INVENTÁRIO
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
RECLAMAÇÃO DE BENS
TEMPESTIVIDADE DA PROVA
Sumário


I. A iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto, e não ao tribunal; e, por isso, o princípio do inquisitório não pode cometer ao juiz a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, permitindo à parte contornar a preclusão processual decorrente da sua prévia inércia.

II. As provas relativas à reclamação à relação de bens apresentada em processo de inventário terão de ser oferecidas logo com os articulados respectivos, o requerimento inicial em que seja deduzida e a resposta que mereça.

III. É discutível se a reclamação à relação de bens apresentada em processo de inventário consubstancia: um verdadeiro incidente do mesmo, isto é, a apreciação de uma questão que, implicando um requerimento, uma resposta e uma decisão, não integra, porém, a sua tramitação necessária e obrigatória (como a citação dos interessados directos na partilha, ou a realização da conferência de interessados), apenas tendo lugar se, e quando, actuada pelas partes; ou antes uma fase da sua tramitação normal, traduzindo-se no exercício pelos demais interessados citados de um direito de defesa que é processado nos próprios autos e inserido na tramitação típica do processo de inventário.

IV. Ainda que se considere que a reclamação à relação de bens consubstancia um verdadeiro incidente processual, poderá o reclamante, confrontado com o resultado de uma diligência de prova que oportunamente requereu e que consubstancia um facto novo, que não poderia ter conhecido antes e ainda que que tivesse usado de toda a diligência exigível, indicar e produzir nova prova sobre ele, para exercer o seu direito de contraditório.

V. Ainda que se considere que a reclamação à relação de bens consubstancia uma fase da tramitação normal do inventário, tendo os interessados arrolado prova pessoal, a produzir em data a designar, poderá o reclamante juntar prova documental até vinte dias antes da data em que se realize aquela diligência, conforme art.º 423.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art.º 549.º, n.º 1, do mesmo diploma.

VI. Tendo sido requerido, com a dedução da reclamação à relação de bens, que se obtivessem informações sobre o saldo de contas bancárias tituladas pelo inventariado, à data da sua morte, junto de determinada instituição bancária, que veio depois informar que inexistiam junto de si, o subsequente pedido que essa mesma informação fosse obtida junto de todas as outras instituições bancárias a operar em Portugal não consubstancia um novo ou inédito meio de prova, mas apenas a reiteração do anterior (já que, tal como antes, o que exclusivamente volta a estar em causa é o apuramento dos valores titulados pelo inventariado à data da sua morte, sendo puramente acessória ou despicienda a identidade da concreta, ou das concretas, instituições bancárias onde tais valores eventualmente se encontrem).

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) as Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Rosália Cunha;
2.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade.

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Comarca ... - Juízo Local Cível ...
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Avenida ..., União das freguesias ... (...) e ... (...), em ... (aqui Recorrido), propôs um processo especial de inventário (que, com o n.º 299/22...., corre termos pelo Juízo Local Cível ..., Comarca ...), para partilha das heranças dos respectivos pais, BB e CC, pedindo que

· se procedesse ao dito inventário e se nomeasse ele próprio como cabeça-de-casal.

Alegou para o efeito, e em síntese, ter BB falecido em .../.../1983, no estado de casado com CC, em primeiras e únicas núpcias de ambos, e sem ter feito testamento ou doações; e ter deixado como únicos herdeiros a respectiva viúva e os seus dois filhos, ele próprio e DD.
Mais alegou ter CC falecido no dia .../.../2010, tendo-lhe deixado por testamento (de 26 de Janeiro de 2007) a quota disponível de todos os seus bens; e ter deixado como únicos herdeiros os seus dois filhos, ele próprio e DD.
Alegou ainda que DD faleceu no dia .../.../2020, deixando como únicos herdeiros a sua viúva, EE (com quem era casado, em primeiras e únicas núpcias de ambos, sob o regime de comunhão de adquiridos), e os seus dois filhos, AA e FF.
Por fim, alegou ser sua a legitimidade para ser nomeado como cabeça-de-casal.

1.1.2. Com o seu requerimento inicial, o Requerente (AA) apresentou relação de bens, constando nomeadamente da mesma: cinco prédios (um urbano e quatro rústicos); e passivo, constituído por três créditos dele próprio sobre a herança (alegadamente, por pagamento do imposto municipal sobre imóveis da herança, por despesas com o funeral da Inventariada, e por despesas com a limpeza de prédio rústico da herança).

1.1.3. Os demais Interessados (EE, FF e AA) reclamaram da relação de bens apresentada, nomeadamente: dos valores atribuídos aos imóveis relacionados; da inclusão de pretenso crédito (relativo à limpeza de prédio rústico); da omissão de bens/valores (nomeadamente, do saldo de contas bancárias existentes à data do óbito da Inventariada); e da falta de colação de tudo o que a Inventariada teria financiado ao Cabeça-de-Casal (suportando as suas despesas), desde que foi viver com o mesmo, em 2007.
Requereram, por isso, que: a Banco 1..., S.A. fosse notificada para informar os autos de todas as contas existentes em nome da Inventariada e o respectivo saldo bancário, à data do seu óbito; e que a mesma Instituição Bancária fosse notificada para juntar aos autos todos os extractos das contas bancárias da Inventariada, desde 2007 até à data do seu óbito.
No final da dita relação de bens, sob a epígrafe, «MEIOS DE PROVA», os demais Interessados (EE, FF e AA) identificaram-nos como documental (a junta aos autos e a requerida antes), testemunhal (arrolando uma testemunha) e por declarações de parte (de EE) [1].

1.1.4. O Requerente (AA) respondeu, pedindo, no que ora nos interessa, que a reclamação improcedesse.
Alegou para o efeito, sempre em síntese, não ter a Inventariada despendido qualquer quantia a seu favor, muito menos tendo financiado as suas despesas; e as eventuais quantias monetárias que alegadamente teriam sido movimentadas nas suas contas bancárias teriam sido destinadas a fazer face a despesas, encargos e necessidades da própria Inventariada.
No final da dita resposta, o Requerente (AA) arrolou prova, no que ora nos interessa, por depoimento de parte (de EE) e testemunhal (arrolando três testemunhas) [2].

1.1.5. Em 18 de Outubro de 2022, foi proferido despacho, apreciando os requerimentos probatórios das partes, nomeadamente deferindo parte das diligências requeridas pelos demais Interessados (no que tange à obtenção de informações junto da Banco 1..., S.A., por reporte à data do óbito da Inventariada) e indeferindo outra parte (no que tange à obtenção de documentos junto da mesma Instituição Bancária relativos à Inventariada, desde 2007 até à data do seu óbito), e deferindo as diligências de prova pedidas pelo Requerente,  lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Nos termos do n.º 3 do art. 1105.º do CPC, «a questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz (…)».
*
Sem prejuízo do supra exposto, considerando o teor da reclamação apresentada, e por se afigurarem diligências úteis e relevantes para a boa decisão da causa, desde já se determina:
· Que se oficie ao Instituto da Segurança Social solicitando, ao abrigo do dever de colaboração, que remeta aos autos o comprovativo de pagamento dos subsídios de funeral devidos pelo óbito de BB e CC;
· Que se oficie à Banco 1..., S.A. solicitando, ao abrigo do dever de colaboração, que venha informar os autos acerca das contas tituladas pela inventariada CC à data do óbito, e qual o respectivo saldo bancário à data;
· Que se oficie à Conservatória do Registo Predial ... para vir juntar aos autos os elementos peticionados o artigo 17º da reclamação apresentada;
· Por ser tempestivo e respeitar o limite legal, vai admitido o rol de testemunhas indicado;
· Vai admitida a prova por declarações de parte da interessada EE à matéria indicada na resposta à reclamação, nos termos e para os efeitos do art. 466.º do CPC;
*
No mais, vai indeferida a diligência para se oficiar à mesma Banco 1..., SA para vir juntar aos autos os extratos referentes aos anos de 2007 até à data do óbito da inventariada, de todas as suas contas bancárias, por objectivamente irrelevante, uma vez que que o saldo bancário que integra o acervo hereditário e que haverá de ser tomado em consideração neste inventário se reporta exclusivamente ao existente à data do óbito.
No mesmo sentido, vai indeferida a notificação do cabeça-de-casal e do Estado francês para vir juntar aos autos os relatórios médicos da inventariada, desde o ano de 2007 até ao seu falecimento, por se tratarem de elementos absolutamente desnecessários e espúrios ao processo de inventário, cuja função consiste em fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens (art. 1082.º a) do CPC).
Notifique.
*
Quanto ao requerimento de prova apresentado pelo cabeça-de-casal:
· Notifique os reclamantes para, em 10 dias, virem instruir os autos com a caderneta predial e descrição predial do imóvel referido no artigo 21º da resposta à reclamação;
· Por ser tempestivo e respeitar o limite legal, vai admitido o rol de testemunhas indicado;
· Por se tratarem de factos susceptíveis de confissão e relativamente aos quais a interessada terá conhecimento pessoal e directo, vai admitida a prova por depoimento de parte da interessada EE à matéria indicada na resposta à reclamação
*
Oportunamente será designada data para inquirição de testemunhas.
Notifique.
(…)»

1.1.6. O despacho que antecede foi notificado ao Requerente (AA) e aos demais Interessados (EE, FF e AA) em 25 de Outubro de 2022, não tendo sido impugnado por qualquer deles.

