Deve ser suprida pelo tribunal recorrido, por constituir irregularidade, e por não poder sê-lo pelo tribunal de recurso, a falta de assinatura do Desembargador Presidente da secção penal de Tribunal da Relação no acórdão proferido em recurso na sequência de realização de audiência.
Processo Comum Coletivo n.º 2257/21.4JABRG - Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Criminal de .../J... . – Tribunal da Relação de Guimarães/Secção Penal
Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório
1. Por acórdão do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de .../J... ., de 12 de janeiro de 2023 (Ref.ª Citius .......14), foi o arguido e ora Recorrente AA, melhor identificado nos autos, condenado na pena única de dezanove (19) anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico aplicado pela condenação, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de homicídio qualificado, agravado pelo uso de arma, na forma consumada, p. p. pelos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e), ambos do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23-02 (RJAM) – pelo qual lhe foi aplicada a pena de dezoito (18) anos e seis (6) meses de prisão e de um crime de detenção de arma, p. p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) do RJAM, pelo qual lhe foi aplicada a pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão;
Além disso, foi condenado, solidariamente com o coarguido e co-demandado BB, no pedido de indemnização civil formulado pelo Hospital de ..., EPE a pagar ao demandante a quantia de 21 293,64 € (vinte e um mil duzentos e noventa e três euros e sessenta e quatro cêntimos) relativo aos encargos dos tratamentos e cuidados de saúde prestados à vítima CC, acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido, sendo certo que efetuou transação com a demandante.
Foi o Recorrente também condenado solidariamente com o referido coarguido, na procedência parcial do pedido de indemnização civil deduzido por DD, a pagar(em) ao demandante a quantia de noventa mil euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão, bem como, na parcial procedência do pedido de indemnização civil deduzido por EE a pagar(em) à demandante a quantia de oitenta mil euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão.
Foi ainda condenado nas custas na parte criminal, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s, além das custas dos pedidos cíveis, na proporção do seu decaimento.
2. Dessa decisão recorreu o arguido AA para o Tribunal da Relação de Guimarães (doravante, TRG), sendo certo que também interpôs recurso em 23-01-2023 relativamente a um despacho do tribunal coletivo de 15-12-2022, pelo qual se indeferiu a irregularidade e as nulidades suscitadas pelo arguido AA em 09-12-2022, no tocante à alteração não substancial dos factos descritos na acusação comunicada pelo tribunal na sessão da audiência de julgamento de 06-12-2022.
3. Por acórdão do TRG, de 10 de julho de 2023 (Ref.ª Citius .....61), proferido em audiência, como pretendido, foram julgados improcedentes o recurso intercalar do despacho interlocutório, bem o recurso do acórdão final do tribunal coletivo de 1.ª instância, interpostos pelo arguido AA, assim tendo sido confirmadas as penas parcelares, bem como a pena única resultante do cúmulo jurídico entre elas realizado, e ainda as decisões condenatórias a título de indemnização civil.
4. Do acórdão do TRG de 10 de julho de 2023 – o acórdão recorrido – interpõe o arguido AA o presente recurso, concluindo da seguinte forma a sua motivação:
«1º
Entende, em primeiro lugar, o Recorrente que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, julgado em audiência, padece de uma irregularidade, por não conter a assinatura do Sr. Juiz Presidente, que integrou a composição daquele tribunal,
presidiu à audiência, participou na deliberação e consecutiva votação e que, portanto, teria, também, de assinar o acórdão.
2º
Ao contrário dos recursos julgados em conferência, em que o Sr. Juiz Presidente apenas vota para desempatar quando não puder formar-se maioria com os votos do relator e dos juízes-adjuntos (cf. artigo 419º, nº 2, do C.P.P.), nos recursos julgados em audiência, o Juiz Presidente vota sempre (cf. artigo 365º, n.os 2 e 4 e artigo 424º, nº 2 e 429º, nº 1, do C.P.P.).
3º
O que in casu não sucedeu pois, pese embora o recurso tenha sido julgado na audiência, o mesmo apenas contém a assinatura do Sr. Juiz Relator e Srs. Juízes-Adjuntos, o que gera a irregularidade do acórdão, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 425º, nº 4, 380º, nº 1, alínea a) e 374º, nº 3, alínea e), do C.P.P.
4º
Irregularidade essa que tempestivamente se arguiu, ao abrigo do disposto no artigo 380º, nº 2, do C.P.P., impondo-se a anulação do acórdão, devendo ordenar-se a baixa dos autos para a correção de tal irregularidade, resultante da omissão da assinatura do Sr. Juiz Presidente.
5º
Sem prejuízo da invalidade processual acima mencionada, o acórdão do qual se recorre é igualmente nulo, por omissão de pronuncia, ao abrigo do disposto nos artigos 425º, nº 4 e 379º, nº 1, alínea c), do C.P.P, uma vez que verifica-se que o Tribunal da Relação de Guimarães não se pronunciou acerca da questão invocada, da não verificação do critério generalizador de «especial censurabilidade», previsto no nº 1, do artigo 132º, do C.P.
