EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
FUNDAMENTOS
ACÇÃO DECLARATIVA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA DE PRECLUSÃO
Sumário

I–Um/a executado/a que deduz oposição a uma execução invocando que não subscreveu a letra aí apresentada como título executivo e vê a oposição soçobrar por não ter indicado o valor da acção (por decisão transitada em julgado após recurso) vê precludida a possibilidade de, com o mesmo fundamento, intentar uma acção declarativa de condenação (também) contra a exequente, para se ver ressarcida dos danos provocados pela utilização da letra que entende não ter subscrito.

II–Conduz à absolvição da instância, a verificação oficiosa da excepção dilatória inominada de preclusão do direito de defesa.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa [1]



RELATÓRIO



M… intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra
- MASSA INSOLVENTE…,
- C…, e
                 - A…
peticionando a condenação solidária dos Réus no pagamento:
- da quantia de € 24.408,02 a título de danos patrimoniais, por corresponder à quantia exequenda no processo n.º 2602/10.8TBTVD, que estão a ser cobrados à Autora, acrescida dos juros legais já vencidos e dos que se vencerem desde a citação até integral cumprimento, ordenando à Ré a imediata restituição dos montantes já penhorados à Autora;
- da quantia de € 20.000 a título de danos morais acrescida de juros, desde a citação até integral pagamento.
Em suma, alega a Autora, que:
- tomou conhecimento em 25/03/2011, de lhe ter sido penhorado 1/3 do salário no âmbito do processo de execução n.º 2602/10.8TBTVD, do 3.º Juízo de Torres Vedras, onde o título executivo é uma letra com uma assinatura na qual se lia o seu nome, embora nunca a tenha assinado;
- o ex-marido da Autora foi sócio do Réu A…, na empresa x até 2006, data da notificação judicial avulsa pela qual renunciou à gerência (embora desde 2005 já não exercesse qualquer atividade nessa empresa);
- apresentou oposição à execução no referido processo a 14/04/2011, não sendo nessa peça indicado o valor da mesma, vindo a “falecer a acção por falta de suprimento desta formalidade quando notificada a mandatária pelo tribunal para a fazer e não ao fez”;
- as penhoras no salário da Autora tiveram início em Julho de 2011 e continuam até ao momento, no valor de cerca de € 150 por mês;
- continua por apurar quem apôs a assinatura com o nome da Autora na letra em causa, continuando os descontos no vencimento (até € 24.408,02) agravando-se os seus prejuízos e desgaste nervoso;
- a dívida em causa é da x, A… e C…, os quais se eximiram ao pagamento;
- foram a X e os seus sócios A… e C…, que deram à execução a letra, não ignoram como tal letra lhes veio parar às mãos, de que forma a obtiveram, quem a preencheu e assinou, fazendo uso dela, dando-a a uma execução sabendo que não era documento válido por a assinatura nela aposta não ser verdadeira, não sendo alheios aos danos que tal conduta causaria à Autora;
- a Ré Massa Insolvente…, sabe destes factos, e já informou a Autora de que a dívida que lhe cobram está fundada num título executivo falso, por ter aposta uma assinatura falsa;
- apesar disso, a massa insolvente…, prosseguiu a execução sem nada querer averiguar;
- estamos diante de uma situação de enriquecimento sem causa e devem ser reparados os seus danos, não pela restauração natural (com a devolução à Autora, com juros, da parte do seu salário que lhe tem sido penhorada e pela sua absolvição do pedido deduzido no processo executivo n.º 2602/10.8TBTVD), mas também pela reparação do dano na honra e reputação do stress, angústia, dor, mal-estar, perturbação de sono, transtornos e incómodos por si sofridos.
A Autora junta certidão do processo n.º 2602/10.8TBTVD, do 3.º Juízo do Tribunal de Torres Vedras, do qual resulta o fundamento da oposição por si apresentada, assentava nas circunstâncias de não ter assinado a letra apresentada como título executivo, de o seu marido e também executado AM…, não exerce de facto poderes de gerência, nem quaisquer poderes na sociedade executada desde 2005, nada assinando desde essa altura.
Citados os Réus, vieram apresentar Contestação:
- os Réus A… e C…, excepcionando com a ineptidão da Petição Inicial, a sua ilegitimidade e impugnando a factualidade alegada e requerendo a sua condenação em litigância de má fé;
- a Ré Massa Insolvente…, Lda.:
- excepcionando com a prescrição do direito da Autora;
- assinalando que está a ser peticionada a condenação dos Réus na totalidade do valor em divida (€ 24.408,02), quando esse valor ainda não foi pago, pelo que quer a Autora fazer seu um valor que ainda não pagou;
- excepcionando com o caso julgado, por a acção executiva que a Autora se refere ter dado entrada em 23/09/2010, correndo termos no Juízo de Execução de Loures - Juiz 2, sob o n.º 2602/10.8TBTVD, na qual esta deduziu oposição à execução (apenso A), sendo que a acção agora contestada se restringe aos factos já aí invocados e que a 11/10/2011, foi aí proferida a sentença (decidindo-se julgar verificada a excepção dilatória inominada, emergente da falta de indicação do valor da causa pela oponente conforme assim impõe o artigos 467.º, n.º 1, alínea f), do CPC, absolvendo-se a exequente da instância), que foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação, onde foi confirmada. Assim, como a acção agora contestada tem como base os factos já invocados na oposição à execução e tem o mesmo fim (o não pagamento da divida) tal implica a que implica a absolvição da Ré da instância (n.º 2 do artigo 576.º e alínea i) do artigo 577.º).
