribunal recorrido fixou a reparação do dano biológico patrimonial sofrido pela apelada em €40.000,00, com base nos três Acórdãos citados na sentença proferida;
33. Sucede que esses três Acórdãos, que retratam situações bem mais gravosas do que a dos presentes autos, com défices permanentes de 3% e 9%, fixaram as respetivas compensações pelo dano biológico permanente (patrimonial) em €18.000,00, €27.000,00 e €17.500,00, valores estes que correspondem a sensivelmente metade do valor atribuído pelo tribunal a quo;
34. Destaque ainda para os seguintes Acórdãos:
a. Acórdão do STJ de 21/01/2016, proferido no processo 1021/11.3TBABT.E1.S1, no qual foi fixada na verba de 32.500,00€ a indemnização pelo dano biológico de um jovem de 27 anos que ficou portador de sequelas que lhe conferiram uma IPG de 16 pontos, envolvendo claudicação da marcha e rigidez da anca direita, com limitações da marcha, corrida e todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal;
b. Acórdão da Relação de Lisboa 11/11/2014, proferido no processo 2987/11.9TBPDL.L- 71, que, numa situação com sequelas muito mais grave, atribuiu a um lesado com 19 anos, portador de uma incapacidade permanente de 25 pontos, sem repercussão patrimonial, a indemnização de 25.000,00€ por dano biológico (em http://www.dgsi.pt).
Em ambos os casos, as lesões sofridas pelos sinistrados são substancialmente mais gravosas, com défices funcionais de 16 e 25 pontos, bem distantes dos 4 pontos atribuídos à aqui recorrida;
35. Tornando, também por isso, manifestamente exagerada a verba de €40.000,00 atribuída pelo tribunal recorrido, a qual deverá ser reduzida para um valor mais justo e equitativo, próximo dos €25.000,00;
36. E mesmo que assim se não entendesse, então, a verba de €40.000,00 fixada na sentença em crise, deveria, no mínimo, ser reduzida para um valor próximo dos €26.000,00, correspondente a cerca de 2/3 daquela, em virtude da antecipação de capital que será feita com o pagamento desta rubrica;
37. Finalmente, no que tange aos danos não patrimoniais sofridos pela recorrida, constantes da matéria dada como assente, com a qual não concordamos, conforme explanado supra, para os quais o tribunal recorrido arbitrou a quantia de €35.000,00, tendo em conta as lesões sofridas, os tratamentos a que a autora se sujeitou, com duas cirurgias – uma para corrigir a fratura da clavícula, que implicou um internamento de três dias, e uma outra para a retirada do material de osteossíntese, que implicou um internamento de um dia –, acompanhamento em psiquiatria e psicologia, que hoje mantém, com sintomatologia ansiosa e queixas de desânimo, o défice funcional temporário, o défice funcional permanente, a perda de uma actividade de dança particularmente relevante na vida da autora, o prejuízo em actividades de interacção social, o quantum doloris (5 em 7), o dano estético de grau 2 em 7, e a idade do autora, entendemos que este valor deverá ser reduzido para um outro, mais justo e equitativo, o qual não deverá ultrapassar a quantia de €25.000,00;
38. Na esteira, aliás, do decidido nos seguintes Acórdãos:
a. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/10/2016, proc. n.º 1043/12.7TBPTL.G1.S1 (não foram realizadas cirurgias, 204 dias de DFTP, 7% de DFP, dano estético 1 em 7, quantum doloris 4 em 7, com indemnização fixada em €20.000,00;
b. Acórdão do STJ de 4/06/2015, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1 (danos físicos mais graves, 2 cirurgias, 4 anos de DFTP, 16,9% de DFP, quantum doloris 6 em 7, com indemnização fixada em €40.000,00);
c. Acórdão do STJ de 26/01/2016, proc. n.º 2185/04.8TBOER.L1.S1, (danos físicos mais graves, 4 cirurgias, 665 dias de DFTP, 40% de DFP, dano estético 4 em 7, quantum doloris 5 em 7, com indemnização fixada em €45.000,00);
d. O Acórdão do S.T.J., datado de 23.02.2012 e proferido no âmbito do processo n. 31/05.4TAALQ.L2.S1, fixou uma indemnização de 30.000,00€, pelos danos não patrimoniais sofridos por um lesado, com 26 anos à data do acidente que sofreu traumatismo crâneo-encefálico com pequenos focos de contusão hemorrágica fronto-parietais direitos e parietais esquerdos, com edema cerebral difuso, fractura da apófise clinoideia posterior, fractura do ramo ascendente do maxilar superior esquerdo, fractura dos ossos próprios do nariz, fractura exposta do fémur direito e fractura cominutiva da rótula direita e côndilo femural à direita, que ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 32,36%, foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, teve períodos de irritabilidade, de lapsos mnésicos e de cefaleias, sente dificuldade de concentração e na aprendizagem de novas tarefas, ficou com várias cicatrizes, tende a isolar-se de familiares e amigos e que se sente deprimido;
e. Acórdão da Relação do Porto de 29/05/2012 proferido no processo 412/06.6TBPNF.P2, relatado pela Sra. Juiz Desembargadora Maria Cecília Agante, “o autor sofreu fractura da vértebra D12 e da 1ª falange do 5º dedo do pé direito, foi sujeito a tratamentos hospitalares, andou com colete durante cerca de quatro meses, fez hidroterapia durante cerca de três meses, sofreu traumatismo no dorso lombar com a referida fractura de D12, escoriações nos membros inferiores, membros superiores e nádega esquerda. Padeceu internamentos hospitalares, deitado em leito duro e imobilizado com colete de Jewete-L, efectuou discectomia L4 e L5, sente dor em pressão na região dorsal e lombar posterior, quando está sentado ou de pé, na mesma posição durante cerca de 20 minutos, padeceu dores que o impediam de andar, o que o determinou a deslocar-se à urgência hospitalar, tem dores nos membros inferiores, sobretudo na face externa e anterior da coxa direita até ao joelho, que o impedem de dormir, sente desconforto e rigidez da coluna vertebral ao fazer movimentos, ao apanhar objectos do chão, pegar em objectos pesados e permanecer sentado no posto de trabalho por mais de 20 minutos e padeceu de um período de incapacidade temporária durante um ano e quatro meses e uma IPG de 15% (alíneas I) a N) e S) a Y) dos factos provados). Tratamentos, intervenções cirúrgicas e internamentos que lhe provocaram dores e sofrimento num quantum doloris fixável em grau 5, num máximo de 7. Sofreu desgosto, susto e angústia de não saber se poderia morrer em resultado do acidente, medos de poder ficar paraplégico e desgosto por se ver parcialmente incapacitado para o resto da sua vida e com cicatrizes (alíneas AA) a AB) dos factos apurados)… foi fixada a quantia de €30.000”.
f. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 07.06.2011, por via do qual foi atribuída uma indemnização de €23.000,00 a um sinistrado que ficou com ferimentos a nível da face, couro cabeludo, tórax, região dorsal e membro superior direito. Esteve internado12 dias, apresentando traumatismo torácico com pneumotórax bilateral, fractura D4, D5 e D6 e fractura da clavícula direita. Ficou a padecer de uma IPG de 16%, sendo as sequelas descritas compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicando esforços suplementares. E mesmo após a alta dos hospitais, andou em tratamento ambulatório, durante vários meses para lhe ser prestada assistência e tratamentos médicos por diversos especialistas, pois apresentava sinais e sintomas de disfunção, tempero-mandibular, tendo sido submetido a extracções e intervenções dentárias. Esteve, em consequência do acidente, com Incapacidade Temporária Geral quase três meses; com Incapacidade Temporária Geral Parcial, cerca de 7 meses e com Incapacidade Temporária Profissional Total, cerca de 10 meses. Ficou ainda demonstrado que sofreu um quantum doloris fixável em grau 4 e que ainda hoje sente dores, tomando, por vezes, analgésicos para suportar as mesmas. Teve de se deslocar várias vezes ao Porto para tratamentos e teve de usar um colete ortopédico durante cerca de 2 meses. À data do acidente era um jovem saudável e alegre, trabalhando, como sócio-gerente e, em consequência do mesmo, sentiu-se e sente-se angustiado.
g. E Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.10.2012, situação em que se conheceu de um caso identificado com o seguinte quadro essencial: acidente que originou lesões múltiplas, nomeadamente gravosas lesões ortopédicas, insuficientemente ultrapassadas, face às sequelas permanentes para a capacidade de movimentação da lesada;- afectação relevante e irremediável do padrão de vida de sinistrado jovem, com praticamente 20 anos de idade, associada, desde logo, ao grau de incapacidade fixado (susceptível de, em prazo não muito dilatado, alcançar os 22%) – com repercussões negativas, não apenas ao nível da actividade profissional, mas também ao nível da vida e afirmação pessoal; várias cicatrizes, geradoras do consequente dano estético; internamentos e tratamentos médico-cirúrgicos muito prolongados, com imobilização e períodos de total incapacidade do doente e envolvendo dores e sofrimentos físicos e psicológicos muito intensos. Foi ali atribuída à vítima a indemnização de €45.000,00 pelos danos morais.
39. A sentença recorrida, neste ponto, violou, entre outros, o preceituado nos artigos 662 do Código de Processo Civil e artigos 496, 562, 564 e 566 do Código Civil.
Contra-alegaram ambas as partes, defendendo a improcedência do recurso da parte contrária.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Do objecto do recurso
Considerando, conjugadamente, a sentença recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações dos apelantes (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 5º, nº 3, 608º, nº 2, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), as questões a decidir reconduzem-se a apreciar (enunciadas por ordem lógico-jurídica):
a- da pretendida alteração da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto (ambas as partes censuram esse segmento decisório),
b- do fixação de indemnização pelo dano directo da perda de rendimento do trabalho (lucro cessante) no período de incapacidade temporária (recurso da autora),
c- da inexistência do dano biológico, na vertente patrimonial (recurso da ré),
d- do montante do dano patrimonial (futuro) – ambas as partes censuram o valor fixado a propósito na decisão apelada: a autora por entender não ter sido atendido e considerado, no âmbito do dano biológico, o rebate profissional; a ré por considerar ser exagerado o montante fixado,
e- do valor da dano não patrimonial, que a ré entende dever ser reduzido.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto
Na sentença recorrida consideraram-se, com relevância para a decisão da causa:
Factos provados
a) Em 24/7/2016, pelas 10,45 horas, na Rua ..., em ..., Matosinhos, ocorreu um atropelamento que vitimou a autora (ponto 1 dos factos assentes).
b) A artéria em causa é uma via municipal asfaltada, com circulação permitida nos dois sentidos, sem separador e com a largura de 12m ladeada por passeio de cimento para circulação de peões (ponto 2 dos factos assentes).
c) A via no local é uma recta de boa visibilidade, com tracejado descontínuo longitudinal no meio da faixa e com uma passadeira para peões assinalada no pavimento (ponto 3 dos factos assentes).
d) Essa passadeira situa-se em frente a um armazém situado à face da rua do seu lado norte, que tem o n.º 619 (ponto 4 dos factos assentes).
e) À data, estava bom tempo e o piso seco (ponto 5 dos factos assentes).
f) A autora que seguia a pé pretendendo atravessar a via, de norte para sul, aproximou-se da passadeira e, verificando que não tinha veículos à sua esquerda na proximidade da passadeira, iniciou a travessia da mesma e voltou-se para a direita para verificar se vinham veículos (ponto 6 dos factos assentes).
g) Quando surge um veículo automóvel da marca Daewoo ... de matrícula ..-..-PE, no sentido nascente/poente, então conduzido por EE, que circulando distraído, não se apercebeu da autora a fazer a travessia da via (ponto 7 dos factos assentes).
h) Acabando por lhe embater com a frente da viatura, colhendo-a e transportando-a de forma a projectá-la a cerca de 15 m de distância, atento o sentido em que seguia (ponto 8) dos factos assentes).
i) O supra referido proprietário e condutor do PE mediante contrato de seguro automóvel obrigatório celebrado com a ré sob a apólice n.º ... havia transferido para esta a responsabilidade civil emergente da circulação automóvel do seu veículo (ponto 9 dos factos assentes).
j) Em consequência do acidente a autora sofreu traumatismo craniano, com fino hematoma subdural aguado do lado direito, com perda de consciência, e fractura da clavícula esquerda hematoma epicraniano frontal direito com ferida dermoabrasiva associada, ferida dermoabrasiva na nádega direita e outras pequenas escoriações (arts. 25.º a 27.º da petição inicial).