6º
Limitando-se, apenas, a pronunciar-se acerca da existência de motivo fútil – outra das
questões levantadas pelo Recorrente – nada dizendo acerca da «especial censurabilidade», questão que foi autonomamente suscitada no recurso.
7º
Desta feita, e porque o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que a lei impõe que se tome posição expressa, designadamente porque as mesmas foram submetidas pelo aqui Recorrente à apreciação do tribunal, tal gera a nulidade do acórdão, impondo-se, como tal, a anulação do mesmo, o qual deverá ser substituído por outro que se verse acerca da questão da verificação da «especial censurabilidade», tudo ao abrigo das disposições conjugadas do artigos 379º, nº 1, al. c), 1.ª parte, ex vi do artigo 425.°, nº 4 do C.P.P. e, ainda, do artigo 122º, nº 2, do mesmo diploma legal.
8º
Entende, igualmente, o Recorrente que a motivação que o Tribunal a quo atribuí à prática do crime não poderá ser classificada como «fútil», pelo que não se verifica o preenchimento da circunstância qualificativa prevista no artigo 132º, nº 2, alínea e), do
C.P.
9º
Designadamente, e ao contrário do Tribunal a quo, a motivação do recorrente não reside, apenas, no facto de «a vítima CC declarar ter comprado, por duas vezes, cinco euros de “haxixe” ao AA no âmbito de um processo de tráfico de estupefacientes», mas sim I) de o próprio ser também arguido nesse processo II) de prestar essas declarações a seu pedido e com o objetivo de obter um qualquer benéfico processual III) de, até esse momento, vítima e arguido terem uma relação de amizade IV) de, antes do homicídio ocorrer, o co-arguido BB contar ao Recorrente AA a quezília que teve com o Sr. CC, reavivando, dessa forma, a desavença existente.
10º
E todo este circunstancialismo anterior, designadamente a relação de amizade existente entre a vítima e o agressor, os motivos que levaram à rutura da mesma e o clima de crispação, reavivado pelo faco do co-arguido BB, logo após a contenda com a vítima, ter contado o sucedido ao Recorrente, em termos não apurados, alteram por completo a forma como se pode classificar a motivação.
11º
Pois, não se trata de uma simples incriminação, mas sim de uma incriminação entre dois amigos, a qual não é suscetível de se poder classificar como «fútil». Pois, a quebra gratuita de laços de confiança que uma relação de amizade necessariamente pressupõe, não pode ser analisada com a superficialidade e ligeireza que constam do acórdão recorrido, e nada tem de insignificante.
12º
Um comportamento criminal, motivado por uma traição, uma deslealdade entre amigos, naquele contexto factual, não pode ser considerado um motivo fútil, pois falta-lhe o desvalor, a avultada desproporcionalidade entre a motivação e o ação, aqui que tornaria totalmente inexplicável a atuação do arguido.
13º
A futilidade requer a existência de um absurdo erro de escala entre a motivação e a reação, a qual torna injustificável a falta de capacidade de refreamento que a motivação, por tão insignificante ser, impunha.
14º
O que não se verifica no caso sub judice, pois a motivação do arguido tem na sua origem a violação de laços de confiança resultantes de uma relação de amizade, por via de uma denuncia criminal que a vítima fez, onde também era e que valeu ao arguido uma condenação num processo de tráfico de estupefacientes, acrescido do reavivamento levado a cabo pela conduta do co-arguido BB.
15º
Pelo que não pode a conduta do aqui Recorrente ser considerada um «motivo fútil», não se verificando o preenchimento do exemplo-padrão previsto no artigo 132º, nº 2, alínea e), do C.P.
16º
Sem prejuízo, sempre se dirá que o comportamento do Recorrente, descrito nos factos
provados, e a imagem que o facto globalmente transmite, não permitem concluir por uma «especial censurabilidade», prevista no artigo 132º, nº 1, do C.P.
17º
Desde logo, do elenco dos factos provados, designadamente dos factos 1.5., 1.6., 1.8. e
1.27., resulta que a atuação do Recorrente é, em parte, influenciada pelo estímulo do co-arguido BB que, após a contenda com a vítima, conta o sucedido ao Recorrente, assim reavivando um clima de crispação já existente e que aquele bem sabia.
18.º
Sem esta ação do co-arguido BB, o Recorrente não tinha, em si mesmo, a motivação suficiente para prática do crime, tanto mais que, o diferendo contava com dois anos.
19º
O que é muito relevante para efeitos da não verificação da especial censurabilidade, pois o Recorrente não revelou ter uma atitude interior de total desprezo pela vida, ao ponto de, autonomamente, se determinar pela prática do facto.
20º
E como a especial censurabilidade resulta de uma atitude intrínseca do próprio agente,
merecedora de uma culpa acrescida, ela tem que se revelar e exteriorizar sem necessitar da intervenção de terceiros que, diretamente, influenciem a ação.
21º
Assim, atentas as circunstâncias que antecederam a prática do crime, designadamente o contexto de conflitualidade e crispação já existente entre vítima e agressor, sua origem, dimensão e situação subjacente, as mesmas retiram à conduta do Recorrente as características que permitiriam considerar que a sua ação revela uma especial censurabilidade.