- impugnando a factualidade alegada e pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé.
A Autora veio responder às excepções defendendo a sua improcedência.
O Tribunal a quo proferiu despacho de aperfeiçoamento da Petição Inicial, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.º 2, alínea b), e nº 4, do Código de Processo Civil, no sentido de esclarecer quem efectivamente entregou a letra em causa à Ré Massa Insolvente… e em que circunstâncias tal sucedeu, bem assim como para especificar que dívida da X está em causa, por forma a que se pudesse aferir quem é o responsável por dívida e porquê, na medida em que a empresa X já foi extinta.
Apresentada Petição aperfeiçoada e respondida pelos Réus, foi dispensada a realização de Audiência Prévia.
Saneada a acção, o Tribunal a quo decidiu julgar improcedente a arguição da ineptidão da Petição Inicial, bem assim como a excepção de ilegitimidade dos Réus.
Por outro lado, e quanto à excepção dilatória inominada de preclusão do direito de defesa, o Tribunal escreveu o seguinte:
“Nos termos do disposto no artigo 580º do Código de Processo Civil, a exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
Dispõe o artigo 581º do mesmo diploma legal:
1.- Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2.- Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3.- Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4.- Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.
O caso julgado constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância.
Há ainda que ter em conta o preceituado no artigo 619º, nº 1 do CPC, que refere que transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.
Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 621º do mesmo diploma, a sentença constituiu caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Tais preceitos referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado (artigo 628º do CPC), que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial.
O instituto do caso julgado abrange duas realidades, por um lado a autoridade do caso julgado e por outro lado a exceção dilatória do caso julgado, que tem por fim evitar a repetição de causas (artigo 498º do CPC), estamos assim perante dois efeitos distintos da mesma realidade jurídica.
Conforme refere o Prof. Miguel Teixeira de Sousa ( in “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, p. 49 e seg.”), “a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.
Assim, a autoridade do caso julgado, ao contrário da exceção do caso julgado, funciona independentemente da verificação da tríplice identidade a que se refere o artigo 581º do CPC, pressupondo sempre a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
A força do caso julgado material abrange, para além das questões decididas no dispositivo da sentença, também as questões que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva da decisão, ou seja, o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos, atingindo esses fundamentos como pressupostos da decisão.
A força e a autoridade atribuídos à decisão transitada em julgado visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida em termos diferentes por outro ou pelo mesmo tribunal.
A autoridade de caso julgado tem a ver com a existência de relações entre ações e não de identidade jurídica (exceção de caso julgado), julgada, em termos definitivos, uma certa questão em ação que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre essa questão, impõe-se necessariamente em todas as ações que venham a correr termos, ainda que incidindo sobre objeto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objeto previamente julgado.
Relacionada com o caso julgado surge a figura da preclusão decorrente das normas constantes dos artigos 564º, alínea c) e 573º do Código de Processo Civil, que impõem ao réu o ónus da oportuna dedução de todos os meios de defesa que considere ter ao seu dispor face à pretensão do autor, sob pena de lhe ficar vedada a possibilidade de colocar questões não abordadas e decididas em ações futuras, o que implica chamar a colação o princípio da concentração dos meios de defesa, pois sempre que seja imposto um ónus de concentração, verifica-se a preclusão de um facto não alegado.
O princípio da preclusão é um dos princípios enformadores do processo civil e o facto de não constar expressamente de nenhum preceito processual civil decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento no instituto da litispendência e do caso julgado (artigo 580º, nº 2, do Código de Processo Civil), e nos preceitos de onde decorre o reconhecido princípio da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito e das exceções (artigos 552º, nº1, alínea d) e 573º, nº 1 do Código de Processo Civil)..
A preclusão emerge da omissão da prática de um ato no momento legal ou judicialmente fixado, e resulta também da não realização do ato no processo adequado, ainda que respeitando o prazo para a sua prática, pois que a citação do réu o inibe de propor uma ação destinada à apreciação da questão jurídica colocada pelo autor (artigo 564º, alínea c), do CPC).
Tal como refere Miguel Teixeira de Sousa, “A preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo não pode ser realizado num outro processo. Importa salientar um aspecto essencial: a preclusão intraprocessual e a preclusão extraprocessual não são duas modalidades alternativas da preclusão (no sentido de que a preclusão é intraprocessual ou extraprocessual), mas duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão: primeiro, verifica-se a preclusão da prática do acto num processo pendente; depois, exactamente porque a prática do acto está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do acto num outro processo.
Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o acto num outro processo. (…)
O exposto terá demonstrado que a preclusão extraprocessual é independente do caso julgado, porque opera mesmo que o processo no qual se produziu a correspondente preclusão intraprocessual não esteja terminado com sentença transitada em julgado. Sendo assim, pode concluir-se que a preclusão não necessita do caso julgado para produzir efeitos num outro processo. (…).”
A concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os invocar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, pois se alguém é demandado e dispõe de factos idóneos para se opor à pretensão de quem o demanda, não faz sentido que não concentre nessa defesa todos os argumentos de facto e de direito de que disponha, devendo, pois, invocá-los de uma só vez, com vista a permitir a resolução definitiva do litígio.
Ou seja, de molde a evitar a preclusão da alegação do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado.
No caso em apreço, a A. invoca que foi dada à execução, na qual figura como executada, e onde se encontra penhorado uma parte do seu vencimento, uma letra alegadamente por si subscrita, mas que não subscreveu essa letra, desconhecendo quem apôs o seu nome na mesma e em que circunstâncias, requerendo a condenação dos RR. No pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu, e sofre, com a ação executiva e consequente penhora do seu salário.
Sucede, porém, que a A., deduziu oposição à execução, o que deu origem ao Apenso A no processo executivo, e nesse apenso foi proferida decisão, transitada em julgado, que considerou verificada a exceção dilatória inominada de falta de indicação do valor da causa, ora, sendo o único meio que a A. tinha ao seu dispor para atacar o título executivo, pois a oposição à execução visa a extinção da execução mediante o reconhecimento da inexistência do direito exequendo, ou da falta de um pressuposto da ação executiva (nomeadamente, qualquer vício quanto a título executivo), não pode a A. noutra ação colocar em causa aquele título executivo, pois não tendo na oposição à execução sido atacado o referido título (sendo que para o efeito é indiferente a razão que levou à absolvição da instância na oposição à execução), o título executivo tornou-se perfeito e inatacável.
Deste modo, ficou precludido o direito da A. de, noutra ação, invocar os meios de defesa que poderia e deveria ter invocado no processo executivo, pois uma vez inobservado o ónus de praticar o ato, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do ato, não podendo, pois, a A. nesta ação pôr em causa a letra dada à execução e peticionar alegados danos decorrentes da vícios da letra.
Como a preclusão atua através das exceções de litispendência e de caso julgado, estamos perante uma exceção dilatória de conhecimento oficioso pelo tribunal, o que conduz à absolvição dos RR. da instância (artigos 576º, nºs 1 e 2, 577º, alínea i) e 578º do CPC).
Face ao decidido, fica prejudicada a apreciação da exceção de prescrição invocada pela R. Massa Insolvente …, Lda.
Nos termos e fundamentos expostos, julga-se verificada a exceção dilatória inominada de preclusão do direito de defesa e, em consequência, absolvem-se os RR. da instância.
As custas são a cargo da A. (artigo 527º do CPC).
Registe e notifique”.
*

É desta Decisão que a Autora veio apresentar Recurso, juntando Alegações, que culminam com as seguintes Conclusões:
1- Não há formação de caso julgado por não estarem preenchidos os requisitos plasmados no artigo 620.º do CPC para que tal se verifique.
2- Igualmente não se verifica a excepção dilatória inominada de preclusão do direito de defesa, plasmado no artigo 573.º do mesmo diploma,
3- já que os autos n.º 2602/10.8TBTVD tratam-se de processo executivo e os presentes de uma ação de responsabilidade civil para reparação de danos,
4- danos esses causados por partes que não o eram naquele processo executivo,
5- sendo certo que nenhum dos Réus invocou essa excepção inominada, pelo que o tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 609.º do CPC, estava impedido de dela lançar mão.
6- Assim, caso não proceda o presente recurso, e se não foi apreciado o mérito da presente ação, fica prejudicado o Princípio da Restauração Natural da situação que tinha a A. antes de sofrer às mãos dos Réus, e é portanto também violado o disposto no artigo 562.º do Código Civil.
7- O Tribunal recorrido estravazou os seus poderes jurisdicionais e violando as disposições dos supra referidos artigos do CPC denega Justiça à A. no despacho saneador do qual se recorre”.
A Ré Massa Insolvente… veio apresentar Contra-Alegações, que culminou com as seguintes Conclusões:
I- A apelação tem efeito meramente devolutivo, nos termos e para os efeitos do n.º 1, do art. 647.º do CPC.
II- A autora limitou o seu recurso à apreciação da exceção dilatória inominada de preclusão do direito de defesa.
III- A autora invocou que o Tribunal a quo extravasou os seus poderes jurisdicionais.
IV- Entende a ré Massa Insolvente… que andou bem o Tribunal a quo pois a exceção em análise (exceção dilatória inominada de preclusão do direito de defesa) é de conhecimento oficioso e implica a absolvição dos réus”.
