IRRECORRIBILIDADE
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS
DIREITOS DE DEFESA DO ARGUIDO
Sumário

I - A comunicação efetuada ao abrigo do artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. não integra um ato decisório, é meramente provisória e transitória, não afetando nenhum direito da recorrente a exigir qualquer tutela jurisdicional, sendo, por isso, irrecorrível.
II – A norma contida nesse artigo 358.º não pode deixar de significar que o tribunal faz um juízo sobre a prova já produzida e, concluindo que a prova aponta para factos que não correspondem exatamente aos descritos na acusação ou na pronúncia, comunica ao arguido os factos tal como os considera indiciados pelas provas produzidas.
III - Esse juízo sobre os factos que resultam da prova produzida não pode ser um juízo definitivo já que esse artigo 358.º, n.º 1, prevê que ao arguido seja concedido o tempo necessário para a preparação da defesa; a esse juízo sobre os factos que terão resultado da prova produzida poderá chamar-se "convicção provisória" ou designar-se por outra qualquer expressão que traduza a realidade tida em vista pelo citado normativo.
IV - A lei não estabelece a forma como o tribunal deve fazer a comunicação da alteração dos factos prevista nesse artigo 358.º ; o tribunal poderá utilizar qualquer forma que julgue adequada (indiciados, provisoriamente provados ou, mesmo, provados), até porque, como do próprio texto de tal comunicação se pode concluir, não se trata da decisão final do processo. mas da comunicação de alteração dos factos da acusação ou da pronúncia,
V - Não podemos esquecer que a comunicação não é tanto dirigida ao arguido, mas antes de mais ao seu defensor, conhecedor das normas processuais e dos direitos que a lei reconhece ao arguido, sabendo por isso que, independentemente do rigor técnico utilizado (ou da falta dele), a comunicação não encerra um juízo definitivo sobre a prova, ficando sempre dependente do contraditório que o arguido entenda exercer após tal comunicação ou dos meios de prova que pretenda produzir.

Texto Integral

Processo nº 198/21.4PAPVZ.P1
1ª secção




Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
Nos autos de Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que correm termos no Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 6, Comarca do Porto, com o nº 198/21.4PAPVZ, foram submetidos a julgamento as arguidos AA, BB e CC[1], tendo a final sido proferida sentença que:
- absolveu a arguida CC da prática de um crime de injúria p. e p. no artº 181º nº 1 do Cód. Penal, na pessoa de DD;
- condenar a arguida CC como coautora material de um crime de ofensa à integridade física p. e p. no artº 143º nº 1 do Cód. Penal, na pessoa de DD, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €6,00;
- absolver a demandada CC do pedido de indemnização civil formulado por DD;
- condenada a arguida CC a pagar ao demandante Centro Hospitalar Universitário do Porto, EPE a quantia de €79,78.

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Inconformada com a sentença condenatória, veio a arguida CC interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da sentença condenatória, datada de 20 de Outubro de 2022, com a Ref. n.º 441337082 e na qual o Tribunal a quo absolveu a Recorrente de um crime de injurias mas condenou-a a um crime de ofensas à integridade física, contra a pessoa da Recorrida/Assistente DD.
2. A Recorrente foi também condenada ao pagamento do valor de 79,78€ referente ao pedido de indeminização cível formulado pelo Centro Hospitalar Universitário do Porto, EPE.
3. É sobre a decisão de condenação do Tribunal a quo que versará o presente recurso atendendo que face à prova produzida, inexistem fundamentos fácticos e jurídicos que possam sustentá-la.
4. Conforme se evidenciará, a Recorrente não praticou qualquer facto que possa ser considerado como ilícito, pelo que deveria ter sido absolvida dos crimes de que vinha acusada e, consequentemente dos pedidos de indemnização cível contra si formulados.
5. Assim, o presente recurso se centrará na análise aos concretos pontos da matéria de facto dada como provada e ainda toda a matéria incorretamente julgada que, impunham uma decisão diferente da tomada na sentença recorrida o que, indiscutivelmente, levaria à absolvição total da aqui Recorrente.
6. De forma sucinta e na senda do “Relatório” que acompanha sentença recorrida, o Digníssimo Ministério Público deduziu acusação contra três arguidas: AA, BB e, por fim, CC, aqui Recorrente, onde lhes imputava a prática a cada uma, em concurso efetivo, de um crime de injúria e dois crimes de ofensa à integridade física simples.
7. A Recorrida/ Assistente DD veio aderir à acusação pública e na sua acusação particular imputou um crime de injúrias a cada uma das arguidas.
8. Tanto a Recorrida DD como o Ofendido EE e o Centro Hospitalar Universitário do Porto, EPE vieram deduzir pedidos de indemnização cível, nos termos melhor evidenciados nos parágrafos 11.º, 12.º e 13.º da sentença recorrida.
9. No âmbito da audiência de discussão e julgamento, e conforme referido no parágrafo 15.º do relatório da sentença recorrida, na primeira sessão, a Assistente/Recorrida DD desistiu do procedimento criminal contra as Arguidas AA e BB visto que chegou a acordo quanto aos pedidos de indemnização cível contra aquelas formulado.
10. Tal acordo também foi proposto à Recorrente mas a mesma não pôde aceitar atendendo que não praticou qualquer ilícito criminal, ficando até, bastante ofendida e perplexa por ter sido implicado no presente processo-crime sem existir motivos para tal situação.
11. Por isso mesmo, a Recorrente iniciou um procedimento criminal contra a aqui Recorrida/Assistente DD e contra o Ofendido EE, pelo crime de denúncia caluniosa, que deu origem ao processo n.º 3753/22.1T9PRT que corre termos no DIAP - 5ª Secção.
12. Na 2.ª sessão de julgamento, realizada no dia 30 de Junho de 2022, e conforme consta na sua ata, com a Referência Citius 438330757, o Ofendido EE desistiu da queixa apresentada contra a aqui Recorrente, extinguindo-se o procedimento criminal contra a mesma nos factos que dizem respeito ao mencionado denunciante.
13. Na mencionada audiência de julgamento, as partes fizeram as suas alegações finais e o Tribunal a quo depositou a sentença no pretérito dia, conforme Ref. Citius: 438331194.
14. Ao analisar a mencionada sentença, a Recorrente constatou que esta era omissa quanto aos crimes de que vinha acusada em relação à Recorrida DD e, disso mesmo, alertou o Tribunal no requerimento enviado por si com a ref. Citius n.º 42787169.
15. Posto isto, o Tribunal a quo reabriu a audiência de discussão e julgamento, proferindo despacho a alterar não substancialmente os factos e a qualificação jurídica do crime, e de seguida, leu a sentença, onde condenou a Recorrente nos termos já expostos, conforme ata de leitura de sentença com a ref. Citius n.º 441390049.
16. No dia 14 de abril de 2021, estava agendado um teste de paternidade ao filho da Arguida AA em que a mesma alegava – como se veio a comprovar - que este era filho do Ofendido EE atendendo que os mesmos mantiveram uma relação amorosa.
17. A Arguida BB é mãe da AA e quis acompanhá-la ao mencionado teste.
18. A Assistente, aqui Recorrida, era companheira do Ofendido à data dos factos.
19. Com o intuito de as auxiliar, a Recorrente deu-lhes boleia até ao Instituto de Medicina Legal, no Porto.
20. Assim, no dia e hora da acusação, os comportamentos da Recorrente cingiram-se a dar boleia às Arguidas e a aguardar pelas mesmas com a bebé no seu carro e, apenas se ausentou do mesmo, quando constatou que as Arguidas, o Ofendido e a Assistente se tinham envolvido numa confusão e por tanto, o seu único objetivo, era ir embora do local onde se encontravam e sanar os ânimos entre as partes.
21. No que concerne ao ponto 4.º dos factos dados como provados da sentença recorrida, não se compreende a referência que o douto Tribunal a quo faz à aqui Recorrente, atendendo que, com a desistência da queixa apresentada pelo ofendido EE contra a aqui Recorrente, homologada por sentença na 2.º sessão de julgamento, conforme ata com a ref. Citius 438330757, este deveria abastecer-se de conhecer o teor e conteúdo da mesma.
22. Pese embora, não resulta das declarações do Ofendido EE que a aqui Recorrente tivesse desferido vários murros e bofetadas, na face, cabeça, pescoço e ombros.
23. Aliás, as declarações do Ofendido em relação à Recorrente foi no sentido que não sofreu qualquer agressão pela mesma, nem a sua companheira. A este propósito, veja-se as declarações do Ofendido em instâncias da Digníssima Procuradora do Ministério Público: Ofendido EE a (10:09’’) –“Levantou-me a mão e conseguiu-me tocar só uma vez, depois não fez mais porque eu amarrei-lhe os braços” (10:14’’) [ao referir-se à aqui Recorrente]. Portanto, da prova produzida, no mínimo, resultaria que foi à Recorrente que o Arguido agarrou os braços e não como a acusação refere, à Arguida AA.
24. Na senda dos pontos 6.º e 7.º da matéria dada como provada pela sentença recorrida, decorre que quem agrediu e insultou a Recorrida foram as Arguidas AA e BB.
25. Atendendo que, quanto às mesmas, o procedimento criminal não logrou por desistência da Recorrida, o Tribunal a quo deveria ter-se abstido de fazer juízos de valor quanto à conduta das mesmas, não devendo ter dado como provados os mencionados factos
26. O Tribunal a quo deu como provado que foi a Arguida AA que a agarrou pelos cabelos, puxou-os com força, e, que seguidamente, esta com a sua mãe, BB, que lhe deu pontapés, atingindo-a nas costas, nádegas e corpo.