22º
Ao que acresce o estado de espírito em que o arguido se encontrava, pois, o facto de ter cometido o crime à frente de 4 testemunhas, é bastante demonstrativo que o homicídio resultou de algum estado de desassossego e perturbação em que o Recorrente se encontrava, por força, precisamente, do estado de crispação que já existia entre ele e a vítima.
23º
Assim, a imagem do facto, globalmente considerada, ainda que denote uma censurabilidade acrescida, não transporta a imagem para o plano de uma especial censurabilidade, que é isso que se exige para a qualificação.
24º
Pelo que se impõe a alteração da qualificação jurídica para um crime de homicídio, nos
termos do artigo 131º do C.P., o que desde já se requer a V.as Ex.as.
25º
Entende, também, o Recorrente que a pena de 18 anos e 6 meses, no que ao crime de homicídio qualificado diz respeito, não é consentida pelo grau de culpa do Recorrente,
nem assegura, nos limites da estrita necessidade, as finalidades de prevenção especial/ressocialização do agente, revelando-se a mesma excessiva e, como tal, desproporcional, violando-se, deste forma, o disposto nos artigos 40º e 71º, nº 1, do
C.P., bem como o disposto no artigo 18º, nº 2, da C.R.P.
26º
No que à culpa do Recorrente diz respeito, há que considerar todo o circunstancialismo que rodeou a prática do tipo-de-ilícito em questão, e que, se não for suficiente para o desqualificar, deverá, no limite, relevar em sede de determinação da medida concreta da pena, designadamente os fins ou motivos que determinaram a prática do crime (cf. artigo 71º, nº 2, alínea c), do C.P.).
27º
Partindo do elenco dos factos provados, o facto de serem amigos, sendo certo que a relação de amizade que existiu entre ambos pressupôs a criação de laços de confiança, os quais, uma vez violados, necessariamente criam um sentimento de revolta – que, aliás, reflete-se no estado de perturbação emocional em que o arguido se encontrava quando perpetrou o crime, designadamente por ter efetuado dois disparos à frente de 5 testemunhas.
28º
E tal estado de perturbação, fruto do clima de crispação que existia entre a vítima e o arguido, se não é suficiente para afastar um especial juízo de censura sobre a culpa do Recorrente, deverá, no limite, refletir-se na medida concreta da pena.
29º
Por outro lado, no que à prevenção diz respeito, não se ignora que nos crimes de homicídio, como nesta parte bem salienta o Tribunal a quo, as exigências de prevenção geral positiva sejam sempre especialmente intensas, porquanto a violação do bem jurídico fundamental – a vida – é, em geral, e bem, fortemente repudiada pela comunidade.
30º
No entanto, as exigências da prevenção especial situam-se a um nível médio, dado que, embora o arguido evidencie antecedentes criminais, os mesmos respeitam à prática de crimes de natureza completamente distinta dos presentes.
31º
Mais a mais, não se pode ignorar a conduta do arguido, anterior e posterior ao cometimento do facto criminoso, designadamente a sua inserção familiar e laboral, a sua entrega às autoridades logo após ter praticado o crime, além da sua tenra, e de certa forma, como bem nota o acórdão recorrida, imatura idade.
32º
No caso em apreço, o arguido confessou parcialmente os factos, o que, além da sua relevância processual (atendendo a que alguns dos factos dados como provados assentam, precisamente, nas declarações do arguido), deverá, ainda, ser subjetivamente valorado do ponto de vista da determinação de uma atitude interna do
Recorrente relativamente aos factos por si praticados e à interiorização da elevada gravidade da sua conduta, o que demonstra a possibilidade de um juízo de prognose favorável à sua reintegração na sociedade.
33º
Do teor do relatório social do aqui Arguido.
34º
Entendemos, assim, com o devido respeito, que o Tribunal a quo deu maior ênfase às razões de prevenção geral em detrimento das de prevenção especial, violando o disposto no artigo 40º, nº 1, in fine, do C.P.
35º
Ademais, o Tribunal a quo também não atendeu a todas as circunstâncias que, embora alheias ao facto, depuseram a favor do Recorrente, designadamente o facto de o arguido celebrar transação com o lesado Hospital de ..., tentando, desta forma, reparar as consequências do crime por si, tendo o acórdão recorrido violado, também, o disposto no artigo 71º, nº 2, alínea e), do C.P.
36º
Desta feita, ponderando-se todas as circunstâncias do caso concreto, as exigências de prevenção geral e especial e a culpa do arguido, é forçoso concluir que a pena concretamente aplicada não se adequa à satisfação da sua função de socialização.
47º
Pelo que, tendo em conta a moldura penal em concreto, que situa o limite mínimo em 16 anos e o limite máximo em 25 anos, e ponderando as circunstâncias relevantes nos termos do nº 2 do artigo 71º do CP, considera-se adequada e proporcional a fixação da
pena pelo limite mínimo da moldura penal abstratamente aplicável.
