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ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTES SUCESSIVOS
FACTOR 1.5
CAPACIDADE RESTANTE
Sumário
Estando o sinistrado afectado de incapacidade decorrente de acidente de trabalho anterior, e mostrando-se a incapacidade relativa a esse acidente já bonificada com o factor 1.5, para efeito de cálculo da capacidade restante deve ser ponderada a incapacidade correspondente às sequelas do sinistrado decorrentes desse primeiro acidente antes de aplicado o factor de bonificação.
(sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
П
1. Relatório
1.1. Os presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrado A e entidade responsável a Fidelidade, Companhia de Seguros, S.A., tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 27 de Julho de 2021, quando o sinistrado se encontrava a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da “CTT-Expresso, Serviços Postais e Logística, S.A.”, a qual tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a identificada Companhia de Seguros, tendo em consideração a totalidade do salário auferido pelo sinistrado.
Realizada a tentativa de conciliação sob a presidência do Ministério Público, a mesma frustrou-se em virtude de a seguradora não ter concordado com este grau de incapacidade atribuído ao sinistrado.
A seguradora requereu exame por junta médica apresentando quesitos a que os Exmos. Peritos responderam, por maioria, concluindo ser o coeficiente de incapacidade resultante do acidente em causa nestes autos de 8,34% (5,56% x 1.5), com a divergência do perito médico nomeado pela seguradora que entendia ser de 5,334%.
A Mma. Juiz da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa – J5 proferiu em 05 de Junho de 2023 sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«[…] Consequentemente, considerando todos os factos provados à luz do direito aplicável, designadamente dos artigos 23º, b), 47º, 48º, 50º e 75º da Lei nº 98/09, de 04/09: -Fixa-se ao Sinistrado uma IPP de 8,34%, resultante da aplicação do fatie 1,5 a uma IPP de 5,56% , desde a data da alta a 23 de setembro de 2021; -Condenam-se a(s) responsável(eis) a pagar ao(à) sinistrado(a) a) o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 901,41(novecentos e um euros e quarenta e um cêntimos), devido desde 24de setembro de 2021
b) a quantia de € 14,00 (catorze euros) a título de despesas de transportes. Todas estas quantias são acrescidas de juros de mora desde os respetivos vencimentos, até integral pagamento.
[…]»
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1.2. A seguradora interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1 - Na sentença sob recurso o Meritíssimo Juiz seguiu o ensinamento que decorre do acórdão de 28.09.2022 dessa Relação, tirado no âmbito Processo 1047/20.6T8PTM.L1-4, ou seja, que o fator 1.5 tem natureza corretiva, incidindo sobre a IPP que em concreto é fixada, ou, dito de outro modo, que este fator não é em si mesmo uma IPP mas antes uma correção ou bonificação.
2 - Deste ensinamento e da sentença resulta que se se colocar 50% (ou se se multiplicar pelo fator 1.5) em cima de uma qualquer incapacidade, o resultado é essa mesma incapacidade acrescida de qualquer coisa (correção ou bonificação dessa mesma incapacidade), que, afinal, não é incapacidade.
3 - Este entendimento seguido na sentença parece não fazer sentido – bonifica-se ou corrige-se a incapacidade pelo fator 1.5, mas o resultado final não constitui tudo incapacidade. Uma parte é incapacidade, mas o resto é um bónus de qualquer coisa que não se sabe o que é, mas que, na elaboração da conta para apuramento do valor da pensão, já é (ou já vale como) incapacidade.
4 - No fundo, o que na sentença se faz é bonificar a pensão (resultante da incapacidade) em 50%, quando o que o legislador quis e escreveu foi bonificar as incapacidades.
5 - O que a alínea a) do ponto 5 das Instruções Gerais da TNI estabelece é que “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas … Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”.
6 - A letra destas Instruções Gerais da TNI é clara: a bonificação interfere no valor da incapacidade a atribuir, modificando-a para mais.
7 - Se o objetivo do legislador fosse a de, apenas, bonificar a pensão, tê-lo-ia escrito.
8 - O entendimento de que no caso de acidentes de trabalho sucessivos, a IPP relevante para efeitos de apuramento da capacidade restante será a IPP fixada sem ponderação do fator 1.5, não tem apoio na letra das Instruções Gerais da TNI e traduz-se na admissão de que tal bonificação só se destina ou só serve para bonificar em 50% o valor da pensão a pagar pela entidade responsável.