27. Assim, resulta claro da própria sentença, designadamente dos pontos 6.º, 7.º e 11.º da sentença recorrida, que o Tribunal a quo deu como provado que quem agrediu a Recorrente foram as restantes Arguidas, pelo que não existe fundamento para condenar a mesma por factos praticados por outrem.
28. Nas suas declarações, a Recorrente explicou ao douto Tribunal onde estava quando a confusão se instaurou entre as Arguidas, o Ofendido e a Recorrida.
29. Assim, em instâncias da Sra. Meritíssima Juiz, a Recorrente indicou que: “ (0:01) “ É assim eu estive sempre no carro com a bebé da AA como é possível eu estar a bater em alguém, quando nunca sai do carro, eu não conheço nem sequer” (0:23), conforme ficheiro de gravação 20220606121251_16128326¬_2871499, 13.ª Gravação.
30. Explicando ainda, na mencionada gravação e em instâncias da Meritíssima Juiz: (1:16) “ Na onde foram fazer o teste, aliás a AA já tinha feito com a filha, o pai estava atrasado, quando chegou, não sei qual foi a confusão que houve ali, eles pegaram-se, mas é assim, eu não posso dizer nada porque eu estava dentro do carro. Sei que houve uma confusão.” (1:38).
31. Esta não tinha intenções de aguardar pela chegada do Ofendido e da Recorrida ao local, apenas queria ir-se embora o mais rapidamente possível, a este propósito, declarou que: (3:55) “Sai, sai para chamar para virem embora, senão podia vir a polícia, eu por mim já tinha vindo embora.” (4:03), em instâncias da sua Ilustre Defensora Oficiosa, que, de modo a confirmar a sua intencionalidade perguntou: (04:05) “ Por si já tinha ido embora?” (4:05). E, esta, de forma honesta, respondeu: (04:05) “ Por mim já. Eu pedi para virem embora, só que a mãe da AA quis ficar.” (4:11).
32. O que denota existir uma clara destrinça entre os comportamentos das restantes Arguidas da aqui Recorrente.
33. As Arguidas AA e BB estavam melindradas por terem que fazer o teste de paternidade à bebé.
34. No entanto, a Recorrente não partilhava das motivações da Arguida, atendendo que não tem qualquer elo de ligação à bebé, apenas se limitou a dar-lhes boleia para o efeito.
35. Se o Tribunal não ficou esclarecido acerca dos motivos – ou falta deles - que a Recorrente tinha em relação à situação dos autos em apreço, frise-se que a mesma nem conhecia a aqui Recorrida.
36. A este propósito, foi a Recorrente questionada pela Ilustre Defensora Oficiosa do seguinte: (04:50) –“ E a senhora D. DD, conhece?” (04:51). Ao que a Recorrente respondeu (04:52) “ Não. Eu nunca a vi. Ela tava sentada ali á minha beira nem sabia quem era, nunca a vi, como é que podem oh!” (05:03).
37. Também a Recorrida DD esclareceu o Tribunal a quo que não conhece a aqui Recorrente, em instâncias da Meritíssima Juíza: (01:07) “Não, não conheço, nunca conheci essa senhora de lado nenhum.” (01:10), conforme ficheiro 20220606122019_16128326_2871499, na sua 14.ª Gravação .
38. Foi ainda questionada do seguinte: (06:26) “Olhe e como é que ela, como é que esta senhora agrediu o EE?” (6:29), Ao que a Recorrida/Assistente respondeu: (6:29) –“ Isto é assim, eu não posso dar, como é que hei de dizer pormenores eu de testemunha porque eu estava sendo agredida e estava no chão, sobre pontapés de barrigas e tudo que foi o que aconteceu.” (6:46).
39. Uma análise global e atenta ao depoimento da Recorrida/Assistente, é possível constar que, no início do seu depoimento, esta achava que a Recorrente poderia ter intenção de a agredir, por estar acompanhada das Arguidas, a verdade depois a mesma acabou por fazer uma destrinça entre o comportamento da mesma e das demais, admitindo que não foi agredida nem viu qualquer agressão perpetuada pela aqui Recorrente.
40. A este propósito, a Recorrida/Assistente afirma que: (08:22) – “que não foi essa senhora, eu nunca disse que foi essa senhora, nem tou aqui a dizer, não tenho necessidade de mentir, a única coisa que eu falo é em relação ao afilhado dela. De minha parte ela não me agrediu.” (8:36) (sublinhado nosso), conforme Ficheiro 20220606122019_16128326¬_2871499 na 14.ª Gravação.
41. Logo os comportamentos da Recorrida não foram suscetíveis de causar dores nem lesões no seu corpo ou saúde, inexiste qualquer ilícito criminal da sua parte!
42. Face aos depoimentos prestados pelas partes, não se compreende como o Tribunal a quo afirma que as três Arguidas agiram em comunhão de esforços quando a Recorrida nega que tenha sido agredida pela Recorrente, nem sabe como ou se o Ofendido EE foi agredido pela mesma.
43. As declarações da Recorrente e da Recorrida estão em contradição com as motivações do douto Tribunal, designada com o parágrafo 88.º ou 6.º da C) Motivação da sentença recorrida.
44. Na ânsia de conseguir uma condenação – face ao reparo que a Recorrente fez ao douto Tribunal no sentido de o advertir que ainda não tinha sido decidida a causa e atendendo que a mesma já tinha avançado com uma queixa-crime por denúncia caluniosa face aos depoimentos da Recorrida e do Ofendido que desencadearam os presentes autos – ignorou, completamente, que apesar de, num primeiro momento, das declarações da Assistente ser patente que a mesma achava que poderia ser Recorrente, a verdade é que, acabou por admitir que não foi.
45. O Tribunal a quo continuou a conjeturar e desvirtuar as declarações que os demais sujeitos processuais prestaram em sede de audiência de julgamento. A este propósito veja-se o parágrafo 90.º ou 8.º da C) Motivação da sentença recorrida.
46. O Tribunal a quo condenou a Recorrente ao crime de ofensa à integridade física quando tem a noção que a mesma não agrediu a aqui Assistente DD. A este propósito, veja-se o parágrafo 94.º ou 12.º da C) Motivações da sentença recorrida
47. Face à incorreta interpretação que o Tribunal a quo fez dos factos que deu como provados, este violou o princípio in dúbio pro reo.
48. Com o devido respeito, que é muito, mas retira-se da sentença recorrida que o Tribunal a quo compreendeu que a Recorrente não agrediu, nem injuriou a Recorrida, então, deveria dar o benefício da dúvida relativamente ao lugar a que a mesma ocupou nesta contenda, à luz do princípio in dúbio pro reo.
49. O referido principio deveria ser aplicado no caso em concreto atendendo que, a Arguida é uma pessoa com problemas graves de saúde e que se não injuriou a Assistente, então, muito menos, quis agredir ou agrediu!!
50. Nem a tentativa – a provar-se – no caso e no tipo legal de crime em questão era punível!
51. Em suma, a Recorrente viu-se envolvida numa quezília familiar pelo simples facto de ter dado boleia às Arguidas.
52. Resulta claro e evidente através dos pontos B), C), D), E), F) dos Factos não provados da sentença recorrida, que o Tribunal a quo não deu como provado que a mesma tenha agredido e injuriado a aqui Recorrida DD.
53. Tais pontos são o espelho das declarações de todos os intervenientes processuais que, no fundo, não sofreram lesões, nem dores, nem foram insultados pela Recorrente.
54. Portanto, resulta provado até pela sentença recorrida que a Recorrente não ofendeu o corpo e a saúde da Recorrida, e portanto, inexiste qualquer culpa ou dolo na sua atuação.
55. Não se conseguindo aplicar o tipo legal de crime com a conduta da Recorrente, o artigo 143.º, importa fazer uma breve referência ao artigo 26.º do Código Penal, que também não se aplica ao caso concreto.
56. Resulta das declarações da Recorrente, do Ofendido EE e da Recorrida DD, que a mesma não participou em qualquer plano, que não estava de acordo com os comportamentos das restantes Arguidas e que não executou nem começou a executar qualquer plano com as mesmas.
57. Parece-nos que o único comportamento que a Recorrente teve ao sair da viatura foi de tentar acabar com a confusão gerada pelos restantes sujeitos processuais, portanto, quanto muito, estaríamos no âmbito do artigo 28.º da C.P, não sendo o seu comportamento alvo de qualquer censura penal.
58. É notório que urge revogar-se a sentença recorrida, pugnando pela absolvição total da Recorrente, repondo a justiça ao caso em concreto!
59. Por último, não se pode deixar de referir, o timing e o contexto em que a sentença recorrida é proferida que tem por base um despacho que entendemos ser nulo e violador de várias disposições penais, e cujo recurso já interpusemos e a Recorrente, afirma, desde já o seu interesse no mesmo.
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A arguida interpôs ainda recurso do despacho proferido em audiência em 20.10.2022, extraindo das motivações as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto do despacho datado de 20 de Outubro de 2022, com a Ref. n.º 441390049, mais concretamente do despacho constante na página 2 da “ata de leitura da sentença”, em que o Tribunal a quo, em “duas comunicações” decidiu alterar oficiosamente, de forma não substancial, tanto os factos a que a Arguida vinha acusada como a própria qualificação jurídica do crime, com o intuito de conseguir justificar a sentença que veio, mais tarde, a proferir nesse mesmo dia.