PEDIDO
Nestes termos, e nos melhores de Direito aplicáveis, que V.as Ex.as, Colendos Juízes Conselheiros, doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente:
a) Ser reconhecida e declarada a irregularidade decorrente da ausência da assinatura do Sr. Juiz Presidente que compôs a audiência junto do Tribunal da Relação de Guimarães e interveio para deliberar e votar e, consequentemente, ordenar-se a remessa dos autos ao Tribunal a quo para suprir tal irregularidade;
b) Ser reconhecida e declarada a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, por omissão de pronuncia e, consequentemente, ordenar-se a remessa dos autos ao Tribunal a quo para suprir tal vício processual;
c) Ser declarada a não verificação da circunstância qualificativa «motivo fútil», prevista no nº 2, alínea e), do artigo 132º, do C.P.;
f) Ser declarada a não verificação do critério generalizador «especial censurabilidade», previsto no nº 1, do artigo 132º, do C.P. e consequente alteração da qualificação jurídica para o crime de homicídio simples;
g) Proceder-se à alteração da medida concreta da pena para os limites mínimos da moldura penal abstratamente aplicável.»,
requerendo ao abrigo do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do C.P.P., que se realize audiência oral acerca dos seguintes pontos da motivação de recurso:
I – irregularidade do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães por não conter assinatura do Sr. Juiz Presidente que compõe a audiência e intervém para deliberar e votar;
II – nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães por omissão de pronuncia;
III – não verificação da circunstância qualificativa «motivo fútil» prevista no nº 2, alínea e), do artigo 132º do C.P.;
IV – não verificação do critério generalizador «especial censurabilidade», previsto no nº 1, do artigo 132º, do C.P. e consequente alteração da qualificação jurídica para o crime de homicídio simples;
V – Da medida concreta da pena quanto ao crime de homicídio qualificado.»
5. Respondeu o Ministério Público junto do TRG, sustentando, no essencial, a manutenção do decidido no acórdão recorrido, admitindo.
6. Neste Supremo Tribunal de Justiça, considerando embora a circunstância de ter sido formulado pedido de audiência, o Ministério Público emitiu circunstanciado parecer, no qual pugna pela integral improcedência do recurso e pela manutenção do acórdão recorrido.
No tocante à questão da «Irregularidade» suscitada quanto ao acórdão recorrido, do TRG, entende que a mesma existe, mas está sanada, por não ter sido tempestivamente arguida, e que «(…) a correção que o recorrente requer e a consequente baixa do processo para esse efeito redundaria num ato inútil e sem respaldo na lei, pelo que nem oficiosamente pode ser reparada.»
7. Notificado tal parecer ao arguido e assistentes, para, querendo, se pronunciarem, o arguido veio defender, em síntese, que: “I.) no que se refere à «irregularidade processual decorrente da ausência de assinatura do Sr. Juiz Presidente, que interveio na audiência e participou na correspondente deliberação», a mesma foi tempestivamente arguida, dado poder sê-lo no recurso e deve ser conhecida no tribunal de recurso, «devendo ordenar-se a correção do acórdão e a consequente baixa do processo, em virtude de a correção por este tribunal de recurso não ser possível.»; II.) quanto à «nulidade do acórdão por omissão de pronuncia, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 425º, nº 4 ex vi do artigo 379º, nº 1, alínea c), do C.P.P.», apesar de o Digno Magistrado do Ministério Público entender que tal vício processual não pode constituir fundamento do recurso, pelo que a decisão é, nesta parte, irrecorrível, o artigo 379º do C.P.P., que regula as nulidades da sentença e o seu modo de sanação, prevê um regime especial face ao regime geral contido no artigo 120º do mesmo diploma – posição subscrita por alguma doutrina e jurisprudência deste STJ, indicados pelo arguido –, pelo que a nulidade da sentença deve ser arguida na motivação e no prazo de recurso e só deverá ser arguida perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; por seu turno, se «(…) é verdade que, como defende o Digno Magistrado do Ministério Público, a questão da “especial censurabilidade” do comportamento do arguido não tinha que ser analisada, discutida e justificada ponto por ponto», também não é isso que o Recorrente alega, mas simque, quanto a esse ponto autónomo das suas motivações de recurso não houve, efetivamente, qualquer pronuncia do Tribunal da Relação, concluindo, apenas, que, por se verificar pela circunstância qualificativa do «motivo fútil», que o homicídio era «especialmente censurável», como se o efeito-indício dos exemplos-padrão fosse de preenchimento automático,”
reiterando, no mais, tudo quanto defendera nas alegações de recurso.
8. Notificados do parecer do Ministério Público, os assistentes não se pronunciaram.
Não se ignorando ter sido requerida a realização de audiência no âmbito do presente recurso, cumpre, porém, apreciar e decidir a questão preambular, que consiste na suscitada invalidade decorrente da falta de assinatura, no acórdão recorrido, do Senhor Desembargador Presidente da Secção Penal do TRG.
O conhecimento de tal questão não pressupõe, todavia, a realização de audiência, pelo que foram colhidos os vistos, apreciando-se a mesma em conferência, sem prejuízo do oportuno conhecimento em audiência das restantes questões do recurso.