1.1.7. Em 10 de Fevereiro de 2023, os demais Interessados (EE, FF e AA) vieram requerer «a avaliação dos bens indicados na Relação de bens e na respectiva reclamação apresentada, nos termos do artigo 1114.º do Código e Processo Civil».

1.1.8. O Requerente (AA) respondeu, pedindo que se indeferisse a avaliação, por extemporânea, uma vez que o «incidente de reclamação e respetiva resposta foi já objeto de despacho quanto à prova a produzir, pelo que estará ultrapassada a fase de apresentação de prova».

1.1.9. Em 03 de Março de 2023, as partes foram notificadas da informação da Banco 1..., S.A., onde se lia:
«No sentido de responder ao solicitado no vosso ofício nº ...16 de .../.../2022, informamos V. Exa. que, CC falecida em .../.../2010, não era titular de contas nesta Instituição de Crédito»

1.1.10. Em 21 de Março de 2023, os demais Interessados (EE, FF e AA), invocando «uma questão de celeridade processual, relativamente aos documentos juntos», vieram requerer novas diligências de prova (nomeadamente, informações a obter junto da Banco 1..., S.A. sobre contas que foram tituladas pelo Inventariado e sobre contas que foram tituladas em ... por ambos os Inventariados, e  informações a obter junto de outras Instituições Bancárias a operar em Portugal sobre contas bancárias e quaisquer outros activos titulados pelos Inventariados) [3].

1.1.11. O Requerente (AA) respondeu, pedindo que se indeferissem todas as novas diligências de prova, por extemporâneas, já que, no que tange ao incidente de reclamação à relação de bens, «os meios de prova devem ser imediatamente oferecidos».

1.1.12. Foi proferido despacho, admitindo a avaliação dos imóveis relacionados e indeferindo todas as demais diligências de prova requeridas, por extemporâneas, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Por via dos requerimentos de refª ...60 e ...27, os interessados reclamantes vieram requerer as seguintes diligências de prova: 
• A avaliação de todos os bens indicados na relação de bens e na reclamação apresentada, nos termos do art. 1114.º do CPC; 
• Que se oficie à Banco 1... para que esta informe as contas que foram tituladas pelo inventariado GG; 
• Que se oficie à Banco 1... em ... para que esta informe as contas que foram tituladas por ambos os inventariados; 
• Que se oficie qualquer instituição bancária a operar em Portugal para que venha informar sobre os saldos dos depósitos à ordem, a prazo, títulos, obrigações e seguros títulos financeiros, de participação, depósitos ações, Poupança PPR, fundos, contas activa poupança, etc., tituladas pelos inventariados; 
Por seu turno, o cabeça-de-casal veio opor-se à realização de tais diligências instrutórias, sustentando que o requerimento de prova é intempestivo, por não ter sido apresentado juntamente com os articulados, sendo, por isso, legalmente inadmissível. 
Apreciando: 
Tal como nos dizem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres (in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, pág. 8) “O novo modelo do processo de inventário assenta em fases processuais relativamente estanques e consagra um princípio de concentração dado que fixa para cada ato das partes um momento próprio para a sua realização.”
Explicam estes autores que, no modelo ora instituído, o processo de inventário para fazer cessar a comunhão hereditária, comporta as seguintes fases:
• Uma fase dos articulados na qual as partes, para além de requererem instauração do processo, têm de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respetivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, ativo e passivo, que constitui objeto da sucessão. Esta fase abrange a subfase inicial (arts. 1097º a 1002º) e a subfase da oposição (arts. 1104º a 1107º). No articulado de oposição devem os interessados impugnar concentradamente todas as questões que podem condicionar a partilha, nomeadamente, apresentar reclamação à relação de bens (v. art. 1104º do C. P. Civil).
• A fase de saneamento, na qual o juiz, após a realização das diligências necessárias – entre as quais se inclui a possibilidade de realizar uma audiência prévia – deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar e também proferir despacho sobre a forma da partilha.
• A fase da partilha onde ocorrerá a conferência de interessados na qual se devem realizar todas as diligências que culminam na realização da partilha.
No caso, estamos claramente na fase dos articulados, subfase da oposição/ contestação, em que os interessados, nomeadamente, reclamaram da relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal.
É mister mencionar que o legislador reforçou os poderes inquisitórios e de direcção e gestão processual do Juiz, que resulta desde logo dos princípios gerais constantes do CPC, os quais passaram a ser diretamente aplicáveis ao processo de inventário, a partir do momento em que este passou a integrar aquele código. Mas também introduziu regras de preclusão e de concentração no que diz respeito à alegação das questões relevantes e demonstração probatória do alegado, incrementando, assim, a auto-responsabilidade das partes na prática dos atos processuais (cfr. arts. 1097.º e 1099.º do CPC).
Em relação ao princípio da concentração, o legislador procurou concentrar os meios de defesa dos interessados (oposição, impugnação e reclamação), fixando o prazo de 30 dias, contados desde a citação para os termos da ação, estabelecendo o artigo 1104.º que, nesse prazo, deve ser deduzida oposição ao inventário, impugnar-se a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros, impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações e apresentar reclamação à relação de bens ou impugnar os créditos e as dívidas da herança. No que diz respeito à relação de bens, prescreve o referido artigo 1104.º, n.º 1, alínea e), do CPC, que o interessado pode apresentar reclamação à relação de bens, prescrevendo o artigo 1105.º a sequência da tramitação da reclamação, ou seja, notifica-se a reclamação ao cabeça-de-casal, cabendo ao mesmo apresentar a respetiva resposta também no prazo de 30 dias.
A isto acresce o disposto no n.º 2 do já mencionado art. 1105.º do CPC, segundo o qual «as provas são indicadas com os requerimentos e respostas». Na tramitação assim sucintamente enunciada, não se encontra contemplada a situação que os presentes autos revelam, na medida em que, após a fase dos requerimentos e das respostas (arts. 1104.º e 1105.º do CPC), não prevê a lei que haja qualquer faculdade de aditar novos requerimentos de prova aos previamente oferecidos. 
E não se diga que tem campo de aplicação o disposto em matéria de alteração aos requerimentos probatórios previsto na lei processual civil quanto à forma de processo comum. Com efeito, tratando-se a reclamação à relação de bens de um incidente declarativo enxertado no processo de inventário, aplicar-se-á, salvo melhor entendimento, o disposto nos arts. 292.º a 295.º do CPC, para onde remete expressamente o n.º 1 do art. 1091.º do mesmo diploma legal. 
Ora, nos termos do art. 293.º, n.º 1 do CPC, «no requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova».
Da conjugação das disposições legais acima mencionadas resulta assim que em sede de incidentes da instância (e por maioria de razão nas reclamações à relação de bens) o oferecimento dos meios de prova deve concentrar-se todo no requerimento inicial e na oposição, não havendo lugar a articulado superveniente para efeitos de alteração/ aditamento ao requerimento probatório inicialmente apresentado. 
A única excepção contemplada prende-se, precisamente, com o pedido de avaliação dos bens, sendo que vem expressamente previsto no art. 1114.º, n.º 1 do CPC que «até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído». 
Daqui resulta que, pese embora aquele preceito legal se encontrar sistematicamente inserido na fase da partilha (arts. 1111.º a 1122.º do CPC), nada obstara que a avaliação dos bens seja requerida em momento anterior ao da conferência de interessados, designadamente para facilitar a composição consensual dos interesses na audiência prévia, sendo que a abertura das licitações constitui o termo final para a dedução do requerimento de avaliação de bens.
Ainda assim, importa ressalvar que os bens sobre os quais deverá recair a avaliação serão necessariamente os bens que integram a relação de bens, e não quaisquer outros bens indicados no articulado de reclamação à relação de bens, precisamente por se tratarem de matérias litigiosas que condicionam a definição do património a partilhar. Por outras palavras, sendo tempestivo o pedido de avaliação dos bens, tal avaliação deverá, todavia, ter somente lugar quando a relação de bens estiver devidamente consolidada, o que apenas sucederá após a realização de todas as diligências instrutórias requeridas e já admitidas, e a decisão final quanto à reclamação à relação de bens apresentada. 
Nestes termos, decide-se: 
• Admitir a avaliação de bens requerida nos termos do art. 1114.º, n.º 1 do CPC, relegando-se a mesma para uma fase posterior à inquirição de testemunhas e respectiva decisão quanto à reclamação à relação de bens; 
• Indeferir as demais diligências probatórias requeridas pelos interessados reclamantes, porque manifestamente extemporâneas;
Notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformados com esta decisão, os demais Interessados (EE, FF e AA) interpuseram recurso de apelação [4], pedindo que fosse provido, revogando-se o despacho recorrido na parte em que lhes indeferiu as diligências de prova requeridas.
                        
Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1.º - Por despacho proferido no âmbito do supracitado processo, com a referência ...70, foi decidido, que importe para o presente recurso:
“Indeferir as demais diligências probatórias requeridas pelos interessados reclamantes, porque manifestamente extemporâneas”.