2. Em nosso entendimento, o despacho recorrido está ferido de nulidade, nos termos do artigo 120.º e viola o artigo 97.º n.º5 e 371.º, ambos do Código de Processo Penal (CPP).
3. O despacho recorrido consubstancia uma verdadeira limitação ao direito constitucionalmente consagrado de defesa da Arguida, pelo que se roga ao Venerando Tribunal que reconheça as nulidades e inconstitucionalidades que o despacho recorrido padece.
4. No que concerne à 1.ª comunicação – assim apelidado pelo próprio Tribunal a quo – sempre se evidencie que, no dia 30 de Junho de 2022, foi proferida sentença homologatória relativa à desistência de queixa do ofendido EE por ele apresentada contra a aqui Recorrente, CC e do correspondente pedido de indeminização civil por si também formulado, conforme página 2, parágrafo 31.º a 35.º, da ata de audiência de discussão e julgamento com a ref. citius n.º 438330757.
5. Sentença essa, que foi depositada, mas que era omissa no que concerne ao crime de que a Recorrente vinha acusada relativamente à Assistente DD.
6. Por requerimento com a Ref. Citius n.º 42787169, a Recorrente, de boa-fé, vem indicar ao douto Tribunal que existia uma omissão de decisão quanto aos factos que dizem respeito à referida Assistente.
7. Posto isto, o Tribunal a quo notifica a Arguida para a leitura de sentença e, sem mais, profere o despacho ora recorrido.
8. Da leitura e análise da 1.ª comunicação, não se compreende a alteração não
substancial dos factos efetuada pelo Tribunal de 1.ª instância.
9. No mencionado despacho não vem especificado os factos e concreta prova que explanem a motivação do Tribunal a quo, não estando, por isso, fundamentado.
10. O artigo 97 n.º5 do Código de Processo Penal estabelece que: “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
11. Assim resulta que, o despacho recorrido não enuncia especificamente as alterações de facto que a acusação sofreu e a concreta prova que deu origem à mesma, existindo claramente uma omissão quanto à sua fundamentação, proferido ao arrepio do artigo 358.º n.º1 e artigo 97 n.º5 do CPP,
12. O que consubstancia uma violação do direito de defesa do Arguido, nos termos do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
13. Face ao exposto, requer-se a V. Exas. que se dignem a apreciar a nulidade aqui invocada – falta de fundamentação do despacho em clara violação do artigo 97.º
n.º5 do CPP -, revogando o despacho recorrido.
14. Reconhecendo, igualmente, que tal decisão viola os direitos de defesa da aqui Arguida, no âmbito no artigo 32.º da CRP.
15. No que concerne à “2.ª comunicação” do despacho, a alteração da qualificação jurídica promovida pelo despacho recorrido, nos termos do artigo 358.º n.º3 do CPP, e conforme bem sido defendido pela doutrina, é inconstitucional.
16. O artigo 358.º n.º3 do CPP, no sentido da admissibilidade da alteração da qualificação jurídica em que apenas existe como condicionalismo a comunicação prévia ao Arguido, constitui uma violação aos princípios constitucionais do direito e de defesa. A este propósito veja-se “Germano Marques da Silva, 2000b: 278,279 e 283) e Damião da Cunha 2002 a : 233 e 24), citados por Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 4.º edição actualizada, universidade católica, lisboa 2018, pags. 925 e ss.
17. O despacho recorrido foi proferido minutos antes da leitura da sentença, sem ter sido dada a oportunidade à Arguida de analisar a sua defesa.
18. A gravação da diligência não é audível, no entanto, o momento em que tal alteração é comunicada – mais de três meses depois de produzida a prova e após a Arguida ter solicitado que se terminasse o presente processo – viola os princípios constitucionalmente consagrados à aqui Arguida.
19. Não obstante, o Tribunal a quo tinha depositado a sentença. Para o douto Tribunal, o processo estava apenas a aguardar pelo trânsito em julgado.
20. Só com o requerimento da Arguida, é que foi marcada a audiência do dia 30 de Outubro de 2022, onde foi proferido o despacho recorrido.
21. E, portanto, a única situação verdadeiramente inovadora que antecedeu a leitura da sentença, foi o despacho aqui recorrido, que, conforme se evidenciará, é nula por violação clara do artigo 371.º do CPP.
22. Face ao estado dos autos, já não seria possível que o douto Tribunal a quo alterasse a qualificação jurídica do crime, sendo o mencionado despacho, nulo.
23. A este propósito veja-se, a anotação 18, página 930, de Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 4.º edição atualizada: “Enfim, o incidente da alteração da qualificação jurídica pode ter lugar logo após a abertura da audiência e antes da produção de qualquer prova (acórdão do TRG, de 4.11.2002, processo n.º 91111/02.1) mas não pode lugar depois do encerramento da discussão, pois a lei não admite a reabertura da audiência para efeitos da alteração da qualificação jurídica” (sublinhado nosso).
24. O artigo 371.º do Código de Processo Penal pré os casos em que é possível a reabertura da audiência de julgamento e não contempla a alteração substancial como foi aqui praticado pelo Tribunal a quo.
25. Face ao circunstancialismo exposto, requer-se aos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto que seja reconhecido que o despacho recorrido está ferido de nulidade, por clara violação dos artigos 97 n.º 5 e 371.º, em conformidade com o artigo 120.º, todos do mesmo Código de Processo Penal.
26. Ainda se requer que seja apreciada a inconstitucionalidade do artigo 358.º n.º 3 do Código de Processo Penal face aos motivos já expostos e ainda a apreciação, se o mencionado despacho recorrido viola o direito de defesa da Arguida, aqui Recorrente, nos termos do artigo 32.º da CRP.
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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu a ambos os recursos, concluindo que os mesmos não merecem provimento.
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Neste Tribunal da Relação do Porto a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: [transcrição]
Da acusação pública:
1.º No dia 14 de abril de 2021, pelas 15.00 horas, o ofendido EE e a assistente DD deslocaram-se às instalações da Delegação do Norte do INMLCF, sitas no ..., Porto.
2.º O ofendido ia realizar exame de investigação biológica de paternidade, uma vez que tinha tido um relacionamento com a arguida AA e esta alegava que o ofendido era o pai do seu filho, sendo a assistente DD a sua atual companheira.
3.º Ao chegarem foram surpreendidos pelas três arguidas, que surgiram na retaguarda dos mesmos, tendo a arguida AA desferido um murro no pescoço do ofendido EE.
4.º Este virou-se, agarrou nos punhos da arguida AA, para evitar ser de novo agredido, tendo as outras duas arguidas, BB e CC – mãe e madrinha, respetivamente, da AA – ido para junto do arguido, desferindo-lhe vários murros e bofetadas na sua face, cabeça, pescoço e ombros.
5.º A assistente DD perante esta situação, foi tentar acabar com a contenda, virando-se as arguidas contra si.
6.º De seguida, a arguida AA agarrou-a pelos cabelos, puxando-os com força, atirando a assistente DD ao chão.
7.º Estando a assistente no chão, AA e BB deferiram-lhe pontapés pelo corpo, atingindo-a, nomeadamente, nas costas, nádegas e corpo.
8.º Enquanto a assistente estava no chão, o ofendido EE agarrava a arguida CC, assim tendo evitado que esta também tivesse desferido pontapés no corpo da ofendida DD.
9.º Só tendo cessado a sua conduta quando houve a intervenção de terceiros que levaram a assistente DD e o ofendido EE para outra dependência do edifício.
10.º Em consequência direta e necessária das agressões: - o ofendido EE ficou com traumatismos da cabeça, demandando tais lesões para a sua cura um dia, sem afetação da capacidade de trabalho geral ou profissional (cfr relatório de exame médico de fls 15 e 16 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); - a assistente DD ficou com traumatismos múltiplos, demandando tais lesões para a sua cura oito dias, sem afetação da capacidade de trabalho geral (cfr relatório de exame médico de fls 18 a 20 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
11.º A arguida e BB e AA agiram de forma, livre, voluntária e consciente, conjuntamente e em comunhão de esforços, com intenção de molestarem fisicamente o ofendido e a assistente, atingindo-os na sua integridade física, e de lhes causarem lesões como aquelas verificadas.
12.º Conheciam a proibição e a punição legal da sua conduta.
Da acusação particular:
13.º No dia 14 de Abril de 2021 cerca das 15 horas, na Travessa ..., no Porto, mais propriamente, nas instalações do Instituto de Medicina Legal do Porto, na parte exterior, onde a aqui assistente se encontrava acompanhada de seu companheiro, o qual estava convocado para um exame, as arguidas travaram-se de razões com o companheiro desta (agredindo-o), e, como esta fosse em defesa de seu companheiro, foi igualmente agredida, pelas arguidas.
Do pedido de indemnização civil deduzido pelo crime de ofensa à integridade física, expurgados dos factos conclusivos, de Direito e repetidos:
14.º Mercê destas agressões, a assistente ficou com traumatismos múltiplos, demandando tais lesões para a sua cura 8 dias, sem afectação da sua capacidade de trabalho em geral, conforme relatório de exame medico legal, cujo teor se dá por integralmente reproduzido por razões de economia processual.
15.º Tais lesões causaram na assistente dores muito intensas, quer na cabeça, devido aos puxões de cabelo de que foi vitima pela arguida AA, quer na zona nadegueira esquerda e região lombar, dores sentidas quer no momento da agressão, pelas arguidas em simultâneo, quer nos dias posteriores, bem como ansiedade extrema, para além da vergonha e humilhação perante as pessoas lá presentes. 16.º A assistente é pessoa séria e honrada, que nunca foi associada em qualquer episodio do género, pelo que se sente ofendida e envergonhada.