II. Fundamentação
9. Das conclusões da motivação de recurso do arguido é possível extrair as seguintes (cinco) questões que o mesmo pretende colocar à apreciação:
1) Irregularidade do acórdão recorrido, decorrente da ausência da assinatura do Senhor Juiz Presidente que compôs a audiência junto do Tribunal da Relação de Guimarães e interveio para deliberar e votar.
2) A nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, por omissão de pronúncia.
3) A (não) verificação da circunstância qualificativa «motivo fútil», prevista no nº 2, alínea e), do artigo 132º, do C.P.;
4) A (não) verificação do critério generalizador «especial censurabilidade», previsto no nº 1, do artigo 132º, do C.P. e consequente alteração da qualificação jurídica para o crime de homicídio simples; e
5) A alteração da medida concreta da pena para os limites mínimos da moldura penal abstratamente aplicável ao crime de homicídio qualificado.
10. Estas são, portanto, as questões colocadas pelo recorrente, as quais respeitam a matéria de direito relativamente a um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães não irrecorrível, sendo, pois, este Supremo Tribunal o competente para conhecer e decidir o recurso (artigos 399.º, 400.º a contr., 432.º, n.º 1, al. b), e 434.º do CPP).
Impõe-se, por razões de precedência lógica, dirimir a questão do vício processual que consistiu na não assinatura do acórdão recorrido pelo Senhor Desembargador Presidente da Secção Penal do TRG.
11. O arguido defende que, dada a circunstância de o Senhor Desembargador Presidente da Secção Criminal do TRG ter tido intervenção na audiência, que requereu junto daquela instância, não tendo, porém, subscrito o acórdão recorrido, tal implica “irregularidade” desta peça processual.
12. O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça concorda com a classificação de tal vício como irregularidade, mas entende estar a mesma sanada, por não ter sido tempestivamente arguida.
Apreciemos.
13. É requisito da parte dispositiva da sentença/decisão/acórdão as assinaturas dos membros do tribunal – art. 374.º, n.º 3, al. e), do CPP.
Desde a alteração operada pela Lei n.º 59/98, de 25-08, ao disposto no n.º 1 do art. 429.º do CPP até à versão conferida pelo art. 1.º da Lei n.º 48/2007, de 29-08, que na audiência intervinham o presidente da secção, o relator e dois juízes adjuntos. A partir da vigência desta alteração, passaram a ter intervenção na audiência o presidente da secção, o relator e um juiz-adjunto.
Foi por efeito do art. 2.º da Lei n.º 13/2022, de 01-08, que o preceito em causa passou, de novo, a estabelecer a intervenção na audiência do presidente da secção, do relator e de dois juízes-adjuntos, tendo sido ao abrigo desta previsão que se operou a audiência no presente processo, relativamente ao recurso do arguido AA.
A disciplina da audiência é regulada no art. 423.º do CPP, reservando-se ao juiz presidente a abertura da audiência, após o que o relator passa a introduzir o debate, fazendo uma exposição sumária sobre o objeto do recurso e enunciando as questões que o tribunal considera merecerem um exame especial.
14. Como refere o Ex.mo Senhor Conselheiro Vice-Presidente deste STJ, Nuno Gonçalves (embora em cenário anterior ao da publicação da Lei n.º 13/2022),
«Na sua interpretação literal e teleológica, ademais dos argumentos históricos, da pensamento e vontade do legislador e da harmonia e unidade do sistema, resulta inequivocamente que o coletivo que julga os recursos em conferência, igualmente que o coletivo que julga o recurso em audiência, é necessariamente integrado por três juízes.
É destituída de racionalidade e de lógica que o coletivo que julga os recursos seja composto por três juízes se decide em audiência e apenas por dois se decidia em conferência.
A especificidade do coletivo que nos tribunais superiores julga (…) nos recursos que são decididos em audiência ou em conferência, resulta de ser (…) presidido pelo presidente da secção criminal. Ao qual, além das demais funções legalmente atribuídas, compete, naturalmente, votar em último lugar a deliberação e, consequentemente, assinar a decisão – cfr. artigos 65.º n.º 3 e 78.º da LOSJ. Rememora-se que por remissão expressa do artigo 424.º n.º 2, na formação da decisão do recurso julgado em audiência, como sempre sucedeu, “participam todos os juízes que constituem o tribunal sob a direção do presidente” que “vota em último lugar” – cfr. artigo 365.º n.º 2 e 4 do CPP.
A revogação do n.º 2 do art.º 419.º visou, direta e incisivamente, eliminar a única norma do ordenamento adjetivo penal que, contrariando até o estatuído em outra disposição do mesmo ordenamento – o art.º 11.º n.º 5, restringia os coletivos nos tribunais superiores a um “par” de juízes. Redução que somente valia para o julgamento do recurso em conferência. Diferentemente, sendo o recurso julgado em audiência, o coletivo era composto por três juízes. Com a especificidade relativamente ao julgamento em 1.ª instância de que o acórdão é elaborado pelo relator ou, se este ficar vencido, pelo juiz adjunto – cfr. artigo 425.º n.º 1 do CPP.