9 - A sentença em apreço é injusta, viola o ponto 5 das Instruções Gerais da TNI, ofende o princípio da justa reparação estabelecido no artigo 59º, alínea f), da C. R. P. e, eventualmente, o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13º.
10 - Pelo que, deverá ser substituída por acórdão que considere que a capacidade restante resultante do acidente anterior é de 88,9%, fixe a IPP decorrente do acidente dos presentes autos em 8,001% (88,9% de capacidade restante x IPP de 6% = 5,334% x 1.5), alterando, em consequência, o valor a pensão fixada.”
1.3. O sinistrado, patrocinado pela Digna Magistrada do Ministério Público, apresentou contra-alegações nas quais defendeu a manutenção da sentença.
1.4. Mostra-se lavrado despacho de admissão do recurso, com efeito suspensivo, atenta a caução prestada (vide fls. 120).
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
* 2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se, estando o sinistrado afectado de IPP decorrente de acidente de trabalho anterior, e mostrando-se a incapacidade relativa ao mesmo já bonificada com o factor 1.5, deve, para efeito de cálculo da capacidade restante, ser ponderada a indicada incapacidade já bonificada ou, tão só, a correspondente às sequelas do sinistrado antes de aplicado o factor de bonificação.
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3. Fundamentação de facto
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3.1. Antes de elencar os factos que a sentença considerou provados, cabe notar que a decisão de facto padece de um erro evidente no que concerne à descrição do ponto 4. sentença da 1.ª instância, do qual ficou a constar que: “4. Encontrando-se o(a)Sinistrado(a) afetada de uma IPP de 0,925%, desde da data da alta a 10/08/2020”, afirmação que nada tem a ver com os factos que os autos evidenciam.
Com efeito, quer analisando o auto de não conciliação e a junta médica que se realizou na fase contenciosa destes autos, ambos referentes ao acidente sofrido pelo sinistrado no dia 27 de Julho de 2021, quer analisando a sentença do Tribunal do Trabalho de Sintra de 31 de Dezembro de 2007, que se reporta ao anterior acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado em 16 de Julho de 2000, se verifica que em nenhum destes dois acidentes sofridos pelo sinistrado se mostra em equação a incapacidade de 0,925% e, também, que em nenhum deles foi fixada a alta do sinistrado na data de 10 de Agosto de 2020.
É, aliás, de notar que na fundamentação de direito da sentença jamais são ponderados, quer o grau de incapacidade laboral indicado no facto 4., quer a data ali referida como data da alta, o que reforça a ideia de que a inclusão deste ponto 4. na sentença sob recurso resulta de um evidente lapso.
Existe pois um erro material que resulta ostensivamente do próprio conteúdo da decisão e dos termos que a precederam (quer o auto de não conciliação, quer o auto de junta médica, quer a sentença documentada nos autos relativa ao acidente anterior).
E que implicou terem ficado a constar da sentença factos que nada têm a ver com o caso sub judice.
De acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão submetidos todos os atos processuais, a decisão de facto deve apenas conter os factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte (cfr. artigos 6.º, n.º 1, e 130.º, do CPC). Nada impede que também na fase de recurso seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Assim, por espúreo nos autos e não se revestir de qualquer interesse para a decisão de mérito, deverá eliminar-se o ponto 4. do elenco de factos provados na sentença.
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3.2. Os factos a atender para a decisão da apelação são, assim, os seguintes: «1. No dia 27 de julho de 2021, em Lisboa, quando exercia a sua profissão de operador de mercadoria, por conta sob orientação e direção dos CTT Expresso Serviços Postais e Logística SA, o(a) Sinistrado(a), sofreu um estiramento do ombro esquerdo. 2. Que lhe determinaram incapacidades temporárias das quais o Sinistrado se mostra indemnizado. 3. O Sinistrado sofreu um acidente de trabalho a 16 de junho de 2000, que consistiu numa queda que lhe causou fratura exposta do antebraço esquerdo ( lado passivo) tendo ficado afetado de uma IPP de 11,1%, resultante a aplicação do fator 1,5 a uma IPP de 7,4% 4. Eliminado. 5. À sequela resultante do acidente autos dos presentes autos os Srs. Peritos consideraram que o Autor se encontrava afetado uma IPP de 6% ( fls. 188, 211, 212 e 219), desde a data da alta a 23 de setembro de 2021. 6. À data do acidente o(a) Sinistrado(a) auferia a remuneração anual de 15.440,30 €, que corresponde à remuneração de 748,45 € x 14 (salário mensal e diuturnidades) + 201,96 € x 11 (subsídio de alimentação) + 228,37 € x 12 (outras retribuições). 7. A Entidade Empregadora tinha a responsabilidade emergente do acidente de trabalho transferida para a(s) seguradora(s) supra referida. 8. O(A) Sinistrado(a) despendeu € 14,00 (catorze euros) em transportes, com a deslocação a este Tribunal.
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4. Fundamentação de direito
Ao acidente sub judice, ocorrido em 27 de Julho de 2021, aplica-se a Lei n.º 98/2009, de 4/09, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (LAT), e a Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.
A sentença da 1.ª instância, com fundamento no laudo da junta médica, decidiu que o sinistrado se mostra afectado das sequelas documentadas nos autos as quais lhe determinaram uma IPP de 8,34%, (5,56% x 1.5) desde 25 de Maio de 2021, em consequência do acidente sofrido em 8 de Setembro de 2020.
Para tanto a sentença atendeu a que havia sido já fixada anteriormente ao sinistrado uma incapacidade parcial permanente de 11,1%, relativa a um acidente de trabalho ocorrido em 16 de Junho de 2000 (7,4% x 1.5 = 11,1%), bem como que o coeficiente de desvalorização que, segundo a TNI, corresponde às sequelas do acidente objecto destes autos é de 6%.
E considerou que a incapacidade resultante do acidente anterior a considerar para efeitos de capacidade restante era de 7,4% e não de 11,1% (valor resultante da aplicação do factor de bonificação 1.5 ao coeficiente de incapacidade de 7,4%), partindo assim da capacidade restante de 0,926 (1 – 0,074).
A recorrente discorda da decisão recorrida por entender que para o cálculo da capacidade restante, deve ser atendida a IPP anteriormente fixada, já com o factor de bonificação de 1.5 incluído.
Resulta do cotejo da alegação da recorrente ser pacífico neste momento dos autos que a circunstância de o sinistrado estar afectado de IPP decorrentes de acidente de trabalho anterior já bonificada com o factor 1.5, não colide com a aplicação do factor 1.5, em razão da idade, às sequelas de que é portador em razão do acidente de trabalho a que se reportam os presentes autos[1].
A questão que persiste traduz-se, sim, em saber qual a IPP relevante para efeito de cálculo da capacidade restante no que concerne ao acidente de Junho de 2000: a IPP de 7,4% correspondente às sequelas de tal acidente à luz da TNI ou a IPP de 11,1%, que leva em consideração o factor de bonificação 1.5.
Quanto a tal questão, a sentença emitiu as seguintes considerações: «Tal como se pode ler no acórdão da Relação do Porto de 5/04/2017 (…), I - A aplicação do factor 1.5, previsto na al. a, do n.º5, da TNI, em razão do sinistrado ter 50 ou mais anos de idade, tem uma função correctiva: visa compensar o sinistrado pela maior dificuldade que terá no exercício das suas funções, na consideração de que a sua limitação funcional - decorrente daquela lesão em concreto - será mais sentida devido à idade, implicando maiores dificuldades do que enfrentaria se fosse mais novo e, logo, implicando também um esforço e um desgaste acrescido. II - Essa maior dificuldade há-de repercutir-se concretamente nas diferentes sequelas que determinaram diferentes e distintas incapacidades resultantes de acidentes de trabalho distintos, implicando também diferentes limitações (…) Assim, e como resulta das Instruções Gerais da TNI, o fator de bonificação aplica-se à efetiva incapacidade dos sinistrados, calculada nos termos previstos na aludida tabela. Consequentemente, a capacidade restante, no caso de acidente sucessivos, terá, necessariamente, que ser apurada por referencia ao efetivo coeficiente de incapacidade fixado no acidente ou acidentes anteriores, ou seja, no caso, a IPP de 7,4%, portanto sem o fator de bonificação que lhe foi atribuído, por ser essa a real redução na capacidade de trabalho do Sinistrado (neste sentido ver ainda acórdão da Relação de Lisboa de 5/04/2017 28.09.2022 (…) Assim, teremos que considerar que a capacidade restante do Sinistrado, face ao acidente anterior, corresponde a 0,962 (1-0,074) e, consequentemente, apurado o coeficiente desvalorização do Sinistrado, no acidente dos autos, em 6%, a efetiva incapacidade do Autor corresponde a 5,56% (92,6%x6%).»
Subscrevemos este juízo, que aliás é conforme com posição já assumida pela ora relatora e pela Exma. Sra. Desembargadora ora 1.ª Adjunta no Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Dezembro de 2022, Processo n.º 1818/21.6T8CSC.L1, cujas considerações, naturalmente, seguimos de perto.
Com efeito, a perda da capacidade para o trabalho decorrente de um acidente de trabalho determina, nos termos da LAT, a sua reparação em função do concreto coeficiente de desvalorização correspondente às sequelas resultantes do acidente – cfr. os artigos 23.º e 48.º da LAT e a determinação da redução da capacidade de trabalho ou ganho é calculada de harmonia com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º n.º 352/2007, observando-se as instruções gerais e específicas dela constantes – vide o artigo 20.º da LAT e o artigo 2.º, n.º 1, da Lei Preambular da TNI.
A Tabela Nacional de Incapacidades dispõe na alínea d), do ponto 5, das Instruções Gerais da TNI que «[n]o caso de lesões múltiplas, o coeficiente global de incapacidade é obtido pela soma dos coeficientes parciais segundo o princípio da capacidade restante, calculando-se o primeiro coeficiente por referência à capacidade do indivíduo anterior ao acidente ou doença profissional e os demais à capacidade restante fazendo-se a dedução sucessiva de coeficiente ou coeficientes já tomados em conta no mesmo cálculo. Sobre a regra prevista nesta alínea prevalece norma especial expressa na presente tabela, propriamente dita» e a alínea e) que «[n]o caso de lesão ou doença anterior aplica-se o n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro», preceito que corresponde ao artigo 11.º, n.º 2, da actual LAT. De acordo com o artigo 11.º, n.º 2, da LAT «[q]uando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei». E nos termos do seu n.º 3, «[n]o caso de o sinistrado estar afectado de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação é apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente».
Resulta destas normas que a avaliação da incapacidade do sinistrado deve ser sempre adequada à exacta e justa medida da perda da capacidade aquisitiva, tendo em consideração o princípio da capacidade restante quando haja mais do que uma incapacidade em equação[2].
Por sua vez, a alínea a) do mesmo ponto 5 das instruções gerais da referida TNI, dispõe que:
«(…) 5 — Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor;
(…)»[3].
Deste segmento da Tabela Nacional de Incapacidades actualmente em vigor, aprovada em 2007, retira-se que deixou de constituir requisito da atribuição do factor de bonificação a “perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho”, continuando todavia a exigir-se, em alternativa, que o sinistrado, ou não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho, ou que tenha 50 anos ou mais. Além disso, introduziu-se a fórmula de cálculo para a aplicação do referido factor de bonificação «[IG + (IG x 0,5)]», na medida em que foi eliminado aquele requisito da “perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho” que na Tabela Nacional de Incapacidades de 1993 era de verificação cumulativa com os outros dois requisitos, determinando que, em caso de várias sequelas, o factor de bonificação fosse aplicável apenas aos coeficientes de desvalorização que se subsumissem àquele requisito e que deviam ser atomisticamente considerados. O que, agora, não se verifica.
Como observa a Desembargadora Paula Leal de Carvalho, com a indicada fórmula - [IG + (IG x 0,5)] -, esclareceu-se “que o fator de bonificação é aplicável à incapacidade geral (somatório dos coeficientes de desvalorização parcelares) e não a cada um dos coeficientes parcelares”. De onde a autora conclui “que o aumento da IPP decorrente da aplicação desse fator (diferença entre a IPP com o fator 1.5 e sem o mesmo) não deverá ser tido em conta no âmbito do cálculo da capacidade restante, sobre o qual irão incidir os subsequentes coeficientes de desvalorização”[4].
O que bem se compreende e é absolutamente lógico, vg. no caso de aplicação do factor 1.5 em razão da idade. Na esteira do que enfatiza a douta sentença, a aplicação do factor 1.5 em razão de o sinistrado ter 50 ou mais anos de idade tem uma “função correctiva”, visando compensá-lo pela maior dificuldade que terá no exercício das suas funções, na consideração de que a sua limitação funcional – decorrente da lesão sofrida no acidente – será mais sentida devido à idade, implicando maiores dificuldades do que enfrentaria se fosse mais novo e, logo, implicando também um esforço e um desgaste acrescidos. Mas, sendo um factor de correcção ou bonificação que se repercute no concreto grau de IPP correspondente às diferentes sequelas, não é aquele factor, “em si mesmo, um coeficiente de desvalorização”, não fazendo sentido que seja ponderado para aferir da capacidade restante sobre que vai incidir o cálculo da IPP correspondente às lesões resultantes do novo acidente de trabalho.
E assim, tendo presente o indicado quadro normativo em vigor, surge linear a resposta à questão enunciada no recurso: estando o sinistrado afectado de incapacidade decorrente de acidente de trabalho anterior, e mostrando-se a incapacidade ao acidente anterior já bonificada com o factor 1.5 em razão da idade, deve ser ponderada a incapacidade correspondente às sequelas do sinistrado antes de aplicado o factor de bonificação, para efeito de cálculo da capacidade restante.[5]
Nesta conformidade, face aos factos provados nestes autos, a capacidade restante do sinistrado sobre a qual deve ser calculado o grau de desvalorização correspondente ao acidente dos autos é de 92,6% (100% - 7,4% do primeiro acidente = 92,6%) e a incapacidade do sinistrado deverá, como foi, ser fixada em 8,34% (92,6% x 6% do acidente sub judice = 5,56% x 1.5), tendo a sentença fixado as prestações devidas ao sinistrado pela recorrente seguradora de modo que não foi posto em causa na apelação e que, por isso, não cabe reapreciar nesta instância.
Improcedem as conclusões do recurso.
Porque a recorrente ficou vencida no recurso, a lei faz recair sobre si o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho). Mostrando-se paga a taxa de justiça, não havendo lugar a encargos no recurso e não havendo custas de parte, na medida em que o sinistrado não teve com ele despesas (não pagou taxa de justiça, atenta a isenção de que beneficia, e mostra-se patrocinado pelo Digno Magistrado do Ministério Público), não há lugar a custas,
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5. Decisão
Em face do exposto:
5.1. elimina-se oficiosamente o ponto 4. do elenco de factos provados na sentença;
5.2. acorda-se em negar provimento ao recurso de apelação interposto.
Não há lugar a custas.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.
Lisboa, 22 de Novembro de 2023
(Maria José Costa Pinto)
(Alda Martins)
(Celina Nóbrega)
[1]É aliás pacífico na jurisprudência que os casos em que o sinistrado está afectado de IPP resultante de anterior acidente de trabalho e em consequência de novo acidente vem a ficar afectado por uma nova e diferente IPP, na fixação da nova incapacidade deverá beneficiar do factor 1.5 em razão de ter 50 ou mais anos de idade, não obstando a tal o facto de ter beneficiado da aplicação desse factor, com aquele mesmo fundamento, na fixação da IPP resultante das lesões de outra natureza que sofreu no primitivo acidente. Assim decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 2017.04.05, Processo n.º 1780/15.4T8VFR.P1, na esteira aliás do Acórdão da mesma Relação do Porto de 2014.10.06, Processo nº 778/13.1TTPNF.P1 (este inédito, tanto quanto nos é dado saber), segundo o qual a proibição da dupla bonificação prevista no artigo 5º, alínea a) da TNI aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, apenas abrange situações resultantes da mesma situação de incapacidade que dela tenha beneficiado anteriormente, não se verificando em situações de incapacidade resultante de outro sinistro. Vide também o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de Fevereiro de 2019, Processo 534/18.0T8BCL.G1. [2]Vide Carlos Alegre, in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2.ª edição, Coimbra, p. 71 [3]Anteriormente regia sobre a matéria a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, cujo ponto 5, alínea a), das respectivas instruções gerais dispunha: «(…) 5 - Na determinação do valor final da incapacidade devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com caráter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo fator 1.5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais. (…)» [4]No seu estudo “A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e o fator de bonificação de 1.5” - in Prontuário de Direito do Trabalho, 2017-I, p. 87. [5]Neste sentido foi também proferido o Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Setembro de 2022, Processo 1047/20.6T8PTM.L1-4, in www.dgsi.pt, também citado na sentença