17.º Para além disso, a assistente é pessoa com uma deficiência no pé, cuja fragilidade física inerente à mesma, a impossibilitava de se defender da forma violenta como foi agredida pelas arguidas,
18.º Em virtude das lesões físicas sofridas, a assistente teve necessidade de receber tratamento médico, tendo sido assistida no Centro Hospitalar do Porto (Hospital Santo António), onde efetuou exames e teve alta medicada com analgésicos e repouso.
19.º Tais lesões físicas foram causa direta e necessária de 8 dias de doença sem afetação da capacidade de trabalho em geral,
20.º Para além das lesões físicas sofridas, como consequência da violenta agressão, a assistente ficou também afetada psicologicamente, já que ficou transtornada, vexada, humilhada, nervosa, deprimida e receosa, pois ficou com muito receio de voltar a ser agredida pelas arguidas, que vivem perto de si,
21.º Estas dores físicas, transtornos, receios e humilhação, angustia e vergonha sofridas, resultantes das agressões sofridas, atingiram a assistente na sua respeitabilidade e bom nome,
22.º Sendo certo, que muito tempo após a agressão a assistente ainda tinha dores nas zonas lesionadas.
23.º A arguidas agiram de forma livre e voluntária, com o objetivo conseguido de atingir o corpo da assistente, causando-lhe as lesões descritas,
Do pedido de indemnização civil deduzido pelo crime de injúria, expurgados dos factos conclusivos, de Direito e repetidos:
24.º A demandante é pessoa séria, de bom nome e honra reconhecidas.
Do pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar Universitário do Porto, EPE:
33.º Na sequência dos ferimentos sofridos pela assistente, nas circunstâncias acima descritas, aquela teve necessidade de recorrer aos serviços de urgência do Centro Hospitalar do Porto, tendo originado um custo por tal assistência no valor total de € 239,34, que até à presente data não foi pago.
Das condições sócio-económicas da arguida:
34.º A arguida é casada, vive com o marido e com o filho de 32 anos.
35.º A arguida não trabalha por padecer de condição de saúde que não lhe permite trabalhar e não recebe qualquer quantia.
36.º O marido da arguida exerce a atividade profissional de motorista e ganha €1.100 mensais.
37.º Vivem em casa própria, pela qual pagam um empréstimo de €235 por mês.
38.º Pelas despesas da habitação, designadamente, água, eletricidade, gás e internet gastam, em média, mensalmente a quantia de cerca e € 120.
39.º Tem uma despesa mensal de medicamentos no valor de €200.
40.º Pagam pela prestação do carro a quantia mensal de €156.
41.º O filho da arguida trabalha, mas contribui para as despesas só quando é preciso.
42.º A arguida e o marido têm um veículo automóvel de marca Ford, modelo ... do ano de 2019.
43.º A arguida concluiu a 4.ª classe.
44.º Nada consta do certificado de registo criminal da arguida.
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Foram considerados não provados os seguintes factos: [transcrição]
A) Que nas circunstâncias de tempo e lugar descritos em 5.º dos factos provados, as arguidas a tenham apelidado, em voz alta e repetidas vezes, de ”puta”, “vaca” e “cabra”.
B) Que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 6.º a 7.º dos factos provados, a arguida CC tenha desferido pontapés pelo corpo, atingindo a DD, nomeadamente, nas costas, nádegas e corpo.
C) Que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 6.º a 7.º dos factos provados, as três arguidas voltaram a apelidar a Assistente de ”puta”, “vaca” e “cabra”.
D) Que as arguidas agiram de forma, livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de ofenderem a assistente na sua honra, consideração e bom nome
E) Que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 13.º dos factos provados, as arguidas tenham dirigido à aqui assistente, as seguintes expressões ”sua puta, sua vaca, não vales nada, sua porca , sua cabra “,
F) Nomeadamente a arguida AA e BB (Filha e mãe), bombardearam a aqui assistente constantemente com os epítetos “ sua Puta, sua vaca, não vales nada”, e a arguida CC, dirigia à assistente as expressões” Sua puta, sua cabra, sua porca.”
G) Tais expressões foram proferidas pelas arguidas em voz alta e por forma a serem escutadas por quem quer que lá se encontrasse, bem como pelos seguranças do INML, que acabaram com os desacatos provocados pelas mesmas, quer por quem passasse na rua.
H) Com tais expressões as arguidas quiseram ofender, como ofenderam, gravemente a dignidade, honra e bom nome da assistente.
I) As arguidas proferiram deliberada, livre e conscientemente palavras e expressões ofensivas da dignidade, honra e consideração da aqui assistente.
J) Tais expressões são objetivas e subjetivamente injuriosas, pois as arguidas bem sabiam que ao proferi-las atentavam contra a honra, dignidade e bom nome da Assistente e bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
K) As expressões que foram dirigidas à assistente pelas demandadas ofenderam-na e vexaram-na publicamente.
L) Os insultos foram proferidos em tom de voz alto e de forma a serem por quem no INML Porto se encontrava e quem na rua circulasse ouvidos.
M) Em virtude dos factos praticados pelas demandadas, em coautoria, a demandante sentiu-se severamente nervosa, humilhado e envergonhado, tendo tais insultos lesado a imagem pessoal da demandante, tendo tais factos perturbado psicologicamente a demandante, durante semanas, e que face à vexação e tristeza que sentia, evitava sair à rua, nomeadamente para locais onde pudesse estar em contacto com as demandadas, atentos os comentários das pessoas, que se referiam ao sucedido.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: [transcrição]
O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, analisada na audiência de discussão e julgamento e valorada à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, designadamente: A arguida CC quis prestar depoimento e negou que tenha cometido os factos. Colocou-se no local, no dia e hora dos factos, explicou o contexto da situação e afirmou que nunca saiu do carro porque ficou a tomar conta da bebé que estava no carro.
O contexto em que se inseriu foi a circunstância de ter ido acompanhar as coarguidas ao IML onde a AA e o ofendido EE foram fazer um teste de paternidade. A identificada AA já tinha feito o teste e, ao invés de irem as 3 embora, resolveram ficar à frente do IML à espera que o pretenso pai, ofendido EE, chegasse para também fazer o teste. Este chegou acompanhado da namorada, ora Assistente DD, e nesse momento ter-se-á gerado uma confusão.
No dia do julgamento, as desavenças já se encontravam ultrapassadas e os ofendidos desistiram das queixas apresentadas, que logo foram homologadas em ata, com exceção da arguida CC, que não aceitou a desistência de queixa. Neste contexto, a prova foi produzida em duas sessões, tendo o tribunal ouvido os ofendidos EE e DD que apresentaram uma versão mais coincidente com as acusações. Na verdade, a assistente DD prestou um depoimento que ao tribunal pareceu verdadeiro, espontâneo e consistente. Confirmou o contexto e disse que apenas foi acompanhar o companheiro na realização do teste e que não conhecia nenhuma das arguidas. Disse que mal chegaram, as 3 arguidas se aproximaram dos ofendidos e que viu a AA a bater no EE e de seguida a CC dirigiu-se ao EE (que é afilhado da CC) e também o agrediu. Que logo de seguida este agarrou a CC enquanto a AA lhe puxou os cabelos, atirou-a ao chão e a BB e a AA começaram a bater-lhe com pontapés nas várias partes do corpo. Que nesse momento deixou de ver o ofendido EE, mas asseverou que este agarrava a CC, assim a tendo impedido de também a pontapear. Asseverou que a CC não lhe bateu diretamente a si, mas pela postura desta ficou convencida que se o EE não a agarrasse também lhe iria bater. Necessariamente a arguida CC ao ocupar-se do EE, impediu que este socorresse a namorada DD. Estas circunstâncias permitem-nos concluir que as 3 arguidas agiram em comunhão de esforços, ficaram à espera que os ofendidos chegassem e aderiram todas ao plano de se envolverem fisicamente. O ofendido EE descreveu os factos de forma menos pormenorizada, mas confirmou o que havia dito a ofendida DD. Os depoimentos prestados pelos ofendidos foram espontâneos e objetivos, quer pela linguagem utilizada, quer pelos pormenores que revelaram, quer pela forma como descreveram os factos, foi perceptível ao tribunal que os seus depoimentos não foram concertados (sendo certo que o EE referiu que já não têm qualquer relacionamento entre si). Nenhum deles efabulou a situação e nenhum deles demonstrou qualquer animosidade relativamente às arguidas, tanto assim, que os desentendimentos que os apartavam já se mostravam ultrapassados.