2.º - Ora, salvo melhor e mais sábio entendimento, a decisão de indeferimento dos meios de prova acima referidos, viola grosseiramente normas de direito processual, nomeadamente o princípio geral da descoberta da verdade material e o princípio do inquisitório, que ressaltam dos artigos 411.º e 436.º do Código de Processo Civil, bem como o n.º 2 do artigo 423º do CPC.

3.º - Isto porque, foi apresentada a Relação de Bens e posteriormente, nos termos do artigo 1104.º, n.º 1, alínea d) do CPC, os Requerentes apresentaram a sua reclamação à relação de bens, entre outras razões, por nesta não ter sido indicada qualquer conta titulada ou co-titulada por nenhum dos Inventariados.
4.º - E nessa Reclamação expuseram que estavam em falta bens da herança, entre outros, contas bancárias, tendo requerido que fosse oficiada a Banco 1..., S.A. para que juntassem aos autos as contas que fossem tituladas pela inventariada CC.

5.º - O que veio a ser deferido pelo despacho com a referência ...85.
 
6.º - A Banco 1..., S.A. em resposta referiu que a Inventariada, naquela instituição bancária não era titular de nenhuma conta.

7.º - Perante este ofício os Interessados, aqui Recorrentes, requereram que fosse oficiada a mesma Instituição para agora vir juntar aos autos as contas tituladas pelo Inventariado BB; para oficiar a Banco 1... em ... sobre as contas tituladas por ambos os Inventariados; e ainda todas as instituições bancárias a operar em Portugal «sobre os saldos dos depósitos à ordem, a prazo, títulos, obrigações e títulos de participação, ações, PPR, contas poupança, fundos de investimento, seguros financeiros, depósitos Poupança ativa etc., tituladas pelos Inventariados» (que oficie qualquer instituição bancária a operar em Portugal, designadamente: «i) Banco 2... – Rua ..., ..., ... ... ii) Banco 3... – Rua ..., ... ... iii) Banco 4...- Avenida ...) Banco 5... – Rua ... ... v) Banco 6... – Avenida ..., ... ... vi) ... – Banco 7... – Rua ..., ... ...) Banco 8... – Rua ... ...» - Com a referência ...27.

8.º - O que mereceu do despacho com a referência ...70, de que ora se recorre, o indeferimento, com base na intempestividade do meio de prova requerido, porquanto os meios de prova requeridos haveriam de ser indicados na reclamação, uma vez que esse seria o momento certo para o requerimento probatório sobre o qual ora nos debruçamos, sustentado no artigo 1105.º n.º2 do CPC, na medida em que, segundo o douto Tribunal, é no juiz que se centram os princípios do inquisitório, da direção e gestão processual e da concentração.

9.º - Além disso, não estaria em causa aplicar ao presente processo de inventário, no que diz respeito à forma, a lei processual civil, dado que a reclamação à relação de bens trata-se de um incidente enxertado no processo de inventário.

10.º - Concluindo pela exigência do requerimento probatório acompanhar a reclamação, in casu, sem margem para alteração ou aditamento ao requerimento inicialmente apresentado.

11.º - Apesar da fundamentação, não podem os Recorrentes, com o conteúdo do despacho concordar, na medida em que o que está em causa não é o momento em que o meio probatório foi requerido, devendo-se, pelo contrário, questionar e tentar perceber a razão pela qual os Interessados, aqui Recorrentes, requererem aquele meio de prova naquela altura.

12.º -  Efetivamente cumpre clarificar que o processo de inventário deu início pela morte de BB, falecido a .../.../1983 e de CC, falecida a .../.../2010.

13.º - Ora, por esta ter falecido posteriormente ao falecido marido, os Interessados tinham a informação de que a Inventariada detinha uma conta bancária na Banco 1....

14.º -  Dessa forma, uma vez que 27 anos separavam os óbitos de ambos, no que diz respeito às contas bancárias, natural seria que o que tivesse sido deixado pelo Inventariado, já que não houve a partilha de qualquer bem, estivesse titulado pela Cônjuge e foi essa a linha de raciocínio dos Recorrentes em relação à Banco 1... que, do conhecimento que tinham, era a instituição de crédito a quem os Inventariados recorriam.

15.º - Assim sendo, aquando da Reclamação à Relação de Bens, dada a informação prestada acima, não podiam, neste momento processual, requerer o constante no requerimento com a referência ...27, apresentado posteriormente à reclamação à relação de bens.

16.º - Pois, só se afigurou necessário após a resposta negativa da Banco 1... a operar em Portugal, isto porque os Interessados, ora Recorrentes, sabem que a Inventariada, evidentemente em resultado também do seu marido, detêm contas bancárias e que estas compõe o acervo hereditário que aqui se requer a sua partilha.

17.º - É neste sentido que se pronuncia o Tribunal da Relação de Guimarães, que no sumário do Ac. 202/10.1TBPTB-E.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/9ad9780a7c7b9a3b80257be30050f7ac?OpenDocument, refere que “O interessado que reclamar contra a relação de bens apresentada em processo de inventário deve indicar logo a prova. Todavia, se surgirem factos novos de que o reclamante só tomou conhecimento após aquela reclamação, pode, em relação a estes, indicar e produzir nova prova para exercer o contraditório e garantir o princípio da verdade histórica (também chamada material).”

18.º - Na verdade, aquando da Reclamação à relação de Bens, não sabiam os Interessados, ora Recorrentes, que a Inventariada não tinha nenhuma conta na Banco 1..., considerando que do casal esta foi a última a falecer e era naquela instituição bancária que aos Interessados sempre fora dito que ali teriam as suas poupanças, razão pela qual seria de admitir o meio probatório requerido, afigurando-se este tempestivos dada a chegada ao processo de novos elementos.

19.º - Aliás, os aqui Interessados não eram presumíveis herdeiros da Inventariada, que apenas foram chamados à sucessão por força do óbito do herdeiro DD, o que dificulta ainda mais o conhecimento direto e preciso de todos os bens existentes e que compõe o acervo hereditário,

20.º - E a Inventariada há muitos anos que vivia com o cabeça-de-casal, sendo, portanto, este quem tem conhecimento de todos os bens.

21.º - Refere o n.º 2 do artigo 423º do CPC que “Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (…)”.

22.º - É já maioritariamente sustentado pela jurisprudência que a reclamação contra a relação de bens já não constitui um incidente do processo de inventário, inserindo-se na marcha regular do processo em causa; assim, não obstante a indicação das provas dever ser feita com os requerimentos e respostas, a apresentação dos documentos pode ser efetuada até 20 dias antes da data em que se realize a inquirição de testemunhas, designada a 02/11/2023 – vide, Ac. da Relação de Guimarães, de 12.01.2023, processo n.º 487/21.8VCT-A.G1, disponível in dgsi.pt.
 
23.º - Pelo que, os Recorrentes pretendem juntar os documentos que comprovem e identifiquem a existência de contas bancárias e respetivos saldos, e que não se encontram na posse dos Interessados.

24.º - Os quais devem ser admitidos pois, para além de estarem a tempo e na fase de articulados, não foi igualmente possível apresentá-los ou requerer em momento anterior, como já se referiu supra.

25.º - E é por isto que o princípio do inquisitório deve ser esmiuçado, no sentido de se levarem a cabo todas as diligências necessárias que levem a cabo o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, conforme decorre do Ac. 2856/15.3T8AVR-D.P1, do Tribunal da Relação do Porto, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/7df6547f11141128802585ec003103c1?OpenDocument.

26.º - Doutro modo estaria igualmente em causa a violação do princípio da economia processual, tendo em conta que o referido processo se encontra ainda em fase de articulados.

27.º - Pelo que, face ao exposto, deverão V. Exas. revogar o despacho sindicado na parte em que indefere os meios de prova requeridos no Requerimento com a referência ...70, substituindo-o por outro que admita a prova requerida, fazendo assim, V. Exas, a habitual Justiça.
*
1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [5].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [6], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso interposto pelos Reclamantes (EE, FF e AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente ao ter indeferido a obtenção de informações junto de instituições bancárias a operar em Portugal (tendo as mesmas sido requeridas em tempo e serem relevantes para o apuramento da verdade material em sede de reclamação à relação de bens apresentada) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão única enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Regime legal aplicável
4.1.1. Direito à prova
Lê-se no art.º 342.º, do CC, que àquele «que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (n.º 1), sendo que a «prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» (n.º 2).
Logo, a iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto - e não ao tribunal -, sob pena de não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga secundum allegata et probata (art.º 346.º, do CC, e art.º 414.º, do CPC).