Que é o presidente da secção que compõe o coletivo de juízes que julgam os recursos tanto em audiência como em conferência resulta implicitamente, mas com suficiente evidência, também do disposto no artigo 418.º n.º 1, no segmento em que impõe que o processo vá ao visto do presidente “acompanhado do projeto de acórdão”. Se o presidente não pudesse votar, seriam aqueles, principalmente o envio do projeto de acórdão, atos processuais inúteis ou de raríssima utilidade. Ressalvando os casos de empate, não se vislumbra que utilidade processual poderia ter o envio do projeto ao presidente da secção que não pudesse votar a decisão, quando o relator o elaborou após deliberar com o juiz adjunto. Se a lei obriga a que lhe seja enviado o projeto de acórdão, na vigente redação, só pode interpretar-se com o sentido de que tem de votar a decisão.
No limite até se pode dar o caso de ter de elaborar o acórdão quando nem a deliberação do relator nem a do adjunto formem vencimento.
Conclui-se que dúvidas não restam que legislador pensou e quis aumentar a composição dos coletivos que, nos tribunais superiores, julgam os recursos não apenas em audiência, mas também em conferência.
[…]
As Relações não estão a fazer aplicação do regime que resulta da revogação do n.º 2 do artigo 419.º. Ao que se apurou, invocam razões de impraticabilidade, argumentando que as secções podem ter 20 Desembargadores e que em cada sessão são apresentados, frequentemente, algumas dezenas acórdãos. Circunstancialismo que, argumentam, não permite que o presidente da secção possa ler e examinar antecipadamente todos os recursos e todos os projetos de acórdão.
Neste conspecto, ainda que não se possa extrair da revogação da norma em apreço que os coletivos que nas Relações que julgam os recursos em conferência não devam ser compostos também pelo presidente da respetiva secção criminal, admite-se que, de lege ferenda, pudessem ser compostos como nas restantes secções do mesmo tribunal.
O que não pode nem deve é continuar a fazer-se de conta que tudo continua como antes, como se ao presidente da secção não coubesse na conferência, identicamente o que já sucedia e continua a valer no julgamento do recurso em audiência, votar a deliberação e assinar os acórdãos.» («Alterações ao regime do Recurso Ordinário», a Revista, Revista do STJ, N.º 1 – jan.-jun. 2022, p. 97-99).
15. Apesar das alterações entretanto introduzidas pela Lei n.º 13/2022 ao disposto nos artigos 419.º, n.º 1 (conferência) e 429.º, n.º 1 (audiência) do CPP, mantém-se o entendimento de que em sede de audiência no âmbito de um recurso esta é integrada também pelo presidente da secção.
16. Por seu turno, o Senhor Dr. José António Barreiros defende, já após a entrada em vigor da Lei n.º 13/2022, incidindo embora sobre o regime colegial da tramitação e conhecimento do recurso em conferência, que:
«Na redacção originária [Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro] do Código previa-se que:
Artigo 419.°
Conferência
1 - Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e dois juízes-adjuntos.
2 - A discussão é dirigida pelo presidente, que desempata quando não puder formar-se maioria.
Segundo este sistema:
a - na conferência intervinham quatro juízes [n.°. 1], ou seja, o presidente da secção, o relator e dois juízes-adjuntos
b - o presidente dirigia a discussão, votava e detinha voto de qualidade, porquanto, como se expressava o Código, o presidente «desempata quando não puder formar-se maioria» [n.° 2]
Consagrava-se assim um modelo com uma dupla faceta (i) um colégio alargado de juízes [4] e (ii) um presidente interveniente, porquanto, não só dirigia a discussão, como votava e desempatava.
Este regime manter-se-ia até que a Lei n.° 59/98, de 25 de Agosto [que entrou em vigor a 01.01.1999]12, viria a consagrar uma outra solução, pela qual:
Artigo 419.°
Conferência
1 - Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e dois juízes-adjuntos.
2 - A discussão é dirigida pelo presidente, que, porém, só vota, para desempatar, quando não puder formar-se maioria com os votos do relator e dos juízes-adjuntos.
Face a este sistema:
a - mantinha-se a intervenção de quatro juízes, um dos quais o presidente da secção, que dirigia a discussão, o relator e dois juízes adjuntos
b - mas consagrava-se um modelo de presidente que «só» intervinha a votar caso não se formasse maioria com os votos do relator e dos juízes adjuntos.
Tratou-se, pois, de manter a ampla colegialidade, mas em que o vocábulo «só vota» dispensava o presidente de entrar necessariamente no conhecimento da substância do caso em discussão, porquanto, como decorre da fórmula legal, a sua intervenção a votar era excepcional e apenas ocorria quando fosse necessário convocar-se o seu envolvimento para se obter a almejada maioria.
É sabido que tal vocábulo «só» – […] – resultou de uma proposta do Conselho Superior da Magistratura como contributo para a referida Proposta de Lei 157/VII que o Governo submetera à Assembleia da República.
Seria a Lei 48/2007, de 29 de Agosto [que entrou em vigor a 15.09.2007 e com rectificação n.º 105/2007, de 09 de Novembro], saída de um processo legislativo complexo em que emergiu, como iniciativa preponderante a Proposta de Lei n.º 109/X-2], a qual introduziria uma severa restrição ao sistema, alterando significativamente a composição do tribunal de recurso, porquanto:
Artigo 419.°
Conferência
1 - Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e um juiz-adjunto.
2 - A discussão é dirigida pelo presidente, que, porém, só vota, para desempatar, quando não puder formar-se maioria com os votos do relator e do juiz-adjunto.
Ou seja, ante esta reformulação da norma legal:
a - reduziu-se agora o número de juízes intervenientes de quatro para três, o presidente da secção, o relator e um juiz adjunto, o que se propagava aos casos em que o caso era julgado em recurso, mas mediante audiência [isto por força do artigo 429.° do CPP]
b - manteve-se como competência do presidente a direcção da discussão, bem como, com o apoio no vocábulo “só”, o carácter facultativo do voto do presidente, com uma diferença: é que agora, com um colégio de 3 juízes, tratava-se de o presidente decidir uma divergência entre o relator e o juiz-adjunto, porquanto, a estarem em concerto, firmava-se decisão com os seus dois votos.
Tratava-se de uma solução inaceitável. Os Conselheiros Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, tiveram ocasião de o exprimir na 9.ª Secção da sua monografia dedicada aos recursos penais13, com a gentileza de me citar como autor de uma crítica ao modelo que ele também censurava, com este desenvolvimento:
“A Constituição ao consagrar o direito ao recurso recebeu os tribunais superiores na sua tradição de tribunais colegiais, sucedendo que a conferência com dois membros (relator e adjunto) não é colegial, toda a vez que o primeiro número primo que traduz a colegialidade é o número 3, o que suscita sérias dúvidas sobre a constitucionalidade da mudança, sendo certo que a nosso ver, a actual composição é totalmente inadequada do ponto de vista da composição, pois que o número dois, não sendo colegial, impede uma fecunda discussão e que tem levado a grandes dificuldades e diminuído a profundidade de análise, discussão e qualidade de fundamentação, que a imprensa nos tem trazido com frequência”14.
[…]
“Na sua lógica de aparências, esconde-se um sistema pelo qual se instiga quem não vota a não participar na discussão; basta o presidente estar informado de que o relator e outro estão de acordo, para quê querer saber do sentido do decidido se o seu voto é irrelevante? Chamar-lhe presidente é irónico, quanto melhor se lhe chamaria secundante”.
Aquele entendimento quanto à composição da conferência e função do respectivo presidente seria acolhido ante o estatuído pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2010.
O tema colocado em recurso era na aparência formal, o número de assinaturas que se evidenciavam no aresto da Relação sob recurso, duas apenas, como decorre deste excerto:
[…]
Sucede, porém, que, entrando na substância do problema subjacente, o Supremo tornou claro que essa ausência de assinatura decorria de uma circunstância substancial, a da não intervenção do presidente e foi isso que assim consignou:
«XI - Havendo maioria, formada com os votos do relator e do adjunto, o que conduza à dispensa de voto do presidente, que só vota para desempatar, não há necessidade de intervenção do presidente na decisão, havendo dispensa de assinatura, assim se cumprindo o n.° 3 do artigo 374.° do CPP, é assinando os membros do tribunal, que no caso formaram maioria.»
E desta forma, regressando ao tema das assinaturas, tornou-se claro ante esta orientação que:
«XII - A assinatura do presidente nestes casos constará apenas da acta, a certificar a regularidade da tramitação e do julgamento em conferência a que presidiu, não se verificando, pois, qualquer nulidade.»
Um tal novo modelo encontrou, porém, como seu dano acessório, uma dificuldade, a da não actualização, em conformidade, do artigo 440.º, n.º 4 do CPP, relativo aos recursos de fixação de jurisprudência, o qual teve de ser sujeito a uma interpretação correctiva pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2017, segundo o qual:
«I - Face a uma imperfeita alteração legislativa operada pela Lei 48/2007, há uma discrepância notória entre o artigo 440.°, n.° 4, do CPP, que prevê que o processo vá com vistos ao presidente e aos adjuntos que seriam os dois adjuntos que intervinham na conferência na versão anterior à aludida lei - e os artigos 441.°, n.° 3 e 419.°, n.° 1, ambos do CPP, dos quais decorre que a conferência é composta pelo presidente, o relator e um adjunto e isto por não ter sido revisto o artigo 440.°, n.° 4, em conformidade com a modificação verificada no artigo 419.°, n.° 1.
II - Deve fazer-se uma interpretação correctiva do artigo 440.°, n.° 4, em função da referida modificação verificada no artigo 419.°, n.° 1, no sentido de que, efectuado o exame preliminar pelo relator, o processo é remetido com o projecto de acórdão a vistos do presidente e de um juiz adjunto.»
[…]
Esta opção legislativa viria a sofrer um esboço de viragem com a Lei n.º 94/2021, de 21 de Fevereiro [que entrou em vigor a 21.03.2022] dita de combate à corrupção, pela qual – sem que perceba o nexo disso com o proclamado propósito de combate – se determinou que:
a - se mantinha o sistema dos três juízes, um dos quais o presidente da secção, outro o relator e mais um juiz adjunto
b - mas se revogou o n.º 2 do artigo 418.º e assim, onde estava que «a discussão é dirigida pelo presidente, o qual, porém, só vota para desempatar, quando não puder formar-se maioria com os votos do relator e do juiz adjunto» ficou o vazio quanto à norma específica que disciplinava quem dirigia a discussão e como se dilucidava um empate.
Ou seja, tendo o legislador querido traduzir a noção de que pretendia agora consagrar uma “colegialidade necessária” pela qual, «quando julgado em conferência, o recurso seja também, como em audiência, julgado por três magistrados judicias», deixou em aberto, por omissão, o que é trave-mestra do sistema, a efectiva intervenção do terceiro elemento, aquele a quem cabe dirigir a discussão, o presidente.
Esta alteração decorreu de uma iniciativa legislativa apresentada pelo grupo parlamentar do PSD [o Projecto de Lei n.º 876/XIV] que curiosa mente não mereceu, na altura, que eu saiba, qualquer reparo do Conselho Superior da Magistratura quanto a esta alteração, pois sobre isso é omisso longo parecer que esta entidade emitiu e comunicou ao Parlamento a 05.08.2021.
Convertida em lei [n.º 12/2022], surgiram então críticas ao sistema no quadro de um coro de reparos quanto a inúmeras outras previsões da mesma lei, nomeadamente o então popularizado artigo 40.º do Código, relativo aos impedimentos de juízes.
Ante isso, a nova titular da pasta da Justiça submeteu ao Parlamento a Proposta de lei n.º 3/XV-118 a qual propôs «a repristinação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 419.° do Código de Processo Penal na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, passando a fazer parte da conferência dois juízos adjuntos», ficando assim o sistema:
a - na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e dois juízes adjuntos
b - mantendo embora o poder de direcção da discussão, o presidente «só vota, para desempatar, quando não puder formar-se maioria com os votos do relator e dos juízes-adjuntos».
Ou seja, o que se propunha era um equilíbrio (i) a favor, por um lado, da colegialidade ampla [4 juízes] que fora quebrada em 2007, mas (ii) a recuperação da intervenção excepcional do juiz-presidente confiando-se-lhe a intervenção dispensável quanto à formação do sentido do decidido.
Tratava-se, afinal, de dar força de lei a uma proposta do Conselho Superior da Magistratura, aprovada no seu plenário, como consta da acta respectiva.
E é este o sistema que se encontra em vigor.» («Colegialidade, direcção e justiça: a composição dos colectivos nos tribunais superiores em matéria de recurso penal», a Revista, Revista do STJ, N.º 3 – jan.-jun. 2023, pp. 150-156).
17. Por seu turno, Helena Morão e Paulo Pinto de Albuquerque, defendem que
«(…) O presidente vota sempre em audiência e não apenas para desempatar (PEREIRA MADEIRA, in HENRIQUES GASPAR e OUTROS, 2021: 1376). Conhecendo a anterior discussão sobre esta questão, o legislador não quis que valesse aqui a regra do artigo 419.º, n.º 2, e isto por esta razão: sendo a audiência presidida pelo presidente da secção, que tem poderes semelhantes aos do juiz presidente do tribunal de primeira instância (ver a anotação ao artigo 423.º), não se compreenderia que ele tivesse poderes decisórios na audiência e os não tivesse na deliberação do acórdão do TR. Acresce que o voto obrigatório do presidente na audiência dota a decisão proferida em audiência de uma especial autoridade em face da decisão da conferência» (Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos [Paulo Pinto de Albuquerque, Org.], II vol., 5.ª ed atualizada, Lisboa, UCP Editora, 2023, p. 716).
18. À luz do enquadramento normativo vigente na data da audiência realizada no TRG (26-06-2023) – artigos 421.º a 425.º, do CPP –, e face ao entendimento doutrinário supra exposto, que se subscreve, a omissão de assinatura do Senhor Presidente da Secção Penal do TRG no acórdão recorrido integra o vício processual de irregularidade, não sendo, neste Supremo Tribunal, passível de ser suprido, ao abrigo do n.º 2 do art. 380.º do CPP.
Todavia, a irregularidade consistente na falta de assinatura deve ser tempestivamente suprida pelo órgão em que se verificou. E pode sê-lo em momento anterior à apreciação das demais questões suscitadas no recurso. Por essa razão se entende como adequado que tal vício seja objeto de correção, previamente à apreciação das questões suscitadas no recurso do arguido.
Nos termos dos artigos 123.º, n.º 2, 374.º, n.º 3, al. e) e 380.º, n.º 2 a contrario, do CPP, determinar-se-á, assim, que o processo seja devolvido à Secção Penal do Tribunal da Relação da Guimarães, onde se deverá proceder à regularização/correção da falta de assinatura do Senhor Desembargador Presidente de tal Secção no acórdão recorrido.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em determinar a regularização/correção da falta de assinatura do Senhor Desembargador Presidente da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães no acórdão recorrido, para onde se deverão remeter os autos com tal finalidade.
Sem custas.
Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, data supra certificada
Texto elaborado e informaticamente editado, integralmente revisto pelo Relator (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.
Os juízes Conselheiros
Jorge dos Reis Bravo (relator)
António Latas (1.º adjunto)
Agostinho Torres (2.º adjunto)