O depoimento dos ofendidos foi consistente entre si e com as regras da experiência comum. A ofendida DD disse várias vezes que a CC não lhe tocou mas que estava do lado das outras arguidas e por isso se convenceu que se não fosse o EE a agarrá-la também a teria agredido. Note-se que a DD nada tinha contra a arguida CC, que nem conhecia e em face da circunstância de as desavenças já estarem ultrapassadas, não tinha razões para efabular e inventar a ocorrência. Por todas as sobreditas razões o tribunal atribuiu credibilidade aos depoimentos dos ofendidos. Por seu turno, relativamente aos insultos, a Assistente disse que a CC a insultou, mas não concretizou os impropérios. Disse também a CC discutia e ralhava com o EE, seu afilhado, mas não confirmou os nomes vertidos em ambas as acusações, designadamente, que a CC lhe tenha chamado de “porca, puta e vaca”. Assim, apesar de haver indícios de que a CC também a terá insultado - até porque decorre das regras da experiência comum que nestas situações de tensão que envolvem agressões físicas, os insultos estão quase sempre presentes -, certo é que a Assistente não os referiu, donde a inserção de tais factos na factualidade não apurada. Sublinhamos que o facto aditado à factualidade apurada em 8.º (comunicado nos termos do art.º 358.º, n.º 1, do CPP), decorre não só das declarações da ofendida, mas também das declarações da própria arguida que nega perentoriamente ter tocado na assistente. Certo é que a arguida CC não veio dizer que tentou impedir as agressões ou que fez algo nesse sentido. Assim, perante a descrição dos factos feita pelos ofendidos, o tribunal não teve dúvidas que os factos ocorreram conforme vinham descritos na acusação (com exceção dos que não se provaram pelos motivos já referidos) e que a arguida foi uma das suas autoras. Salienta-se que, quer a assistente, quer o ofendido EE, asseveraram que a arguida CC saiu do carro e esteve envolvida nas agressões. Em face da credibilidade que mereceram, o tribunal também não teve dúvidas que a arguida CC e BB e AA agiram em concertação de esforços e para um objetivo comum, que era o de criticar o arguido por ter engravidado a referida AA e não ter querido assumir que o filho seria seu. Este era o motivo da revolta, também confirmado pela arguida CC.
Os factos alegados nos pedidos de indemnização civil, quer os formulados pela assistente, quer os vertidos no pedido de indemnização civil do Hospital, resultaram das declarações da assistente e ofendido EE que conjugados com as regras da experiência comum são os danos previsíveis de quem sofre uma agressão como esta.
O tribunal considerou, quanto às lesões da ofendida DD assentaram nos relatórios médico-legais (onde a ofendida logo contou que tinha sido agredida pelas três senhoras) de fls. 15 e 16 e 18 a 20.
A demonstração de que a ofendida foi agredida resultou ainda do depoimento da testemunha FF, agente da PSP que se deslocou ao local asseverou que a ofendida teve que ser assistida no Hospital e atestou que ambos os ofendidos lhe disseram no local que tinham sido agredidos. O tribunal considerou ainda o que foi relatado no auto de notícia de fls. 5 e seguintes e auto de denúncia de fls. 4. Na verdade, quer no auto de notícia e de denúncia, quer posteriormente no IML (fls. 16, pelo EE e fls. 19 pela DD), quer ainda no Centro Hospitalar (fls. 171, onde diz que foi agredida por 3 indivíduos na cabeça, nas nádegas e na zona lombar), a ofendida DD referiu que foi agredida pelas três senhoras, o que confirma a convicção de que as três atuaram concertadamente. Estes meios de prova são consistentes com a descrição feita pelos ofendidos em audiência de julgamento. Concluindo, o tribunal atendeu a todos os meios de prova produzidos em audiência, que foram coincidentes e sustentam a versão dos ofendidos, sendo que foi de molde a infirmar a versão da arguida.
Para a prova das circunstâncias atinentes às condições sócio-económicas da arguida, o tribunal levou em boa conta o que resultou das declarações da arguida que, nessa parte, foram credíveis e não foram contrariadas por qualquer outro meio de prova.
Por último, os antecedentes criminais da arguida, assentam no seu certificado de registo criminal atualizado junto aos autos.
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A comunicação efetuada na audiência de 20.10.2022 é do seguinte teor:
«De seguida, o tribunal comunicou que pretendia fazer duas comunicações, nos seguintes termos:
1.ª comunicação
Produzida a prova em audiência, resultou provado, entre o mais, o seguinte: “Enquanto a assistente estava no chão, o ofendido EE agarrava a arguida CC, assim tendo evitado que esta também tivesse desferido pontapés no corpo da ofendida DD.”,
Este facto que agora se adita não constitui uma alteração substancial dos factos, mas uma mera concretização do que já constava da acusação e do que decorre dos depoimentos da assistente e da arguida.
Ainda assim, decide–se comunicar tal facto à arguida, nos termos do disposto no art.º 358, º, n. º1 do C.P. Penal, a fim de a mesma, querendo, requerer o que tiver por conveniente.
2.ª comunicação
Na acusação a arguida CC vem acusada de agir de forma livre e voluntária e consciente, conjuntamente e em comunhão de esforços com as arguidas BB e AA,
À arguida vinha imputada a prática de dois crimes de Ofensa à Integridade Física Simples, nos termos do disposto no art.º 143, n.º 1 do C.P. Penal. –
Em face daquele facto imputado à arguida, entendemos que está a mesma comprometida com a prática em coautoria material e na forma consumada, de crime de um Ofensa à Integridade Física Simples, p. e p. pelos art.ºs 26.º e 143.º do C. P. Penal (considerando que relativamente ao crime na pessoa do ofendido EE foi homologada a desistência de queixa por um dos 2 crimes de ofensa à integridade física simples que inicialmente lhe vinham imputados). –
Em face da alteração da qualificação jurídica, que não implicou qualquer alteração dos factos de que vinha acusada, decide–se comunicá–lo à arguida CC, nos termos do art.º º 358.º, n.º 1 e 3 do C.P. Penal, para que a mesma, querendo, requeira o que tiver por conveniente. –
Notifique.»
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III - O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[2], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[3].
Das conclusões de recurso da sentença final é possível extrair a ilação de que o recorrente delimita o respetivo objeto à impugnação da matéria de facto provada.
Considerando, porém, que foi interposto recurso interlocutório que tem por objeto a comunicação efetuada pelo tribunal, ao abrigo do disposto no artº 358º do C.P.P., iremos conhecer desse recurso em primeiro lugar, por uma questão de precedência lógica.

Do recurso interlocutório:
Dispõe o artº 358º nº1 do CPP que “Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa”.
Como decorre dos próprios termos utilizados no preceito, não se trata de nenhum despacho, enquanto ato decisório previsto no artº 97º do CPP mas tão só de uma comunicação efetuada pelo tribunal.
Comunicação esta, que tem quanto ao seu conteúdo uma natureza provisória, já que o mesmo apenas transmite “uma convicção provisória” a qual, como se escreveu no Ac. da R.L. de 07.09.2010[4] se encontra ainda “sujeita, ao contraditório, à produção de prova e à deliberação, então com carácter definitivo.” Nessa medida “Antes da decisão final, ao arguido apenas assiste o direito – que teve oportunidade de exercer no presente caso - de se defender dos novos factos, nomeadamente apresentando novas provas, demonstrando que eles não ocorreram ou que não lhe podem ser imputados”.
É o que sucede no caso dos autos, pois efetuada a comunicação, a arguida poderia ter exercido o seu direito ao contraditório, requerendo inclusivamente a produção de prova, após o que o tribunal proferiria, como proferiu, a decisão definitiva sobre a matéria de facto, a constar da sentença final.
Daqui decorre que face à natureza provisória da comunicação em causa, nenhum direito de defesa da arguida foi afetado e em relação a todos os factos constantes da aludida comunicação lhe foi permitido o exercício de contraditório.
De resto a lei não comina com nenhuma sanção a omissão da efetivação da comunicação do artº 358º e 359º do CPP, em momento anterior à prolação da sentença, mas tão só após esta ser proferida, elencando a violação dos artºs 358º e 359º do CPP, precisamente como nulidade da sentença nos termos do artº 379º nº1 al.b) do CPP.
O que bem se compreende, pois só com a prolação da sentença ou acórdão é que o tribunal fixa a matéria de facto, e só aí é que se pode aferir se ocorreu ou não alguma violação dos artsº 358º e 359º do CPP.
Em suma, a comunicação efetuada ao abrigo do artº 358º nº 1 do C.P.P. não integra um ato decisório, é meramente provisória e transitória, não afetando nenhum direito da recorrente a exigir qualquer tutela jurisdicional, sendo, por isso, irrecorrível[5].
O que agora se decide não prejudica que o tribunal, de modo oficioso ou a requerimento da própria recorrente, aquando da apreciação do recurso da sentença, possa conhecer da nulidade prevista no referido artº 379º nº1 al. b) do CPP, caso a mesma se verifique.
Nos termos do disposto no artº 420º nº1 al.b) do CPP, deve o recurso ser rejeitado sempre que, “se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artº 414 nº2 do CPP”.
Acresce que a decisão que admitiu o recurso não vincula este tribunal - artº 414º nº3 do CPP.
Assim, nos termos dos artºs 420º nº1 b) e 414º nº 2 do CPP, rejeita-se, por inadmissibilidade legal, o recurso interlocutório interposto pela arguida.
*
Considerando ainda que a questão que opôs o primitivo relator e os juízes adjuntos neste Tribunal e que determinou a mudança de relator diz respeito à eventual nulidade do artº 379º nº 1 al. b) do C.P.Penal, impõe-se a apreciação dessa questão[6].
Dispõe o artº 379º nº 1 al. b) do Cód. Proc. Penal que "é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º."
Para além da questão de saber se as nulidades da sentença a que alude o artº 379º do C.P.P. são ou não de conhecimento oficioso, uma vez que foi a questão de fundo que dividiu o coletivo, iremos debruçar-nos sobre ela oficiosamente, sem questionarmos e tomarmos aqui posição sobre a possibilidade de ser apreciada oficiosamente pelo tribunal de recurso ou de se tratar, antes, de uma nulidade sanável e, por isso, dependente de prévia arguição.