*

QUESTÕES A DECIDIR
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[2]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente importa verificar da correcção da decisão do Tribunal a quo, quanto à excepção inominada de preclusão do direito de defesa.
Cumpre decidir, cumpridos que foram os Vistos.

OS FACTOS
A factualidade a considerar é a que resulta do Relatório.
*

O DIREITO
A decisão sob recurso apresenta-se elaborada de forma bem estruturada, com linguagem clara e bem fundamentada, restando apenas verificar da sua correcção.
E, de facto, pouco há a acrescentar ao referido pelo Tribunal a quo dada a linearidade da situação:
- alguém intenta uma execução, tendo como título executivo uma letra;
- a executada apresenta uma oposição, onde defende não ter subscrito a letra em causa;
- a oposição foi decidida julgando-se verificada a excepção dilatória inominada, emergente da falta de indicação do valor da causa pela oponente, de acordo com o artigo 467.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Civil, absolvendo-se a exequente da instância;
- a mesma executada intenta a presente acção contra a dita exequente (------, Lda.) e outras duas pessoas que teriam entregue a letra a tal exequente sabendo ser falsa, por nela constar assinatura que não foi aposta pela ora Autora, imputando a todos os danos que sofreu e continua a sofrer.
Perante esta situação processual objectiva, o Tribunal julgou verificada a excepção dilatória inominada de preclusão do direito de defesa.
E com toda a razão!
De facto, a decisão prolatada na oposição à execução tem efeitos preclusivos e de vinculação, que impedem a ora Autora de exercer um direito que já exerceu na execução (fazendo-o mal processualmente, o que originou a improcedência dos embargos, com a absolvição da instância da Exequente), agora numa acção declarativa posterior em que invoca a mesma causa de pedir base (in casu, o não ter assinado a letra que – na execução – constituía título executivo, ou seja, a “inexistência ou inexequibilidade do título”, nos termos do artigo 729.º,n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil).
Miguel Teixeira de Sousa refere que a “preclusão obsta a que, num processo pendente, um acto possa ser praticado depois do momento definido pela lei ou pelo juiz: é a preclusão intraprocessual.
Por exemplo:
i) na petição inicial, o autor tem o ónus de alegar os factos que constituem a causa de pedir (art. 552.º, n.º 1, alínea d)); se o não fizer, não pode alegar esses factos em momento posterior da acção;
(ii) no final da petição inicial, o autor tem o ónus de indicar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova (art. 552.º, n.º 2 1.ª parte); se não cumprir este ónus, esse demandante não pode entregar mais tarde o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.
A preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo não pode ser realizado num outro processo.
Importa salientar um aspecto essencial: a preclusão intraprocessual e a preclusão extraprocessual não são duas modalidades alternativas da preclusão (no sentido de que a preclusão é intraprocessual ou extraprocessual), mas duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão: primeiro, verifica-se a preclusão da prática do acto num processo pendente; depois, exactamente porque a prática do acto está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do acto num outro processo[3].
Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o acto num outro processo.
Um exemplo simples mostra que assim é. Utilize-se (…) o ónus de concentração da defesa do réu na contestação (cf. art. 573.º, n.º 1): suponha-se que, na contestação, o réu não invoca uma possível causa de invalidade do negócio jurídico alegado pelo autor; o réu não pode alegar esta invalidade naquele mesmo processo e também não pode alegar essa mesma invalidade num processo posterior (designadamente, no processo executivo proposto contra ele pelo credor vencedor na anterior acção condenatória (cf. art. 729.º, al. g)). Isto confirma que a preclusão, antes de ser extraprocessual (ou seja, antes de operar no posterior processo executivo) é intraprocessual, porque já actuou no processo anterior (ou seja, na acção condenatória): a invalidade do negócio não pode ser alegada no processo posterior porque também já não podia ter sido alegada no processo anterior”[4].
Claro que a Autora pode exercer os seus direitos, claro que pode intentar as acções que entender contra quem quiser, mas é necessária a verificação da existência de algum impedimento a esse exercício, alguma preclusão.
E no caso dos autos ela existe…
Para impedir a execução e as suas naturais consequências era aí e através da oposição através de embargos que teria de o fazer (e mesmo que fossem factos supervenientes era nos embargos, nos termos do n.º 2 do artigo 728.º - “Quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado” – que teria de agir).
Intentar uma acção declarativa para suprir o erro que cometeu nos embargos[5] e com o mesmo fundamento base é que é totalmente desajustado e inadmissível.