«Ora, para cumprir este ónus, reconhece-se o direito à prova» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 207, com bold apócrifo).
Pode definir-se genericamente o direito à prova como o «direito da parte de utilizar todas as provas de que dispõe, de forma a demonstrar a verdade dos factos em que a sua pretensão se funda. Do seu conteúdo essencial constam, portanto, os seguintes aspectos: o direito de alegar factos no processo; o direito de provar a exactidão ou inexactidão desses factos, através de qualquer meio de prova», o que implica a proibição de um elenco taxativo de meios de prova; e «o direito de participação na produção das provas» (Ac. da RC, de 14.07.2010, Carvalho Martins, Processo n.º 102/10.5TBSRE.C1).
Enfatiza-se aqui que, sem o direito à prova, as garantias constitucionais do acesso ao direito e ao processo equitativo seriam meramente formais: se não fosse facultada às partes a possibilidade de apresentarem os meios de prova legalmente admissíveis, obtidos de forma lícita, e pertinentes para a prova dos factos que previamente alegaram e cujo ónus de prova lhes compete, não conseguiriam obter o reconhecimento das respectivas pretensões [7].
Compreende-se, por isso, que se afirme que, sendo o direito à prova um direito necessariamente instrumental da realização de um outro, substantivo, «uma restrição incomportável da faculdade de apresentação de prova em juízo pode impossibilitar a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva» (Ac. do STJ, de 17.12.2009, Hélder Roque, Processo n.º 159/07.6TVPRT-D.P1.S1).
Logo, e como regra geral, «os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, pág.190).
Dir-se-á que, e mercê deste imperativo constitucional, a própria interpretação das normais legais infra constitucionais deverá ser feita por forma a salvaguardar a máxima e efectiva actividade probatória.

Precisa-se, ainda, que este «direito fundamental à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais» (Ac. da RC, de 21.04.2015, Maria João Areias, Processo n.º 124/14.1TBFND-A.C1) [8].
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4.1.2. Princípio do inquisitório
Incumbe, porém, ao tribunal remover qualquer obstáculo que as partes aleguem estar a condicionar o seu ónus probatório (art.º 7.º, n.º 4, do CPC), bem como realizar ou ordenar oficiosamente «todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quando aos factos de que é lícito conhecer» (art.º 411.º, do CPC) [9].
Está-se aqui (em sede de instrução) perante o princípio do inquisitório [10], que se manifesta nomeadamente na requisição de documentos (art.º 436.º, do CPC), na determinação do depoimento de parte (art.º 452.º, do CPC), no ordenar de perícia (art.º 477.º, do CPC), na realização de inspecção judicial (art.º 490.º, do CPC), na determinação de verificação não judicial qualificada (art.º 494.º, do CPC), na inquirição de testemunha no local da questão (art.º 501.º, do CPC), ou na inquirição oficiosa de testemunhas (art.º 526.º, do CPC).
Dir-se-á, ainda, que a substituição da expressão o «juiz tem o poder de» (da versão original do art.º 264.º, n.º 3, do CPC de 1961), pela expressão «incumbe ao juiz» (do art.º 411.º, do actual CPC), evidencia uma mudança de paradigma: ali estávamos perante um poder discricionário; agora estamos perante um poder-dever.
           
Precisa-se, contudo, que o tribunal deverá assegurar aqui, como ao longo de todo o processo, «um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente (…) no uso dos meios de defesa» (art.º 4.º, do CPC) - emanação do princípio do contraditório (art.º 3.º, do CPC) - isto é, quanto à possibilidade de utilização dos meios de prova, assegurando o que se designa usualmente pelo princípio de igualdade de armas.
Compreende-se, por isso, que se afirme que, se de «acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade», certo é igualmente que esta «amplitude de poderes/deveres (…) não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa».
Logo, e associada «a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse direto em cumprir»; e, neste «contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia» (Ac. da RG, de 20.03.2018, João Diogo Rodrigues, Processo n.º 14/15.6T8VRL-C.G1, com bold apócrifo).
Fala-se, então, do princípio da preclusão [11] e do princípio da auto-responsabilidade das partes [12].

Compreende-se, por isso, que se afirme que o «exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes» (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2004, pág. 533) [13].
Nesta linha, e particularizando um critério objectivo de decisão, dir-se-á que, se «foi a própria parte a negligenciar os seus deveres de proposição da prova, não seria razoável impor ao tribunal o suprimento dessa falta. Apenas na hipótese - raríssima - de resultar do já processado, designadamente da produção de outras provas, objectiva e seguramente, a necessidade de tal diligência, revelando-se esta em termos que permitam concluir que se verificaria igualmente caso a parte houvesse sido diligente na satisfação do seu ónus probatório, é que o juiz deverá, excepcionalmente, atender a tal “sugestão”. Fá-lo-á, então, valorizando essa necessidade da prova, que se impõe por si, e não a pretensão subjectiva da parte. Caso contrário, se a necessidade não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outra diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse». Logo, a «sua pretensão só pode ter sucesso se lograr convencer o tribunal de que a diligência a promover é absolutamente necessária ao esclarecimento dos factos e que esta necessidade se impõe por si, desligada da vontade que a parte manifesta na sua realização» (Nuno Lemos Jorge, «Os Poderes Inquisitórios do Juiz: Alguns problemas», Julgar, n.º 3, 2007, págs. 70 e 72, com bold apócrifo) [14].
Concluindo, não sendo «próprio as partes confiarem em exclusivo nos poderes inquisitórios do tribunal, esperando que» seja «o juiz a determinar toda e qualquer diligência probatória», certo é que «o inquisitório deve orientar-se por um padrão mínimo de objectividade, condição para ser exigível que o juiz adopte certa conduta em matéria instrutória», para o que «muito contribuirá o zelo probatório das partes». Assim, «a actuação do juiz é vinculada desde que se convença da necessidade de certa diligência probatória», estando-lhe então vedado «justificar a sua inércia com a tal auto-responsabilidade das partes» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, págs. 342 e 343) [15].
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4.1.3. Reclamação à relação de bens
4.1.3.1. Processo de inventário (em geral)
Lê-se no art.º 1082.º, al. a), do CPC, que o «processo de inventário cumpre, entre outras», a função de fazer «cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens» [16]; e caracteriza-se pela universalidade objectiva (recai, em princípio, sobre a totalidade da herança) e subjectiva (requer a presença de todos os interessados na partilha), bem como pela proporcionalidade da partilha segundo a quota de cada herdeiro (a atribuição dos bens é feita segundo a quota de cada interessado na comunhão).

Está-se perante um processo especial de jurisdição contenciosa ou litigiosa, reintroduzido no CPC pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro (não obstante a sua inserção sistemática no CPC, após os processos especiais de jurisdição voluntária, por se ter pretendido salvaguardar a prévia numeração dos artigos que a estes diziam respeito).

A reintrodução do processo especial de inventário no CPC torna-lhe aplicáveis os princípios gerais do processo civil (conforme art.º 549.º, n.º 1, do CPC), «nomeadamente o da gestão e adequação processual (art.ºs 6.º, n.º 1 e 547.º, do CPC) e o da cooperação do juiz (art. 7.º, do CPC)», estando o primeiro «acolhido e concretizado», por exemplo, no art.º 1105.º, n.º 4, do CPC «(possibilidade de realização oficiosa de quaisquer diligências probatórias antes da decisão de saneamento)».
Dir-se-á, mesmo, que o «novo modelo do processo de inventário acentua, muito claramente, o papel activo do juiz na realização do fim último do inventário: a justa e igualitária partilha do acervo hereditário, obtida, se possível, por consenso entre os interessados». Ora, de forma muito «relevante no processo de inventário pode ser o uso pelo juiz dos poderes inquisitórios em matéria probatória (art. 411.º). Assim, as diligências probatórias a realizar no processo poderão não ser apenas as que tenham sido requeridas pelas partes, dado que o juiz deve exercer os seus poderes inquisitórios em matéria probatória de modo a decidir, com o indispensável rigor e ponderação, todas as questões controvertidas. Através destes poderes inquisitórios podem ser superadas as limitações que constam do art. 293.º, n.º 1, aplicáveis aos incidentes do processo de inventário por força do disposto no art. 1091.º, n.º 1» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, pág. 10, com bold apócrifo) [17].
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Estando em causa o processo de inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária, aplica-se-lhe «o disposto no capítulo II» (art.º 1084.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo da aplicação aos respectivos incidentes, «e salvo indicação em contrário, [d]o disposto nos artigos 292.º a 295.º» (art.º 1091.º, n.º 1, do CPC).
Precisa-se apenas, e a «propósito do efeito cominatório decorrente da falta de oposição nos incidentes (cf. art. 293.º, n.º 3)», «que, no novo regime do inventário, foi introduzido um ónus de contestação do requerimento inicial (arts. 1104.º e 1106.º) e um ónus de resposta à contestação (art. 1105.º, n.º 1), o que implica, como efeito cominatório para a falta de resposta ao requerimento inicial ou à oposição, a aceitação dos termos desse requerimento inicial ou dessa oposição. Passa, assim, a vigorar um verdadeiro sistema de preclusões, até agora inexistente, no processo de inventário» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, pág. 43) [18].

O dito capítulo II - epigrafado «Inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária» - contém os art.ºs 1097.º a 1130.º, inclusive, integrados nas seguintes secções: Secção I - epigrafada «Fase inicial» (contem os art.ºs. 1097.º a 1103.º); Secção II - epigrafada «Oposições e verificação do passivo» (contem os art.ºs. 1104.º a 1108.º); Secção III - epigrafada «Audiência prévia de interessados» (contem o art.º. 1109.º); Secção IV - epigrafada «Saneamento do processo e conferência de interessados» (contem os art.ºs 1110.º a 1117.º); ); Secção V - epigrafada «Incidente de inoficiosidade» (contem os art.ºs 1118.º e 1119.º); Secção VI - epigrafada «Mapa da partilha e sentença homologatória» (contem os art.º.s 1120.º a 1125.º); e Secção VII - epigrafada «Incidentes posteriores à sentença homologatória» (contem os art.º.s 1126.º a 1129.º).
«O novo modelo do processo de inventário assenta» assim, e como desde logo resulta das suas diferentes secções, «em fases processuais relativamente estanques e consagra um princípio de concentração, dado que fixa para cada acto das partes um momento próprio para a sua realização. Em consequência, o novo regime não pode deixar de comportar algumas cominações e preclusões», «inexistentes no regime anterior e responsáveis, sob o ponto de vista económico, pela ineficiência do anterior modelo». Dir-se-á, por isso, que o «novo modelo tem implícito um reforço da auto-responsabilidade das partes» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, págs. 8 e 9, com bold apócrifo).
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4.1.3.2. Relação de bens - Reclamação
Lê-se, nos art.ºs 1097.º e 1098.º, do CPC (da fase inicial), que quando o requerimento inicial do  processo destinado a fazer cessar a comunhão hereditária seja apresentado pelo cabeça-de-casal, deve o mesmo juntar logo a relação de todos os bens sujeitos a inventário, ainda que a sua administração não lhe pertença, organizando a mesma de acordo com os requisitos discriminados na lei.
Discute-se, com frequência, o tratamento jurídico sucessório dos depósitos bancários solidários, isto é, do de cujus e de terceiro contitular da conta, podendo, porém, ter-se como certo que importa distinguir entre a titularidade da conta e a propriedade dos fundos, já que aquela não predetermina esta [19]; e que, em princípio, devem ser relacionados os saldos bancários que existiam à data da abertura da sucessão [20].

Mais se lê, no art.º 1104.º, n.º 1, al. d), do CPC (da fase de oposições), que, uma vez citados para os termos do inventário, os interessados directos na partilha, podem, no prazo de 30 dias, não só deduzir oposição ao inventário, impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros, impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações, como apresentar reclamação à relação de bens e impugnar os créditos e as dívidas da herança.
Logo, consagra-se «um princípio de concentração na invocação dos meios de defesa que é em tudo idêntico ao que vigora no art. 573.º: toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, activo e passivo) deve ser deduzida no prazo que os citados têm para deduzirem oposição (art. 1104.º)». Posteriormente, «só podem ser invocados os meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo actuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição) ou que a lei admita expressamente passado o momento da oposição (como sucede com a impugnação do valor atribuído aos bens relacionados e o pedido da respectiva avaliação: art. 1114.º, n.º 1) ou que se prendam com questões que sejam de conhecimento oficioso (art. 573.º, n.º 2)» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, pág. 10, com bold apócrifo).
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Sendo apresentada reclamação à relação de bens [21], lê-se no art.º 1105.º, n.º 1, do CPC, que «são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada» (n.º 1), sendo as «provas (…) indicadas com os requerimentos e respostas» (n.º 2) e a «questão (…) decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz» (n.º 3).

É discutível se se está aqui perante: um verdadeiro incidente do processo de inventário, isto é, a apreciação de uma questão que, implicando um requerimento, uma resposta e uma decisão, não integra, porém, a sua tramitação necessária e obrigatória (como a citação dos interessados directos na partilha, ou a realização da conferência de interessados), apenas tendo lugar se, e quando, actuada pelas partes [22]; ou antes perante uma fase da sua tramitação normal, traduzindo-se no exercício pelos demais interessados citados de um direito de defesa que é processado nos próprios autos e inserido na tramitação típica do processo de inventário [23].
Ora, tendo as provas que ser arroladas com o requerimento de dedução da reclamação à relação de bens e com o requerimento de respectiva resposta a esta, se se adoptar o primeiro entendimento exposto (reclamação como incidente) apenas poderão ser depois considerados os requerimentos de prova justificados por factos supervenientes (nomeadamente, aqueles que a parte diligente não podia ter antecipado como necessários). Já se se adoptar o segundo entendimento referido (reclamação como fase da tramitação normal) poderão ainda: ser admitidos os documentos apresentados até vinte dias antes da data em que se realize a produção de prova testemunhal previamente arrolada (na fase instrutória do processo), por lhe ser aplicável o disposto no art.º 423º, n.º 2, do CPC [24], ex vi do art.º 549.º, n.º 1, do mesmo diploma [25]; e ser aditado o prévio rol de testemunhas com a designação da data para a sua inquirição ou pedida a prestação de declarações de parte até à realização da diligência [26].
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Reclamação à relação de bens
Concretizando, verifica-se que, tendo sido proposto o presente processo especial de inventário para partilha de bens da herança de BB, falecido em .../.../1983, e de sua viúva, CC, falecida em .../.../2010, são interessados no mesmo o único filho sobrevivo de ambos, AA (requerente dos autos e nomeado cabeça-de-casal) e a viúva e os filhos  de DD, irmão daquele e falecido em .../.../2020 (HH, AA e FF).
Mais se verifica que, tendo o Requerente e cabeça-de-casal (AA) apresentado a relação de bens, uma vez citados, os demais Interessados (EE, FF e AA) vieram reclamar da mesma, nomeadamente defendendo que existem «bens da herança que não foram juntos aos autos», sendo esse o caso das «contas bancária existentes e o saldo bancário existente à data do óbito de CC, em .../.../2010, no Banco 1..., S.A.». Requererem, por isso, a notificação da «Banco 1..., S.A. para vir juntar aos autos todas as contas bancárias existentes ou que existiram em nome de CC, e o saldo bancário à data do óbito», arrolando ainda uma testemunha e requerendo a prestação de declarações de parte pela interessada EE.
Verifica-se ainda que, na resposta que apresentou, o Requerente e cabeça-de-casal (AA) impugnou esta factualidade, defendendo ainda que eventuais «quantias monetárias alegadamente movimentadas nas contas bancárias tê-lo-ão sido para fazer face a despesas, encargos e necessidades da própria inventariada»; e também ele arrolou desde logo prova pessoal, pedindo nomeadamente o depoimento de parte da interessada EE e identificando três testemunhas.
Por fim, verifica-se que, apreciando o requerido, o Tribunal a quo proferiu despacho, onde, «por se afigurarem diligências úteis e relevantes para a decisão da causa», decidiu que: se oficiasse «à Banco 1..., S.A., ao abrigo do dever de colaboração, que venha informar os autos acerca das contas tituladas pela inventariada CC à data do óbito, e qual o respectivo saldo bancário à data»; por «ser tempestivo e respeitar o limite legal, vai admitido o rol de testemunhas indicado» pelos Reclamantes; ia admitida «a prova por declaração de parte da interessada EE à matéria indicada na resposta à reclamação, nos termos e para os efeitos do art. 466.º do CPC»; por «ser tempestivo e respeitar o limite legal, vai admitido o rol de testemunhas indicado» pelo Reclamado; e por «se tratarem de factos susceptíveis de confissão e relativamente aos quais a interessada terá conhecimento pessoal e directo, vai admita a prova  por depoimento de parte da interessada EE à matéria indicada na resposta à reclamação».

Logo, duas conclusões se impõem: as partes cumpriram oportunamente o ónus imposto pelo art.º 1105.º, n.º 2, do CPC, de indicação dos meios de prova com o seu requerimento de reclamação à relação de bens e de resposta a esta reclamação; e o Tribunal a quo considerou os mesmos admissíveis, nomeadamente no que tange à notificação da Banco 1..., S.A. para informar que contas existiam em nome da Inventariada, à data do seu óbito e qual o respectivo saldo.
Teve, assim, por verificado o juízo contido no art.º 436.º, do CPC [27], isto é, a impossibilidade da obtenção directa dessa informação pela parte a quem aproveita [28] (no caso, evidente, face ao sigilo bancário a que qualquer instituição de crédito está obrigada [29])  - e do interesse de que se revista para o esclarecimento da verdade (no caso, evidente, face à acusação de falta de relacionação dos valores correspondentes aos saldos das contas bancárias da Inventariada, à data da sua morte); e, ao abrigo do  princípio da cooperação para a descoberta da verdade (consagrado nomeadamente nos art.ºs 7.º, n.º 4 e 417.º, do CPC) [30], ordenou que a dita Banco 1..., S.A. prestasse a referida informação.
Esta sua decisão, não tendo sido oportunamente sindicada, transitou em julgado, isto é, tornou-se definitivo o juízo do Tribunal a quo de que seria necessário para a descoberta da verdade (isto é, para a boa decisão do litígio pendente) que se obtivessem informações sobre o saldo das contas bancárias da Inventariada à data da sua morte, não estando a obtenção dessa informação acessível aos Reclamantes, onerados com o ónus da demonstração da falta de relacionação daqueles valores (conforme art.º 342.º, n.º 1, do CPC). 
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4.2.2. Exercício de contraditório (face a informação prestada por terceiro) - Facto superveniente
Concretizando novamente, tendo a Banco 1..., S.A. sido efectivamente notificada para «informar os autos acerca das contas tituladas pela inventariada CC à data do óbito, e qual o respectivo saldo bancário à data», veio a mesma esclarecer que «CC falecida em .../.../2010, não era titular de contas nesta Instituição de Crédito».
Verifica-se ainda que, tendo as partes sido notificadas dessa informação, conforme imposto pelo art.º 439.º, do CPC [31], vieram então os Reclamantes (EE, FF e AA) requerer que: se oficiasse novamente à Banco 1..., S.A. para que informasse que contas foram tituladas pelo Inventariado (GG); se oficiasse à Banco 1..., S.A., em ..., para que informasse que contas foram tituladas por ambos os Inventariados; e se oficiasse a todas as Instituições de Crédito a operar em Portugal, para que informassem, relativamente a ambos os Inventariados, «sobre os saldos dos depósitos à ordem, a prazo, títulos, obrigações e títulos de participação, ações, PPR, contas poupança, fundos de investimento, seguros financeiros, depósitos Poupança ativa etc.».
Verifica-se ainda que todas as diligências de prova foram indeferidas pelo Tribunal a quo, por ter entendido serem as mesmas extemporâneas.

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, só em parte se subscreve este seu juízo.
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Com efeito, e ainda que se considere que a reclamação à relação de bens consubstancia um verdadeiro incidente processual, certo é que a revelação da Banco 1..., S.A., de que a Inventariada «não era titular de contas» junto de si, à data da sua morte, consubstancia um facto novo, que os Reclamantes (EE, FF e AA) não puderam conhecer antes, mesmo que tivessem usado de toda a diligência exigível.
Precisa-se, a propósito, que a Inventariada residia em ..., conforme indicado desde logo no requerimento inicial do inventário, assim se compreendendo, igualmente, que todas as quatro testemunhas arroladas no âmbito da reclamação à relação de bens e respectiva resposta residam igualmente nesse país.
Recorda-se ainda que, entre a morte do seu marido, aqui Inventariado, e a dela própria, decorreram mais de 27 anos; que a Inventariada residiu no últimos anos de vida com o aqui Requerente e cabeça-de-casal (AA); e que os demais Interessados são a Cunhada deste e os dois Sobrinhos, com naturais dificuldades (se não mesmo impossibilidade) para conhecerem as instituições bancárias onde a Inventariada teria contas e os valores dos respectivos saldos à data da sua morte (ao contrário do Cabeça-de-casal, que, ainda assim, não voluntariou essa informação nos autos).
Logo, ser-lhes-ia admissível que renovassem o seu anterior requerimento de prova, isto é, que repetissem o seu anterior pedido de obtenção de informações sobre a detenção, pela Inventariada, de contas bancárias, fossem tituladas exclusivamente por ela própria, e/ou conjuntamente com o Inventariado, e/ou com terceiros (nomeadamente, o filho aqui Cabeça-de-casal, com quem vivia, o que é comum em pessoas mais idosas, prevenindo qualquer incapacidade dos próprios, duradoura ou temporária); e sobre o respectivo saldo, à data da sua morte.
Deste modo se pronunciou já a jurisprudência, quando decidiu que, devendo o «interessado que reclamar contra a relação de bens apresentada em processo de inventário (…) indicar logo a prova», quando confrontado com «um facto novo, que veio ao [seu] conhecimento (…) só depois de ter apresentado a reclamação contra a relação de bens, na sequência de diligências sugeridas por» si «e efetuadas pelo tribunal», «pode, em relação a estes, indicar e produzir nova prova para exercer o contraditório e garantir o princípio da verdade histórica (também chamada material)» (Ac. da RG, de 11.07.2013, Moisés Silva, Processo n.º 202/10.1TBPTB-E.G1).

No caso dos autos, nem mesmo se diria que os Reclamantes (EE, FF e AA) estariam a requerer novo ou inédito meio de prova, mas apenas a reiterar o anterior, já que agora, tal como então, o que exclusivamente está em causa é o apuramento dos saldos bancários titulados pela Inventariada à data da sua morte (sendo puramente acessória ou despicienda a identidade da concreta, ou das concretas, instituições bancárias onde tais valores eventualmente se encontrem).  
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Dir-se-á ainda que, mesmo que se entenda a reclamação à relação de bens e a respectiva resposta, não como um verdadeiro incidente processual, mas antes como uma fase na normal tramitação do inventário, do mesmo modo se teria de decidir.

Com efeito, e para além de se considerar estar aqui em causa a reiteração do mesmo meio probatório, como mera rectificação (perfeitamente justificada pelos contornos do caso dos autos  e oportunamente pedida) da indicação inicial das instituições bancárias a oficiar, tendo as partes arrolado prova pessoal, a produzir em data a designar, sempre poderiam os Reclamantes (EE, FF e AA) vir a juntar a prova documental que obtivessem das instituições bancárias oficiadas até vinte dias antes da data em que se realizasse a audiência de produção de prova pessoal, conforme art.º 423.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art.º 549.º, n.º1, do mesmo diploma.
Deste modo se pronunciou já a jurisprudência, quando ponderou que: actualmente «a reclamação contra a relação de bens já não constitui um incidente do processo de inventário, inserindo-se na marcha regular do processo em causa», sendo, «por via do disposto no art. 549º, nº 1 do C. P. Civil», aplicáveis «à tramitação do inventário (…) as disposições da parte geral desse Código, bem como as regras do processo civil de declaração que se mostrem compatíveis com o processo de inventário judicial», nomeadamente  e «com as necessárias adaptações o disposto no nº 2 do art. 423º do mesmo Código»; o «processo de inventário judicial não comporta uma fase de julgamento, pelo que o prazo previsto no mencionado art. 423º, nº 2 não pode ter como marco a audiência final», mas sim, quando «comporte uma fase instrutória (v. art. 1109º, nº 3 do C. P. Civil), com a designação de data para inquirição das testemunhas arroladas pelos interessados», «a apresentação dos documentos deve ter como limite, não a apresentação do articulado respetivo, mas sim a data fixada para tal inquirição»; e, se é «certo que o novo regime do processo de inventário visa uma tramitação mais eficaz e mais célere dos processos, no entanto, o entendimento acima exposto em nada colide com o objetivo do novo modelo procedimental já que a observância do prazo previsto no art. 423º, nº 2, relativamente à data de inquirição de testemunhas, permitirá que a apresentação dos documentos ao abrigo desse preceito e as eventuais pronúncias sobre os mesmos, a apresentar pelos restantes interessados, ocorra antes da fase da partilha».
Face ao exposto, decidiu que, «não obstante a indicação das provas dever ser feita com os requerimentos e respostas (v. art. 1105º, nº 2 do C. P. Civil), os documentos poderão ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a inquirição de testemunhas, na fase instrutória do processo, caso o processo a comporte, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pode oferecer com o articulado» (Ac. da RG, de 12.01.2023, Alexandra Rolim Mendes, Processo n.º 487/21.8T8VCT-A.G1).
*
Conclui-se, assim, relativamente à pretensão dos Reclamantes (EE, FF e AA) de que se oficie a todas as instituições bancárias a operar em Portugal, bem como à Banco 1..., S.A. a operar em ... [32], para que informem que contas bancárias eram tituladas (ou co-tituladas) pela Inventariada à data da sua morte, e quais os respectivos saldos, que terá a mesma de proceder.

Contudo, e relativamente ao demais requerido por eles (que idêntica informação fosse colhida quanto a contas tituladas exclusivamente pelo Inventariado e sem qualquer limite temporal), outro terá de ser o juízo deste Tribunal ad quem, confirmando o do Tribunal a quo: podendo os Reclamantes ter requerido oportunamente essa mesma diligência de prova, não o fizeram; e não foi a necessidade da mesma justificada pelo teor da informação prestada pela Banco 1..., S.A. (exclusivamente pertinente à Inventariada, tal como eles próprios antecipadamente limitaram o âmbito da informação a obter).
*
4.2.3. Determinação oficiosa de diligências de prova
Concretizando uma derradeira vez, dir-se-á ainda que não se considera que possa, ou deva, o Tribunal - a quo ou ad quem - actuar aqui o princípio do inquisitório, por forma a suprir a anterior omissão dos Reclamantes (EE, FF e AA), no que às contas tituladas exclusivamente pelo Inventariado diz respeito.
Com efeito, e conforme já antecipado antes, não agiram os Reclamantes (EE, FF e AA) com a diligência que lhes seria exigível, já que nada os impediu de requerer, oportunamente, a diligência de prova que, de forma inédita, agora pretendem ver produzida relativamente ao Inventariado.
Dir-se-á ainda que não resulta sobejamente dos autos, objectiva e seguramente, a necessidade desta diligência, sabendo-se que: entre a morte dos Inventariados decorreram 27 anos; os interessados na herança do Inventariado decidiram não a partilhar durante todo este tempo; entre eles contava-se a sua viúva (aqui Inventariada), com quem era casado sob o regime de comunhão geral de bens; e os seus dois únicos filhos aceitaram que só após a morte da Inventariada se partilhasse o comum e então remanescente acervo hereditário (assim se compreendendo que os Reclamantes se limitassem inicialmente a pedir informações bancárias sobre a Inventariada, e não também sobre o Inventariado).
Logo, e desvalorizando a pretensão probatória meramente subjectiva dos Reclamantes (EE, FF e AA), nem se tem a obtenção das informações bancárias relativas ao Inventariado como absolutamente necessária ao esclarecimento dos factos, nem se considera essa necessidade patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos.

Concluindo, falecem aqui os pressupostos legais que permitiriam uma vinculada actuação do princípio do inquisitório, sob pena do mesmo apenas servir para suprir a prévia e injustificada inércia dos Reclamantes (EE, FF e AA).
*
Deverá decidir-se em conformidade, pela improcedência parcial, e pela procedência parcial, do recurso dos Reclamantes (EE, FF e AA).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente improcedente, e parcialmente procedente, o recurso de apelação interposto pelos Reclamantes (EE, FF e AA), e, em consequência, em

i. Alterar parte do despacho recorrido, ordenando agora que se oficie a todas as instituições bancárias a operar em Portugal e à Banco 1..., S.A. a operar em ... para que informem sobre a existência de contas tituladas pela Inventariada (exclusivamente ou conjuntamente com outros), à data do respectivo óbito, e qual o respectivo saldo.

ii. Confirmar o remanescente do despacho recorrido.
*
Custas da apelação pelos respectivos Recorrentes e Recorrido, na proporção de metade para cada um, que se considera corresponder aos respectivos decaimentos (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
*
Guimarães, 23 de Novembro de 2023.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelas respectivas

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Rosália Cunha;
2.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade.


[1] Lê-se, nomeadamente, na reclamação à relação de bens apresentada pelos demais Interessados: 
«(…)
MEIOS DE PROVA:
Documental: a junta aos autos e a requerida.
Testemunhal:
- II, residente em ..avenue ... ... – ..., ...
Declarações de parte: Requer-se as declarações de parte da herdeira EE quanto aos fatos alegados nos artigos 12.º a 14.º, 19.º, 25.º, 27.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º e 34.º por deles ter conhecimento pessoal.
(
[2] Lê-se, nomeadamente, na resposta do Requerente à reclamação (à relação de bens): 
«(…)
Requer-se a produção dos seguintes meios de prova:
I - Prestação de depoimento por parte da interessada EE à matéria vertida nos artigos 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 18º, 20º, 21º, 22º, 23º e 24º do presente articulado.
II - Prova testemunhal:
1 - JJ, residente em ..., ...
2 - KK, residente em ..., ...
3 - LL, residente em ..., ....
Requer-se a notificação de todas as testemunhas.
(…)»
[3] Lê-se expressamente no requerimento dos demais Interessados:
«(…)
Além disso, por uma questão de celeridade processual, relativamente aos documentos juntos, requer-se a V/Exa

Que se oficie a Banco 1... para que esta informe as contas que foram tituladas pelo Inventariado GG.

Que se oficie a Banco 1... em ..., para que esta informe sobre as contas que foram tituladas por ambos os Inventariados.
10º
Requer-se, ainda, sobre os saldos dos depósitos à ordem, a prazo, títulos, obrigações e seguros títulos financeiros, de participação, depósitos ações, Poupança PPR, contas ativa poupança, etc., tituladas pelos Inventariados, que se oficie qualquer instituição bancária a operar em Portugal, designadamente:
i) Banco 2... - Rua ..., ..., ... ...
ii)Banco 3... - Rua ..., ... ...
iii) Banco 4... - ...
iv) Banco 5... - Rua ..., ... ...
v) Banco 6... - Avenida ..., ..., ... ...
vi) ... - Banco 7...  - Rua ..., ...
 ...
vii) Banco 8... - Rua ... ....
(…)»
[4] O Tribunal a quo viria a proferir depois despacho, decidindo que para «efeitos de recurso fixa-se em € 11 654,81 (…) o valor da causa».
[5] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[6] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[7] No mesmo sentido, Ac. da RP, de 15.06.2020, Carlos Gil, Processo n.º 8583/18.2T8PRT-A.P1, onde se lê que o «direito à prova é parte essencial do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa), na vertente do direito a um processo equitativo, constituindo-se como peça fundamental para a realização efetiva do direito de ação judicial».
[8] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 19.06.2012, Maria da Purificação Carvalho, Processo n.º 1336/09.0TBEPS-D.G1, onde, depois de se afirmar que o «direito à prova é um dos componentes do direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos que está constitucionalmente consagrado», se detalha que o mesmo faculta «às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerem mais adequado tanto para a prova dos factos principais da causa, como também para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios», e pode ter por objecto a «prova dos factos que a parte tem o ónus de provar, como também para pôr em causa os factos que são desfavoráveis às suas pretensões que em princípio não terão o ónus de provar».
Ainda Ac. da RE, de 14.07.2021, Manuel Bargado, Processo n.º 119262/16.9YIPRT-B.E1, onde se lê que o «direito à prova significa que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal»; e «têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova».
[9] Precisa-se, a propósito, que: consideram-se como «diligências necessárias» as indispensáveis, imprescindíveis, para estabelecer ou infirmar a realidade do facto carecido de prova (previamente alegado, ou de que o Tribunal possa conhecer oficiosamente);  inerente à necessidade, estará ainda em causa a idoneidade, ou seja, terá de estar em causa um meio de prova adequado/apropriado para provar ou infirmar o facto carecido de prova; e a dita necessidade será ainda funcionalmente orientada por dois referenciais prospectivos, ou seja, o apuramento da verdade e a justa composição do litígio (sendo apenas oficiosamente ordenadas as diligências de prova que precisamente visem assegurar o apuramento da verdade e a justa composição do litígio).
Contudo, estando-se perante um conceito indeterminado, só «em concreto, isto é, nas concretas circunstâncias da actividade instrutória desenvolvida conforme tempestivamente proposto pelas partes, é que o tribunal poderá considerar a necessidade de outros meios de prova, que se revelem necessários "ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio". E isso, poderá até acontecer no decurso da audiência de julgamento, ou até antes, se, na situação concreta, o tribunal entender antecipadamente ser essencial á realização desses objectivos a produção de qualquer meio de prova que as partes não requereram» (Ac. da RP, de 04.06.2013, Rui Moreira, Processo n.º 490/10.3TYVNG-O.P1).
[10] Enfatizando-o, há mesmo quem defenda que «ao juiz cabe, no campo da instrução do processo, a iniciativa e às partes incumbe o dever de colaborar na descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados (…). O papel do juiz-árbitro encontra-se definitivamente ultrapassado» (José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil. Conceito e Princípios Gerais, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2006, pág. 153).
[11] Recorda-se que ónus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com referência aos actos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar dentro de prazos peremptórios», «sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações. A auto-responsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do acto» (José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil. Conceito e Princípios Gerais, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2006, págs. 160 e 161).
[12] Precisando o princípio da autorresponsabilidade, dir-se-á que as «partes é que conduzem o processo por sua conta e risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluindo as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz. É patente a conexão deste princípio com o dispositivo» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora,1979, pág. 378).
No mesmo sentido:
. Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Edições Ática, 1961, pág. 162, onde se lê que, estreitamente «ligado ao princípio dispositivo está o da auto-responsabilidade das partes. Na medida em que o juiz está vinculado às alegações concordes ou incontestadas, ou a ausência de alegações, das partes, são estas que são responsáveis pelo resultado probatório e pelo conteúdo da decisão»;
. ou António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, págs. 483 e 484, onde se lê que o princípio do inquisitório «coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que seja de imputar a alguma das partes, designadamente quanto esteja precludida a apresentação de meios de prova».
[13] No mesmo sentido, na jurisprudência: Ac. do STJ, de 18.10.2918, Rosa Ribeiro Coelho, Processo n.º 1295/11.0TBMCN.P1.S2; Ac. da RG, de 10.07.2019, Conceição Sampaio, Processo n.º 68/12.7TBCMN-C.G1; Ac. da RP, de 23.04.2020, Filipe Caroço, Processo n.º 6775/19.6T8PRT-A.P1;  Ac. da RG, de 05.11.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 1228/18.2T8PTL.G1; ou Ac. da RP, de 11.01.2021, Pedro Damião e Cunha, Processo n.º 549/19.1T8PVZ-A.P1.
[14] No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 483 e 484, onde se lê que, «pelo menos nos casos em que não haja razões para afirmar a existência de comportamentos processuais abusivos, cumpre ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade».
«Já nas situações em que uma das partes promoveu as diligências probatórias ajustadas à situação litigiosa, cumprindo com diligência o ónus que lhe competia, nada impedirá o juiz de aceder, por sua iniciativa, a outros meios de prova (v.g., documentos na posse de qualquer das partes ou de terceiros, perícia que o caso justifique ou inquirições adicionais que repute indispensáveis para a descoberta da verdade), utilizando um critério objectivo para aferir da necessidade ou da conveniência das diligências probatórias suplementares com vista ao apuramento da verdade».
[15] Particularizando ainda mais o seu raciocínio, diz o mesmo Autor, ibidem, nota 802: «O equilíbrio do nosso regime legal resulta da intersecção de duas dimensões: por um lado, o ónus da iniciativa probatória das partes; por outro, o poder-dever do juiz em sede instrutória. Daqui resulta o seguinte: jamais as partes podem encontrar naquele poder-dever um pretexto para negligenciarem a sua própria inércia; jamais o juiz pode ver naquela iniciativa probatória um alibi para a sua própria inércia. O critério firmado no art. 411º coloca a questão ao nível da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio. Verificado o pressuposto da necessidade, o juiz tem o dever oficial de agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever».
[16] A partilha «é a operação através da qual se põe fim à comunhão hereditária e se atribui a cada um dos contitulares, na proporção da sua quota na comunhão, a titularidade exclusiva sobre bens pertencentes a herança. Portanto, a partilha converte uma quota ideal num património comum em propriedade exclusiva sobre uma parcela deste património» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, pág. 57).    
[17] Enfatizando, porém, que não existem especialidades na aplicação do princípio do inquisitório ao processo de inventário, antes se lhe aplicando o respectivo regime geral, Ac. da RG, de 25.05.2023, Pedro Maurício, Processo n.º 2525/21.5T8VCT-A.G1, onde se lê que, por «força da entrada em vigor da Lei nº117/2019, de 13/09, actualmente, o processo de inventário judicial está configurado como uma verdadeira acção declarativa, sendo que a este processo especial são plenamente aplicáveis os princípios gerais do Código, bem como o regime do processo comum de declaração, com as adaptações necessárias».
Assim, e embora «no nº3 do art. 1105º do C.P.Civil de 2013 se consagre um reforço do princípio do inquisitório no âmbito do processo especial de inventário, verifica-se que inexiste aqui uma previsão mais ampla daquela que está estatuída na parte geral do Código, especificamente no art. 411º do C.P.Civil de 2013, que consagra o referido princípio e logo impõe que o juiz realize ou ordene, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias».
[18] No mesmo sentido: Ac. da RG, de 07.06.2023, Pedro Maurício, Processo n.º 94/21.5T8EPS-A.G1; ou Ac. da RG, de 15.06.2023, Joaquim Boavida, Processo n.º 1851/19.8T8CHV-B.G1.
[19] Neste sentido: Ac. da RC, de 04.11.2011, Isaías Pádua, Processo n.º 1233/09.0TBAVR.C1; Ac. do STJ, de 15.11.2017, António Piçarra, Processo n.º 879/14.9TBSSB.E1.S1; ou Ac. da RG, de 07.06.2023, Pedro Maurício, Processo n.º 94/21.5T8EPS-A.G1.
[20] Neste sentido: Ac. da RP, de 13.03.2017, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 1247/10.7T2AVR.P1; Ac. da RG, de 06.10.2016, Higina Castelo, Processo n.º 956/13.3TBBCL-A.G1; ou Ac. da RG, de 26.04.2018, Fernando Fernandes Freitas, Processo n.º 1056/05.5TBFAF.G2.
[21] Precisa-se que a reclamação à relação de bens apresentada tanto pode fundar-se na insuficiência de bens relacionados (por terem sido omitidos bens que integrariam o acervo hereditário), como no excesso daquela relacionação (por terem sido relacionados bens não pertencentes à herança), como ainda por inexactidão da identificação dos bens correctamente relacionados, ou na incorrecção do valor que lhes foi atribuído.
[22] Neste sentido, Carla Câmara, O Processo de Inventário Judicial e o Processo de Inventário Notarial, Almedina, 2022 - Reimpressão, pág. 70 - onde se lê que, apresentado «articulado de oposição, impugnação ou reclamação, prossegue o conhecimento das questões objeto deste requerimento, com a natureza de incidente, podendo ocorrer tantos incidentes quantas as questões suscitadas à apreciação.
Assim, assume natureza incidental a dedução do requerimento de dedução de oposição, impugnação ou reclamação, acrescendo estes incidentes aos demais passíveis de serem deduzidos no processo de inventário, como os incidentes de intervenção de interessados diretos (artigo 1087.º CPC), habilitação de interessados diretos (artigo 1089.º CPC), exercício do direito de preferência (artigo 1095.º CPC), substituição, escusa e remoção de cabeça de casal (artigo 1103.º CPC)».
[23] Neste sentido:
. na doutrina - Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, pág. 86, onde se lê que a «dedução pelos citados de qualquer oposição, impugnação ou reclamação (art. 1104.º) não constitui um incidente do inventário, traduzindo-se, antes e apenas, no exercício pelos citados de um direito de defesa que é processado nos próprios autos e inserido na tramitação normal e típica do processo de inventário. Também a resposta dos interessados a essa oposição, impugnação ou reclamação se insere na tramitação do processo de inventário (n.º 1)».
. na jurisprudência - Ac. da RG, de 12.01.2023, Alexandra Rolim Mendes, Processo n.º 487/21.8T8VCT-A.G1; ou Ac. da RG, de 30.03.2023, Anizabel Sousa Pereira, Processo n.º 215/21.8T8VVD-A.G1.
[24] Recorda-se que se lê no art.º 423.º, do CPC, que os «documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes» (n.º 1); e, se «não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado» (n.º 2), sendo que, após «o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior» (n.º 3).
[25] Recorda-se que se lê no art.º 549.º, n.º 1, do CPC, que os «processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum».
[26] Neste sentido, Ac. da RG, de 30.03.2023, Anizabel Sousa Pereira, Processo n.º 215/21.8T8VVD-A.G1, onde se lê que, «pese embora a indicação das provas dever ser feita com os requerimentos e respostas (v. art. 1105º, nº 2 do C. P. Civil), nos casos em que o processo comporte uma fase instrutória (v. art. 1109º, nº 3 do C. P. Civil), o aditamento ao rol de testemunhas é admissível com a designação de data para inquirição das testemunhas arroladas pelos interessados, assim como as declarações de parte são admissíveis até aquela diligência de inquirição, sendo aplicáveis, assim com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 598º,nº2 e 466º, ambos do CPC». 
[27] Lê-se no art.º 436.º, do CPC, que incumbe «ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade».
[28] Neste sentido, da necessária impossibilidade ou justificada dificuldade séria em obter a informação, pela própria parte (que poderá resultar, ou do desde logo alegado por ela, ou do que os autos evidenciam):
. na doutrina - Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 40, onde se lê que deve «o juiz indeferir o requerimento se entender que a pretensão do requerente não tem razão de ser; é o caso de a parte pretender a junção de documento que ela própria possa obter»; ou António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 508, onde se lê que esta «actividade inquisitória se apresenta com natureza complementar relativamente à que foi empreendida pelas partes», pelo que, neste «contexto, apesar dos poderes oficiosos de que dispõe, a intervenção do tribunal deve ser entendida em termos subsidiários relativamente à iniciativa das partes, tornando-se já exigível tal intervenção quando a parte demonstre que fez as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e/ou documentos, mas não os logrou obter, por facto que não lhe é imputável - cf. art. 7º, nº 4, e STJ 1-6-04, 04A993)».
. na jurisprudência - Ac. da RC, de 11.12.2012, Maria Domingas Simões, Processo n.º 798/11.0TBCNT-A.C1; Ac. da RC, de 18.12.2013, Albertina Pedroso, Processo n.º 319/12.8T2ILH-A.C1; ou Ac. da RG, de 20.02.2020, Jorge dos Santos, Processo n.º 6583/18.1T8BRG-A.G1.
[29] Lê-se, a propósito do sigilo bancário, no art.º 78.º, do  Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro) que os «membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços» (n.º 1); e estão, «designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias» (n.º 2).
[30] O princípio da cooperação é estruturante de todo o processo civil, estando aqui na sua vertente material, e relativo à instrução da causa). Segundo o mesmo, existe um dever geral - das partes e de terceiros - de colaborarem com o tribunal, com vista «ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio», fim último que o art.º 411.º, do CPC, comete ao juiz. Logo, e apoditicamente, o princípio da cooperação tem por finalidade última a satisfação de um interesse público, que é o da realização da justiça.
Neste sentido, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por presunção no Direito Civil, 3.ª edição, Almedina, págs. 41 e 42, onde se lê que, sendo o princípio da cooperação tributário do dever de boa-fé processual consagrado no artigo 8.º do CPC, «visa atender a um interesse que excede o das partes, qual seja, o interesse público do Estado na prestação da tutela jurisdicional».
Ainda Ac. da RC, de 10.03.2015, Falcão de Magalhães, Processo n.º 561/08.6TBTND-A.C1.
[31] Lê-se no art.º 439.º, do CPC, que a «obtenção de documentos requisitados é notificada às partes», naqueles se incluindo «informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade», conforme art.º 436.º, n.º 1, do mesmo diploma.
[32] Tem-se presente que se trata de uma mera Sucursal da Banco 1..., S.A., pessoa colectiva portuguesa; e que, por isso, mantém a mesma identidade e natureza (pese embora autorizada a operar em ... e sujeita à supervisão deste país).
Não sendo esse o caso (isto é, para qualquer instituição bancária não nacional, a operar em país estrangeiro), não poderia o Tribunal diligenciar directamente pela obtenção daquela informação, tendo as partes de se socorrer dos instrumentos comunitários ou internacionais a que Portugal tivesse aderido para o efeito.
Neste sentido, Ac. da RG, de 27.04.2023, Maria Amália Santos, Processo n.º 5694/21.0T8VNF-A.G1.