k) A autora perdeu os sentidos na altura do embate, recuperou brevemente a consciência na ambulância e perdeu do novo os sentidos até chegada ao hospital (arts. 21.º a 23.º da petição).
l) Para tratamento do que foi assistida no Hospital ..., onde realizou exames radiográficos, após o que foi transferida para o Hospital 1..., onde esteve internada na unidade de neurocríticos até 31/07/2016, e no serviço de neurocirurgia até 9/08/2016 (arts. 23.º, 25.º e 26.º da petição inicial).
m) No internamento a autora apresentava discurso confuso, recebeu alimentação intravenosa, e realizou diversos exames radiográficos (arts. 28.º a 30.º da petição).
n) Em 14/08/2016 recorreu de novo aos serviços de urgência do Hospital ..., por queixas resultantes das mesmas lesões, e teve indicação para cirurgia para tratamento da fractura da clavícula, com colocação de material de osteossíntese, que veio a ocorrer em 16/08/2016 e implicou internamento de três dias (arts. 31.º a 34.º da petição).
o) Após, permaneceu em casa em convalescença pelo período de três meses (art. 34.º da petição).
p) Foi depois acompanhada em consulta de ortopedia até 14/11/2016 e seguimentos no Centro de Saúde ... e na consulta externa do Hospital 1... de neurocirurgia até 21/08/2017 (art. 35.º da petição inicial).
q) Em 23/05/2018 foi submetida a nova cirurgia no Hospital ..., para retirada do material de osteossíntese, com internamento por um dia, e seguimento em duas consultas, com posterior alta (arts. 87.º a 89.º da petição).
r) Também em consequência do acidente, a autora foi acompanhada em consultas de psicologia e psiquiatria no Centro de Saúde ..., com início em 2017, devido a sintomatologia ansiosa, queixas de desânimo, dificuldades de atenção e concentração e fobia à condução, com prescrição de medicação, tendo cessado o acompanhamento em psiquiatria em 6/02/2017 com orientação para psicologia, acompanhamento que hoje mantém (arts. 37.º a 39.º da petição inicial).
s) Como sequelas das lesões após tratamento a autora apresenta cicatriz de tipo cirúrgico com 11 cm de comprimento e 2 de largura sobre a clavícula esquerda, com irregularidade do relevo da clavícula, com desconforto na região clavicular esquerda nos arcos finais do movimento, sem limitação da amplitude (arts. 44.º, 45.º, e 76.º da p.i.).
t) Em consequência de tais lesões e sequelas a autora sofre cefaleia hemicraniana direita diária, que implica toma não regular de paracetamol, desconforto na região clavicular esquerda e terço superior da face anterior e medial do braço esquerdo, após realização de esforços, falta de concentração, nomeadamente para a actividade de leitura, cansaço psicológico e moral, e intolerância ao ruído, que a leva a evitar locais com muitas pessoas (arts. 36.º, 44.º, 45.º, 56.º a 58.º, 76.º, 77.º, 82.º).
u) Em consequência das lesões sofridas, a autora sofreu défice funcional temporário total e parcial de 809 dias, quantum doloris de grau 5 em 7, défice funcional permanente na integridade físico-psíquica fixado em 4 pontos, dano estético de grau 2 em 7 (arts. 46.º, 56.º a 58.º da p.i.).
v) A autora nasceu em .../.../1990 (art. 59.º da petição)
w) Em consequência do acidente a autora desenvolveu fobia na condução de veículos, que evita, evita expor a cicatriz que ostenta, deixou de dançar, actividade que mantinha a nível amador, duas a três vezes por semana, e com participação em provas, e deixou de ter gosto em frequentar discotecas e espectáculos (arts. 67.º e 68.º, 70.º a 72.º, 80.º, 81.º, 83.º e 84.º da petição inicial)
x) Em consequência das lesões, tratamentos e sequelas supra descritas, bem como dos períodos de internamento e convalescença, da interrupção dos estudos e das modificações de hábitos sociais, a autora suportou e suporta sofrimento, dores e incómodos, tristeza e desgosto (arts. 40.º, 42.º, 64.º a 66.º, 69.º, 73.º, 74.º, e 78.º da p.i.)
y) A autora concluíra licenciatura em Línguas Aplicadas no ano lectivo de 2012/2013, e em 2013/2014 concluiu o 1.º ano do mestrado em Turismo (art. 48.º da p.i.)
z) A autora pretendia frequentar o 2.º e último ano do mestrado em Turismo no ano lectivo de 2016/2017, para o qual se chegou a inscrever em 4/10/2016, mas não concluiu este mestrado por causa das consequências das lesões sofridas e por tal mestrado não ter voltado a abrir edição nomeadamente no ano de 2017/2018 (arts. 47.º a 51.º da p.i.)
aa) Posteriormente, a autora não voltou a tentar qualquer outra graduação em mestrado, por dúvidas em ter capacidade para o fazer, nomeadamente por causa das persistentes cefaleias e dificuldades de concentração (arts. 47.º a 51.º da p.i.).
bb) Em medicamentos, consultas e taxas para tratamento das lesões sofridas a autora despendeu 256,49€ (art. 86.º da p.i.)
cc) A autora despendeu €40,00 na reparação de um fio de ouro com cruz e uns brincos de ouro danificados no acidente (art. 86.º da p.i.)
dd) A autora despendeu 2,60€ na obtenção de cópia do auto de ocorrência do acidente (art. 86.º da p.i.).
Factos não provados
- que na circunstância do atropelamento o veículo PE circulasse a velocidade superior a 60 kms/hora, e que por isso embatesse violentamente na autora (arts. 7.º e 9.º da p.i.).
- que caso concluísse o mestrado em que se inscreveu na data prevista, Junho de 2017, a autora passasse a auferir 2.200,00€ por mês a título de rendimento do trabalho (arts. 53.º e 54.º da p.i.).
- que em consequência do acidente resultasse destruído o vestuário que a autora usava, no valor de 150,00€ (art. 86.º da p.i.).
- que para tratamento das lesões sofridas no acidente a autora despendesse 160,00€ em massagens terapêuticas. (art. 86.º da p.i.).
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Fundamentação de direito
A.1. Da impugnação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto.
Importa começar a apreciação das apelações pela suscitada impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto – questão que se apresenta como precedendo lógico-juridicamente as demais (questões jurídicas, que pressupõem a estabilização da matéria de facto a valorizar).
A.2. Da pretensão da autora apelante de ver julgada provada matéria que, sustenta, resultou da discussão da causa.
O nosso ordenamento processual admite a atendibilidade, na decisão da causa, de matéria não alegada pelas partes desde que não consubstancie factualidade essencial (ou seja, matéria que não se traduza na que identifica ou individualiza a causa de pedir e/ou a excepção alegadas).
Na decisão da causa, para lá de integrar os factos notórios ou que tenham sido revelados ao tribunal por força do exercício das suas funções, deve o juiz ‘ponderar, mesmo oficiosamente, os factos complementares (constitutivos do direito ou integrantes da exceção, embora não identificadores dos mesmos) e os factos concretizadores de anteriores afirmações de pendor mais genérico que tenham sido feitas, acautelando substancialmente o contraditório (arts. 607º, nºs 3 a 5, e 5º, nº 2, al.b))’[1].
Porque reservada às partes a alegação dos factos essenciais identificadores ou individualizadores da causa de pedir e/ou excepção alegadas (factos essenciais nucleares), não pode o juiz considerar, na decisão, factos essenciais diversos dos alegados pelas partes, podendo já ser atendidos e integrados na fundamentação de facto da decisão da causa (além dos notórios e daqueles que o tribunal conheça por virtude do exercício das suas funções – alínea c) do nº 2 do art. 5º do CPC), os factos que, não desempenhando tal função individualizadora ou identificadora da causa de pedir e/ou excepção alegadas, se revelem imprescindíveis à procedência da acção ou da excepção, por também constitutivos do direito invocado ou excepção arguida (factos essenciais complementares), assim como os factos instrumentais (aqueles que permitem a afirmação, por indução, de factos de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da excepção), devendo também, na enunciação da matéria de facto, verter o que ‘emergir da apreciação livre e crítica dos demais elementos probatórios e usar, se for o caso, as presunções judiciais que as circunstâncias justificarem, designadamente a partir dos factos instrumentais (arts. 607º, nº 4, e 5º, nº 2, al. a))’[2].
Podem assim ser considerados na sentença (com referência, sempre, aos limites de cognição do tribunal traçados pela causa de pedir e/ou excepção individualizadas e identificadas nos factos essenciais alegados pelo autor e pelo réu – art. 5º, nº 1 e 615º, nº 1 d) do CPC) os factos complementares e instrumentais[3] – estes, quando resultem da instrução da causa (art. 5º, nº 2, a) do CPC); aqueles, quando resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido as partes possibilidade de se pronunciar (art. 5º, nº 2, b) do CPC).
A consideração dos novos (novos no sentido de não alegados nos articulados) factos complementares ou concretizadores exige, face ao disposto na parte final do art. 5º, nº 2, b) do CPC, que o ‘tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto’ com o facto em causa, ‘disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão’: não basta que o facto novo aflore na discussão da causa, onde o contraditório é observado, para que se possa concluir que às partes foi dada a possibilidade de sobre os mesmos se pronunciarem – a exigência de observância do princípio da audiência contraditória na produção do meio de prova (donde emerge o facto novo a considerar) vale, em geral, para a produção de qualquer meio prova e, ‘portanto, é pressuposto que se coloca a montante do aproveitamento do facto’ que resulte do meio de prova, seja tal facto instrumental, complementar ou concretizador; admitir-se que o ‘juiz possa, sem mais (isto é, apenas com a exigência de audiência contraditória na produção do meio de prova), considerar o facto novo, essencial (complementar ou concretizador), corresponderia a exigir ao mandatário da parte interessada um grau de atenção e diligência incomum, dirigida não só à produção e valoração da prova que fosse sendo realizada, mas também, antecipando o juízo valorativo do tribunal, à possibilidade de vir a ser retirado desse meio de prova e considerado provado um novo facto nele mencionado’, sendo por isso de entender que a disciplina prevista no art. 5º, nº 2, b) do CPC exige para que tais factos sejam considerados (independentemente de requerimento das partes nesse sentido) que o tribunal expressamente advirta as partes, antes do encerramento da discussão de facto, sobre a possibilidade de tais factos serem considerados[4], pois importa cumprir o contraditório quanto ao próprio aproveitamento do facto pelo tribunal[5] (sendo sempre possível às partes, então, além de se pronunciarem sobre a admissibilidade da aquisição do facto novo à luz do preceito, requerer ‘novos meios de prova em relação aos factos novos, quer para reafirmar a realidade desses factos, no sentido da sua prova, quer para opor contraprova a respeito dos mesmos, infirmando a realidade que aparentam’[6]). É esta a solução que se nos afigura respeitadora do processo justo e equitativo e a que resulta da ponderação do princípio da cooperação na obtenção da justa composição do litígio (art. 7º do CPC), sendo a mais consentânea com a proibição de decisões-surpresa[7].
Sendo a factualidade que o recorrente pretende ver incluída na decisão, a coberto da alínea b) do nº 2 do art. 5º do CPC, relevante à decisão da causa, a não observância de tal necessário pressuposto para a sua aquisição oficiosa imporá a anulação da decisão, nos termos do art. 662º, nº 2, c) do CPC – pressupondo tal anulação, claro está, que a factualidade em causa haja emergido da discussão da causa com a consistência suficiente e necessária para a sua demonstração em juízo (ou seja, que a discussão da causa os tenha tornado patentes).
Concede-se que a factualidade que a apelante pretende ver adquirida para a decisão e incluída na factualidade provada, por (como alega) ter emergido da discussão da causa (que actualmente, ao tempo da realização da audiência de discussão e julgamento, trabalha no Callcenter da companhia aérea C..., auferindo retribuição mensal entre 700,00€ e 800,00€), consubstanciaria factualidade complementar ou concretizadora da que individualiza a causa de pedir – poderia ser qualificada como factualidade complementar com relevo para a apreciação dos danos patrimoniais, mormente do dano futuro resultante do défice funcional da integridade física de 4 pontos de que a autora ficou a padecer, como sequela das lesões sofridas no evento lesivo, pois que no cálculo da indemnização devida por tal dano, tendo por critério a teoria da diferença (art. 566º, nº 2 do CC), tem o tribunal de atender à data mais recente que puder ser atendida (que corresponderá ao momento do encerramento da discussão).