O princípio acusatório que enforma o processo penal impõe que o thema probandum ac decidendum na instrução seja delimitado pela acusação ou pelo requerimento de abertura de instrução, não podendo o juiz de instrução, na averiguação dos factos e na decisão instrutória, extravasar, salvo o caso de alteração não substancial, a factualidade definida por tais peças processuais.
A isso se chama o princípio da vinculação temática do Tribunal, consubstanciando os princípios da identidade (os factos devem manter-se os mesmos, da acusação ao trânsito em julgado da sentença), da unidade ou indivisibilidade (os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente) e da consunção do objeto do processo penal (mesmo quando o objeto não tenha sido conhecido na sua totalidade deve considerar-se irrepetivelmente decidido, e, portanto, não renascer outro processo). Efetivamente, um processo penal de estrutura acusatória, integrado por um princípio de investigação, como é o português, exige, para assegurar a plenitude das garantias de defesa do arguido, uma necessária correlação entre a acusação e a sentença, sem prejuízo de se admitir que nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime possam constar da acusação, antevendo que da discussão da causa surjam factos novos que traduzam alteração dos anteriormente descritos. Com efeito, por vezes emergem circunstâncias que exigem se amplie aquele objeto, nomeadamente em decorrência do dever de investigação da verdade, que se impõe ao tribunal (artigo 340.º CPP). E é justamente essa a matéria que encontra regulação nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal. Refere a propósito Germano Marques da Silva[7] que «por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objeto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afetada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo.» Nesses casos, por razões de equidade e de lealdade processual, impostas pelo princípio da acusação e das garantias de defesa do acusado, nomeadamente de contraditório e de audiência, tem de disso mesmo se lhe dar conta, para lhe assegurar um efetivo direito de defesa. O que está em causa, pois, é a plenitude das garantias de defesa do arguido, tal como prevenidas no artigo 32.º, § 1.º da Constituição, no sentido de lhe permitir que se pronuncie sobre todos os factos pelos quais poderá vir a ser condenado, evitando-se, desse modo, as decisões surpresa, que surgem apenas quendo lhe não seja dada oportunidade processual para se defender, ou que, de forma razoável, não pudesse contar.
A norma contida no artº. 358º não pode, porém, deixar de significar que o tribunal faz um juízo sobre a prova já produzida e, concluindo que a prova aponta para factos que não correspondem exatamente aos descritos na acusação ou na pronúncia, comunica ao arguido os factos tal como os considera indiciados pelas provas produzidas.
Esse juízo sobre os factos que resultam da prova produzida não pode ser um juízo definitivo já que o citado art. 358º n.º 1 prevê que ao arguido seja concedido o tempo necessário para a preparação da defesa. A esse juízo sobre os factos que terão resultado da prova produzida poderá chamar-se "convicção provisória" ou designar-se por outra qualquer expressão que traduza a realidade tida em vista pelo citado normativo.
A lei não estabelece a forma como o tribunal deve fazer a comunicação da alteração dos factos prevista no citado artº 358º do C.P.P. Entendemos, por isso, que o tribunal poderá utilizar qualquer forma que julgue adequada (indiciados, provisoriamente provados ou, mesmo, provados), até porque, como do próprio texto de tal comunicação se pode concluir, não se trata da decisão final do processo mas da comunicação de alteração dos factos da acusação ou da pronúncia, prevista pelo art. 358º, n.º 1 do CPP.
A expressão utilizada pelo tribunal, seja ela qual for, apenas pode significar que, perante a prova até então produzida, o tribunal entende que tal prova aponta para que se venham a dar como provados os factos nessa comunicação descritos (ou seja, para o tribunal, naquele momento e com aquelas provas, os factos que considera provados são os descritos na comunicação). É que, sendo dado prazo para a organização da defesa e admitida a produção de nova prova, essa prova a produzir só poderá ter o efeito de alterar decisivamente o juízo do tribunal quanto aos factos descritos na comunicação que, precisamente por esse motivo, não encerra qualquer juízo sobre a culpa.
Não podemos esquecer, ainda, que a comunicação não é tanto dirigida ao arguido, mas antes de mais ao seu defensor, conhecedor das normas processuais e dos direitos que a lei reconhece ao arguido, sabendo por isso que, independentemente do rigor técnico utilizado (ou da falta dele), a comunicação não encerra um juízo definitivo sobre a prova, ficando sempre dependente do contraditório que o arguido entenda exercer após tal comunicação ou dos meios de prova que pretenda produzir.
Como se refere no Ac. deste Tribunal da Relação do Porto de 20.01.2010[8]«Esse juízo sobre os factos que resultam da prova produzida nunca poderá ser um juízo definitivo, já que o referido artigo 358º, n.º 1, prevê que ao arguido seja concedido o tempo necessário para a preparação da defesa. A esse juízo sobre os factos que terão resultado da prova produzida poderá chamar-se "convicção provisória" ou designar-se por outra qualquer expressão que traduza a realidade tida em vista pelo citado normativo, sendo certo que não se trata da decisão final do processo, mas apenas da comunicação de alteração dos factos prevista pelo art. 358.º, n.º 1, do C.P.P.
Em todo o caso, mesmo que a comunicação da alteração dos factos utilize a expressão «resultaram provados» ou «provaram-se os seguintes factos», é evidente que não o faz em sentido técnico-jurídico rigoroso, pois tal juízo é sempre provisório e dependente do exercício do contraditório.
Como já se realçou, o artigo 358.º, n.º 1, ao prever que o tribunal comunique ao arguido a alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, está claramente a admitir que o tribunal possa fazer um juízo quanto aos factos antes de proferida a decisão final».
No caso em apreço, ao efetuar a comunicação da alteração não substancial de factos à arguida, o tribunal referiu que: "Produzida a prova em audiência, resultou provado, entre o mais, o seguinte ..." Não obstante a expressão utilizada, o tribunal recorrido acrescentou "decide–se comunicar tal facto à arguida, nos termos do disposto no art.º 358, º, n. º1 do C.P. Penal, a fim de a mesma, querendo, requerer o que tiver por conveniente."
Na sequência de tal comunicação, a ilustre defensora da arguida declarou "nada ter a requerer", como consta da ata de 20.10.2022, com a refª. 44139004. Ou seja, tendo-lhe sido dada oportunidade de exercer devidamente o contraditório, a arguida nada requereu, depreendendo-se, por isso, que se conformou tacitamente com os factos comunicados.
Mas tal comunicação nada tem de definitivo, como se disse, não traduzindo de forma alguma a convicção final do tribunal. Se assim fosse, não faria qualquer sentido conceder à arguida a possibilidade de "requerer o que tivesse por conveniente", ou seja, de exercer o contraditório e oferecer quaisquer provas adicionais. Se a arguida renunciou a exercer os seus direitos de defesa, só de si própria se poderá queixar.
De realçar que, quando o artº 379º nº 1 al. b) do C.P.P. comina de nulidade a sentença que condena por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, reporta-se às situações em que o tribunal, pura e simplesmente, omite a comunicação ao arguido a que alude o artº 358º do C.P.Penal. E não quando, tendo efetuado tal comunicação e concedendo-lhe efetivamente oportunidade de defesa relativamente aos factos comunicados, utiliza expressões suscetíveis de induzir um qualquer juízo definitivo sobre os mesmos.
Não se verifica, assim, no caso sub judice, a nulidade da sentença prevista no artº 379º nº 1 al. b9 do C.P.Penal.
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No que respeita à comunicação à arguida da alteração da qualificação jurídica dos factos, apenas diremos que, no caso em apreço, não ocorreu qualquer alteração da qualificação jurídica.
O que aconteceu foi que o procedimento criminal relativamente ao crime de ofensas à integridade física imputado à arguida CC e de que era ofendido EE, já fora julgado extinto por desistência de queixa e ordenado o prosseguimento dos autos para julgamento quanto aos restantes crimes imputados à mesma arguida e de que era ofendida a assistente DD.
Tendo a arguida aceitado a desistência de queixa por parte do ofendido EE e tendo a mesma sido judicialmente homologada, o procedimento criminal quanto a esse ilícito não poderia sequer prosseguir por falta de uma condição objetiva de procedibilidade.
Pelo que nem sequer havia lugar à comunicação prevista no artº 358º do C.P.Penal.
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Da impugnação da matéria de facto:
Alega a recorrente que os factos provados sob os nºs 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 15.º; 18.º; 19.º; 20.º; 21.º dos factos provados se mostram incorretamente julgados.
A arguida/recorrente deduziu impugnação ampla, com observância do ónus de tríplice especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artº 412.º do C.P. Penal, o que nos habilita a procedermos à reapreciação da prova, no que importa articular os poderes de conhecimento do tribunal de recurso com os princípios relativos à produção e à valoração da prova no tribunal de 1.ª instância, especialmente com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº 127.º do C.P.P., princípio que vale também para o tribunal de recurso.
Traduzindo-se a livre apreciação das provas numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, a falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, a não vivência do julgamento, sede do contraditório, com privação da possibilidade de intervir na produção da prova pessoal, serão, por assim dizer, limites epistemológicos a que a Relação deverá atender na sua apreciação, ainda que não constituam barreiras intransponíveis a que faça a ponderação, em concreto e autónoma, das provas identificadas pela recorrente, que podem conduzir à conclusão de que tais elementos de prova impõem um juízo diverso do da decisão recorrida.
Teremos sempre presente que este tribunal deve apreciar - tal como se impõe ao tribunal de 1ª instância - de forma crítica todos os elementos probatórios, de acordo com aquele princípio da livre apreciação da prova, onde as regras da experiência constituem trave mestra.