Nesta mesma linha, podemos referir:
- Acórdão da Relação de Guimarães de 16 de Fevereiro de 2023 (Processo n.º 4374/20.9T8BRG.G1-Anizabel Sousa Pereira), onde se escreveu que a “preclusão institui ao réu o ónus de oportuna dedução de todos os meios de defesa que considere ter ao seu dispor no confronto da pretensão do autor, sob pena de lhe ficar vedada a possibilidade de colocar questões não abordadas e decididas em ações posteriores que corram entre as mesmas partes” e se acrescentou que se “a autora omite parte da sua defesa no momento próprio, fica precludido o direito de o fazer mais tarde no processo ou noutros processos, ainda que o pudesse ter feito por via da formulação do pedido reconvencional ( formulando pedido subsidiário)”;
- Acórdão da Relação do Porto de 20 de Fevereiro de 2022 (Processo n.º 1925/19.5T8PVZ-A.P1-Ana Lucinda Cabral), onde se escreveu que a “preclusão institui ao réu o ónus de oportuna dedução de todos os meios de defesa que considere ter ao seu dispor no confronto da pretensão do autor, sob pena de lhe ficar vedada a possibilidade de colocar questões não abordadas e decididas em ações posteriores que corram entre as mesmas partes” e se acrescentou que se “o autor omite parte da sua defesa no momento próprio, fica precludido o direito e o fazer mais tarde no processo ou noutros processos, ainda que o pudesse ter feito por via reconvenção”.
- Acórdão da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2022 (Processo n.º 4019/19.0T8STS.P1-Manuel Domingues Fernandes), onde se escreveu que o “princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art. 580.º, nº2, do CPCivil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art. 552.º, nº 1, d) – e das excepções, quanto à defesa – art. 573.º, nº 1, ambos do CPCivil);
- Acórdão da Relação de Guimarães de 16 de Dezembro de 2021 (Processo n.º 327/20.5T8CBT.G1-Maria dos Anjos Nogueira), onde se escreveu que se “não houvesse um efeito preclusivo decorrente da não dedução de embargos de executado, ter-se-ia de admitir que, durante a pendência da execução, o executado poderia escolher entre embargar ou defender-se numa acção própria” e que “é precisamente para obviar à instauração de uma outra acção que existe e se destina o processo de embargos de executado, a fim de permitir ao executado que se defenda, no âmbito da execução, fazendo valer o seu direito perante o exequente”;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Dezembro de 2020 (Processo n.º 20509/19.1T8LSB.L1-7-Carla Câmara), onde se escreveu que:
- “Pretendendo os executados impedir a prossecução da execução e obstar a que a mesma realize os seus fins, cabe-lhes cumprir o ónus de deduzir oposição à execução por embargos”, sendo que, “Não o fazendo, a tutela declarativa passível de ser requerida pelos AA. e que não se mostra precludida, é aquela que não contenda com os fins próprios da oposição à execução e, assim, que não fica precludida pela não dedução de embargos”;
- “Não tendo os executados deduzido oportunamente embargos de executado ou, tendo-os deduzido, não tendo invocado todos os fundamentos de oposição à execução, tal não o impede de, em acção autónoma, invocar factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda que não chegou a invocar, mas tal invocação só pode ser efectuada em acção que vise a repetição do indevido e não em qualquer acção declarativa comum”;
- “Tendo a acção executiva por base um título executivo e apresentando-se o crédito delimitado pelos termos constantes do título, não sendo deduzidos embargos, a execução prossegue os seus termos até que o crédito exequendo seja satisfeito”;
- “destinando-se a acção executiva a assegurar o cumprimento coercivo da obrigação exequenda, não sendo deduzidos embargos, o direito exequendo mantêm-se nos exactos termos consubstanciados pelo título executivo, prosseguindo a tramitação executiva com a penhora, venda e pagamento subsequentes”;
- “Deduzida que seja acção declarativa, poderá o executado que não embargou, peticionar a declaração da inexistência do crédito accionado na execução e a restituição do valor que o exequente recebido pelo exequente na execução”;
- “A não preclusão do direito de acção não confere aos executados, que não deduziram embargos ou neles não concentraram toda a defesa, o direito a interporem acção própria como meio alternativo de defesa contra a execução”;
- “Não está na livre disponibilidade dos executados optarem por opor-se à execução por embargos ou deduzir acção autónoma, com os mesmos fundamentos em que poderiam alicerçar a sua oposição à execução”.
- “Optando por não deduzir embargos de executado, a cominação é a prossecução da acção executiva para obtenção de pagamento da obrigação exequenda”
- “Qualquer acção declarativa que venham a instaurar na pendência da acção executiva, não produz qualquer efeito nesta”;
- “A preclusão do direito a deduzir embargos de executado, como perda de uma faculdade processual, operou no processo executivo em que os aqui AA. figuram como executados, por via do decurso do prazo correspondente, sem que tenham deduzido tal peça processual (artigo 139º, nº 3, do CPC)”, sendo que, “Daqui decorre a inadmissibilidade da prática do acto precludido” e que “esta inadmissibilidade é intraprocessual e extraprocessual”;
- “Não tendo os AA. deduzido embargos de executado, meio adequado a fazer extinguir ou modificar, a instância executiva, a não preclusão do seu direito de acção não lhes confere o direito a interpor a acção declarativa destinada a obter os mesmos efeitos dos embargos, que não deduziram, por tal lhes estar vedado pelo efeito extraprocessual da preclusão”.
