CRIME DE CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
MEDIDA DA PENA
Sumário

I - Não cabe na fase do recurso da sentença proferida em processo abreviado averiguar e decidir se o Ministério Público, antes de remeter o processo para a fase do julgamento, deveria oficiosamente ter suspendido provisoriamente o processo aplicando à arguida injunções e/ou regras de conduta, por alegada verificação cumulativa dos pressupostos previstos no artigo. 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
II – No caso em apreço, em que a arguida conduzia com uma taxa de alcoolémia de 2,171 g/l, não são excessivas as penas de setenta dias de multa e de cinco meses de proibição de condução de veículos automóveis.

Texto Integral

Processo nº 19/23.3PFPRT.P1
Comarca do Porto
Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz 2



Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
No âmbito do processo (abreviado) nº 19/23.3PFPRT.P1 que corre termos pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença proferida em 13/06/2023, depositada no mesmo dia, foi a arguida AA condenada na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de €420,00 pela prática, em autoria material e na forma consumada, em 21/01/2023, de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º nº 1 do Código Penal e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados durante o período de 5 (cinco) meses, nos termos do disposto no art. 69º nº 1 a) do mesmo Código.

*
Não se conformando com a decisão, dela recorreu em 06/07/2023, a arguida AA extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“I. A Recorrente foi condenada pela prática, em 21/01/2023, de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de 6,00€ (seis euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados durante o período de 5 (cinco) meses.
II. Estando reunidos todos os pressupostos previstos no artigo 281º do CPP, seria de determinar a suspensão provisória do processo, com imposição ao arguido de injunções e regras de conduta.
III. Suspensão essa com a qual nunca a Recorrente teve hipótese de concordar, na medida em que viu as diligências dos presentes autos a ser, constantemente, adiadas devido à greve dos Srs. Funcionários Judiciais. Chegando ao ponto de já não ser sequer possível a sua tramitação como processo sumário.
IV. Evidentemente, estavam reunidos TODOS os pressupostos para a determinação da suspensão provisória do processo.
V. Sendo certo que o regime legal da suspensão provisória do processo encerra um princípio de oportunidade para crimes de reduzida gravidade em que o Ministério Público, com o acordo do arguido e do assistente e com a homologação do juiz, suspende provisoriamente a tramitação do processo penal e determina a sujeição do arguido a regras de comportamento ou injunções durante um determinado período de tempo.
VI. Na verdade, o instituto da SPP, em conformidade com o douto Acórdão do STJ, de 13/02/08, resulta que através da Lei n.º 48/2007, o legislador acentuou a natureza de poder-dever conferido pela norma do n.º 1 do art.º 281º do CPP ao Ministério Público – e na instrução ao JIC – ao substituir a expressão "pode (...) decidir-se (...) pela suspensão do processo" por esta outra, claramente impositiva: "oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina (...) a suspensão do processo”. Pretendeu-se afastar a interpretação de que "o pode decidir-se" constituía uma mera faculdade concedida ao Ministério Público a usar discricionariamente e afirmar a interpretação de que verificados os respetivos pressupostos, se impunha ao Ministério Público a suspensão provisória do processo.
VII. O arguido e o assistente podem, pois, pedir hoje ao Ministério Público ou ao juiz de instrução a suspensão provisória do processo, a qual não pode deixar de ser determinada, se se verificarem os respetivos pressupostos.
VIII. O instituto da suspensão provisória do processo é uma manifestação dos princípios da diversão, informalidade, cooperação, celeridade processual, princípios estes que assumem uma importância crescente no processo penal, com o objetivo de, sempre que possível, deve evitar-se os julgamentos com eventuais efeitos socialmente estigmatizantes e penas potencialmente criminógenas.
IX. Por outras palavras, a suspensão provisória do processo é uma medida de “diversão com intervenção”, sendo expressão do princípio da oportunidade, entendido este como “uma liberdade de apreciação do MP relativamente à decisão de acusar apesar de estarem reunidos os pressupostos legais (gerais) [do dito dever]” (Pedro Caeiro, «Legalidade e oportunidade: a perseguição penal entre o mito da “justiça absoluta” e o fetiche da “gestão eficiente” do sistema»), mas essa liberdade de apreciação do Ministério Público está sujeita, ainda assim, ao princípio da legalidade, embora este se encontre limitado pelo princípio da oportunidade “sendo os tópicos político-criminais os da intervenção mínima, da não estigmatização do agente, do consenso e da economia processual” (Pedro Caeiro, ob. cit.).
X. Pelo exposto, decorre que, conforme supra afirmado, deveria ter sido determinada a suspensão provisória do processo.
XI. Na determinação concreta da pena de multa, e nos termos dos artigos 47º, n.º 1 e 71º, n.os 1 e 2 do Código Penal, há que considerar as necessidades de prevenção geral e especial e a culpa do agente, sendo que a reação criminal ao facto ilícito nunca poderá ultrapassar a medida desta culpa.
XII. In casu, haveria que considerar que o grau de ilicitude do facto assume uma intensidade baixa ou média, sendo que a arguida não interveio em qualquer sinistro estradal. E, haveria que considerar, ainda, a seu favor o facto de não ter quaisquer antecedentes criminais. Importava, ainda, atender à idade da arguida e à circunstância de a mesma ser estudante, vivendo completamente dependente dos seus pais.
XIII. Razão pela qual, tudo ponderado, nunca deveria o Tribunal a quo ter aplicado uma pena de multa que excedesse os mínimos legais admissíveis, isto é, os 10 (dez) dias à taxa diária de 5,00€ (cinco euros).
XIV. Quanto à pena acessória de inibição de conduzir, no que se refere ao seu doseamento, dever-se-ia ter tido em conta, essencialmente, o valor da taxa de álcool no sangue, a natureza do veículo que conduzia e o consequente perigo resultante da sua condução e, ainda, a circunstância de não ter sido interveniente em qualquer acidente de viação. Tudo a apontar para que o Tribunal a quo deveria ter fixado no limite mínimo, em 3 (três) meses, a proibição de conduzir.
XV. O que se mostrou comprovado pelas declarações da única testemunha ouvida, o Senhor Agente da PSP, que afirmou que a arguida foi intercetada num semáforo ao deixar o carro “ir abaixo” e que se mostrou bastante cooperante, afirmando, desde logo, que tinha ingerido bebidas alcoólicas, em pouca quantidade.
XVI. E, bem assim, que tinha carta há apenas uma semana, o que fazia com que a sua condução não se mostrasse de pessoa experiente e que, evidentemente, ainda tinha algumas dificuldades, podendo, tal como aconteceu, deixar o carro “ir abaixo”.
Nestes termos, e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V.as Ex.as que, desde já, se invoca e agradece, deve ser revogada a douta sentença recorrida e, em consequência, ser substituída por outra que determine a suspensão provisória do processo.
Se assim não se entender, deve ser revogada a douta sentença recorrida e, em consequência, ser substituída por outra que aplique a pena de 10 (dez) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), num montante total de 50,00€ (cinquenta euros) e a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados durante o período de 3 (três) meses “.
*
O recurso foi admitido em 07/07/2023.
*
A este recurso respondeu o Ministério Público em 13/07/2023, pugnando pela sua improcedência, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
1. Nos termos do artigo 281º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “Se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a
requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos: a) Concordância do arguido e do assistente; b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza; c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza; d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento; e) Ausência de um grau de culpa elevado; e f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir”.
2. No que concerne ao grau de culpa da arguida, é de salientar, a ausência de motivo, o dolo com que praticou o ilícito e a frequência com que este tipo de na comarca, a acrescer a taxa de álcool no sangue que era portadora, de pelo menos 2,171g/l talão, concluindo-se que o grau de culpa da arguida é elevado.
3. Por outro lado, a hora a que a arguida conduzia, 06h00m, aliado aos efeitos do álcool no sangue, fazendo com que os reflexos da condução da arguida estejam necessariamente diminuídos, bem como o inerente cansaço, sendo também de relevar o elevado número de acidentes de viação em que os condutores possuem níveis de álcool no sangue superiores ao legalmente permitidos que se verificam nesta comarca, cotejado com o fato de a arguida se encontrar no período probatório, levam-nos a concluir que a suspensão provisória do processo neste caso nunca seria suficiente para acautelar as exigências de prevenção geral ou especial que são elevadas, motivo pelo qual não lhe foi proposta.