Facto complementar (não meramente instrumental, como aduzido pela autora apelante), pois que nas acções destinadas ao exercício do direito a indemnização com fundamento na responsabilidade civil extracontratual (em que a causa de pedir é complexa), como é a dos autos, os factos essenciais nucleares, identificadores ou individualizadores da causa de pedir, circunscrevem-se aos que individualizam a origem do direito invocado – os factos destinados a assegurar a concludência da pretensão (em toda a sua extensão) integram já a qualidade de factos complementares, como são os factos necessários ao apuramento dos valores indemnizatórios.
A factualidade que a autora apelante entende dever ser adquirida para o elenco dos factos provados desenvolve-se no âmbito da matéria de facto que individualiza a pretensão (que identifica a pretensão material que é feita valer em juízo), mas não a integra, antes a complementaria, pois que relevaria à concludência da pretensão.
Poderia, pois, tal matéria ser adquirida nos termos do art. 5º, nº 2, b) do CPC, desde que fosse relevante para a decisão – o que não se verifica.
Na verdade, ponderando a pretensão recursória da autora apelante, que traça os limites dos poderes de conhecimento e de decisão deste tribunal, está em questão apreciar, tão só, por um lado, da existência do dano consubstanciado no lucro cessante resultante das perdas salariais sofridas pela apelante no período de incapacidade temporária (em consequência do embate, ocorrido em 24/07/2016, e das sequelas das lesões sofridas, a autora sofreu défice funcional temporário total e parcial de 809 dias – um pouco mais de dois anos e dois meses) e, por outro, do montante indemnizatório do dano patrimonial futuro (valorização, ao nível patrimonial, do défice funcional défice funcional permanente na integridade físico-psíquica fixado em 4 pontos).
De elementar clareza que a matéria factual que a autora apelante pretende incluir na fundamentação de facto é irrelevante e indiferente à primeira pretensão recursória – considerando que o défice funcional temporário total e parcial sofrido em consequência do embate, que se prolongou por 809 dias após o evento lesivo, cessou em Novembro de 2018, é irrelevante e indiferente à apreciação da existência do lucro cessante resultante de perdas salariais nesse período ocorridas o facto da autora, à data em que se realizou a audiência de discussão e julgamento em que foi produzida a prova em que a autora apelante funda a sua impugnação (Outubro de 2022 – cerca de quatro depois do termo final daquele período de incapacidade temporária), desenvolver actividade laboral e auferir rendimento mensal entre 700€ e 800€, pois que àquele dano só relevaria a actividade laboral reportada àquele referido período de incapacidade temporária. Assim, fácil concluir que a matéria em questão não releva quer para se concluir pela existência do dano (na modalidade do lucro cessante – perda salarial), quer para se concluir pelo seu exacto montante – atente-se que a apelante sustenta este segmento da sua pretensão recursória (atribuição de indemnização pelas perdas salariais) alegando que, nos termos do nº 8 do art.º 64.º do DL n.º 291/2007, de 21/8, ‘para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado que não tenha profissão certa, deve o tribunal basear-se no montante da retribuição mínima mensal garantida à data da ocorrência’, assim encontrando o valor indemnizatório pretendido (a este título – perdas salariais) de quinze mil euros (conclusão 4ª).
Irrelevante e desnecessária (tanto mais que a anulação da decisão que se imporia, como acima referido, só se justificaria caso a matéria de facto em questão se revelasse indispensável[8]) também se mostra tal matéria para determinar o montante do dano patrimonial futuro – considerando não resultar da matéria apurada que a autora viesse auferindo qualquer vencimento, a ponderação a efectuar para encontrar o quantum respondeatur, com recurso à equidade (com a actuação de juízos de normalidade e verosimilhança), nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, impõe se atenda a que a autora irá, no futuro desenvolver actividade profissional remunerada que, no mínimo, lhe proporcionará o valor da remuneração mínima mensal garantida, sendo que tal remuneração, foi fixada em 705,00€ para o ano de 2022 (DL nº 109-B/2021, de 7/12) e em 760,00€ para o ano de 2023 (DL nº 85-A/2022, de 22/12), o que representa proventos equivalentes aos que a apelante pretende ver considerados com a deduzida impugnação, não se mostrando, pois, a matéria em causa, indispensável à decisão da causa (sempre teria de se ponderar, à luz da equidade, que, por um lado, a autora, com toda a probabilidade, desenvolveria actividade profissional remunerada e, por outro, que o exercício de tal actividade seria remunerado com valor no mínimo equivalente ao da remuneração mínima mensal garantida).
Considerando que a matéria que pretende incluir na fundamentação de facto é irrelevante e indiferente e, muito menos, não é indispensável à apreciação da sua pretensão recursória (sequer mesmo a contrariar a pretensão recursória da ré), abstém-se o tribunal de apreciar da impugnação da decisão de facto suscitada pela autora apelante.
A.3. Da censura dirigida pela ré apelante à decisão sobre a matéria de facto.
Acolhe-se a impugnação suscitada pela ré apelante no art. 662º do CPC – pretende-se a reapreciação de elementos probatórios, desprovidos de força probatória plena e, por isso, sujeitos à livre apreciação do juiz (art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC – prova pericial, documental e o depoimento da autora) –, impondo-se apurar (trata-se de matéria de oficioso conhecimento) se os apelantes cumpriram os ónus de impugnação prescritos no art. 640º do CPC – o incumprimento das exigências estabelecidas no preceito, que constituem verdadeiros ónus, é cominado com a rejeição do recurso no segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, quanto aos pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras[9].
Ainda que tais exigências devam ser ‘apreciadas à luz dum critério de rigor’, decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, em vista de impedir que ‘a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo’, não devem exponenciar-se os ‘requisitos formais a um ponto em que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do julgador’[10].
Não pode valorizar-se excessivamente o formalismo imposto ao recorrente que impugna a matéria de facto, antes devendo adoptar-se interpretação conforme aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade[11] e adequação, com vista à realização da justiça material, devendo enjeitar-se visão formalista de tais procedimentos pois que importa não sacrificar ‘o direito das partes no altar de uma jurisprudência formal a um ponto que seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto, com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara nem na letra, nem no espírito do legislador’, sendo necessário ‘que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640º do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material’[12].
Deve ponderar-se que os aspectos fundamentais a assegurar ‘são os relacionados com a definição clara do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido’[13], sendo de exigir, sempre, que o apelante satisfaça os necessários requisitos para não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se-lhe na concretização do objecto do recurso (especialmente no que concerne aos requisitos estabelecidos nas alíneas a) e c) do nº 1 do art. 640º do CPC)[14].
Consagra o regime legal um ónus primário fundamental de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – quanto ao primeiro (que inclui os requisitos enunciados nas alíneas do nº 1 do art. 640º do CPC), o seu incumprimento determina a imediata rejeição do recurso na parte afectada, sendo que relativamente ao segundo (que inclui a identificação das passagens da gravação dos depoimentos que fundamentam a impugnação, estabelecido no nº 2 do art. 640º do CPC), o seu incumprimento só implica a rejeição nos casos em que a falta ou inexactidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso[15].
A consagração normativa do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, como revela a sua curta história, é conformada quer pela ‘forte tendência de simplificação processual e abandono de ritos morosos e ineficientes e reafirmação da confiança do legislador na capacidade dos tribunais de 2ª instância de assegurarem a efectiva concretização desse duplo grau de jurisdição, num processo moderno que se quer bem gerido, eficiente e informado pelos princípios da cooperação de magistrados, mandatários e partes em busca da verdade material com vista à outorga de tutela jurisdicional efectiva’ – e por isso que a rejeição do recurso na vertente da impugnação da decisão de facto, ao abrigo do art. 640º, nº do CPC, ‘só deve ocorrer quando dos termos em que a pretensão recursória vem formulada não resulte a identificação dos juízos probatórios visados, o sentido da pretendida decisão a proferir sobre eles nem a indicação dos concretos meios de prova para tal convocados.’[16]
Dito doutra forma: as alegações cumprem os ónus primário de alegação em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto solicitada em apelação (art. 640, nº 1 do CPC) se, ‘numa perspectiva equilibrada, razoável e proporcionada, de teor substancialista, permitem explicitar e isolar o preciso objecto do recurso e proporcionam às demais partes visualizar os termos em que poderão exercer o contraditório e ao julgador proceder ao seu juízo factual próprio de segundo grau de jurisdição (art. 662º, n.os 1 e 2, do CPC), sem se substituir ou fazer seu o ónus que cabe ao recorrente na concretização do objecto do recurso, não se reconduzindo a impugnação feita a uma afirmação genérica, exemplificativa ou meramente subjectiva de inconformismo perante o decidido em 1ª instância.’[17]
Importa privilegiar, pois, análise que busque, através de actividade hermenêutica[18], extrair da peça processual (alegações) - para a qual não está prevista um estrutura rígida - o que ‘verdadeiramente importa para a aferição da existência ou não de algum erro de julgamento da matéria de facto’[19], exigindo-se tão só, no que respeita à delimitação do objecto da impugnação, que o recorrente indique com clareza o ponto impugnado e o concreto sentido que defende para o seu julgamento.
Na situação em análise, defende a ré apelante que a correcta valorização da prova produzida nos autos, desprovida de força probatória plena (prova pericial, documental e o depoimento da autora) impõe julgamento diverso quanto à matéria das alíneas r), t), w), x), z) e aa), assim especificando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados mas não indica, ao menos expressamente, o sentido do julgamento para eles propugnado. Por isso se impõe averiguar se a ré apelante identifica, com clareza, a matéria que quer pôr em causa[20], se cumpriu razoavelmente os ónus primário prescrito no art. 640º do CPC.
Relativamente ao impugnado facto r) – nele se considerou provado que ‘em consequência do acidente, a autora foi acompanhada em consultas de psicologia e psiquiatria no Centro de Saúde ..., com início em 2017, devido a sintomatologia ansiosa, queixas de desânimo, dificuldades de atenção e concentração e fobia à condução, com prescrição de medicação, tendo cessado o acompanhamento em psiquiatria em 6/02/2017 com orientação para psicologia, acompanhamento que hoje mantém’ –, ponderando as alegações (não só as conclusões, mas também o corpo das alegações[21]), apreende-se que a matéria concretamente posta em causa pela apelante se circunscreve à necessidade de a autora, em consequência das lesões sofridas no embate e suas sequelas, manter actualmente acompanhamento psicológico – a crítica dirigida pela apelante ao julgamento da primeira instância (vejam-se, neste sentido, as conclusões 12ª a 18ª) assenta na consideração de que a autora não ficou a padecer, de qualquer limitação ao nível cognitivo e psicológico, não existindo evidências de psicopatologia de natureza pós-traumática, pois as sequelas/limitações que existiram a seguir ao acidente terão sido ultrapassadas com o tratamento feito, não ficando a autora a padecer delas.
Assim – e, crendo o tribunal não violar o princípio do dispositivo –, facilmente se conclui que a ré apelante pretende ver excluída a parte final da alínea r) dos factos provados, onde consta que a autora, em consequência das lesões sofridas no embate e sequelas daquelas resultantes, mantém actualmente acompanhamento psicológico.
No que concerne à matéria vazada nas alíneas t), w), x), z) e aa), considerando a substância das críticas dirigidas pela ré apelante à decisão da primeira instância (a crítica dirigida pela apelante ao julgamento da primeira instância - vejam-se as conclusões 12ª a 27ª), extrai-se, por actividade interpretativa que:
- quanto à alínea t), pretende ver excluído o segmento em que se julga provado que a autora, em consequência das lesões sofridas no acidente e sequelas delas resultantes sofre de cefaleia hemicraniana direita diária, que implica a toma regular de paracetamol, de falta de concentração, nomeadamente para a actividade de leitura, de cansaço psicológico e moral e intolerância ao ruído, que a leva a evitar locais com muitas pessoas (aceitando tão só, quanto a tal alínea, que a autora, em consequência das referidas lesões e sequelas, sofre de desconforto na região clavicular esquerda e terço superior da face anterior e medial do braço esquerdo, após realização de esforços),
- quanto à alínea w), não pondo em causa que a autora evite expor a cicatriz que ostenta e até que antes do evento mantinha a actividade de dança ao nível amador, pretende excluir a demais matéria aí constante - que a autora manifesta fobia na condução de veículos, que deixou de dançar, que a autora participava em provas e que deixou de ter gosto em frequentar discotecas e espectáculos;
- relativamente à alínea x), pretende vê-la excluída por completo – entende que não pode considerar-se provado que a interrupção dos estudos seja consequência das lesões e sequelas resultantes, que em consequência de tais lesões e sequelas tenha modificado os seus hábitos sociais e que, em consequência disso tenha suportado e suporte sofrimento, dores, incómodos tristeza e desgosto,
- por fim, quanto à alíneas z) pretende a ré apelante se exclua da matéria provada qualquer nexo de causalidade entre as lesões e sequelas delas resultantes e a não conclusão do mestrado para o qual se inscreveu em 2016 (alínea z), defendendo a exclusão total da alínea aa), por entender não ter ficado a autora a padecer de cefaleias e dificuldades de concentração e, por isso, não poderem as mesmas levar a autora a duvidar da sua capacidade para obter outra qualquer graduação académica (razão que a determinou a não o tentar).