É certo ainda que o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 24 de Maio de 2022 (Processo n.º 327/20.5T8CBT.G1.S1[6]-Pedro de Lima Gonçalves), teve oportunidade de referir que um “executado, ao deduzir oposição à execução/embargos de executado, não está obrigado a concentrar nos embargos toda e qualquer defesa, ao contrário do se impõe ao réu quando apresenta contestação numa ação declarativa” e que a “oposição à execução não deve ser perspetivada como uma contestação ao pedido executivo, pelo que não lhe será aplicável a norma prevista no artigo 573.º, n.º 1, do Código de Processo Civil” (entendendo “a oposição à execução como uma petição de uma ação declarativa autónoma, em que o seu objeto é definido pelo executado, cada um dos fundamentos que invoca são verdadeiras e autónomas causas de pedir”), acabando por concluir que o “decurso do prazo para a oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, não existindo fundamento legal para que se possa entender que a respetiva preclusão produz efeitos fora do mesmo, e daqui que a não dedução de oposição à execução não impede o executado de propor ação declarativa”.
E neste Acórdão tecem-se considerações particularmente relevantes para a matéria que nos ocupa : “Como se afirmou no citado Acórdão de 4 de abril de 2017, “De acordo com entendimento corrente (assim, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4.ª edição, pp. 190 e 191; Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª ed., pp. 303 a 305; e, de certa forma, Castro Mendes, Acção Executiva, p. 54), o executado não está sujeito a qualquer ónus de oposição à execução (aliás, não é citado ou notificado sob qualquer cominação para o caso de não deduzir oposição), e daqui que, não deduzindo oposição, tal não acarreta uma cominação, mas tão só a preclusão, no processo executivo, de um direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso, mas sem que se possa falar de caso julgado a impor-se noutra ação posterior ou de um efeito preclusivo para além do próprio processo executivo.
Nessa medida, será de entender (e é o que, no fundo, significam os dois supra citados autores) que deixando o executado de deduzir oposição, nada impedirá que venha depois a invocar em outro processo (isto com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo exequente na execução) os fundamentos (exceções) que podia ter invocado na oposição.
o decurso do prazo para a oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, não existindo fundamento legal para que se possa entender que a respetiva preclusão produz efeitos fora do mesmo, e daqui que a não dedução de oposição à execução não impede o executado de propor ação declarativa que vise a repetição do indevido…
Este ponto de vista assume toda a lógica desde que, como parece dever ser o caso, se encare a oposição à execução, não como uma contestação ao pedido executivo (e, assim, não se lhe aplica a regra do n.º 1 do art. 573.º do CPCivil), mas como uma petição de uma ação declarativa autónoma cujo objeto é definido pelo executado (valendo cada um dos fundamentos materiais invocados como verdadeiras causa de pedir).
Diferentes serão as coisas se o executado enveredar pela dedução da oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito. Pois que nos termos do n.º 5 do art. 732.º do CPCivil … a decisão de mérito proferida na oposição constituirá, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda…”
Também Carlos Oliveira refere: “O decurso dos prazos processuais para a prática da oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo; impede, dentro desse processo, a prática do acto. Mas não existe fundamento legal para que se possa entender que essa preclusão produz efeitos fora do processo.” (O Caso Julgado na Acção Executiva, Themis, ano IV, n.º7, 2003, A Reforma da Acção Executiva, pp. 243 a 251)..
Acaba por concluir, em adesão aos argumentos do Prof. Lebre de Freitas, que:
- não devemos assimilar a oposição à execução a uma contestação, pelo que não existirá para o executado nem o ónus de impugnação nem de alegar exceções perentórias;
- a atribuição da força de caso julgado material a uma decisão, nos termos do atual artigo 619.º do Código de Processo Civil, pressupõe que esse acto constitua o julgamento de uma controvérsia entre as partes que tenha decorrido no âmbito de um procedimento tendente a atingir esse resultado, o que não acontece na ação executiva devido à autonomia da oposição à execução.
Por fim, conclui Carlos Oliveira Soares que numa situação em que, na ação executiva, o crédito exequendo é satisfeito e o executado não deduz oposição à execução, e o executado intenta ação declarativa para restituição do indevido, com fundamento na existência de uma causa extintiva da obrigação exequenda que poderia ter alegado em oposição à execução, o caso julgado não poderá servir de fundamento à defesa do réu na ação declarativa.
Atente-se, igualmente, no n.º 5 do artigo 732.º do Código de Processo Civil, introduzido no novo Código de Processo Civil que prevê expressamente o seguinte, “Para além dos efeitos sobre a instância, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade, e exigibilidade da obrigação exequenda”. Esta era já a posição defendida por Lebre de Freitas (In A acção executiva à Luz do Novo Código Revisto, Coimbra Editora, Coimbra 1997, 2.ª Edição, pp. 159 a 163.), e bem assim por Miguel Teixeira de Sousa (In Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, p. 191), conforme aponta Carlos Oliveira Soares, no citado artigo.
O prof. Miguel Teixeira de Sousa (In Preclusão e Caso Julgado, Maio de 2016, https://blogippc.blogspot.com/2016/05/paper-199.html. ), por seu lado, porém, vai mais longe e entende que (…) do disposto no art. 732.º, n.º 5, não decorre que é o caso julgado da decisão proferida nos embargos que preclude a invocação de um fundamento diverso daquele que o executado invocou nos embargos à execução. Na verdade, a preclusão da invocação de um outro fundamento de inexistência, de invalidade ou de inexigibilidade da pretensão exequenda não ocorre no momento do trânsito em julgado da decisão, mas no momento em que o executado apresenta a petição de embargos. É a partir deste momento que, ressalvada a admissibilidade da alteração da causa de pedir da oposição à execução (cf. art. 265.º, n.º 1), o executado não pode invocar nenhum outro fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda. A referência temporal da preclusão que afecta o executado não é o trânsito em julgado da decisão de embargos, mas o anterior momento da entrega da petição inicial dos embargos à execução.
Posto isto, supõe-se que o sentido do estabelecido no art. 732.º, n.º 5, só pode ser este: a partir do momento em que se verifica o trânsito em julgado da decisão de improcedência da oposição à execução deduzida com um certo fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda, a preclusão da invocação de um fundamento distinto daquele que foi alegado pelo executado passa a operar através da excepção de caso julgado. Quer dizer: a preclusão da alegação de um fundamento distinto que já se verificava a partir do momento da entrega da petição inicial dos embargos de executado passa a actuar através da excepção de caso julgado, se esse fundamento for indevidamente alegado numa acção posterior. Portanto, a excepção de caso julgado não origina a preclusão do fundamento não alegado nos embargos de executado, antes é um meio para impor a estabilização decorrente da preclusão desse fundamento num outro processo.
Lebre de Freitas (In A Ação Executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, pp. 214 e 215), em análise ao CPC de 2013, na sua versão original, entende que nada impede a invocação de uma exceção, fora do processo executivo, com vista à restituição do indevido, caso essa exceção não tenha sido invocada nos embargos de executado. Justifica a sua posição com o facto de não se tratar de uma contestação, na qual a falta de invocação de todas as exceções determinaria a preclusão deste direito. Mas, por se tratar da oposição à execução/embargos de executado o princípio da preclusão não atua de modo tão efetivo”.
Mais recentemente, assinale-se, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de Maio de 2023 (Processo n.º 1704/21.0T8GRD.C1.S1-Barateiro Martins) teve oportunidade de decidir que julgados “improcedentes embargos opostos a uma execução, o ali executado pode, em processo posterior, vir invocar meios de defesa que podia ter invocado (e não invocou) nos embargos que opôs à anterior execução e, a partir daqui, obter a restituição do pagamento que, no âmbito da anterior execução, haja efetuado ao ali exequente”, considerando que “não existe no CPC um qualquer preceito legal que estabeleça o ónus de embargar e tal ónus também não é extraível, por interpretação, dos artigos 728.º/1 e 2 e 732.º/6, ambos do CPC, o que significa, não estando consagrado tal ónus de embargar, que não ficam precludidos os fundamentos não invocados (e que não há preclusão decorrente da não dedução de embargos)” e concluindo que o “sentido do atual art. 732.º/6 do CPC é o de deixar claro que uma decisão de mérito proferida nos embargos é dotada da força geral do caso julgado material em relação à causa de pedir e aos fundamentos que ali foram invocados (não impedindo nova ação de apreciação baseada em outra causa de pedir), ou seja, o caso julgado que se constitui é restrito à causa de pedir invocada e, em consequência, não há preclusão em relação ao que não foi invocado/discutido nos embargos”[7].
Na mesma linha, Rui Pinto entende que “o efeito preclusivo das excepções não deduzidas não se “dissolve” no caso julgado: a exceção que o executado não invocou numa oposição pode ser invocada em outra. Novamente, esta última não teria eficácia de caso julgado material, “mas pode conduzir à restituição ao executado da quantia conseguida na execução, pelo mecanismo da restituição do indevido, na medida do enriquecimento do exequente (cf. o artigo 479.º n.º 2 CC)”[8]
A questão, reportada aos presentes autos, é que a ora Autora, invocou nos embargos a mesma questão que agora serve de fundamento base à acção que ora nos ocupa[9]. E isso não pode fazer, por ter precludido essa invocação. Fora outra a invocação e outra poderia ser a decisão.
A Autora invocou em sede de embargos determinados fundamentos quanto à exequibilidade do título e fê-lo de forma desadequada. Desperdiçou essa oportunidade.
Com os mesmos fundamentos não pode, posteriormente, intentar acção autónoma no mesmo sentido: como assinalam de forma linear João de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, “o executado tem o ónus de invocar nos embargos que deduza, todos os possíveis fundamentos de inexistência, invalidade ou inexigibilidade contra a obrigação exequenda. A  justificação do efeito preclusivo e deste ónus do executado é evidente: uma vez decidido que a obrigação não é inexistente, inválida ou inexigível com o fundamento alegado pelo executado, não é possível deixar de executar a obrigação no processo pendente, pelo que não é pensável que ao executado possa vir a ser reconhecido um qualquer direito contra o exequente (baseado, por exemplo, no enriquecimento sem causa) pela circunstância de a obrigação exequenda ser afinal inexistente, inválida ou inexigível, com um fundamento distinto do anteriormente rejeitado nos embargos”[10. 
Assiste pois razão ao Tribunal a quo quanto ao decidido, restando verificar se o podia decidir… é que a Autora entende que não o podia fazer, por a excepção em causa não ter sido expressamente invocada.
Também aqui, carece a Autora – em  absoluto – de razão: está em causa uma excepção dilatória e – expressamente – o artigo 578.º, diz que o “tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º”[11].
E não tem razão duplamente, uma vez que não apenas o Tribunal o devia – oficiosamente[12] – fazer, em cumprimento deste preceito, como essa avaliação estava induzida pela invocação da excepção de caso julgado por parte da Ré Massa Insolvente…, o que – desde logo – implicava a apreciação do regime dos embargos de executado e a sua conjugação, nomeadamente, com os artigos 564.º, alínea c) e 573.º do Código de Processo Civil e com a documentação junta (onde se encontra a Petição Inicial da Oposição e a Decisão nela proferida), conjugação esta da qual resulta que a Autora não podia já invocar como fundamento para esta acção a falta de exequibilidade do título executivo apresentado na execução. Como tal, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea i) e 578º, verificada a presença de uma situação de preclusão da invocação dos fundamentos em causa (qualificados como excepção dilatória inominada de preclusão do direito de defesa), a consequência só podia ser o reconhecimento de estar obstado o conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (n.º 2 do artigo 576.º).
A decisão proferida pelo Tribunal a quo será, assim, confirmada.
***

DECISÃO

Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos dos artigos 663.º e 656.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e às disposições legais citadas, julgar improcedente o recurso e, em conformidade confirmar a Decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da Autora.
*
Registe e notifique.


Lisboa, 21 de Novembro de 2023


Edgar Taborda Lopes
Ana Rodrigues da Silva
José Capacete



[1]Por opção do Relator, o Acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as).
A jurisprudência citada no presente Acórdão, salvo indicação expressa noutro sentido, está acessível em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/.
[2]António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[3]Sublinhado e carregado nossos.
[4] Miguel Teixeira de Sousa, Preclusão e Caso Julgado, in Blog do IPPC, 03 de Maio de 2016, Paper 199, página 4, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2016/05/paper-199.html.   
[5]Ou a sua mandatária, o que para o efeito é idêntico, sendo certo que, a sê-lo, é contra ela (e a sua seguradora de riscos profissionais) que deverá ou poderá intentar acção para se ressarcir dos seus putativos danos.
[6]Revogando o Acórdão da Relação de Guimarães de 16 de Dezembro de 2021, cima citado.
[7]Acórdão que mereceu a discordante anotação de Miguel Teixeira de Sousa, no Blog do IPPC a 14 de Novembro de 2023 (https://blogippc.blogspot.com/2023/11/a-eficacia-preclusiva-da-nao-deducao-de.html), onde explicita que “Não é verdade que "que não existe no CPC um qualquer preceito legal que estabeleça o ónus de embargar": se há um prazo para a dedução da oposição à execução, existe uma preclusão decorrente da não dedução desse oposição, porque os prazos peremptórios são necessariamente prazos preclusivos”, bem assim como ser a dedução de embargos pelo executado “um ónus que recai sobre esta parte”, cujo não cumprimento “nos prazos estabelecidos na lei tem as habituais consequências preclusivas; para que assim não sucedesse, seria necessária uma expressa estatuição legal”, concluindo que o acórdão “não só descurou todos os indícios de que o CPC atribui ao executado efectivamente um ónus de embargar, como não conseguiu demonstrar nenhuma excepção à eficácia preclusiva (processual e extraprocessual) que decorre da falta da dedução de embargos pelo executado (ou da falta da alegação de um dos fundamentos desses embargos pelo executado)”.
[8]Rui Gonçalves Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2020, página 431.
[9]O que nos coloca fora do âmbito da divergência reportada na nota de rodapé 8.
[10]João de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, CIDP-AAFDL, 2022, página 697.
[11]Como assinala de forma pertinente o Acórdão da Relação de Évora de 28 de Junho de 2018 (Processo n.º 2791/17.0T8STB-C.E1-Mata Ribeiro), o “regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artº 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso”.
[12]Quanto à questão do conhecimento oficioso, João de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, assinalam que a “circunstância de a preclusão extraprocessual actuar através das excepções de litispendência e de caso julgado garante o seu conhecimento oficioso pelo tribunal da segunda acção (cf. art. 577.º, al. i), e 578.º)” (Manual de Processo Civil,
Volume II, cit., página 20).