4. Na verdade, como se referiu, a prática de crimes como o ora em apreço é muito frequente na comarca e as exigências de prevenção geral (de integração) não se satisfazem, a nosso ver, com uma qualquer injunção que se pudesse propor. Mais, a ressocialização da arguida que tem que ser atingida passará pela sujeição da mesma ao contacto “directo” com o Tribunal, a fim de a arguida ter uma maior consciencialização da gravidade do ocorrido (satisfazendo-se, nesta medida, também as exigências de prevenção especial).
5. Por tal motivo, não foi proposta à arguida a suspensão provisória do processo e foi deduzida acusação, por não se encontrarem reunidos os pressupostos das alíneas a), e) e f) do citado artigo.
6. Contudo, sempre se dirá que em nenhum momento a arguida peticionou a aplicação de tal instituto dando a sua concordância pessoal com a aplicação do mesmo, o que se impunha nos legais termos.
7. Na verdade, a arguida nunca compareceu; faltou no dia 23 de janeiro de 2023, voltou a faltar no dia 6 de fevereiro de 2023, faltou novamente em 2 de maio de 2023 e mais uma vez faltou em 13 de junho de 2023, sendo julgada na ausência, demonstrando um claro desrespeito para com a realização da justiça e com o seu processo.
8. Conforme se referiu não se encontrando reunidos os pressupostos que pudessem determinar a aplicação da suspensão provisória do processo, desde logo, pela total ausência da arguida, conjugado com o explanado nunca a arguida poderia beneficiar do instituto de suspensão provisória do processo, devendo improceder o peticionado pela arguida nesta parte.
9. Por outro lado, refere o artigo 292º, do Código Penal que: "Quem, pelo menos com negligência, conduzir veiculo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gl, e punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
10. O legislador ao fixar a moldura penal abstrata valora os bens jurídicos que são postos em perigo com a violação de determinada norma penal, atendendo ao bem jurídico violado e à sua ressonância ético-social.
11. Posteriormente, é tarefa do julgador, face a uma violação da norma penal, encontrar o quantum exato da pena a aplicar.
12. Como se sabe, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos, a defesa da sociedade e a reintegração social do agente.
13. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, que continua a constituir, não o fundamento, mas um dos fundamentos irrenunciáveis da aplicação de qualquer pena - cfr. artigo 40º, n.os 1 e 2, do Código Penal.
14. Deste modo, os critérios legais de fixação da medida da pena a aplicar a cada caso, submetido a julgamento, são a culpa (num primeiro momento) e a prevenção (na fase subsequente, mas ao mesmo nível, consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa).
15. Ora, a arguida conduzia o veículo nas circunstâncias dadas como provadas, e não impugnadas, com uma TAS de 2,36 g/l, após a dedução do erro máximo admissível a TAS da arguida é de pelo menos 2,171 g/l, tendo o seu título de condução sido emitido recentemente, encontrando-se no período probatório, a hora em que conduzia, não podendo ser outra a pena aplicada pela Mma. Juiz aquando da graduação do número de dias, sendo setenta um número mínimo para o caso, a fim de serem acauteladas as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir e que são elevadas.
16. A culpa da arguida situa-se no patamar máximo, de dolo direto.
17. Fixada a pena de multa em setenta dias decidiu-se fixar cada dia de multa na quantia de €6,00.
18. Também quanto a este aspeto a decisão da Mma. Juiz a quo não é suscetível de crítica.
19. O Tribunal fixa o montante diário da pena de multa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
20. O Prof. Figueiredo Dias, citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/06/96, CJ, Tomo III, pág. 56 e seguintes, propõe o chamado critério de retirada ou da diminuição, segundo o qual o juiz deveria calcular a quantia que, em cada dia, o agente pode economizar, ou que lhe pode ser retirada sem dano para os gastos indispensáveis.
21. Na fixação do montante diário da pena de multa deve o juiz ter em conta critérios de razoabilidade e exigibilidade, devendo ser sempre assegurado ao condenado o nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio económicas.
22. Assim, atentos os factos dados como provados afigura-se-nos que aquele quantum de €6,00 diário, mínimo legal é o adequado.
23. Nestes termos, considera-se que a douta decisão recorrida obedeceu aos princípios da culpa, proporcionalidade, tipicidade e necessidade, encontrando-se fundamentada e não merecendo qualquer reparo na pena de multa aplicada.
24. Referindo-se à pena acessória prevista no artigo 69º, do Código Penal, refere o Prof. Figueiredo Dias o seguinte: “Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável. Uma tal pena – possuidora de uma moldura penal específica – só não teria lugar quando o agente devesse sofrer, pelo mesmo facto, uma medida de segurança de interdição da faculdade de conduzir, sob a forma de cassação da licença de condução ou de interdição da sua concessão.
25. No caso em apreço e tendo em conta a concreta TAS de que a recorrente era portadora (de pelo menos 2,171 g/l) e estando-se, por conseguinte, perante a forma mais grave da culpa, dolo, e perante uma atuação da recorrente completamente alheia tanto ao respeito pelas regras de segurança da circulação rodoviária como perante o perigo que criou para a vida e integridade física próprias e de terceiros. A pena acessória de inibição de conduzir pelo prazo de cinco meses, é o mínimo para a satisfação das exigências de prevenção especial, tendo sido ponderado pelo Mmo. Juiz, a hora em que conduziu e as circunstâncias em que o fez.
26. Em termos de prevenção geral as exigências são muito elevadas, dado a alta sinistralidade existente e o número de crimes desta natureza que se verificam.
27. Da análise dos autos, resulta, que a arguida não compareceu, sendo os factos dados como provados atentas as declarações prestadas pelo Agente detentor e prova documental junta aos autos.
28. Ora, a pena acessória em causa só deve ser aplicada na medida necessária à reintegração do recorrente na sociedade, visando a recuperação do seu comportamento enquanto condutor, mediante a simples intuição dos princípios dominantes do tecido social em que se insere e que, no caso em apreciação, têm a ver, sobretudo, com a segurança do trânsito rodoviário.
29. Assim, tal pena deverá causar-lhe apenas o mal necessário e não lhe afetar, em grau desmesurado, legítimas expectativas humanas que perpassam, obviamente, pela satisfação de necessidades próprias, sob pena de se estarem a infringir direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.
30. É certo que a carta assume relevante importância relativamente à situação profissional e pessoal da arguida recorrente.
31. Contudo, não pode deixar de se ter em conta a enorme insensibilidade e aparente indiferença da arguida no que concerne aos danos que a direção de veículos sob o efeito de tamanha quantidade de álcool é suscetível de causar nela própria e nos demais utentes da via pública.
32. Daí que perante semelhantes comportamentos se imponha o uso de medidas sancionatórias persuasivas de que os Tribunais podem e, sobretudo, têm, forçosamente, de lançar mão, sob pena de poderem eles próprios estar, também, a contribuir para a elevada sinistralidade rodoviária que ocorre nas estradas do nosso país.
33. Por conseguinte, atendendo a todo o circunstancialismo fáctico dado como assente com o direito aplicável, entendemos que não assiste razão à arguida recorrente, na medida em que se considera necessária, adequada, proporcional e suficiente a pena acessória aplicada, nos termos em que o foi.
34. Assim é nosso entendimento que o recurso interposto deve improceder na sua totalidade, mantendo-se a decisão recorrida, considerando-se que a douta decisão recorrida obedeceu aos princípios da culpa, proporcionalidade, tipicidade e necessidade “.
*
Nesta Relação, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta, em 22/09/2023, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, declarando aderir à resposta do Ministério Público junto da 1ª Instância.
*
Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do Cód. de Processo Penal, não tendo havido resposta.
*
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
É pacífico na doutrina([1]) e na jurisprudência([2]), que o âmbito do recurso se delimita pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer ( deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º nº 2 ou os vícios da sentença previstos no art. 379º, ambos do CPP ) – cfr. art. 412º nº 1 do CPP e Ac. do STJ nº 7/95 de 19/10/95, publicado no D.R., I - Série-A, de 28/12/95 – podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada ( cfr. art. 410º nº 3 do CPP )([3]).
Da leitura das conclusões do recorrente, retiram-se as seguintes questões a submeter à apreciação deste Tribunal:
saber se deveria ter sido determinada a suspensão provisória do processo por estarem reunidos os respetivos pressupostos legais;
saber se as penas principal e acessória aplicadas, devem ser reduzidas ao respetivo limite mínimo legal.
*
A sentença recorrida, após audição, tem o seguinte teor (transcrição parcial):
Factos Provados.
1. Factos provados são os que constam da acusação que está deduzida no processo.
(No dia 21/1/23, pelas 03.05h., na Praça ..., nesta cidade, a arguida conduziu na via pública, em plena faixa de rodagem, o veículo automóvel de matrícula .. - .. - OC, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,171 gramas por litro de sangue - após erro máximo admissível correspondente a uma TAS de 2,36 registada em talão próprio emitido pelo aparelho discriminado a fls. 8/v. - após ter ingerido elevada quantidade de bebidas alcoólicas.

A arguida sabia que a sua taxa de álcool no sangue, em consequência da quantidade de bebidas alcoólicas que ingeriu, era equivalente à sobredita; e que a mesma causava diminuição tal dos seus reflexos e capacidade de reacção que a impossibilitava de empreender uma condução segura, para si e para terceiras pessoas em circulação na via pública.
A arguida estava ciente que a lei lhe vedava a condução de veículos automóveis em tais circunstâncias.
Agiu livre, consciente e deliberadamente.
Sabia que a sua conduta era proibida por lei).
2. Provou-se ainda que a arguida não tem antecedentes criminais.
*
Factos Não Provados
Não os há.
*

II - Convicção do Tribunal sobre a matéria de facto.
O Tribunal fundou a sua convicção no Auto de Notícia de fls. 7, no talão do aparelho Drager de fls. 11, no CRC de fls. 18, bem como no depoimento da testemunha de acusação, agente da PSP BB, que depôs de forma segura, isenta e coerente, confirmando na íntegra os factos constantes da acusação, esclarecendo ainda que identificou a arguida com recurso ao respetivo cartão de cidadão e carta de condução.
*
III - Fundamentação de Direito
À arguida é imputada a prática de crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º nº 1 e 69º nº 1 a) do Código Penal, com pena de prisão até 1 (um) ano ou com pena de multa até 120 dias e ainda com pena acessória de proibição de conduzir entre 3 meses e 3 anos.
Os factos provados integram os elementos objetivo e subjetivo deste crime, não ocorrendo qualquer causa que possa excluir a ilicitude ou a culpa.
*
Na fundamentação da espécie e medida da pena e, ainda, da sanção acessória fez-se constar o seguinte:
Sendo a arguida primária, opta-se pela aplicação da pena de multa que realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição nos termos do disposto no art. 70º do Código Penal.

Na determinação da medida concreta desta pena deve atender-se à culpa da arguida que agiu com dolo direto, ao grau de ilicitude do facto que é elevado atenta da TAS de 2,17 gr/l, também às exigências de prevenção geral igualmente elevadas face ao elevado índice de sinistralidade nas nossas estradas e à frequência com que este tipo de crime é cometido.
Devem considerar-se também as exigências de prevenção especial e, neste aspeto, mais concretamente o facto de a arguida ser primária, tudo nos termos do disposto no art. 71º do Código Penal.
Tudo ponderado, o Tribunal tem por adequada a pena de 70 dias de multa.
A cada dia de multa corresponderá a quantia de €6,00, uma vez que se desconhece em concreto a situação económica da arguida.
E finalmente, nos termos do disposto no art. 69º nº 1 a) do Código Penal e ponderando-se novamente todos os fatores atrás referidos relativamente à determinação da medida da pena principal, condena-se a arguida na pena acessória de proibição de conduzi veículos motorizados num período de 05 meses.
*
IV- Decisão.
Pelo exposto, decide-se julgar a acusação procedente por provada e, em consequência:
1. Condenar a arguida AA, pela prática, em 21.01.2023, de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de €420,00 (quatrocentos e vinte euros);
2. Nos termos do disposto no artº 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, condenar a arguida na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados durante o período de 5 (cinco) meses, ficando esta obrigada a entregar a carta de condução, no prazo de dez dias a contar do trânsito desta sentença, na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial (arts. 69º, nºs 2 e 3 do Cód. Penal e 500º nº 2 do Cód. de Processo Penal), sob pena de, não o fazendo em tal prazo, cometer um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, nº 1, al. b) do Cód. Penal (cfr. Acordão para fixação de jurisprudência com o nº 2/2013, do STJ);
3. Condenar a arguida nas custas do processo que compreendem 2 UC de taxa de justiça e demais encargos com o processo (arts. 513º, nº 1 do CPP e 3º, nº 1, 8º, nº 9 e Tabela III do RCP).
*
Notifique, sendo a arguida pessoalmente, através da entidade policial competente.
Após trânsito em julgado da sentença, comunique à ANSR e ao IMT a proibição de conduzir (arts. 69º, nº 3 do Cód. Penal e 500º nº 1 do Cód. de Processo Penal) e remeta boletim à DSIC “.
*
Com interesse para a apreciação do recurso importa ter ainda presentes os seguintes elementos factuais/ocorrências processuais que constam dos autos:
1) Em 21/01/2023 a arguida foi detida em flagrante delito por ter sido presenciada pelos OPC, pelas 03.05 horas na Praça ..., no Porto, a conduzir o veículo automóvel ligeiro de mercadorias da marca Ford, com matrícula ..-..-OC, com uma TAS registada de 2.36 g/l, correspondente à TAS de 2.171 g/l, deduzido o erro máximo admissível, conforme talão nº ...62 do aparelho Alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MKIII P ARMA-0024, devidamente calibrado;
2) Tendo ainda sido a arguida notificada pelo OPC, no mesmo ato, para comparecer no tribunal no dia 23/01/2023 pelas 10.00 horas, para ser julgada;
3) AA foi constituída na qualidade de arguida no mesmo dia 21/01/2023, pelas 04.21 horas, tendo prescindido de contactar com o defensor;
4) Tendo prestado TIR na mesma ocasião;
5) No dia 23/01/2023 pelas 10.00 horas, a arguida não compareceu no tribunal (referência 444484428);
6) A defensora da arguida na mesma data declarou pretender exercer o direito ao prazo para preparação da defesa, até 15 dias (referência 444484582);
7) No (mesmo) dia 23/01/2023, o Ministério Público proferiu despacho de acusação contra a arguida em processo especial sumário, para julgamento, pela prática de factos que em seu entender integram um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º nº 1 e 69º nº 1 a), ambos do Cód. Penal (referência 444467167);
8) No mesmo dia 23/01/2023 foi ainda a arguida notificada por via postal simples para comparecer no dia 07/02/2023, pelas 10h20m, com as legais cominações, para julgamento em processo sumário e informada da nomeação de defensora e dos respetivos contactos (referência 444485054);
9) Em 26/01/2023 foram os autos remetidos para a fase do julgamento (referência 444667132);
10) Por despacho proferido em 02/02/2023, foi recebida a acusação pública e designado para julgamento o dia 07/02/2023 pelas 10.20 horas, no Juízo de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz 2 (444861707);
11) No dia 05/02/2023 a arguida apresentou um requerimento subscrito pela defensora nomeada para justificação da falta de comparência ao julgamento por ser estudante e ter um teste da disciplina de Português no mesmo dia e hora agendados para a realização do julgamento, requerendo o seu adiamento e subsidiariamente, autorizando que o julgamento se realize sem a sua presença;
12) No dia 07/02/2023, pelas 10.20 horas, aberta a audiência, na qual estava presente a defensora da arguida e não ter sido até ao momento junto aos autos o comprovativo da notificação da arguida, a Sra. Juiz adiou o julgamento para o dia 09/02/2023 pelas 15.00 horas (referência 445085314);
13) No dia 10/02/2023, a Sra. Juiz exarou nos autos despacho do seguinte teor: “Nos termos do artigo 387º, nº 2, c) do Código de Processo Penal, “O início da audiência também pode ter lugar até ao limite de 20 dias após a detenção, sempre que o arguido tiver requerido prazo para preparação da sua defesa ou o Ministério Público julgar necessária a realização de diligências essenciais à descoberta da verdade”. Não foi possível a realização do julgamento devido à greve dos Senhores Funcionários Judiciais na data designada. Mostrando-se agora esgotados os prazos para a realização do julgamento sob a forma de processo sumário, determino a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Público para tramitação sob outra forma processual, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 387º, nº 1 c) e 390º, nº 1, a) do Código de Processo Penal. Notifique. Dê baixa “(referência 445258096);
14) Pela secretaria judicial foi expedida notificação do despacho que antecede para a defensora nomeada à arguida (referência 445282241);
15) (Só) em 24/03/2023 o MºPº proferiu acusação contra a arguida para o efeito de submissão a julgamento em processo abreviado pela prática de factos que, em seu entender, integram um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º nº 1 e 69º nº 1 a), ambos do Cód. Penal (referência 446313084);
16) Em 27/03/2023 a secretaria judicial expediu notificação desta decisão para a morada da arguida por via postal simples com prova de depósito (referência 446885853);
17) E expediu notificação do mesmo despacho do MºPº para a defensora nomeada à arguida (referência 446886220);
18) Na mesma data foram os autos remetidos para a fase do julgamento (referência 446886649);
19) Por decisão de 30/03/2023, a Sra. Juiz recebeu a acusação do MºPº e designou para a realização do julgamento o dia 02/05/2023 pelas 09.15 horas ou, o dia 04/05/2023 pelas 14.45 horas (referência 447016477);
20) A arguida faltou à audiência de julgamento e, por estar devidamente notificada, foi condenada no pagamento da quantia de 2 UC nos termos do art. 116º do CPP (referência 447923968);
21) Por motivo de adesão à greve por parte dos Srs. Funcionários Judiciais e na impossibilidade de se realizar o julgamento aprazado na segunda data aprazada para o efeito (04/05/2023), no dia 11/05/2023 a Sra. Juiz designou os dias 30 de Maio de 2023, pelas 09H00M, ou em alternativa, 01/06/2023 pelas 13H30M, para a realização do julgamento (referência 448221560);
22) Por motivo de impedimento da defensora da arguida, a realização do julgamento foi adiada para os dias 06/06/2023 pelas 09.00 horas ou em alternativa, 08/06/2023 pelas 13.30 horas (referência 448379738);
23) A arguida não compareceu à audiência de julgamento que se realizou no dia 13/06/2023, para a qual estava devidamente notificada, tendo sido condenada no pagamento de 2 UC pela falta injustificada (referência 449375434).
*
Análise do mérito do recurso.
1ª questão: saber se deveria ter sido determinada a suspensão provisória do processo por estarem reunidos os respetivos pressupostos legais.
A recorrente defende que deveria ter-lhe sido aplicado o instituto da suspensão provisória do processo, com imposição de injunções e regras de conduta, por entender que estão reunidos todos os pressupostos legais para a sua determinação.
Afirma que não teve hipótese de concordar com a SPP por terem sido as diligências dos presentes autos adiadas constantemente devido à greve dos Srs. Funcionários Judiciais, chegando ao ponto de já não ser sequer possível a sua tramitação como processo sumário.
Decidindo.
Do elenco das ocorrências processuais supra transcrito, logo se pode constatar que não assiste razão à recorrente quanto ao motivo que indica para não ter sido alvo de uma decisão/despacho-proposta do MºPº para suspensão provisória do processo com aplicação de injunções e regras de conduta.
E o tratamento desta questão pressupõe a resolução da questão prévia de saber qual é o momento processual adequado para a sua apreciação e de saber quem é a autoridade judiciária competente para sobre ela se pronunciar, face à estrutura acusatória do processo penal português constitucionalmente consagrada no art. 32º nº 5 («O processo criminal tem estrutura acusatória (…)»).
A estrutura acusatória (mitigada por um princípio oficioso de investigação – cfr. art. 340º do CPP - dentro do objeto do processo previamente definido pela acusação ou pela decisão de pronúncia) significa, no plano material que quem acusa não julga, devendo ainda ser entidades diferentes o juiz que dirige a fase processual da instrução e o juiz do julgamento.
Por sua vez a atuação do MºPº, única entidade a quem cabe o exercício da ação penal, rege-se de acordo com o principio da legalidade ( cfr. art. 219º nº 1 da CRP: «Ao Ministério Público compete (…) exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade (…)».).

Decorre de tal princípio os seguintes deveres para o MºPº: o dever de investigar, abrindo inquérito sempre que tenha notícia de um crime (art. 262º nº 2 do CPP) e o dever de deduzir acusação, sempre que obtenha indícios suficientes de que determinada pessoa foi o autor do crime (cfr. art. 283º nº 1 do CPP).
A opção pela aplicação do instituto da suspensão provisória do processo é uma forma de exercício da ação penal pelo MºPº e de encerrar o inquérito, enquanto solução de consenso (por pressupor o acordo do arguido, por vezes do assistente e sempre do JIC) para a proteção do bem jurídico violado e a reintegração do agente na sociedade nos casos de pequena e média criminalidade, impondo a lei ao MºPº o poder-dever de suspender o processo em vez de acusar, quando obtém indícios suficientes da prática do crime e da pessoa do seu autor e se verifique o preenchimento de todos os requisitos cumulativos das alíneas do nº 1 do art. 281º do CPP, sujeitando o arguido a injunções ou regras de conduta durante determinado intervalo de tempo, obtida que seja a concordância do arguido e do juiz de instrução ( e também do assistente no caso dos crimes particulares), prescrevendo-se no art. 281º nº 1 do CPP que se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido (…) determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo (…).
No processo comum, se o MºPº deduz acusação nos casos em que seria admissível a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, só o arguido pode opor-se a esta decisão requerendo a abertura de instrução (por se tratar de uma situação em que haverá «razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação» – cfr. art. 287° n° 2, do CPP), com vista a obter a sua aplicação desde que haja concordância do MºPº (art. 307º nº 2 do CPP) e, cumpridas que se mostrem as injunções e/ou regras de conduta, poderá no final, ser alvo de uma decisão de não pronúncia.
Os presentes autos inicialmente foram tramitados na forma de processo sumário.
Nas formas de processos especiais não há lugar a instrução – cfr. art. 286º nº 3 do CPP.

A arguida não compareceu no tribunal no dia 23/01/2023 pelas 10.00 horas, apesar de ter sido para tal devidamente notificada pelos OPC no dia 21/01/2023.
Mas a defensora nomeada tendo estado presente, requereu prazo para o exercício do direito de defesa – cfr. art. 382º nºs 3 e 5 do CPP.
Porém, podendo tê-lo feito, não requereu a aplicação de suspensão provisória do processo. O art. 63º nº 1 do CPP dispõe que “O defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este”. O que significa que não o requerimento para a aplicação de SPP, mas apenas a concordância livre e esclarecida da arguida com o instituto e o seu alcance, a sua duração e com as injunções/regras de conduta que concretamente lhe irão ser aplicadas, por ser um ato pessoal, teria que ser dada por esta, por escrito ou (pessoalmente) perante o magistrado do MºPº em interrogatório sumário (cfr. art. 143º do CPP), mesmo sem a presença da defensora.
O MºPº deduziu acusação em processo sumário contra a arguida no dia 23/01/2023.
No processo especial sumário, é admissível a aplicação do instituto previsto no art. 281º do CPP, prevendo-se no nº 1 do art. 384º que “1 - Nos casos em que se verifiquem os pressupostos a que aludem os artigos (…) 281.º, o Ministério Público, oficiosamente ou mediante requerimento do arguido (…), determina, com a concordância do juiz de instrução, (…) a suspensão provisória do processo”.
A possibilidade de ao arguido em processo sumário poder ser-lhe aplicada uma suspensão provisória do processo ocorre apenas antes da fase judicial, a qual se inicia com o despacho judicial que recebe os autos do MºPº e determina data para julgamento – cfr. art. 386º nº 1 do CPP.
O mesmo sucede no processo especial abreviado, prevendo-se a aplicação de suspensão provisória do processo no art. 391º-B nº 4 do CPP.
Nestas duas formas de processo especial, estando vedado ao arguido requerer a abertura de instrução – cfr. art. 286º nº 3 do CPP – a única possibilidade de ele vir a beneficiar da aplicação do referido instituto é a de, à cautela, ele próprio o requerer ao MºPº antes da dedução de acusação, sendo sempre o titular da ação penal o competente para apreciar e decidir e, na verificação cumulativa dos pressupostos previstos nas várias alíneas do nº 1 do art. 281º do CPP, fazer desencadear a intervenção do juiz de instrução, que fica confinada à homologação, ou não, do despacho-proposta do MºPº ( cfr. art. 384º:” 1 - Nos casos em que se verifiquem os pressupostos a que aludem os artigos (…) 281º, o Ministério Público, (…) mediante requerimento do arguido (…), determina, com a concordância do juiz de instrução, (…) a suspensão provisória do processo”; art. 391º-B nº 4: “É correspondentemente aplicável em processo abreviado o disposto nos artigos 280º a 282º”). Chegado o dia 10/02/2023 sem que tivesse sido possível realizar o julgamento em processo sumário, a Sra. Juiz determinou a remessa dos autos aos serviços do MºPº para tramitação sob outra forma processual nos termos dos arts. 387º nº 1 c) e 390º nº 1 a) do CPP. Na mesma data, pela secretaria judicial foi expedida notificação deste despacho para a defensora nomeada à arguida (referência 445282241), do qual se considera notificada em 13/02/2023.
Apenas em 24/03/2023 o MºPº proferiu acusação contra a arguida em processo abreviado.
Durante o referido intervalo de tempo, teve a arguida, tecnicamente assistida pela defensora nomeada, a possibilidade de requerer a aplicação de suspensão provisória do processo no art. 391º-B nº 4 do CPP, nada tendo feito.
Inclusive quer na audiência de julgamento em processo sumário - no dia 07/02/2023 - que não se chegou a realizar por não estar comprovada a notificação da arguida, quer na audiência de julgamento em processo abreviado, apesar de serem ambos momentos processuais inadequados para o efeito, por intempestivos, a arguida, assistida pela defensora nomeada, sequer suscitou a questão da aplicação de suspensão provisória de processo, e bem, pois como decidiu o Ac. da R.C. de 01/06/2011([4]), “2. O instituto da suspensão provisória do processo é uma demonstração no processo penal do princípio da oportunidade efectuado pelo Magistrado titular do inquérito.
3. Como tal, a sua não aplicação (independentemente dos argumentos invocados) não é sindicável pelo juiz de julgamento, nem consubstancia qualquer nulidade ou irregularidade do processo “, vindo apenas a fazê-lo na fase de recurso da sentença.
Antes da entrada em vigor da Lei nº 20/2013 de 21/02, que deu nova redação aos nºs 1 a 3 do art. 384º do CPP, ou seja, ainda no domínio da Lei nº 26/2010 de 20/08, o nº 1 do art. 384º do CPP permitia, até ao início da audiência, ou seja, até ao momento da discussão das questões prévias previsto no art. 338º, por iniciativa do tribunal ou a requerimento do MºPº, do arguido ou do assistente, a aplicação de suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução.
Todavia, a partir de 23/03/2013, com a entrada em vigor da Lei nº 20/2013 de 21/02, deixou de existir uma tal possibilidade, passando a incumbir apenas ao MºPº (por ser o titular da ação penal e a entidade que dirige o inquérito, cfr. arts. 219º nº 1 da CRP e 53º nº 2 b), 389º nº 1 e 391º-B nº 1nºs 1 a 3, do CPP) determinar a suspensão provisória do processo oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, com a concordância do juiz de instrução – cfr. arts. 384º nºs 1 e 2 e 391º-B nº 4 do CPP.
Como se salienta no Ac. da R.G. de 19/01/2009([5]), “Conforme resulta do nº 4 do art. 391º-B do CPP, em processo abreviado pode ter lugar a suspensão provisória do processo. O art. 281º do CPP, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, veio permitir que a suspensão provisória do processo seja aplicada a requerimento do arguido ou do assistente. A suspensão provisória do processo é uma alternativa à dedução da acusação e, por isso, é decidida pelo Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução (art. 281º). O requerimento deve, por conseguinte, ser formulado antes de ser deduzida acusação “ – destacado e sublinhados da nossa autoria.
Em sentido concordante decidiu o Ac. da R.L. de 05/12/2021([6]) dizendo que “Como expressamente decorre do disposto no art. 384º do CPP, nada obsta a que, mesmo em processo sumário, possa haver lugar ao instituto da suspensão provisória do processo regulado no artigo 281º, verificados que estejam os pressupostos de que depende a sua aplicação. II – Por outro lado, e muito embora seja ao Ministério Público, como titular da ação penal, que caiba, em regra, o poder de iniciativa nesta matéria, nada obsta também a que essa iniciativa possa provir de requerimento do próprio arguido, sendo certo que será sempre o MºPº a apreciar e a decidir, obtida a concordância do juiz de instrução e, se for caso disso, também, do assistente” – sublinhado e destacado nosso.
Ainda para o Ac. da R.L. de 23/03/2023([7]), “I – A suspensão provisória do processo está sempre confinada às fases processuais anteriores à sentencial. II – Apesar de o processo abreviado não comportar a fase da instrução, continua a ser inadmissível a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo na fase judicial “e a dado passo pode ler-se no texto do citado aresto que “…o instituto da suspensão provisória do processo está reservado às fases processuais anteriores à sentencial, quer seja na forma de processos comum, quer nas especiais “.
Isto mesmo resulta da inserção sistemática das normas dos arts. 384º e que tem por epígrafe «Arquivamento ou suspensão do processo» e 391º-Bº sob a epígrafe «Acusação, arquivamento e suspensão do processo», em momento anterior às normas respeitantes ao julgamento e à sentença nos processos sumário e abreviado respetivamente – cfr. arts. 386º, 391ºC e 391º-E, todas do CPP.
Assim, na forma de processo especial abreviado face ao auto de notícia ou após realizar inquérito sumário, o MºPº pode tomar uma das seguintes decisões: arquivar o processo em caso de dispensa de pena nos termos dos arts. 280º e 391º-B nº 4 do CPP; suspender provisoriamente o processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta nos termos dos arts. 281º, 282º e 391º-B nº 4 do CPP; deduzir acusação se estiverem reunidos todos os pressupostos previstos no art. 391º-A do CPP.

Depois de deduzida a acusação pelo MºPº e recebidos os autos, o juiz pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer – cfr. arts. 311º nº 1 e 391º-C nº 1 do CPP. Se não rejeitar a acusação, o juiz designa dia para a realização da audiência, a qual deve ter precedência sobre outros julgamentos em processo comum – cfr. arts. 311º nºs 2 a) e 3 e 391º-C nº 2 do CPP.
De modo que no processo abreviado não tendo a arguida evitado o julgamento requerendo a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo ao MºPº antes de este ter deduzido acusação, tanto mais que teve a efetiva possibilidade de constatar que na tramitação anterior do processo sob a forma sumária o MºPº não determinou a aplicação do referido instituto ( o que pode ser entendido como uma implícita tomada de posição no sentido de não aplicar o instituto da suspensão provisória do processo([8])), sibi imputed, não tendo qualquer cabimento vir suscitar tal questão na fase de recurso da sentença exatamente pelas mesmas razões acima expostas, acrescendo que o recurso é um meio de impugnação da decisão judicial destinado a eliminar os defeitos da decisão injusta ou inválida ainda não transitada em julgado por outro tribunal hierarquicamente superior, sendo por decorrência, o seu objeto, (um)a decisão judicial sobre questão(ões) que foi(ram) conhecida(s) em 1ª Instância([9]).
Concluindo, não cabe na fase do recurso da sentença proferida em processo abreviado, averiguar e decidir se o MºPº antes de remeter o processo para a fase do julgamento, deveria oficiosamente ter suspendido provisoriamente o processo aplicando à arguida injunções e/ou regras de conduta, por alegada verificação cumulativa dos pressupostos previstos no art. 281º nº 1 do CPP.
Improcede pelo exposto, este primeiro fundamento do recurso.
*
2ª questão: saber se as penas principal e acessória aplicadas, devem ser reduzidas ao respetivo limite mínimo legal.
A recorrente defende que o Tribunal a quo devia ter-lhe aplicado uma pena de multa que não excedesse o limite mínimo legal de 10 (dez) dias à taxa diária de €5,00 (cinco euros) atendendo ao grau de ilicitude do facto que, em seu entender, assume uma intensidade baixa ou média, à circunstância de a arguida não ter sido interveniente em qualquer sinistro estradal, não ter quaisquer antecedentes criminais, à sua idade, á circunstância de ser estudante e viver completamente dependente dos seus pais.
No que respeita à pena acessória de inibição de conduzir considera que deveria ter-se tido em conta o valor da TAS, a natureza do veículo que conduzia e o perigo resultante da sua condução e a circunstância de a arguida não ter sido interveniente em qualquer acidente de viação, o que tudo aponta para que o Tribunal a quo a devesse ter fixado no limite mínimo de 3 (três) meses.
Apreciando.
Adianta-se que não assiste razão nenhuma à arguida.
De acordo com o art. 40º do Cód. Penal, as finalidades das penas são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, determinando-se que a culpa constitui o limite inultrapassável da pena.
Como fatores de escolha e graduação da pena concreta há a considerar os parâmetros dos arts. 70º e 71º do Cód. Penal.
O crime praticado pela recorrente AA é punido com pena de prisão de 30 dias até 1 ano ou com pena de multa de 10 até 120 dias – cfr. arts. 41º nº 1, 47º nº 1 e 292º nº 1, todos do Cód. Penal.
No caso concreto o tribunal a quo optou, pela alternativa punitiva não privativa da liberdade da recorrente aplicando-lhe a pena de multa, atendendo à ausência de antecedentes criminais da arguida.
O art. 71º nº 1 do Cód. Penal dispõe que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção “.

De acordo com o seu nº 2 “Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
As circunstâncias atendidas pelo tribunal a quo encontram-se supratranscritas.
A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efetuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares([10]), ou, como se diz no Ac. da R.C. de 12/10/2022([11]), a função do tribunal superior na fiscalização da medida da pena não é tanto a de verificar se o seu quantum é exatamente o correto, mas se a concretização está fundamentada e se a pena encontrada se contém dentro da faixa penal que o próprio tribunal de recurso utilizaria no caso concreto.
Tendo em conta o que ficou transcrito, não logramos descortinar qual o excesso da pena de multa aplicada à recorrente.
O bem jurídico que aqui é imediatamente protegido é a segurança rodoviária, enquanto valor diretamente ligado à tutela de outros relevantes bens jurídicos de natureza eminentemente pessoal e patrimonial de todos quantos utilizam as vias de circulação públicas.
A frequência da condução sob o efeito do álcool revela que o sistema sancionatório não tem funcionado adequadamente, tanto assim que continua a ser uma das infrações que, em termos estatísticos, maior relevo tem nas condenações dos tribunais. Donde combater os elevados índices de sinistralidade rodoviária associados à condução de veículos em estado de embriaguez e as graves consequências a nível pessoal e patrimonial que os mesmos comportam, é uma tarefa que não admite grande margem de contemplação, mormente por omissão do devido sancionamento das condutas criminosas que deliberadamente os colocam em perigo([12]).
Conforme se decidiu no Ac. da R.P. de 29/09/2010([13]), “Importa pôr termo a comportamentos como o do arguido face aos elevados índices de sinistralidade rodoviária com que se defronta o nosso País, nos quais, a condução sob influência de álcool vem tendo uma larga contribuição. A vida e a integridade física dos utentes das vias públicas não podem ficar à mercê de comportamentos criminosos, resistentes a sucessivas campanhas profiláticas. Impõe-se que o direito assuma, dentro do limite da culpa, a sua inestimável função de prevenção geral de intimidação, de modo a contribuir, em medida significativa, para a emenda cívica dos condutores recalcitrantemente imprudentes.
Estas considerações adquirem aqui determinante relevância se se atentar em que o grau de culpa se mostra elevado, por força do dolo direto com que a arguida agiu, conduzindo veículo automóvel (ligeiro de mercadorias), após ter ingerido bebidas alcoólicas; por sua vez a ilicitude revela-se assaz acentuada, considerando que a arguida apresentava uma TAS apurada de, pelo menos, 2,171g/l, ou seja, quase o dobro do mínimo a partir da qual configura crime, deduzida a margem de EMA ao resultado apresentado de 2,36 g/l e que, por outro lado, conduzia um veículo a motor (um veículo ligeiro de mercadorias) que, em abstrato, é dos veículos mais perigosos.
Também não merece acolhimento o argumento invocado da diminuta gravidade do crime cometido pela recorrente pelo facto de não ter sido interveniente em acidente estradal, o que, para além de não constar dos factos provados, não tem relevo por estar em causa crime que não exige a verificação de dano ou de perigo, já que o legislador antecipou a proteção do bem jurídico (segurança da circulação rodoviária) para o momento da condução nas circunstâncias e locais descritos na primeira parte do nº 1 do art. 292º nº 1, bastando a prova da ação típica, em si mesma considerada perigosa.
De igual forma improcedem os argumentos invocados pela recorrente a título de circunstâncias atenuantes: por um lado, não constam dos factos provados (excepto a ausência de antecedentes criminais), sendo por tal motivo, insuscetíveis de apreciação; por outro lado, sempre se dirá que, ainda que o tivessem sido, embora tendo algum relevo, não é especial, como sejam a ausência de antecedentes criminais (já considerada na escolha da natureza da pena principal aplicável), a sua idade, a circunstância de ser estudante e viver na dependência dos seus pais (que não constam do elenco dos factos provados), por tudo se tratar de circunstâncias preexistentes e não terem constituído obstáculo para o cometimento do crime.
Todavia, é premente a necessidade de consciencialização da arguida para o respeito dos valores pessoais e comunitários aqui colocados em crise, assim incentivando o seu esforço de socialização nesse sentido.
Tudo ponderado e considerando a moldura penal abstrata para o ilícito penal cometido pela recorrente, a pena de multa que lhe foi aplicada de modo algum se pode considerar desproporcionada ou desajustada à culpa da arguida. Pelo contrário, fixar-lhe, como pretende, uma pena de multa em medida correspondente ao mínimo legalmente estabelecido (10 dias), seria uma reação, essa sim, absolutamente desajustada à salvaguarda das necessidades de punição impostas. E seria caso para perguntar: então que pena de multa se haveria de aplicar a um agente que circulasse com uma TAS de 1,2 gr/l?
Por último, quanto à taxa diária de multa aplicada (€ 6,00/dia), nada vem alegado, considerando os critérios estabelecidos no nº 2 do art. 47º do Cód. Penal para a fixação do seu quantitativo e que tenha sustento no elenco da matéria de facto provada, a justificar a sua redução para o mínimo legal de €5,00/dia.
Não tem, pois, acolhimento a censura que o recurso efetua dos fundamentos em que se assenta a determinação da concreta pena de multa (e seu montante diário) aplicada, improcedendo esta vertente do recurso.
*
A recorrente defende, no que toca ao doseamento da pena acessória de inibição de conduzir, dever-se-ia ter tido em conta essencialmente o valor da TAS, a natureza do veículo que conduzia e o consequente perigo resultante da condução, a circunstância de não ter sido interveniente em qualquer acidente estradal e ter sido colaborante, pois ao ser intercetada pelo Sr. Agente da PSP num semáforo a deixar o carro ir abaixo”, afirmou desde logo que tinha ingerido bebidas alcoólicas em pouca quantidade, o que tudo aponta, em seu entender, para que o Tribunal a quo deveria tê-la fixado no limite mínimo de 03 meses.
Apreciando.
Digamos desde já que, considerando precisamente os argumentos invocados pela recorrente - o valor da TAS, a natureza do veículo que conduzia e o consequente perigo resultante da condução – se verifica a sua falta de razão e a justa, por adequada reação criminal à prossecução da específica finalidade que visa, da medida da sanção aplicada pelo Tribunal de 1ª Instância.
Dispõe art. 69º nº 1 a) do Cód. Penal que é ainda condenado na proibição de conduzir veículos com motor, por um período fixado entre três meses e três anos, quem for punido pela prática de crime previsto no art. 292º do mesmo Código.

Por se tratar de uma pena, ainda que acessória, a determinação da sua medida deve operar-se de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, ou seja, considerando o disposto nos arts. 40º e 71º do Cód. Penal.
Pese embora a identidade dos critérios, não pode olvidar-se a natureza e as finalidades desta pena acessória, por forma a que se mostre ajustada às suas específicas finalidades.
Como se escreveu no Ac. da R.P. de 25/01/2023, “Tal pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, constituindo uma censura adicional pelo facto praticado pelo agente e prevenir a perigosidade imanente à norma incriminadora e assim, reforçar e diversificar o conteúdo penal sancionatório da condenação.
O seu pressuposto material reside na consideração de que o exercício da condução nas circunstâncias tipificadas no art. 292º se revela especialmente censurável, pois que a conduta em causa revela uma perigosidade acrescida de ofensa aos valores que o crime de condução em estado de embriaguez (no caso) visa proteger.
A perigosidade da condução exercida pelo agente objeto de condenação é a substancial razão de ser da proibição. E tem ainda uma função preventiva geral por via da intimidação comunitária ínsita na restrição do exercício do direito de conduzir sofrida por quem, de forma criminalmente relevante, conduz estando afetado pela ingestão de álcool.
A pena acessória em causa incide diretamente sobre o imediato instrumento da condução automóvel, limitando ou restringindo o direito do arguido a conduzir, assim o privando de exercer temporariamente a atividade em cujo exercício praticou a infração e revelou a perigosidade imanente à mesma. O que assume especial relevo como fator de prevenção geral e especial e correspondente motivação pela norma.
Todavia, não existe qualquer norma que imponha que as penas acessórias tenham de ter correspondência com as penas principais, pois são diversos os objetivos de política criminal ligados à aplicação de cada uma das penas”([14]).

Atenta a especial natureza da atividade cuja restrição está aqui em causa e a conduta do agente que está na origem da necessidade dessa mesma compressão de direitos, o principal índice de perigosidade a considerar encontra-se na TAS detetada na pessoa da recorrente no momento em que exercia a condução do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-OC (2,171 g/l) e que tenha origem numa atitude livre e deliberada de consumo de bebidas alcoólicas em momento prévio a essa condução.
E assim é na medida em que, em termos que relevam de evidência científica, quanto mais elevada essa taxa, mais claro resulta que o processo de alcoolização da arguida (através daquela ingestão) foi correspondentemente acentuado – e, por essa via, mais evidente se torna a sua atitude de desconsideração dos perigos inerentes à decisão de passar a conduzir após esse processo, acentuando-se, do mesmo passo, o juízo de censura inerente à sua conduta e a perigosidade revelada pelo agente.
No caso dos autos, é elevada a concreta TAS apurada e a arguida atuou com dolo na sua modalidade mais gravosa (direto), afigurando-se igualmente elevada a culpa do agente e o grau de ilicitude.
Os fatores de prevenção geral são importantes, tendo em conta a frequência do crime e a sua danosidade social.
Por outro lado, no que tange às exigências de prevenção especial, no caso releva a ausência de antecedentes criminais.
No que respeita à circunstância de a recorrente ter sido cooperante no momento da abordagem pelo Sr. Agente da PSP tendo admitido a ingestão de bebidas alcoólicas (que, ao contrário do que afirma, não foram em pouca quantidade como revela a TAS apurada), não constando dos factos provados, é insuscetível de avaliação por este Tribunal.
Tudo para concluir que “correspondendo a taxa de alcoolemia ao grau de ilicitude da conduta, esta não pode deixar de constituir o padrão referencial da medida da pena acessória, ou seja, não pode deixar de se ponderar no caso a medida concreta do diferencial existente entre a taxa de alcoolemia no sangue detetada e aquela que corresponde ao patamar mínimo criminalmente relevante.

O que, no caso concreto, impõe uma diferença em relação ao limite mínimo da pena acessória”.
Daí que a redução da pena acessória aplicada em concreto para o seu limite mínimo como pretende a recorrente, traduzir-se-ia numa reação desajustada, pois constituiria uma mensagem de desconsideração das exigências de prevenção que no caso se impõem, pela gravidade da conduta perpetrada pela arguida e pela tutela da perigosidade que se visa salvaguardar”([15]).
Improcede, assim, mais esta questão e o recurso.
*
III – DECISÃO
Pelo exposto, este Tribunal da Relação do Porto decide negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça no montante de 3 UC – cfr. arts. 513º nº 1 do CPP e 8º nº 9 do R.C.P e Tabela III anexa ao referido diploma legal.

Notifique – cfr. art. 425º nº 6 do CPP.



Porto, 08/11/2023
Lígia Trovão
Luís Coimbra
Castela Rio
___________
[1] Cfr. G. Marques da Silva, “Direito Processual Penal Português”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335.
[2] Cfr. Ac. do STJ de 20/09/2006, no proc. nº 06P2267, disponível in www.dgsi.pt
[3] Cfr. Ac. da R.P. de 22/06/2022, no proc. 710/21.9GBVFR.P1, relatado por Pedro Afonso Lucas, disponível in www.dgsi.pt
[4] Cfr. proc. nº 159/10.9GBPMS.C1, relatado por Belmiro Andrade, acedido in www.dgsi.pt
[5] Cfr. proc. nº 1700/08-2, relatado por Cruz Bucho, acedido in www.dgsi.pt
[6] Cfr. proc. nº 8597/05., apud, CPP Comentado, 2ª Edição Revista, pág. 1154.
[7] Cfr. proc. nº 1034/18.4T8LRS.L1-9, relatado por Madalena Caldeira, acedido in www.dgsi.pt
[8] Cfr. Ac. da R.L. de 20/04/2017, no proc. nº 1.401/16.8PBCSC.L1-9, relatado por Abrunhosa de Carvalho, acedido in www.dgsi.pt
[9] Cfr. G. Marques da Silva in “Direito Processual Penal Português”, Vol. 3, 2020, págs. 295 e 301.
[10] Cfr. Ac. da R.L. 02/06/2022, no proc. nº 593/18.6PBAGH.L2, relatado por João Abrunhosa, não publicado na base de dados www.dgsi.pt
[11] Cfr. proc. nº 1532/17.7TB9CBR.C1, relatado por Jorge Jacob, acedido in www.dgsi.pt
[12] Cfr. Ac. da R.P. de 25/01/2023, no proc. nº 281/22.9GAARC.P1, relatado por Pedro Afonso Lucas, ainda não publicado na www.dgsi.pt
[13] Cfr. proc. nº 477/08.6PAOVR.P1, relatado por António Gama, acedido in www.dgsi.pt
[14] Cfr. proc. nº 281/22.9GAAC.P1, relatado por Pedro Afonso Lucas, não publicado na dgsi.pt
[15] Cfr, ainda o Ac. da R.P. de 19/04/2023, no proc. nº 32/22.0GAVFR:P1, relatado por Pedro Afonso Lucas.