Vejamos, então:
Como consta da motivação de facto da sentença sob recurso, a Srª. Juiz baseou a sua convicção nas declarações da assistente DD que "prestou um depoimento que ao tribunal pareceu verdadeiro, espontâneo e consistente. Confirmou o contexto e disse que apenas foi acompanhar o companheiro na realização do teste e que não conhecia nenhuma das arguidas. Disse que mal chegaram, as 3 arguidas se aproximaram dos ofendidos e que viu a AA a bater no EE e de seguida a CC dirigiu-se ao EE (que é afilhado da CC) e também o agrediu. Que logo de seguida este agarrou a CC enquanto a AA lhe puxou os cabelos, atirou-a ao chão e a BB e a AA começaram a bater-lhe com pontapés nas várias partes do corpo. Que nesse momento deixou de ver o ofendido EE, mas asseverou que este agarrava a CC, assim a tendo impedido de também a pontapear. Asseverou que a CC não lhe bateu diretamente a si, mas pela postura desta ficou convencida que se o EE não a agarrasse também lhe iria bater. Necessariamente a arguida CC ao ocupar-se do EE, impediu que este socorresse a namorada DD. Estas circunstâncias permitem-nos concluir que as 3 arguidas agiram em comunhão de esforços, ficaram à espera que os ofendidos chegassem e aderiram todas ao plano de se envolverem fisicamente." O Tribunal baseou ainda a sua convicção no depoimento prestado pelo ofendido EE que "descreveu os factos de forma menos pormenorizada, mas confirmou o que havia dito a ofendida DD. Os depoimentos prestados pelos ofendidos foram espontâneos e objetivos, quer pela linguagem utilizada, quer pelos pormenores que revelaram, quer pela forma como descreveram os factos, foi perceptível ao tribunal que os seus depoimentos não foram concertados (sendo certo que o EE referiu que já não têm qualquer relacionamento entre si). Nenhum deles efabulou a situação e nenhum deles demonstrou qualquer animosidade relativamente às arguidas, tanto assim, que os desentendimentos que os apartavam já se mostravam ultrapassados. O depoimento dos ofendidos foi consistente entre si e com as regras da experiência comum. A ofendida DD disse várias vezes que a CC não lhe tocou mas que estava do lado das outras arguidas e por isso se convenceu que se não fosse o EE a agarrá-la também a teria agredido. Note-se que a DD nada tinha contra a arguida CC, que nem conhecia e em face da circunstância de as desavenças já estarem ultrapassadas, não tinha razões para efabular e inventar a ocorrência. Por todas as sobreditas razões o tribunal atribuiu credibilidade aos depoimentos dos ofendidos."
Contudo, do depoimento prestado pela testemunha EE e gravado em suporte audio, o que se verifica é que o mesmo declarou ao tribunal que chegou ao INML do Porto atrasado relativamente à hora marcada, acompanhado da sua então namorada DD e que, de imediato, foi agredido pela AA (mãe da sua filha) em diversas zonas do corpo. De seguida, quando a DD se aproximou, a AA virou-se contra ela e, nesse momento, a arguida CC (madrinha da testemunha EE) dirigiu-se a ele aos gritos e aos berros, levantou-lhe a mão, conseguindo dar-lhe um "chapo" (estalo) na face esquerda, mas só conseguiu tocar-lhe uma vez, porque a testemunha agarrou-lhe as mãos para que ela não lhe batesse mais.
Ou seja, do depoimento desta testemunha, o que se depreende é que ele agarrou as mãos da arguida para que esta não voltasse a agredi-lo e não para evitar que a arguida agredisse a DD (contrariamente ao que se considerou provado).
Por outro lado, ouvidas as declarações prestadas pela assistente DD resulta que quando se aproximou do seu namorado EE, que estava a ser agredido pela arguida AA, esta virou-se contra si agredindo-a e lançando-a ao chão, enquanto a arguida CC passou a agredir o EE. Garantiu nunca ter sido agredida pela arguida CC e que no processo consta o nome "desta senhora" por ter agredido o EE.
Mais acrescentou a assistente DD: "se ele não a agarrasse, além de ser agredida pelas outras duas, se calhar, seria também agredida por esta"; mas ela não me agrediu." Mais acrescentou: "o EE segurou o tempo inteiro esta senhora, com medo de ser mais uma em cima de mim." "... ele não podia largá-la porque, se calhar (pensava ele, como posso pensar eu) que seria mais uma em cima de mim". Não obstante, esta testemunha também referiu "o EE teve que lhe agarrar as mãos porque ela batia-lhe na cabeça".
Da conjugação de tais depoimentos e da circunstância de, à data dos factos, a arguida CC nem sequer conhecer a assistente DD e vice-versa, entendemos que o tribunal recorrido se precipitou ao considerar que a arguida CC tinha intenção de agredir fisicamente a DD, tendo agido de forma, livre, voluntária e consciente, conjuntamente e em comunhão de esforços, com intenção de molestarem fisicamente o ofendido e a assistente, atingindo-os na sua integridade física, e de lhes causarem lesões como aquelas verificadas.
Se a arguida CC apenas agrediu o EE e se este declarou que a agarrou "para que ela não lhe batesse mais" e não para evitar que agredisse a DD; se a própria DD declarou que a CC nunca a agrediu e que o EE teve que agarrar as mãos da arguida CC porque ela lhe batia na cabeça; a hipótese aventada pela assistente DD "ela não podia largá-la porque, se calhar, seria mais uma em cima de mim", para além de ser contraditória com a parte das declarações de que o EE a agarrou para que ela não lhe batesse (ao EE) na cabeça, não passa de mera conjetura, pois que nada no comportamento da arguida CC parece ter sido suscetível de traduzir a vontade desta de agredir a assistente.
Acresce que, como a própria assistente DD admitiu no início das sus declarações, "elas não imaginavam que ele viria acompanhado". Todas estas circunstâncias afastam, ou pelo menos, colocam sérias dúvidas sobre a atuação conjunta e em comunhão de esforços da arguida CC com as restantes arguidas, e sobre a intenção de esta arguida molestar fisicamente a assistente.
Tendo em consideração os elementos probatórios que acabámos de realçar e tendo em vista que o critério da prova além de toda a dúvida razoável constitui o parâmetro em função do qual tem de ser resolvida a questão da prova para permitir a condenação, afigura-se-nos não ser possível sustentar uma convicção para além de toda a dúvida razoável relativamente à intervenção conjunta da arguida/recorrente CC e das restantes arguidas relativamente às lesões físicas sofridas pela assistente DD.
Estabelece o artigo 127.º do C.P.P. que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, no que se convencionou designar de “livre apreciação da prova”.
As normas da experiência são “...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto «sub judice», assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade”[9].
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias[10], livre apreciação significa ausência de critérios legais pré-fixados e, simultaneamente, “liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» –, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, susceptível de motivação e controlo”.
Segundo o mesmo autor, não poderá tratar-se de uma convicção puramente subjetiva e emocional, mas antes de uma convicção que, sendo pessoal, é necessariamente objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros, sendo que a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, resultado de um convencimento do juiz sobre a verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Escreve Figueiredo Dias (ob. cit.): “Uma tal convicção existirá quando e só quando – parece-nos este um critério prático adequado, de que se tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana – o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.”
Não ignorando a polémica doutrinal que envolve a fundamentação do princípio in dubio e a sua relação com o princípio da presunção de inocência – entre teorias uniformizadoras que identificam os dois princípios e teorias diferenciadoras que distinguem o seu alcance e conteúdo -, temos que perante uma dúvida sobre os factos desfavoráveis ao arguido, que seja insanável, razoável e objectivável, o tribunal deve decidir “pro reo”.
Ensina, sobre a matéria, o Prof. Figueiredo Dias[11]: “À luz do princípio da investigação bem se compreende, efetivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo”.
Como se refere no Ac. Rel. Lisboa de 07.05.2019[12], que aqui seguimos de perto «sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, compreende-se o entendimento, repetidamente afirmado na jurisprudência do Supremo, de que não resultando da decisão que o tribunal ficou num estado de dúvida sobre os factos e que «ultrapassou» essa dúvida, dando-os por provados, contra o arguido, ao S.T.J. fica vedada a possibilidade de decidir sobre a violação do princípio «in dubio pro reo» dado o quadro dos respectivos poderes de cognição, restritos a matéria de direito.
Por isso se diz que no S.T.J. só pode conhecer-se da violação desse princípio quando da decisão recorrida resultar que, tendo o tribunal a quo chegado a um estado de dúvida sobre a realidade dos factos, decidiu em desfavor do arguido; ou então quando, não tendo o tribunal a quo reconhecido esse estado de dúvida, ele resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, nos termos do vício do erro notório na apreciação da prova.
Não se compreende que se siga o mesmo raciocínio na Relação.
Realmente, a recondução da violação do princípio “in dubio” ao erro notório na apreciação da prova enunciado na alínea c) do n.º2 do artigo 410.º do C.P.P., leva a que se diga, por vezes, que não se trata de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o “in dubio…” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas” e que a apreciação pelo Tribunal da Relação da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto do artigo 410.º, n.º2.
Para quem entenda que apenas o estado de dúvida subjetivamente sentida pelo julgador constitui o pressuposto específico do princípio in dubio pro reo, aquele princípio não se mostrará violado quando o tribunal de julgamento não se confrontou com dúvida séria sobre a prova do facto desfavorável ao arguido.
Uma outra abordagem da questão é a de que o princípio in dubio pro reo deve ser entendido objetivamente, não se exigindo a dúvida subjetiva ou histórica, para que possa ocorrer a sua violação.