Apurado o objecto da impugnação deduzida pela ré apelante à decisão sobre a matéria de facto, importa apreciá-la e decidi-la, impondo-se a este tribunal proceder à reponderação dos elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se dos mesmos pode concluir-se, com estribo racional, pela demonstração da matéria em causa, julgada provada pela decisão apelada, ou se tal julgamento não encontra suporte em tais elementos probatórios (como sustenta o apelante).
Cumpre, pois, actuar os poderes que à Relação são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, procedendo a uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de, a partir delas, expressar a sua convicção com total autonomia, de formar uma convicção autónoma[22]), alterando a decisão se em face dessa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder adquirir uma diversa convicção[23].
Apreciação crítica que se consubstancia na análise de todos os elementos probatórios, valorizando-os lógica e racionalmente – a decisão da matéria de facto não se reconduz ao resultado duma acrítica certificação do declarado por depoentes ou testemunhas, antes assentando numa convicação objectivável e motivável, a que a se acede por via da razão, alicerçada em elementos de lógica e racionalidade (à luz das regras do bom senso, das regras da normalidade, da experiência da vida e, sendo o caso, dos ensinamentos da ciência – dos ramos de conhecimento humano que concernem à matéria controvertida).
As provas (art. 342º do CC) têm por função a demonstração da realidade dos factos, buscando-se através delas não a certeza absoluta da realidade – ‘se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’[24] –, mas antes produzir o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida. A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)’[25].
Considerandos que conduzirão o tribunal na reapreciação da matéria impugnada.
A matéria impugnada pela apelante respeita às sequelas das lesões sofridas pela autora ligadas por nexo de causalidade ao evento que está na origem da obrigação de indemnizar discutida nos autos.
Na discussão probatória da matéria impugnada relevam a prova pericial (relatórios periciais e esclarecimentos prestados pelos peritos, por escrito e em audiência de discussão e julgamento), prova documental (documentos elaborados por médicos), prova testemunhal (de testemunha com conhecimentos de medicina) e as declarações de parte da autora.
A propósito das sequelas apresentadas pela autora em consequência das lesões sofridas, mormente sobre a existência (ou não) de síndrome pós-traumático e/ou de síndrome comocional pós-traumático e sobre as demais consequências/sequelas e repercussões nos actos da via da autora, importa valorizar:
- por um lado, as perícias da especialidade de psiquiatria e psicologia e esclarecimentos prestados pelos peritos que as elaboraram (perícia da especialidade de psiquiatria de 30/08/2019, realizada pela Dr. FF, perícia da especialidade de psiquiatria realizada pelo Dr. GG, cujos esclarecimentos escritos foram prestados em 3/10/2021 e avaliação psicológica forense de 20/05/2020, realizada pelo Dr. HH), que concluíram não apresentar a autora, como consequência das lesões sofridas no embate e sequelas delas resultantes, perturbação psiquiátrica de natureza pós-traumática, nomeadamente perturbação de stress pós-traumático (assim o concluíram os laudos das perícias da especialidade de psiquiatria – conclusões mantidas nos esclarecimentos prestados em audiência pelos Senhores peritos Dr.ª FF e Dr. GG), ou qualquer sintomatologia psicológica relevante (avaliação psicológica e esclarecimentos prestados em audiência pelo Senhor perito Dr. HH – nos esclarecimentos prestados em audiência referiu que, na altura da avaliação, não havia, em termos clínicos, sintomatologia de stress pós-traumático),
- por outro, a perícia da especialidade de neurocirurgia e esclarecimentos prestados em audiência pelo Senhor perito que a elaborou (perícia de 20/05/2021 realizada pelo Dr. II), que concluiu, do ponto de vista neurocirúrgico, pela existência sequelar de síndrome comocional pós-traumático (sequela cuja existência melhor esclareceu e justificou nos esclarecimentos prestados em audiência – do ponto de vista neurocirúrgico, a ponderação, ao nível estritamente orgânico, do traumatismo crânio-encefálico leva a admitir a existência das cefaleias invocadas pela autora e o nexo de casualidade com aquele traumatismo),
- ainda o documento junto pela autora na audiência de discussão e julgamento, consubstanciado em relatório (relatório de psicologia), elaborado em 13/10/2022, por psicóloga da Unidade Local de Saúde, que declara que a autora é acompanhada em consultas de psicologia desde Março de 2017, em consequência de acidente rodoviário (acrescentando que desde então tem tido intervenção psicológica a fim de superar os traumas relacionados com o evento, que foi ‘bastante condicionante nestes anos, tendo resultado em Perturbação Depressiva e Perturbação Ansiosa’, e que manterá acompanhamento enquanto for necessário),
- a perícia de 17/11/2021, elaborada pela Dr.ª JJ, que ponderou (respeitando-as) as avaliações das especialidades de psiquiatria, neurocirurgia e ortopedia, onde se dá nota (além do mais) de que a autora recorre a medicação analgésica (em conformidade com a prescrição do seu médico assistente) e se anota que a autora se queixa, no âmbito funcional, ao nível dos fenómenos dolorosos, de cefaleia hemicraniana direita diária, de desconforto clavicular esquerda e no terço superior da face anterior e medial do braço esquerdo após a realização de esforços e quando se sente cansada, e ao nível da cognição e da afectividade, de incapacidade de concentração, cansaço psicológico/moral, intolerância ao ruído, dificuldade em se lembrar de certas coisas, dando nota, no âmbito situacional, que a autora refere ter deixado de conduzir por medo, que evita locais ruidosos e com muitas pessoas por intolerância ao ruído, que tem dificuldade em concentrar-se na leitura, que deixou de dançar por dificuldade de concentração, atribuindo a não conclusão de mestrado ao cansaço e à necessidade de dormir para alívio da cefaleia, à dificuldade de concentração, de entender e de redigir textos coerentes e lógicos,
- a contribuição do Dr. KK, ortopedista e avaliador do dano corporal que elaborou relatório de avaliação do dano da autora e que, em audiência, inquirido na qualidade de testemunha, depois de referir que a autora sofrera lesão endo-craniana, aludiu à dificuldade de concentração e de atenção, às cefaleias, à instabilidade de humor, ao facto da autora não conseguir dormir, o que tudo (que admitiu ligado ao evento lesivo por nexo causal) se repercutiu na ‘paragem na vida académica’, na vida pessoal e profissional, afirmando o nexo de causalidade entre as sequelas e a não finalização do mestrado (realçou que, em termos clínicos, o traumatismo crânio-encefálico e suas sequelas têm repercussão na vida pessoal e académica, ao menos contribuindo para o insucesso académico); referiu também ter a autora cessado a actividade da dança, pois que a fractura da clavícula provoca dor e desconforto e pode prejudiciar determinados movimentos,
- por fim, nas suas declarações de parte, a autora afirmou ter terminado a licenciatura em 2013 (licenciatura em Línguas Aplicadas), iniciando mestrado em Turismo em 2013/2014, concluindo o primeiro ano (curricular – concluiu todas as cadeiras), inscrevendo-se para o segundo ano (que se traduziria na elaboração e apresentação da tese) nos dois anos seguintes, não o terminado por entretanto ter começado a trabalhar para ajudar a família; entretanto, já depois do embate, voltou a inscrever-se no segundo ano do mestrado, mas as dores no ombro, dores de cabeça, dificuldades de concentração levaram a que não terminasse o mestrado nesse ano, sendo que no ano seguinte a faculdade o descontinuou (número insuficiente de candidatos); que actualmente não se sente apta (e com vontade – ‘vontade ligada com a capacidade’, como explicou) a terminar um mestrado, tem medo de não conseguir terminá-lo, pois continua a ficar cansada na leitura, a ter dificuldade de concentração; referiu também dedicar-se às danças de salão, duas a três vezes por semana, tendo mesmo feito um concerto temático com o seu grupo, actividade que abandonou por sentir agora desconforto na movimentação do braço (por causa da clavícula); afirmou que tinha carta de condução e que gostava de conduzir, criando fobia a tal actividade (anda de carro, mas não é ela a conduzi-lo) e apesar de já ter tentado conduzir, com alguém ao lado, não é actividade que consiga fazer livre e desembaraçadamente; afirmou também que antes saía à noite, com gosto, o que agora não faz por intolerância ao ruído (o barulho incomoda-a); referiu, por fim, ter frequentes does de cabeça, em algumas ocasiões diárias, necessitando de tomar medicamento (paracetamol).
Ponto de partida primeiro na análise das elencadas contribuições da ciência médica, é o de que, como sensatamente sublinhou o Sr. Dr. II nos esclarecimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, a afirmação (avaliação) da existência de determinada sequela, padecimento ou doença deve bastar-se com a circunstância da mesma ser encontrada por uma das especialidades médicas, independentemente da mesma não ser encontrada por outra (ou outras) especialidades - as perspectivas de apreciação e valorização são distintas entre as especialidades, nomeadamente a perspectiva neurocirúrgica e a perspectiva da psiquiatria e da psicologia, pois à neurocirurgia interessa o traumatismo que se haja verificado (como no caso – a autora sofreu um traumatismo crânio-encefálico), numa avaliação estritamente orgânica e, assim, a circunstância de não ter sido detectada pelas especialidades da psiquiatria e da psicologia a existência de síndrome pós-traumático não significa (muito menos forçosa e decisivamente) a inexistência de síndrome comocional pós-traumático, pois a existência e demonstração deste bastar-se-á com a sua detecção pela especialidade da neurocirurgia. Pode assim ter-se por segura (com o grau de segurança bastante, face às circunstâncias do caso e em respeito aos ensinamentos da ciência médica), como afirmado e explicado, nos esclarecimentos prestados em audiência, pelo Senhor perito que realizou a perícia da especialidade de neurocirurgia, a existência sequelar de síndrome comocional pós-traumático e, por consequência, a existência de cefaleias ligadas ao evento (às lesões sofridas no evento – no caso, ao traumatismo crânio-encefálico) por nexo de causalidade adequada (e, assim, também, o recurso a medicação analgésica).
Depois – e especificamente quanto à questão da autora manter acompanhamento psicológico (com ligação causal ao acidente) –, importa realçar que apesar de negarem a existência de síndrome pós-traumático com ligação (por nexo de causalidade adequada) às lesões sofridas no embate, os Senhores peritos das áreas da psiquiatria e da psicologia, mais do que a referência a que a examinada apresentara sintomas necessitados de acompanhamento na área da psicologia que referiram ter sido entretanto debelados (assim o referiram nos seus relatórios e nos esclarecimentos prestados em juízo), não excluíram que quem estaria melhor colocado para aferir da actual existência e necessidade de acompanhamento na área da psicologia (com ligação ao evento) seria a colega que a ele virá procedendo (assim, expressamente, o Dr. HH, quando confrontado com o documento – relatório de psicologia – junto pela autora em audiência de discussão e julgamento).
Tal acompanhamento psicológico e sua directa ligação ao evento lesivo (ao acidente) é afirmado no relatório de psicologia elaborado em 13/10/2022 e junto aos autos na audiência de discussão e julgamento.
De concluir, pois, pela demonstração (ponderando que a prova do facto em juízo se basta com o alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida) do facto – ou seja, que a autora vem mantendo acompanhamento psicológico.
O depoimento da testemunha Dr. KK corrobora as declarações de parte da autora quanto à sua questionada (pela ré apelante) incapacidade de concentração, nomeadamente para a actividade de leitura, cansaço psicológico e moral, a intolerância ao ruído, que a leva a evitar locais com muitas pessoas (deixando de frequentar discotecas e espectáculos), a fobia na condução de veículos e o abandono da actividade da dança – toda estas alterações funcionais e situacionais se mostram suficientemente demonstradas, assim como a sua ligação directa às lesões sofridas no evento matéria se deve ter por demonstrada, conjugando as declarações da autora, corroboradas pelo depoimento da testemunha Dr. KK, tudo enquadrado pelo síndrome comocional pós-traumático de que padece, marcado pelas cefaleias que a apoquentam.
Não pode também recusar-se que os elementos probatórios apontam para a existência de nexo causal entre as sequelas de que ficou a padecer (as cefaleias e a dificuldade de concentração) e a não finalização do mestrado que tinha iniciado ou de qualquer outro – tal nexo de casualidade, além de afirmado pela autora, foi declarado pela testemunha Dr. KK, referindo que, clinicamente, o traumatismo cranio-encefálico e respectivas sequelas se repercutem na vida pessoal e académica do lesado.
Do exposto resulta que a valorização dos elementos probatórios produzidos nos autos a propósito da matéria impugnada nos conduz a formar convicção idêntica à da primeira instância.
Improcede, pois, a censura dirigida pela ré apelante à decisão da matéria de facto.
B. Da indemnização pelo dano da perda de rendimento do trabalho (lucro cessante) no período de incapacidade temporária (recurso da autora).
Não vem questionada na apelação a existência do dever de indemnizar a cargo da ré, sendo censurada a decisão recorrida quer quanto aos montantes indemnizatórios dos danos (não patrimonial e patrimonial) tidos por verificados, quer quanto à existência do dano biológico, na vertente patrimonial (recurso da ré) e de dano patrimonial, consubstanciado em perdas de rendimento (lucro cessante), no período em que a autora esteve afectada por défice funcional temporário (recurso da autora) – pretende a autora apelante lhe seja atribuída indemnização pela perda de rendimento no período de 809 dias de défice funcional temporário que padeceu, alegando que esse período se traduziu na ‘incapacidade fáctica de produzir força laboral e, consequentemente, rendimento, consubstanciando um dano patrimonial autonomizável das indemnizações devidas a título de dano biológico’, convocando o disposto no nº 8 do art. 64º do DL 291/2007, de 21/08, pretendendo que com base na remuneração mínima mensal garantida à data seja calculado o dano patrimonial da perda de rendimento (que computa em quinze mil euros).
De acordo com o disposto no artigo 562º do CC, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, compreendendo o dever de indemnizar (art. 564º, nº 1 do CC) não só o prejuízo causado (o dano emergente, que consubstancia uma perda ou desvalorização patrimonial – o prejuízo causado nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão[26]; se diminui o activo ou aumento o aumento o passivo, há um dano emergente[27]) como como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (o lucro cessante – o lucro ou ganho frustrado, os benefícios deixados de obter por causa do evento lesivo, o prejuízo advindo pelo não aumento do património, em consequência da lesão[28]; se deixa de aumentar o activo ou diminuir o passivo, há um lucro cessante[29]).
O lucro cessante, compreendendo os ‘benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade’ – traduz ‘vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fora o facto lesivo’[30].
Exemplo paradigmático do dano na modalidade do lucro cessante é a perda patrimonial resultante da perda de rendimentos do trabalho – em resultado das lesões sofridas no evento lesivo, o lesado fica impedido de exercer actividade laboral e, em consequência, de auferir os correspondentes proventos. Ganho frustrado ligado ao evento por nexo de casualidade adequada.
Na situação dos autos, a decisão entendeu não dever considerar o lucro cessante por perda de rendimentos em razão do défice funcional temporário total e parcial de 809 dias por não se ter apurado que à data do evento auferisse rendimentos do trabalho.
Não podemos corroborar tal conclusão.
Sendo certo que não resulta provado que a autora exercesse, à data do evento, qualquer actividade que lhe proporcionasse retorno económico-financeiro, não pode deixar de ponderar-se, num juízo de probabilidade e verosimilhança, valorizando o curso normal das coisas e as regras da experiência da vida, que não fora a lesão, a autora, após decorrido o período necessário para concluir o mestrado para o qual estava inscrita, se teria dedicado a actividade laboral propiciadora de rendimentos.
Assim, ponderando que a autora sofreu um défice funcional temporário de pouco mais de dois anos e dois meses (809 dias) e que nesse período, no ano lectivo de 2016/2017 não iria, de acordo com o juízo de verosimilhança que preside ao apuramento este dano, exercer actividade laboral, conclui-se que iria passar a trabalhar (juízo de probabilidade) após o termo final do mestrado (a partir de meados de 2017) e, assim, que deixou de trabalhar durante cerca de um ano e dois meses.
Calculando a indemnização segundo juízos de equidade (nº 3 do art. 566º do CC) - não se trata de um dano verificado de forma objectiva, como seria o caso se a autora desenvolvesse actividade remunerada no momento do evento lesivo e tivesse deixado de receber qualquer salário -, deve ponderar-se que a autora não auferiria rendimento inferior à remuneração mínima mensal garantida, que nos anos de 2017 e 2018 estava fixada, respectivamente, em 557,00€ (DL 86-B/2016, de 29/12) e 580,00€ (DL 156/2017, de 28/12).
Ponderando estes factores – catorze meses em que, não fora a lesão e suas consequências, teria exercido actividade laboral que lhe propiciaria rendimento não inferior à remuneração mínima mensal garantida com (metade daquele período no ano de 2017 e a outra metade já no ano de 2018, valores a acrescer dos respectivos proporcionais de subsídio de Natal e de férias) –, entendemos dever fixar a indemnização (como se de salários perdidos se tratasse) em 5.000,00€ – considerando a teoria da diferença, consagrada no nº 2 do art. 566º, nº 2 do CC (em princípio, o montante da indemnização pecuniária mede-se pela diferença entre a situação real em que o lesado se encontra e a situação hipotética em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano[31]), esse prejuízo representa a diferença entre a situação patrimonial real da autora e a situação hipotética em que se encontraria caso não tivesse ocorrido o evento lesivo.
Procede, assim, parcialmente, este segmento da pretensão recursória da autora apelante.
C. Do dano patrimonial futuro – da inexistência do dano biológico, na vertente patrimonial (recurso da ré) e, concluindo-se pela sua existência, do seu montante (ambas as partes se insurgem contra o valor a esse título fixado na sentença recorrida).
Sustenta a ré apelante que o défice funcional permanente da integridade física de 4 pontos de que a autora ficou a padecer, sendo compatível com o exercício da actividade habitual, implicado ligeiros esforços suplementares, não tendo efectivo rebate nos rendimentos do trabalho, não permite atribuir-lhe indemnização nesta vertente do dano (as sequelas em questão não acarretam qualquer prejuízo económico na sua esfera patrimonial), tendo o dano biológico apenas uma componente não patrimonial.
Mesmo que seja de considerar que o défice funcional permanente da integridade física de 4 pontos de que a autora ficou a padecer é compatível com o exercício da actividade habitual, implicado ligeiros esforços suplementares (circunstancialismo que não resulta da alínea u) dos factos provados, não impugnada pelas partes – aí tão só se julga provado que a autora, em consequência das lesões sofridas, é portadora de um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica fixado em 4 pontos – mas que poderá ser concluído por presunção judicial), sempre será de considerar, no caso dos autos, impor-se a valorização do dano também na vertente patrimonial.
O défice permanente da integridade física do indivíduo (uma incapacidade geral permanente) traduz uma lesão do direito à integridade física (art. 25º, nº 1 da CRP), uma das irradiações ou manifestações da tutela geral da personalidade humana (art. 70º do CC).
Perspectiva-se como dano biológico, enquanto ‘diminuição somático-psíquica e funcional do lesado’, com repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, sendo ‘sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou não patrimonial’[32].
Repercute-se, objectivamente, na diminuição da condição física e na capacidade de realização de esforços, o que redunda numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas antes desempenhadas, em todas as vertentes do quotidiano pessoal.
Logo que se verifique, o dano biológico merece tutela, seja ao nível compensatório, seja ao nível indemnizatório, seja até a ambos. A ‘extrema amplitude que o nosso legislador confere ao conceito de incapacidade para o trabalho, aliada à orientação sedimentada da jurisprudência, de que é de indemnizar, quer esta leve a diminuição de proventos laborais, quer não leve’, contempla-o indemnizatoriamente, enquanto ‘a relevância que a nossa lei confere aos danos não patrimoniais, também aliada à amplitude deste conceito que a jurisprudência vem acolhendo – englobando, nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de actividades agradáveis e outros – já o contempla’ ao nível compensatório[33].
Dano biológico que é de valorizar (para lá do que signifique na diminuição da qualidade de vida do lesado, a ponderar e atender no âmbito do dano não patrimonial) no âmbito do dano patrimonial (sem que isso signifique uma repetição ou duplicação de valorização do mesmo dano) quando ele se repercuta na actividade laboral do lesado, seja directamente, implicando perda efectiva ou previsível de rendimentos, seja quando implique maior esforço e dispêndio de energia no desenvolvimento da actividade propiciadora de rendimento (e assim, em última análise, maior esforço do lesado para não sofrer diminuição de rendimentos) – tal dano deve ser indemnizado na vertente patrimonial independentemente da prova do lesado sofrer ou vir a sofrer diminuição dos seus proventos futuros (isto é, diminuição da sua capacidade de ganho) se for de concluir que tal incapacidade funcional ou fisiológica, repercutindo-se nuclearmente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, irá implicar, previsivelmente, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas e assim, se for de considerar que essa incapacidade exige do lesado um esforço suplementar físico e psíquico para obter o mesmo resultado da sua actividade[34]. Dito doutra maneira: a ‘ressarcibilidade do dano biológico na sua vertente patrimonial (também designado “dano patrimonial futuro”) não depende da comprovada perda de rendimentos do lesado, podendo e devendo o julgador ponderar, designadamente, os constrangimentos a que o lesado fica sujeito no exercício da sua actividade profissional corrente e na consideração de oportunidades profissionais futuras.’[35]
Estando em causa dano que se consubstancia numa limitação ou défice funcional (apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais ou na privação duma específica capacidade profissional), ‘perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional’[36], o fundamento da sua ressarcibilidade assentará na acrescida penosidade e esforço (que será de presumir judicialmente, nos termos dos arts. 349º e 351º do CC) no exercício da actividade diária e corrente, de modo o compensar e ultrapassar as deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas[37].
Em tais situações (em que seja de ponderar que o défice funcional se repercute na exigência do maior esforço para o desempenho de actividades e tarefas) valoriza-se a circunstância da previsível não diminuição de rendimentos ter como correspectivo um acréscimo de esforço corporal e/ou intelectual, na exacta medida do grau de incapacidade/limitação funcional, não compensado com qualquer acréscimo de retribuição, sendo por isso adequado atender e valorizar pecuniariamente tal maior esforço ou dispêndio de energia.
Tem, pois, o dano biológico, na vertente patrimonial, uma vasta e alargada abrangência – desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis[38].
Na situação dos autos resulta provado que a apelante ficou a padecer, pelas sequelas resultantes das lesões sofridas no evento, de défice funcional permanente da integridade física de 4 pontos, o que, previsivelmente, lhe acarretará acrescidos e suplementares esforços para o desempenho de actividades com repercussão económica (esforços acrescidos relativamente àqueles que o normal desempenho de tais actividades já acarretaria, independentemente daquele défice funcional) – ou seja, ficou a padecer de défice no quarto grau mais baixo (numa escala crescente) de valorização médica de afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas suas actividades diárias, incluindo aquelas com repercussão económica (desde a actividade profissional até às simples tarefas domésticas) e, assim, diminuindo em tal grau a sua capacidade económica geral.
Não sendo previsível ou verosímil (o dano futuro é apreciado segundo juízos de normalidade, previsibilidade e verosimilhança – art. 564º, nº 2 do CC) que tal limitação funcional acarrete, directamente, qualquer perda salarial futura, tem de reconhecer-se que acarreta uma limitação da capacidade da autora desenvolver actividades com relevo na vertente económica ou patrimonial na sua vida – ou, doutro modo, que tal défice representa uma ‘diminuição da sua capacidade económica geral com relevo em sede do chamado dano biológico patrimonial, susceptível, portanto, de indemnização reparatória’[39], ainda que no quarto ponto mais baixo em que tal limitação pode relevar.
De reconhecer, pois, a ressarcibilidade do dano na sua vertente patrimonial.
Dano enquadrável na categoria de dano patrimonial futuro, cujo montante indemnizatório deve apurar-se (por não ser possível averiguar do seu exacto valor) com recurso à equidade (art. 566º, nº 3 do CC), segundo juízos de verosimilhança e probabilidade.
A equidade (tratada como fonte de direito sem que necessariamente o seja) é, como resulta do art. 566º, nº 3 do CC, uma ‘via que serve de recurso para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo, nomeadamente um crédito indemnizatório, quando o valor exacto dos danos não foi apurado’[40].
Diferentemente do que acontece relativamente ao apuramento do valor monetário para compensar o dano não patrimonial (em que a equidade funciona como único recurso), relativamente ao julgamento do dano patrimonial, designadamente do dano patrimonial futuro, a ‘equidade funciona como último recurso, para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo, designadamente do direito a uma indemnização, quando o valor exacto dos danos não foi apurado’[41].
Equidade não significa arbitrariedade, convocando a ponderação do curso normal das coisas, a particular situação do caso concreto e o próprio dano a reparar – a particular situação da lesada que, tendo completado 26 anos ao tempo do evento lesivo, sofreu lesão da sua integridade física que lhe provocou um défice funcional permanente de 4 pontos.
O apelo a critérios de equidade tem em vista encontrar no caso concreto a solução mais justa – a equidade é uma forma de justiça: por seu intermédio não se criam regras jurídicas nem se encontra a solução através da mediação ou intervenção de regra elaborada pelo julgador, que tão só recorre ao exame das características do caso concreto[42]; a equidade é a ‘justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida’[43].
A equidade é uma forma de justiça concreta, que intenta superar a própria ideia de justiça já cristalizada pela norma legal, pois que o ‘equitativo, sendo embora o justo, não o é em conformidade com a lei, mas antes como aperfeiçoamento do justo legal’[44].
A decisão de acordo com a equidade é norteada pela particular situação do caso concreto.
O que está em causa, no apuramento da indemnização que se vem tratando, não é tanto repor qualquer situação de efectiva ou previsível perda patrimonial, mas antes ressarcir a autora pelo défice funcional de que padece – um défice ligeiro, no quarto mais baixo grau de valorização médica de afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas suas actividades diárias, incluindo aquelas com repercussão económica (v. g., as tarefas exercidas no âmbito profissional).
A jurisprudência do STJ tem vindo a considerar que a indemnização pelo dano futuro, onde se compreende a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de rendimento, deve ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir (ou cujo ganho tenha como correspectivo o esforço suplementar implicado pelo défice funcional resultante, com nexo de causalidade adequado, das lesões sofridas no evento lesivo), que se extinga no fim da sua vida provável e que seja susceptível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado ou o rendimento auferido com aquele acrescido esforço[45] – deve considerar-se o termo provável da vida do lesado, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma), pois ‘que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão’[46].
O apuramento do capital produtor do rendimento que se venha a extinguir no final do período considerado e que proporcione ao lesado prestações periódicas correspondentes à sua perda ou ao esforço acrescido não directamente compensado na retribuição auferida só pode ser conseguido através da equidade, ainda que para tanto se recorra, como elemento meramente auxiliar e orientador, a fórmulas ou critérios financeiros (mais ou menos simples), que permitem tornar a indemnização o mais possível justa, actualizada e condizente com o caso concreto a valorizar. O recurso a tais elementos auxiliares permite evitar o subjectivismo que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade: através de tal método a procura do quantum respondeatur inicia-se com ‘recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado’ (designadamente a descrita no acórdão do STJ de 4/12/2007, nº 07A3836)[47], submetendo depois tal valor estático ‘alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório’ - ao tempero da ‘equidade - que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo’, sejam a evolução provável na situação profissional do lesado, o aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, a inflação provável ao longo do período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros)[48], e bem assim a especificidade do concreto dano a indemnizar (no caso dos autos, uma incapacidade parcial situado no quarto grau mais baixo da afectação da capacidade físico-psíquica das pessoas e, assim, da sua capacidade económica geral).
De forma concisa – as ‘tabelas funcionam apenas como orientação para o cálculo da indemnização, não sendo, em caso algum, susceptíveis de dispensar ou substituir o juízo de equidade que cabe ao julgador nesta hipótese’[49], pois que da aplicação das tabelas só poderá resultar quer ‘uma justiça abstracta, insensível à circunstância de o caso concreto ter especificidades juridicamente relevantes’, quer uma ‘justiça estática, insensível à circunstância de, entre as especificidades juridicamente relevantes do caso concreto, estarem variantes dinâmicas’[50].
Método que temos por adequado a casos como o dos autos – neste juízo equitativo de último recurso, servirão os dados colhidos da aplicação dos referidos cálculos financeiros (fórmulas e/ou tabelas matemáticas) como ponto de partida referencial (uma referência primeira) do valor indemnizatório do dano decorrente do défice funcional, nessa primeira abordagem apreciado como se se tratasse, exclusiva e verdadeiramente, dum défice com directo reflexo na perda de rendimento; depois, sempre numa aproximação à ideia de justiça da situação concreta e, assim, do aperfeiçoamento do justo legal, a temperança do juízo equitativo e a valorização das características e especificidades do caso concreto, à luz dos padrões jurisprudenciais.
Assim, de acordo com o critério orientador da tabela financeira do referido acórdão da Relação de Coimbra de 4/04/1995, considerando a idade da autora (28 anos) ao tempo da alta clínica (até esse momento – termo do período de défice funcional temporário – é a autora indemnizada a título de perdas salarias, como acima considerado), uma taxa de juro de 3% (o juízo de ponderação não pode ser perturbado pela crise económico-financeira que atravessamos – e atenderemos a tal taxa de juro, pois que o critério utilizado é meramente orientador e a indemnização a atribuir parte de um juízo de verosimilhança e previsibilidade a longo prazo, sendo certo que valorizando o espaço temporal a considerar, essa taxa, face ao passado, se apresenta como adequada), o valor de 2% para a inflação (os esforços que as entidades oficiais, nacionais e internacionais, vêm desenvolvendo para baixar a inflação que, excepcionalmente, vem assolando a economia, permitem, num juízo de prognose a médio/longo prazo, ponderar e considerar tal taxa), atendendo a um factor de 0,25% para progressão na carreira, ponderando a incapacidade funcional de que ficou a padecer (quatro pontos), um salário próximo da retribuição mínima mensal garantida (que para este efeito se considera nos 800,00€ mensais, auferido 14 vezes por ano) e projectando o cálculo até aos oitenta anos (esperança de vida que, em Portugal, para indivíduos do sexo feminino é já superior), encontra-se montante próximo dos vinte mil euros (20.000,00€)[51].
O valor encontrado na decisão recorrida (40.000,00€) para ressarcir este dano patrimonial futuro – ao contrário do alegado pela autora apelante, a decisão recorrida valorizou este dano ao nível patrimonial futuro, enquanto afectando a autora do ponto de vista funcional, nas suas actividades com repercussão económica – mostra-se exagerado e distanciado dos critérios jurisprudenciais adoptados em situações com características próximas.
Joeirando o valor encontrado com recurso à fórmula matemática (tomando como referência primeira e meramente auxiliar), o juízo de equidade convoca a situação concreta a indemnizar: não está tanto em causa repor qualquer situação de efectiva ou previsível perda patrimonial, mas antes ressarcir lesada, com 28 anos ao tempo da alta clínica que ficou a padecer, em consequência das lesões sofridas, de défice funcional permanente da integridade física de 4 pontos, que a afecta no âmbito de todas as actividades com repercussão económica (que a experiência da vida permite concluir que terá tendência para agravar com o decurso do tempo ), tendo ainda de ponderar-se que que a fórmula matemática acima usada é própria para o cálculo do dano decorrente duma incapacidade profissional, não duma incapacidade para todos os actos e gestos correntes do dia-a-dia como é o défice funcional resultante da aplicação da Tabela Indicativa para a Avaliação do Dano em Direito Civil (aprovada, juntamente com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais pelo DL 352/2007, de 23/10).
Mostra-se, pois, o montante de vinte e cinco mil euros (25.000,00€), equilibrado e equitativo, proporcionado e adequado à reparação do dano em causa, aproximando-se dos critérios ou padrões jurisprudenciais para casos idênticos (de que são exemplo os acórdãos do STJ de 25/02/2021[52] - fixada indemnização no montante de 23.000,00€ a lesado que, à data do evento lesivo, com 27 anos, auferia a retribuição anual bruta de 9.354,33€ e ficou a padecer de incapacidade geral permanente parcial de 6% -, de 11/11/2020[54] - fixada indemnização no montante de 15.000,00€ a jovem de 19 anos que ainda não entrara no mercado laboral, que ficou a padecer de défice funcional de três pontos, com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer -, de 11/10/2022[55] - julgada adequada e razoável indemnização no montante de 30.000,0€ a lesado que, sendo médico e professor universitário, com 35 anos ao tempo do acidente, ficou a padecer em consequência do evento lesivo de um valor de 3 pontos de deficiência funcional permanente e de lesão cervical que, importando a realização de esforços suplementares no desempenho habitual da actividade profissional, se associou a quadro de sequelas físicas e psicológicas que, enquanto limitações relevantes, se prolongarão no futuro a título crónico - e de 4/07/2023[56] - julgada equitativa indemnização de 35.000,00€ pelo dano patrimonial de lesada com de 45 anos de idade, que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade física fixável em 4 pontos, de dores que lhe dificultam o descanso, o que lhe causa dificuldades de concentração, raciocínio e memorização, tornando penosa a realização de longas viagens de carro, frequentes na sua profissão) – indemnização no valor arbitrado na decisão apelada vem sendo atribuída em situações em que o dano assume maior gravidade, como p. ex., nos acórdãos do STJ de 7/03/2019[57] (teve-se como razoável atribuir indemnização de 40.000,00€ relativa ao dano biológico de lesada que, com 35 anos à data do evento lesivo, empregada de mesa, auferindo o vencimento mensal base de 475,00€, ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 19 pontos, compatível com o exercício da actividade profissional ainda que nele se repercutindo, implicando esforços suplementares), de 29/10/2019[58] (teve-se por ajustado o montante de 36.000,00€ para indemnizar o dano futuro de lesado a quem, com 34 anos e auferindo o rendimento mensal de 600,00€, 14 vezes por ano, foi atribuído défice funcional de 16 pontos, sem rebate profissional mas com subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua actividade profissional) e de 18/03/2021[59] (atribuída indemnização no valor de 45.000,00€ para ressarcir lesada com 50 anos, médica, que auferira o rendimento líquido global de 58.266,33€ no ano anterior ao do evento lesivo, que ficou afectada de incapacidade de 13 pontos, compatível com o exercício da actividade profissional exigindo, todavia, esforços acrescidos).
Assim, devendo reconhecer-se a ressarcibilidade do dano na vertente patrimonial – improcedendo, nessa parte, a pretensão recursória da ré apelante –, entende-se ser de fixar em vinte e cinco mil euros (25.000,00€) a indemnização pelo dano patrimonial futuro – procedendo parcialmente a apelação da ré e improcedendo a apelação da autora quanto a este segmento.
D. Do montante compensatório do dano não patrimonial.
Discorda a ré apelante do montante arbitrado para compensar a autora pelos danos não patrimoniais, que considera exagerado – a decisão recorrida entendeu justo e adequado o valor de trinta e cinco mil euros (35.000,00€), defendendo a recorrente a sua fixação no montante de vinte mil euros (20.000,00€).
A indemnização por danos não patrimoniais, justificada nas situações em que a sua gravidade mereça a tutela do direito (art. 496º, nº 1 do CC), não visa propriamente ressarcir ou tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido ou até uma satisfação (tal dano, porque relativo a bens que não integram o património do lesado, apenas pode ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao lesante, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização)[60].
Na responsabilidade civil por factos ilícitos, como é o caso dos autos, a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza mista: se por um lado visa compensar o lesado (função essencialmente reparatória), não lhe é alheio o propósito (acessório) de reprovar, sancionar ou castigar o lesante pela conduta causadora do dano[61].
O montante da reparação pecuniária dos danos não patrimoniais é fixado equitativamente em atenção ao grau de culpa do lesante, sua situação económica e demais circunstâncias relevantes (arts. 496º, nº 3 e 494º do CC).
A equidade (que neste âmbito funciona como único recurso) convoca as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida, sendo este um dos domínios onde mais necessário se torna o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir[62] - exige-se juízo que, ponderando os critérios jurisprudenciais, atenda o curso normal das coisas, a particular situação do caso concreto e o próprio dano a reparar.
O critério legal a atender para a fixação do montante indemnizatório do dano não patrimonial é o da sua gravidade, nos termos do art. 496º, nº 1 do CC e deve ser adequado e suficiente para compensar o lesado pelo dano sofrido e para conter em si a afirmação da validade do bem tutelado (para lá de proporcionado à reprovação ou castigo pela conduta causadora do dano).
O ponto de referência – a unidade de medida ou unidade de conversão do valor imaterial lesado a dinheiro – para a justa medida do montante compensatório é encontrado nos padrões jurisprudenciais atinentes à indemnização destes danos.
Constata-se presentemente a tendência para alargar o círculo de danos ressarcíveis, conformando o ordenamento à compreensão abrangente do ser humano – o ‘homo faber ou homo economicus da época industrial dá lugar ao homo ludicus ou homo aestheticus da época do lazer, da cultura e da informação’, e a pessoa humana corporeamente encarnada ‘dá-se a conhecer em todas as suas concretas dimensões (v. g., trabalhador, pai de família, amigo, ser lúdico e relacional) e interioriza e vivencia como todas elas são decisivas no seu estado de equilíbrio físico-psíquico, em que a saúde se consubstancia’, erigindo-se um conceito de dano que questiona e repudia a concepção puramente economicista do ser humano, reconhecendo antes uma intrínseca dignidade e uma ‘essencialidade ontológica da pessoa que está muito para além (antes, durante e depois) do chamado homo faber, radicando em sólidos princípios civilizacionais que os ordenamentos normativos foram erigindo à categoria de direitos fundamentais de personalidade’[63].
Componentes relevantes do dano não patrimonial, ao lado do dano biológico – aqui visto na sua vertente de alteração morfológica, enquanto privação da capacidade de utilizar o corpo da forma como antes do evento lesivo o lesado fazia, a perda da fruição dos prazeres da vida e mesmo a diminuição da expectativa da duração da vida –, surgem[64] o dano estético – o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima –, o ‘pretium doloris’ – as dores físicas e psíquicas (desgostos, inibições, frustração, revolta, etc.) –, o prejuízo de afirmação pessoal e social – dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica) –, o prejuízo da saúde geral e da longevidade – o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida –, o ‘pretium juventutis’ ou prejuízo da distracção ou passatempo – que põe em evidencia a especificidade da frustração do viver a vida na plenitude das funções do corpo e espírito – e a perda de qualidade de vida.
No caso concreto, emerge as seguintes circunstâncias:
- a lesada, nascida em de Março de 1990, foi (em Julho de 2016 – contava então 26 anos) colhida em passadeira (por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro) e projectada a cerca de 15 metros de distância, sofrendo traumatismo craniano, com fino hematoma subdural aguado do lado direito, com perda de consciência, e fractura da clavícula esquerda hematoma epicraniano frontal direito com ferida dermoabrasiva associada, ferida dermoabrasiva na nádega direita e outras pequenas escoriações;
- esteve internada no Hospital 1... (foi para aí transferida do Hospital ...), na unidade de neurocríticos até 31/07/2016, e no serviço de neurocirurgia até 9/08/2016,
- recebeu, durante o internamento, alimentação intravenosa,
- em 14/08/2016 recorreu novamente aos serviços hospitalares (ao Hospital ...) por queixas relacionadas com as mesmas lesões, tendo indicação para cirurgia para tratamento da fractura da clavícula, com colocação de material de osteossíntese, que veio a ocorrer em 16/08/2016 e implicou internamento de três dias,
- permaneceu, depois, em casa em convalescença por três meses e acompanhada em consulta de ortopedia até 14/11/2016 e com seguimento no Centro de Saúde e na consulta externa de neurocirurgia do Hospital 1... até 21/08/2017,
- em Maio de 2018 foi submetida a nova cirurgia para retirada do material de osteossíntese, com internamento por um dia e seguimento em duas consultas,
- em consequência do evento lesivo foi acompanhada em consultas de psicologia e psiquiatria no Centro de Saúde, com início em 2017, devido a sintomatologia ansiosa, queixas de desânimo, dificuldades de atenção e concentração e fobia à condução, com prescrição de medicação, tendo cessado o acompanhamento em psiquiatria em 6/02/2017 com orientação para psicologia, acompanhamento que hoje mantém,
- apresenta, como sequela, cicatriz de tipo cirúrgico com 11 cm de comprimento e 2 de largura sobre a clavícula esquerda, com irregularidade do relevo da clavícula, com desconforto na região clavicular esquerda nos arcos finais do movimento, sem limitação da amplitude,
- em consequência de tais lesões e sequelas a autora sofre cefaleia hemicraniana direita diária, que implica toma não regular de paracetamol, desconforto na região clavicular esquerda e terço superior da face anterior e medial do braço esquerdo, após realização de esforços, falta de concentração, nomeadamente para a actividade de leitura, cansaço psicológico e moral, e intolerância ao ruído, que a leva a evitar locais com muitas pessoas,
- em consequência das lesões sofridas, a autora sofreu défice funcional temporário total e parcial de 809 dias, quantum doloris de grau 5 em 7, défice funcional permanente na integridade físico-psíquica fixado em 4 pontos, dano estético de grau 2 em 7,
- em consequência do acidente a autora desenvolveu fobia na condução de veículos, que evita, evita expor a cicatriz que ostenta, deixou de dançar, actividade que mantinha a nível amador, duas a três vezes por semana, e com participação em provas, e deixou de ter gosto em frequentar discotecas e espectáculos,
- em consequência das lesões, tratamentos e sequelas supra descritas, bem como dos períodos de internamento e convalescença, da interrupção dos estudos e das modificações de hábitos sociais, a autora suportou e suporta sofrimento, dores e incómodos, tristeza e desgosto,
- a autora concluíra licenciatura em Línguas Aplicadas no ano lectivo de 2012/2013, e em 2013/2014 concluiu o 1º ano do mestrado em Turismo e pretendia frequentar o 2º e último ano do mestrado em Turismo no ano lectivo de 2016/2017, para o qual se chegou a inscrever em 4/10/2016, mas não concluiu este mestrado por causa das consequências das lesões sofridas e por tal mestrado não ter voltado a abrir edição nomeadamente no ano de 2017/2018,
- posteriormente, a autora não voltou a tentar qualquer outra graduação em mestrado, por dúvidas em ter capacidade para o fazer, nomeadamente por causa das persistentes cefaleias e dificuldades de concentração.
A matéria de facto espelha o grau de gravidade ponderável dos danos sofridos – mais do que o dano resultante da incapacidade funcional de 4 pontos, avulta o pretium doloris padecido (um quantum doloris no quinto grau duma escala ascendente com sete graus de gravidade), agravado pela circunstância das cefaleias de que ainda padece e que a obrigam a recorrer a terapêutica medicamentosa, o dano estético (no segundo grau duma escala de sete graus de gravidade crescente), a tristeza e desgosto pelas limitações de que padece e pela impossibilidade de ter concluído o mestrado, o prejuízo de afirmação pessoal, da saúde geral e o prejuízo da distração ou passatempo (desde a fobia na condução de veículos, ao abandono da dança, que desenvolvia a nível amador, passando pela perda do gozo em frequentar discotecas e espectáculos, para lá do que significa, no pleno desfrutar da vida, a falta de concentração, nomeadamente para a actividade de leitura, o cansaço psicológico e moral, e a intolerância ao ruído, que a leva a evitar locais com muitas pessoas).
O valor encontrado pela decisão recorrida (35.000,00€) afigura-se-nos ter-se distanciado da sensibilidade que se extrai dos padrões jurisprudenciais a atender, extravasado, ainda que ligeiramente, o montante justo, adequado e equitativo – ponderando, com semelhanças e referências extrapoláveis para o caso dos autos, balizamento mínimo (que se retira, p. ex., do acórdão da Relação do Porto de 7/04/2016[65] - arbitrada indemnização de 15.000,00€ pelos danos não patrimoniais a lesada atropelada em passadeira destinada a peões com setenta e oito anos de idade que sofreu fractura fechada da diáfise da tíbia e do perónio, à direita e foi submetida a intervenção cirúrgica, esteve acamada na residência durante pelo menos um mês, necessitando então de ajuda de terceira pessoa para os cuidados de higiene, foi submetida a dolorosos tratamentos de fisioterapia durante cerca de três meses, fazendo três ciclos de vinte sessões de fisioterapia, andou engessada durante um mês, chegando a deslocar-se de canadianas, ficando com cicatrizes várias na perna, duas de tipo cirúrgico, sofrendo em consequência do acidente: défice funcional temporário total de 15 dias, défice funcional temporário parcial entre de 157 dias, quantum doloris de grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em quatro pontos e dano estético permanente fixado no grau 1, numa escala crescente de sete graus de gravidade - e do STJ de 4/07/2023[66] - no caso, relativamente a lesada com de 45 anos de idade, que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade física fixável em 4 pontos, de dores que lhe dificultam o descanso, o que lhe causa dificuldades de concentração, raciocínio e memorização, foi julgada equitativa a atribuição da quantia de 20.000,00€ para compensar quadro de sofrimento psicológico caracterizado por um quantum doloris de 3/7, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 1/7, perturubações significativas no sono e na vida sexual, perda de autonomia na realização de tarefas domésticas e na movimentação de objectos pesados, irritabilidade, desconforto constante, insegurança, baixa capacidade de atenção e concentração e baixa tolerância à frustração) e máximo (exraído, por exemplo, do acórdão do STJ de 6/06/2023[67] - julgou-se adequada a indemnização de 50.000,00€ por danos não patrimoniais a lesada atropelada numa passadeira de peões, cujas lesões se consolidaram ao fim de um ano, ficando com quatro cicatrizes, com sofrimento físico e psíquico entre o acidente e a consolidação mensurado no grau 5 duma escala de 7, cujo défice funcional permanente da integridade física foi fixado em 12 pontos, repercutindo-se as sequelas nas actividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular em gau 3 de escala de 7 graus de gravidade crescente, com dano estético permanente de grau 3 num escala de 7, sendo previsível o agravamento da artrose pós-traumática do tornozelo), entende-se como equilibrado, ponderado e equitativo, valorizando devidamente o propósito sancionatório da indemnização e a sua função essencialmente reparatória (valorizando o atendível dano estético e o considerável quantum doloris, para lá do notório pretium juventutis), fixar o montante indemnizatório do dano não patrimonial no montante de trinta mil euros (30.000,00€) – valor reportado à data da decisão da primeira instância.
Procede, assim, parcialmente, neste segmento, a apelação da ré apelante.
E. Síntese conclusiva.
Conclui-se de tudo o exposto, pela parcial procedência da apelação da autora (no segmento em que pretendia lhe fosse arbitrada indemnização relativa pelo dano da perda de rendimento do trabalho - lucro cessante - no período em que sofreu incapacidade temporária) e também da ré (nos segmentos em que pretendia a redução dos valores indemnizatórios arbitrados a título de dano patrimonial futuro e dano não patrimonial), podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições:
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Da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (art. 6º, nº 7 do RCP).
O nº 7 do art. 6º do RCP foi aditado pela Lei nº 7/2012, de 13/02 para conformar o preceito à Constituição – o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 421/2013, de 15/07/2013[68], julgou ‘inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, nº 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6º e 11º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título’.
O preceito teve assim em vista levar à lei ordinária a possibilidade do juiz corrigir as manifestas desproporções entre a (parca) complexidade do serviço prestado e o respectivo (elevado) custo (resultante da aplicação de tabelas)[68] – a taxa de justiça assume natureza bilateral ou correspectiva, constituindo contrapartida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo e não estando ‘implicada a exigência duma rigorosa equivalência de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de «uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário, que a «causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe»’[69].
O valor do remanescente da taxa de justiça para a causa é, no caso, considerando a Tabela I anexa ao Regulamento das Custas Processuais, acrescida, no que excede o valor de 275.000,00€ e até aos 431.455,50€ (valor da acção), de 3 UC por cada 25.000,00 ou fracção e, para o recurso, acrescida de 1,5 UC por cada 25.000,00€ ou fracção – valores a acrescer ao da taxa de justiça já calculada, de 16 UC para a acção e de 8 UC para o recurso.
A causa não apresenta qualquer dificuldade que, muito menos significativamente, exceda a da expectável no comum das causas destinadas ao exercício do direito a indemnização com fundamento na responsabilidade civil emergente de acidente de viação – a causa constitui um exemplo paradigmático duma acção destinada ao exercício da responsabilidade civil extracontratual, tendo sido debatidas e discutidas as questões jurídicas que, comummente, se debatem nestes processos (impugnação da decisão de facto, o dano patrimonial – seja o lucro cessante, seja o dano futuro – e o dano não patrimonial).
A moderação do excesso (princípio da proporcionalidade inerente ao Estado de Direito – art. 2º da CRP), em vista de fazer equivaler a prestação das partes (a taxa de justiça) ao serviço de justiça realizado (taxa a cobrar versus serviço de justiça prestado) – conseguir o ‘mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado’[70] –, justifica, considerando a conduta processual das partes ao longo de todo o processo, se determine a dispensa total do remanescente da taxa de justiça (quer para a causa, quer para o recurso[71]).
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível, julgando parcialmente procedentes as apelações de autora e ré:
- em condenar a ré apelada a pagar à autora, a quantia de cinco mil euros (5.000,00€) a título de indemnização pelas perdas salariais no período do défice funcional temporário,
- em fixar no montante de vinte e cinco mil euros (25.000,00€) a indemnização pelo dano patrimonial futuro (com juros desde a citação, como decidido na sentença recorrida),
- em fixar em trinta mil euros (30.000,00€) o montante indemnizatório do dano não patrimonial (com juros desde a data da sentença apelada).
Autora e ré suportarão custas na proporção do vencimento.
Nos termos do art. 6º, nº 7 do RCP, decide-se dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça (causa e recurso).
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Porto, 24/10/2023
João Ramos Lopes
Rui Moreira
Lina Baptista

(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
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[1] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I (Parte Geral e Processo de Declaração), 2018, p. 27.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), Vol. I, pp. 27 e 29.
[3] Teixeira de Sousa, in ‘Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil’, Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 396 e 397 (na sequência do que ensina já in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, pp. 71 a 74), nota que deve distinguir-se a factualidade necessária ‘para individualizar a pretensão material alegada pelo autor, isto é, para se saber qual a pretensão material que o autor quer defender em juízo’, que constitui a causa de pedir, daquela que constitui factualidade complementar ou instrumental:
- os factos complementares ‘concretizam ou complementam os factos que integram a causa de pedir (cf. art. 5.º, n.º 2, al. b))’ e ‘asseguram a concludência da alegação da parte’; não ‘esgotam uma previsão legal, mas, como complemento dos factos que integram a causa de pedir, são necessários para a procedência da pretensão da parte’ e ‘realizam, por isso, uma função de fundamentação desta pretensão’;
- os ‘factos instrumentais (cf. art. 5.º, n.º 2, al. a)) são os factos que indiciam, através de presunções legais ou judiciais (cf. art. 349.º a 351.º CC), os factos que constituem a causa de pedir ou os factos complementares; os factos instrumentais compõem a base de uma presunção e a causa de pedir ou os factos complementares os factos presumidos; portanto, os factos instrumentais cumprem apenas uma função probatória dos factos indispensáveis à procedência da causa.’
[4] Acórdão do STJ de 7/02/2017 (Pinto de Almeida), no sítio www.dgsi.pt. No mesmo sentido, e com o mesmo relator, os acórdãos do STJ de 23/02/2021 e de 10/04/2018 e, bem assim, os acórdãos desta Relação (relatados pelo relator do presente) de 13/07/2022 (processo nº 1836/12.5TBMCN-A.P1) e de 11/10/2022 (no processo nº 3527/18.4T8PNF.P1), também no sítio www.dgsi.pt.
[5] Citados acórdãos do STJ de 10/04/2018 e desta Relação, de 13/07/2022 e de 11/10/2022.
[6] Citados acórdãos do STJ de 7/02/2017 e desta Relação, de 13/07/2022 e de 11/10/2022.
[7] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), Vol. I, p. 29.
[8] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, 2018, p. 307.
[9] Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 176.
[10] Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 169 e 170.
[11] Acórdãos do STJ de 21/03/2018 (Ferreira Pinto), de 06/06/2018 (Ferreira Pinto), de 6/06/2018 (Pinto Hespanhol), de 12/07/2018 (Ferreira Pinto), de 11/09/2019 (Ribeiro Cardoso), de 3/10/2019 (Rosa Tching) e de 15/09/2022 (Ana Paula Lobo), todos no sítio www.dgsi.pt.
[12] Acórdão do STJ de 28/04/2016 (Abrantes Geraldes), no sítio www.dgsi.pt. No mesmo sentido (e citando tal referido acórdão, assim como outra jurisprudência com o mesmo entendimento), o acórdão R. Porto de 26/03/2019 (Cecília Agante), no sítio www.dgsi.pt.
[13] Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 175.
[14] Acórdão do STJ de 16/05/2018 (Ribeiro Cardoso), no sítio www.dgsi.pt.
[15] Acórdãos do STJ de 29/10/2015 (Lopes do Rego), de 3/10/2019 (Rosa Tching) – este segundo já acima referido, que cita o primeiro –, de 27/10/2022 (Ana Paula Lobo) e de 13/10/2022 (Maria da Graça Trigo), todos no sítio www.dgsi.pt.
[16] Citado acórdão do STJ de 27/10/2022 (Ana Paula Lobo).
[17] Acórdão do STJ de 5/04/2022 (Ricardo Costa), no sítio www.dgsi.pt.
[18] Como qualquer outro acto jurídico, também as peças processuais estão sujeitas a actividade interpretativa – assim, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I volume, 2ª edição revista e ampliada, p. 126, em nota.
[19] Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 173 e 174.
[20] Citado acórdão do STJ de 15/09/2022 (Ana Paula Lobo).
[21] A especificação/indicação da decisão a proferir para cada um dos factos impugnados pode constar no corpo da motivação (as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões) - Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 169 e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), Vol. I, p. 771.
[22] Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 290.
[23] Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt.
Posição que a doutrina e a jurisprudência vêm mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 286/287, 298 a 303 (maxime 302 e 303) e na jurisprudência os acórdãos do STJ de 8/01/2019 (Ana Paula Boularot), de 25/09/2019 (Ribeiro Cardoso), de 16/12/2020 (Tomé Gomes), de 1/07/2021 (Rosa Tching) e de 29/03/2022 (Pedro de Lima Gonçalves), no sítio www.dgsi.pt.
[24] A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339.
[25] Manuel de Andrade, Noções (…), pp. 191/192.
[26] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, revista e actualizada (7ª reimpressão da edição de 2000), p. 599.
[27] Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª Edição, revista e actualizada, 1989, p. 373.
[28] Antunes Varela, Das Obrigações (…), Vol. I, p. 599 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3ª Edição revista e actualizada (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), p. 548.
[29] Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações (…), p. 373.
[30] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I (…), p. 549.
[31] P. de Lima e A. Varela (com a colaboração de Henrique Mesquita), Código (…), p. 551 e A. Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição, p. 393.
[32] Acórdãos do STJ de 16/12/2010 e de 6/12/2011 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt.
[33] Acórdão do STJ de 26/01/2012 (João Bernardo), no sítio www.dgsi.pt.
[34] Acórdãos do STJ de 17/01/2008 (Pereira da Silva) e de 19/05/2009 (Fonseca Ramos); no mesmo sentido, por mais recentes, os acórdãos do STJ de 7/03/2019 (Tomé Gomes), de 28/03/2019 (Tomé Gomes), de 11/04/2019 (Bernardo Domingos), de 10/12/2020 (Ferreira Lopes) e de 11/11/2021 (Abrantes Geraldes), todos no sítio www.dgsi.pt
[35] Acórdão do STJ de 23/04/2020 (Catarina Serra), no processo nº 1456/16.5T8VCT.G1.S1, no sítio https://jurisprudencia.csm.org.pt/.
[36] Acórdão do STJ de 10/11/2016 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt.
[37] Citados acórdãos do STJ de 16/12/2010 e de 6/12/2011.
[38] Citado acórdão do STJ de 28/03/2019 (Tomé Gomes).
[39] Mais uma vez, citado acórdão do STJ de 28/03/2019 (Tomé Gomes).
[40] Acórdão do STJ de 19/04/2018 (Rosa Ribeiro Coelho), no sítio www.dgsi.pt.
[41] Acórdão do STJ de 14/03/2019 (Nuno Pinto de Oliveira), no sítio www.dgsi.pt.
[42] Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, 2ª edição, p. 219, apud acórdão do STJ de 14/03/2019 (Nuno Pinto de Oliveira).
[43] Acórdão do STJ de 10/02/98, na Colectânea de Jurisprudência, 1998, Tomo I, p. 65.
[44] Castanheira Neves, Questão de Facto - Questão de Direito, 1967, p. 317, citando Aristóteles.
[45] P. ex., o acórdão do STJ de 28/03/2021 (Tomé Gomes).
[46] Acórdão do STJ de 10/11/2016 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt. Cfr., ainda, nos mesmos termos, o citado acórdão do STJ de 7/03/2019 (Tomé Gomes).
[47] Tabela que constitui simplificação das fórmulas matemáticas utilizadas pelo acórdão do STJ de 5/05/1994, publicado na Colectânea de Jurisprudência do STJ, Ano II, Tomo II, pp. 86 e ss, ou pelo acórdão da Relação de Coimbra de 4/04/1995, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1995, Tomo II, p. 26 (esta, uma evolução daquela, introduzindo os factores da inflação e da progressão na carreira).
[48] Citado acórdão do STJ de 10/11/2016 (Lopes do Rego).
[49] Acórdão do STJ de 8/01/2019 (Catarina Serra), no sítio www.dgsi.pt.
[50] Acórdão do STJ de 21/03/2019 (Nuno Pinto Oliveira), louvando-se (quanto às expressões utilizadas) nos acórdãos do STJ de 10/11/2016 (acima citado) e de 25/05/2017 (Lopes do Rego), todos no sítio www.dgsi.pt.
[51] Mais exactamente (desprezando nos cálculos todos os algarismos que, para lá da dúzia, compõem os números a operar) o valor de 19.326,66€ - dispensamo-nos de reproduzir quer a fórmula utilizada quer as operações matemáticas por ela implicadas (fórmula que poderá ser consultada no acórdão da Relação de Coimbra acima referido, devendo fazer-se as necessárias adaptações resultantes de considerarmos taxa de juros, taxa de inflação e ganhos de produtividade e promoção profissional em pontos percentuais diversos), pois, mais uma vez o dizemos, o critério é meramente orientador do juízo de equidade que, nos termos da lei, deve presidir à decisão.
[52] Proferido no processo nº 3014/14.0T8GMR.G1.S1 (Bernardo Domingos), no sítio www.dgsi.pt.
[53] Proferido no processo nº 16576/17.0T8PRT.P1.S1 (Abrantes Geraldes), no sítio www.dgsi.pt.
[54] Proferido no processo proc. n.º 1822/18.1T8PRT.P1.S1 (Ricardo Costa), no sítio www.dgsi.pt, citado aliás na decisão recorrida.
[55] Proferido no processo nº 342/19.1T8PVZ.P1.S1 (Jorge Leal), no sítio www.dgsi.pt.
[56] Proferido no processo nº 203/14.0T0AVR.P1.S1 (Tomé Gomes), no sítio www.dgsi.pt.
[57] Proferido no processo nº 7614/15.2T8GMR.G1.S1 (Henrique Araújo), no sítio www.dgsi.pt.
[58] Proferido no processo nº 1337/18.8T8PDL.L1.S1 (Ferreira Lopes), no sítio www.dgsi.pt.
[59] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I (…), p. 601.
[60] Cfr., p. ex., acentuando este carácter repressivo e sancionatório, A. Varela, Das Obrigações (…), Vol. I, p. 608; a função punitiva, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, p. 288 e in Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, 1997, p. 481 (dá nota do carácter punitivo da indemnização - do seu papel retributivo e carácter preventivo); o seu carácter punitivo, enquanto pena privada, estabelecida no interesse da vítima, Galvão Telles, Direito das Obrigações (…), p. 385, em nota; a sua natureza de sanção, castigo e pena, Pinto Monteiro, ‘Sobre a Reparação dos Danos Morais’, in RPDC, nº l, Setembro, 1992, p. 21.
[61] A. Varela, Das Obrigações em Geral (…), Vol. I, p. 605, nota 4.
[62] João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e aspectos resarcitórios, Almedida, 2001, pp. 13 e 14 e 100.
[63] Acórdãos do STJ de 5/07/2007 (Nuno Cameira), de 18/06/2009 (Raúl Borges), de 14/09/2010 (Sousa Leite) e de 18/10/2018 (Hélder Almeida), todos no sítio www.dgsi.pt).
[64] Proferido no processo nº 171/14.9TVPRT.P1 (Rodrigues Pires), no www.dgsi.pt..
[65] Proferido no processo nº 342/19.1T8PVZ.P1.S1 (Jorge Leal).
[66] Proferido no processo nº 9934/17.2T8SNT.L1.S1 (Manuel Capelo), no www.dgsi.pt..
[67] Disponível no sítio www.tribunalconstitucional.pt.
[68] Na vigência do Código das Custas Judiciais, o nº 3 do art. 27 (na redacção introduzida pelo DL 324/20003), também previa a possibilidade, nas causas de valor superior a 250.000,00€, de o juiz, se a especificidade da situação o justificasse, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente.
[69] Citado acórdão do Tribunal Constitucional nº 421/2013, de 15/07/2013.
[70] Citado acórdão do TC nº 421/2013.
[71] Sobre a competência do tribunal deste tribunal para decidir da dispensa do remanescente da taxa de justiça também quanto à acção, ver o acórdão do STJ de 30/05/2023 (Jorge Dias), no sítio www.dgsi.pt.