Nesta perspectiva – que é a nossa -, no caso de o tribunal dar como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, mesmo que não a reconheça, há violação do princípio se, do confronto com a prova produzida, se conclui que se impunha um estado de dúvida.
Ora, a Relação, diversamente do S.T.J., conhece de facto.
Mesmo que a violação do princípio in dubio não resulte do texto da decisão recorrida, só por si ou conjugada com as regras da experiência comum, enquanto erro notório na apreciação da prova [cfr al. c) do n.º2 do artigo 410.º do C.P.P., pode a mesma ser detectada no âmbito de impugnação ampla da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Ou seja: fora dos limites do erro notório na apreciação da prova, o recurso da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla, habilita a Relação, que conhece de facto, a reapreciar as provas, a formular a sua livre convicção quanto às mesmas e a determinar se o tribunal de 1.ª instância, independentemente de se ter visto subjetivamente confrontado com a situação de dúvida, julgou provado facto desfavorável ao arguido apesar de a prova disponível não permitir, de forma racional e objetiva, à luz das regras da experiência e/ou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório, ultrapassar o estado de dúvida sobre a realidade do facto.»
No caso em apreço, a prova pessoal produzida não é, em nossa opinião, concludente quanto às agressões imputadas à arguida CC, ainda que em coautoria com as restantes arguidas. As testemunhas inquiridas não descrevem os acontecimentos em consonância com a versão apresentada pela acusação e que veio a ser dada como provada e a arguida nega a prática dos factos, embora tenha referido que nem sequer saiu do carro, sendo que a prova produzida não confirma esse facto.
Conclui-se assim que a prova produzida não habilita a afirmar, para além de toda a dúvida razoável, que a arguida/recorrente, agindo em comunhão de esforços e intentos com as restantes arguidas, tenha molestado fisicamente a assistente (ainda que sem a ter atingido pessoalmente) pelo que se impõe a atuação do princípio in dubio.
Assim sendo, consideram-se como não provados os pontos de facto nºs 5, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 19, 20, 21, 22 e 23 o que determina, como consequência, a absolvição da arguida/recorrente do crime e do correspondente pedido civil por que foi condenada.
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pela arguida CC, dando como não provados os pontos de facto nºs 5, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 19, 20, 21, 22 e 23 e, em consequência, revogam a sentença condenatória e absolvem a arguida/recorrente do crime e do correspondente pedido civil por que foi condenada.

Sem tributação.

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Porto, 08 de novembro de 2023
(Elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários, com voto de vencido do Exmº. Sr. Juiz Desemb. Pedro Vaz Pato, primitivo relator)
Eduarda Lobo
Castela Rio
Pedro Vaz Pato [VOTO DE VENCIDO: Com todo o respeito que merece a tese que obteve vencimento, formulo voto de vencido nos seguintes termos:
Estatui o artigo 379º, nº 1, do Código de Processo Penal que é nula a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º.
Estatui o referido artigo 358º que se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
A razão de ser desta comunicação prende-se com as exigências do princípio da vinculação temática, que está estritamente associado às garantias de defesa do arguido. Estas impõem que o arguido saiba quais os factos que lhe são imputados e possa defender-se dessa imputação. Se se verificar uma alteração desses factos, deve o arguido poder defender-se contando com tal alteração, para que não seja surpreendido pela mesma apenas quando lhe for lida a sentença. Se, por exemplo, essa alteração for relativa à hora da prática dos factos, deve o arguido ter a oportunidade de se defender contando com essa alteração (podendo, eventualmente, apresentar prova de que nesse momento não estava no local, ou alegar nesse sentido).
A comunicação a que se reporta o artigo 358º do Código de Processo Penal não pode, porém, representar uma tomada de posição do tribunal a respeito da prova. Se assim fosse, de nada serviria dar oportunidade de defesa ao arguido. Se o tribunal já tomou a sua posição definitiva quanto à prova dos factos, de nada serve dar ao arguido a oportunidade de se defender perante a alteração em causa; de nada serve que este apresente novos meios de prova ou alegações quando a convicção do tribunal quanto à prova já está firmada. Assim, o que deve ser comunicado não é alguma decisão do tribunal quanto à prova, mas a simples eventualidade de esta poder vir a integrar a alteração em causa (e, portanto, com a abertura a que a prova eventualmente apresentada pelo arguido ou as alegações deste possam convencer o tribunal de que isso não suceda). Trata-se de uma advertência e um alerta, não da comunicação de uma decisão. Só assim tem sentido dar oportunidade de defesa ao arguido e só assim se respeitam cabalmente os direitos de defesa deste.
Ora, no caso em apreço, os termos da comunicação efetuada dão a entender, claramente, que a convicção do tribunal já estava, na altura, firmada (alude-se a um facto que «da prova produzida em audiência», «resultou provado»). Não se compreende, por isso, que à arguido fossem dadas oportunidades de defesa quando essa convicção já estava firmada. As oportunidades de defesa só se justificariam se essa convicção não estivesse firmada. A comunicação fica, deste modo, reduzida a um formalismo vazio de sentido e utilidade.
Tal expressão não pode deixar de ser interpretada com o sentido claro e unívoco que tem na linguagem corrente e na linguagem jurídica. “Está provado” significa “está provado”, e não “poderá eventualmente vir a considerar-se provado”. Qualquer destinatário da mesma, tenha ou não formação jurídica, só pode interpretá-la dessa forma e não pode deixar de considerar que a convicção do tribunal já está (sendo que não devia estar) definitivamente formada.
Assiste, pois, razão à arguida e recorrente quando alega, no recurso intercalar que interpôs, que a comunicação em apreço não salvaguarda os seus direitos de defesa.
Deve, assim, concluir-se que a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 379º, nº 1, b), do Código de Processo Penal, por não ter sido corretamente observado o disposto no artigo 358º do Código de Processo Penal.
Pode ver-se neste sentido e em face de uma situação análoga, o que se afirma no recente acórdão desta Relação de 12 de julho de 2023, proc. n.º 492/15.3T9VLG.P1, relatado por Pedro Afonso Lucas (in www.dgsi.pt): «O regime previsto no artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal impõe que a comunicação da alteração não substancial de factos em causa não encerre um juízo definitivo sobre a prova positiva dos mesmos, de tal forma que, no entender do tribunal, in limine esteja condenada à inutilidade qualquer atividade probatória subsequente relativamente aos mesmos; consequentemente, determina também que a concessão de oportunidade de defesa relativamente aos novos factos, seja real e efetiva, isto é, deve traduzir–se, pelo menos, numa substantiva ponderação sobre a utilidade e essencialidade material da produção dos meios de prova suplementar que venha a ser requerida pelo arguido.
No caso vertente, resulta das incidências processuais reportadas à comunicação de alteração de factos ocorrida em julgamento que aquilo que o Tribunal a quo comunicou foram, afinal, factos cuja demonstração já considerava perfeitamente assentes e indiscutíveis no momento daquela comunicação, e, por outro lado, que o prazo que concedeu ao arguido, na sequência da mesma comunicação, não foi «para preparar a sua defesa» em termos materiais, mas tão só para tomar melhor conhecimento da factualidade alterada e, querendo, simplesmente se pronunciar quanto à mesma – não apreciando sequer o Tribunal da material relevância dos meios suplementares de prova requeridos; assim, não se mostram respeitados os pressupostos do regime aqui em causa, sendo, por isso, a sentença (que considerou assentes os factos em causa) nula nos termos do artigo 379.º, n.º 1, b), do Código de Processo Penal, tendo como consequência a invalidade de toda a tramitação processual subsequente à apresentação do requerimento do arguido na parte do mesmo que se reporta à produção suplementar de meios de prova.»
Também neste sentido se havia pronunciado o acórdão desta Relação de 25 de junho de 2013, proc. n.º 14722/10.4TDPRT.P2, também relatado pelo agora relator: «A comunicação a que se reporta o artigo 358.º do Código de Processo Penal não pode envolver uma decisão quanto à matéria de facto provada, mas uma simples advertência quanto à eventualidade de essa matéria integrar a alteração de factos indicada.»
Deve, assim, concluir-se que a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 379º, nº 1, b), e n.º 2, do Código de Processo Penal, por não ter sido corretamente observado o disposto no artigo 358º do Código de Processo Penal.
_______________
[1] No início da audiência de julgamento a Assistente DD desistiu da queixa apresentada contra as arguidas, a qual foi aceite pelas arguidas AA e BB, não tendo a arguida CC aceitado a desistência de queixa.
[2] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[3] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[4] Proferido no Proc. nº1511/04.PBSXL.L1.5, relator José Adriano, disponível em www.dgsi.pt
[5] Cfr, neste sentido, o Ac. R.Évora de 31.05.2011, Proc. nº 26/09.9ZRLSB.E1, relator Edgar Valente, disponível in www.dgsi.pt
[6] De notar que já subscrevemos no Ac. deste TRP de 25.06.2013, a posição do primitivo relator deste processo. Porém, ponderando de novo a situação, entendemos infletir na posição que então subscrevemos, pelos fundamentos que passamos a explicitar.
[7] In Curso de Processo Penal, Verbo, III, 2000, pág. 273.
[8] Proferido no Proc. nº 93/07.0GAMTR.P1, Desemb. Jorge Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 300.
[10] In Direito Processual Penal, reimpressão de 1984, págs. 202-203.
[11] Ob. cit., pág. 213.
[12] Proferido no Proc. nº 485/15.0GABRR.L2-5, Des. Jorge Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt.