INQUÉRITO JUDICIAL
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA
CUMPRIMENTO DO DETERMINADO
DIREITO À INFORMAÇÃO DO SÓCIO
Sumário


I - O título executivo, como documento escrito, por muito claro que seja, exige interpretação, nomeadamente quando se trata de definir o seu objecto, ou seja, qual o conteúdo da obrigação que dele emerge.
II – Sendo o título executivo uma sentença, a sua interpretação não pode assentar, apenas, no teor literal da respetiva parte decisória, impondo-se também considerar os respectivos fundamentos, os quais são constitutivos e determinantes da decisão, ou seja, a decisão só se compreende à luz dos respectivos fundamentos e dos seus antecedentes lógicos.
III – O direito à informação do sócio de uma sociedade comercial contempla três realidades: o direito à informação stricto sensu, o direito à consulta dos livros e documentos da sociedade e o direito de inspeção aos bens sociais.
IV - O direito à informação em sentido estrito é uma realidade diferente do direito à consulta. O primeiro impõe à sociedade que consulte ela a documentação adequada e pertinente, extraia a informação pertinente e expresse-a, verbalmente ou por escrito, consoante tenha sido pedido pelo sócio. O segundo impõe à sociedade que coloque à disposição do sócio os documentos e livros da sociedade, cabendo ao sócio analisá-los e extrair deles a informação que considere pertinente.
V – Tendo o sócio pedido à sociedade que prestasse determinadas informações por escrito e tendo o mesmo instaurado processo especial de inquérito judicial à sociedade, em que foi proferida sentença que determina que, no prazo de 30 [trinta] dias, a sociedade “preste/disponibilize à primeira, na qualidade de sócia, as seguintes informações:---“, a sociedade/executada só cumpre a sentença, prestando, por escrito, as informações identificadas no decisório.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

AA intentou processo especial de inquérito judicial contra EMP01..., Ld.ª, pedindo que seja ordenada a realização de inquérito à sociedade, fixando os pontos que a diligência deve abranger, nomeando o perito ou peritos que devam realizar a investigação.

No desenvolvimento dos autos, a 22/07/2021 foi proferida sentença cujo decisório tem o seguinte teor:

Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal totalmente procedente o pedido de informações solicitado por AA à sociedade EMP01..., Ld.ª, ao abrigo do disposto no artigo 1049º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, termos em que se determina que, no prazo de 30 [trinta] dias aquela última preste/disponibilize à primeira, na qualidade de sócia, as seguintes informações:---
 Discriminação dos contratos celebrados entre a sociedade e quaisquer autarquias locais ou outras entidades públicas, nos últimos 5 anos, com indicação da data de celebração, entidade adjudicante, objeto do contrato, designadamente da obra a que respeita, se esse for o caso, do seu valor e do tipo de procedimento que conduziu à adjudicação;---
 Discriminação dos contratos celebrados entre a sociedade e a EMP02..., Lda., nos últimos 5 anos, com indicação da respetiva data de celebração, objeto, designadamente da obra a que respeitam, se esse for o caso, e do seu valor;---
 Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela sociedade a quaisquer autarquias locais ou outras entidades públicas;---
 Discriminação de todos os contratos celebrados pela sociedade, nos últimos cinco anos, que correspondam a subcontratação, total ou parcial, de obras que lhe tenham sido adjudicadas por autarquias locais ou outras entidades públicas;---
 Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data e vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela sociedade à EMP02..., Lda.;---
 Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela EMP02..., Lda à sociedade;---
 Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas por quaisquer subempreiteiros à sociedade;
 Discriminação das garantias bancárias emitidas a solicitação da sociedade, com a indicação da respetiva data, valor, beneficiário e obrigações garantidas;---
 Discriminação dos contratos de trabalho que a sociedade manteve em vigor em cada um dos cinco últimos exercícios, com indicação das respetivas datas de celebração e de cessação, nome, local de trabalho, salário e categoria do trabalhador, e ainda dos que foram celebrados com e sem termo;---
 Indicação dos trabalhadores que, tendo estado ao serviço da sociedade nos
últimos cinco exercícios, também estiveram, no mesmo período, coincidentemente ou não, ao serviço da EMP02..., Lda.;---
 Indicação dos trabalhadores afetos, a tempo integral ou parcial, à atividade da “EMP03...” explorada pela sociedade;---
 Identificação do contrato ao abrigo do qual a sociedade mantém o seu estabelecimento “EMP03...” instalado no prédio sito no Lugar ..., n.º ..., em ..., com indicação da sua natureza, de quem o assinou em representação da proprietária, da data da celebração, da renda paga pela sociedade e do seu prazo de vigência;---
 Indicação dos períodos de inatividade da “EMP03...” no ano de 2020, das taxas mensais de ocupação e do valor da faturação em cada um dos meses do
referido ano;---
 Discriminação, por tipos de prestação devidas ao gerente e trabalhadores (fixas, variáveis, prémios, subsídios, ajudas de custo, indemnizações, compensações, etc.) da rúbrica ... (gastos com o pessoal) e das remunerações a liquidar incluídas na conta ...2 (acréscimo de custos) no final do exercício de 2020.---

A requerida interpôs recurso da referida decisão, tendo esta TRG, por Acórdão de 18/11/2021, julgado a apelação improcedente e, assim, confirmado a sentença recorrida.

A 11/01/2022 a requerente veio pedir que fosse alterado o anteriormente decidido e fosse ordenada a realização de inquérito judicial, alegando para tanto e em síntese, que apesar de ter sido ordenado à requerida que prestasse as informações acima referidas, no prazo de 30 dias, a mesma não o fez.

Após exercício do contraditório, a 21/09/2021 o tribunal proferiu despacho que julgou improcedente a pretensão da requerente.

Interpôs a requerente recurso da referida decisão, tendo esta RG, por Acórdão de 06/10/2022 (em que foi Relator o aqui 1º Adjunto e 1º Adjunto o aqui Relator) julgado o recurso improcedente e mantido a decisão recorrida, tendo-se referido em texto o seguinte:
“No caso dos autos, a Requerente/Recorrente dispõe a seu favor de uma sentença condenatória transitada julgado, a qual, nos termos dos arts. 703º/1a) e 704º do C.P.Civil de 2013, constitui um título executivo.
Por força deste título executivo, a Requerente/Recorrente tem direito a que a Requerida lhe preste (no prazo de 30 dias) as 14 informações discriminadas no respectivo decisório, o que configura uma obrigação de prestação de um facto.
Logo, ocorrendo um incumprimento dessa obrigação, o meio processual de que a Requerente/Recorrente dispõe para assegurar o cumprimento daquela obrigação por parte da Requerida e satisfazer o correspondente direito que lhe assiste, é através da interposição da respectiva acção executiva para prestação de facto, nos termos dos arts. 868º e ss. do C.P.Civil de 2013, e não requerer a realização de um inquérito que já foi considerado desnecessário.”

A 24/10/2022 a requerente AA intentou acção executiva para prestação de facto, contra EMP01..., Ld.ª, invocando a sentença proferida a 22/07/2021, que a executada não prestou a referida informação no prazo de 30 dias fixado na decisão, dispondo-se apenas a facultar-lhe a consulta da documentação em local diferente da sede da sociedade, tem direito à prestação de informação por escrito, a prestação objeto da execução é infungível, isto é, não pode ser substituída por uma prestação de terceiro, por lhe ser essencial a pessoa da executada, de harmonia com o disposto no art.º 829º A, n.º 1 do CC, o tribunal deve condenar a executada no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento, o que pode ser ordenado na execução, ao abrigo do art.º 876º, n.º 1, alínea c) do CPC, reputando-se como valor diário adequado, face à dimensão da executada e à facilidade do cumprimento da obrigação, a quantia de € 250,00.

A executada deduziu embargos de executado invocando, em síntese, que em momento algum do acervo decisório foi determinado ou imputada à executada a necessidade/obrigação de prestar as informações pretendidas pela exequente por escrito; após o trânsito em julgado da sentença e dentro dos 30 dias que lhe foram concedidos para o efeito, enviou comunicação escrita à exequente a informar que a informação pretendida estava disponível para consulta em dia a indicar por si, na sede de outra sociedade, por falta de condições na sede da sociedade executada; a exequente ainda não indicou qualquer data para consulta e acesso à informação; a exequente pretende uma alteração do julgado; a sentença condenava a executada a prestar/disponibilizar a informação pretendida, tendo negado que a mesma fosse prestada / disponibilizada por escrito, o que era apenas concebível se viesse a ser ordenado inquérito judicial, o que não ocorreu; a necessidade de prestação de informação por escrito não resulta da lei ou do contrato; nos termos do art.º 620º a decisão formou caso julgado formal; a obrigação da sentença está cumprida, pelo que falta um dos requisitos da execução, que é a exigibilidade da prestação.

Os embargos foram recebidos e ordenada a notificação da exequente para contestar.

A exequente contestou dizendo, em síntese, que com os embargos de executado, a executada nada mais faz do que persistir na recusa da prestação da informação devida; que formulou pedido de prestação de informação por escrito; o direito a obter informações sobre a gestão da sociedade não se confunde com o direito de consulta de livros e documentos em poder da sociedade; o direito exercido pela exequente que alcançou tutela judicial situa-se no campo do direito à informação em sentido estrito – solicitou que a executada lhe prestasse informações por escrito; tem direito a receber informação em escrito assinado pela gerência da sociedade e sob responsabilidade dessa gerência.

O tribunal recorrido, considerando encontrar-se em condições para proferir de imediato decisão de mérito, ordenou a notificação das partes para se pronunciarem.

Fê-lo a embargante, dizendo não se opor à imediata prolação de decisão de mérito.

Foi proferida decisão com o seguinte teor:
“Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal os presentes embargos de executado totalmente improcedentes, determinando-se o prosseguimento da execução.---“

Interpôs a embargante recurso, pedindo a revogação da decisão recorrida, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
(i) Vem a Exequente alegar que a Executada não se dispôs a prestar/disponibilizar àquela nenhuma das informações judicialmente determinadas pela sentença condenatória que serve de base à execução, apesar de reconhecer que a Executada que lhe comunicou que poderia consultar as informações em data por si a indicar, ou seja, entende a Exequente que a Executada recusa prestar as informações que lhe foram solicitadas, nos termos previstos pela lei e que foram judicialmente ordenadas, entendendo que essa obrigação apenas fica cumprida se a informação por prestada por escrito assinado e sob a responsabilidade da gerência.
(ii) Contudo, em momento algum do acervo decisório foi determinado ou imputada à Executada a necessidade/obrigação de prestar as informações pretendidas pela Exequente por escrito, ao contrário do que o Tribunal a quo vem agora sufragar, numa parca interpretação que efetua do segmento decisório que serve de base à execução;
(iii) Após trânsito em julgado da aludida sentença (o que ocorreu após recurso julgado improcedente interposto pelo ora Recorrida), em cumprimento do que havia sido ordenado, a Executada / ora Recorrida, em 30 de dezembro de 2021, e dentro dos trinta dias que lhe foram concedidos para o efeito, enviou comunicação escrita à Exequente a informar que a informação pretendida estava disponível para consulta em dia a indicar por si, uma vez que o acesso e consulta de tal informação teria que ser efetuado na sede da sociedade EMP02..., Lda., por falta de condições, considerando o volume de informação pretendido, para o efeito na sede da Executada (cf. doc.s 3 e 4 juntos com o requerimento inicial de embargos), pelo que ao contrário do que é propugnado pela Exequente e sufragado pelo Tribunal a quo, se a Exequente, ora Recorrida, ainda não teve acesso à informação pretendida, tal deve-se a causa que lhe é imputável, porquanto até ao momento não indicou qualquer data para consulta e acesso à informação, como sequer respondeu a tal missiva.
(iv) Por outro lado, surpreendentemente, e ao contrário do que vinha defendendo até agora, o Tribunal a quo, através da sentença recorrida, introduz uma alteração ao caso julgado, sem que tenha qualquer fundamento legal para tanto, pois, como expusemos, vem agora afirmar que, afinal, a informação requerida tem que ser disponibilizada por escrito, dado que se trata do cumprimento do direito à informação em sentido estrito, atendendo ao tipo de pedido formulado pela Recorrida e ao seu objeto.
(v) Ou seja, não obstante o Tribunal a quo na sentença que serve de base à execução não ter determinado a prestação / disponibilização da informação por escrito, até porque a própria Exequente na verdade nunca o requereu no âmbito do processo de inquérito judicial à sociedade, vem, agora, reformular o seu juízo decisório, com base no entendimento de que resulta de lei (se bem que sequer identifica o normativo donde resulta tal obrigação), que o tipo de informação pretendido tem que ser disponibilizado por escrito.
(vi) Sucede, porém, que, ao contrário do que é propugnado pela sentença recorrida, não resulta da lei ou do contrato social ou de qualquer outra norma ou princípio a prestação, in casu, da informação pretendida por escrito, até porque a informação ora requerida não se inclui naquilo que a doutrina e jurisprudência classificam como direito à informação stricto sensu, porquanto o direito à informação em sentido estrito, como é sabido, consubstancia o pedido de conhecimento do sócio quanto à vida societária a concretizar através de perguntas que entenda formular sobre os actos substantivos e concretos de gestão praticados, ou a praticar, pelos gerentes, devendo a informação ser verdadeira, completa e elucidativa, isto é, devendo a informação ser prestada, mediante requerimento, por escrito, mas sem qualquer assunção de responsabilidades.
(vii) No caso, e ao contrário do que é defendido na sentença recorrida, o título que serve de base à execução não comporta qualquer pedido de informação em sentido estrito, mas antes um pedido de consulta de diversa documentação relacionada com a gestão da vida societária que, enquanto tal, satisfaz-se com a consulta presencial pelo sócio dos documentos junto da sede da sociedade, tudo conforme a fundamentação do aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.10.2021, proc. nº 1484/19.9T8LRA.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt, para cuja fundamentação remetemos e deixámos exposta na motivação;
(viii) A verdade é que a satisfação da natureza do pedido de informação constante do título executivo é alcançada com a mera consulta dos elementos pretendidos e não através de uma resposta escrita (até porque não incide sobre um contrato em específico, uma obra em concreto ou uma particular adjudicação), a realizar na sede da Recorrente, pelo que tendo a Executada enviado missiva à Exequente a comunicar, nos termos sentenciados, que a informação pretendida estava à sua disposição no dia que entendesse ser o mais conveniente, cumprindo assim com o julgado condenatório, a obrigação resultante da sentença condenatória encontra-se cumprida, verificando-se, por isso, a falta de um dos requisitos essenciais da presente lide executória a que corresponde a exigibilidade da prestação (cf. artigo 713º do Código de Processo Civil - CPC)
(ix) Com efeito, deveriam os presentes embargos ter sido julgados procedentes, por descortinado que está o cumprimento da prestação de facto constante do título que serve de base à execução (cf. artigo 868º, nº 2, do CPC), motivo pelo qual ao não decidir assim enferma a sentença recorrida de manifesto erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do preceito mencionado.

A exequente contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida).
 
A questão que cumpre apreciar é a de saber se a recorrente, executada, deu cumprimento ao determinado pela sentença de 22/07/2021 e confirmada pelo Ac. desta TRG de 18/11/2021.

3. Fundamentação de facto
O tribunal recorrido considerou provada a seguinte factualidade, que não foi impugnada:
Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, tendo por base a documentação junta aos autos, são os seguintes:---
3.1. Por apenso ao processo especial de inquérito judicial a sociedade, a exequente interpôs execução para prestação de facto, oferecendo como título a sentença ali proferida, devidamente transitada em julgado.---
3.2. A exequente alegou que, por douta sentença proferida em 22.07.2021 e há muito transitada em julgado, foi julgado totalmente procedente o pedido de informações por si solicitado e a executada condenada a prestar/disponibilizar as seguintes informações no prazo de 30 dias:---
a) Discriminação dos contratos celebrados entre a sociedade e quaisquer autarquias locais ou outras entidades públicas, nos últimos 5 anos, com indicação da data de celebração, entidade adjudicante, objeto do contrato, designadamente da obra a que respeita, se esse for o caso, do seu valor e do tipo de procedimento que conduziu à adjudicação;---
b) Discriminação dos contratos celebrados entre a sociedade e a EMP02..., Lda., nos últimos 5 anos, com indicação da respetiva data de celebração, objeto, designadamente da obra a que respeitam, se esse for o caso, e do seu valor;--
c) Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela sociedade a quaisquer autarquias locais ou outras entidades públicas;---
d) Discriminação de todos os contratos celebrados pela sociedade, nos últimos cinco anos, que correspondam a subcontratação, total ou parcial, de obras que lhe tenham sido adjudicadas por autarquias locais ou outras entidades públicas;---
e) Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data e vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela sociedade à EMP02..., Lda.;---
f) Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela EMP02..., Lda à sociedade;---
g) Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas por quaisquer subempreiteiros à sociedade;---
h) Discriminação das garantias bancárias emitidas a solicitação da sociedade, com a indicação da respetiva data, valor, beneficiário e obrigações garantidas;
i) Discriminação dos contratos de trabalho que a sociedade manteve em vigor em cada um dos cinco últimos exercícios, com indicação das respetivas datas de celebração e de cessação, nome, local de trabalho, salário e categoria do trabalhador, e ainda dos que foram celebrados com e sem termo;---
j) Indicação dos trabalhadores que, tendo estado ao serviço da sociedade nos últimos cinco exercícios, também estiveram, no mesmo período, coincidentemente ou não, ao serviço da EMP02..., Lda.;---
k) Indicação dos trabalhadores afetos, a tempo integral ou parcial, à atividade da “EMP03...” explorada pela sociedade;---
l) Identificação do contrato ao abrigo do qual a sociedade mantém o seu estabelecimento “EMP03...” instalado no prédio sito no Lugar ..., n.º ..., em ..., com indicação da sua natureza, de quem o assinou em representação da proprietária, da data da celebração, da renda paga pela sociedade e do seu prazo de vigência;---
m) Indicação dos períodos de inatividade da “EMP03...” no ano de 2020, das taxas mensais de ocupação e do valor da faturação em cada um dos meses do referido ano;---
n) Discriminação, por tipos de prestação devidas ao gerente e trabalhadores (fixas, variáveis, prémios, subsídios, ajudas de custo, indemnizações, compensações, etc.) da rúbrica ... (gastos com o pessoal) e das remunerações a liquidar incluídas na conta ...2 (acréscimo de custos) no final do exercício de 2020.---
3.3. A exequente alegou ainda que a Executada não prestou a referida informação à Exequente no prazo de 30 dias fixado na decisão, dispondo-se apenas a facultar-lhe a consulta de documentação em local diferente da sede da respectiva sede.---
3.4. Alegou, enfim, a exequente que ter o direito que a executada lhe responda, tal como o Tribunal ordenou, e, tendo-o pedido, tem o direito de receber a informação em escrito assinado pela gerência da sociedade e sob a responsabilidade dessa gerência, não sendo lícito à executada forçá-la a converter esse direito numa mera consulta.---
3.5. Peticionou ainda a exequente a condenação da executada no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento, reputando como valor diário adequado, face à dimensão da Executada e à facilidade do cumprimento da obrigação, a quantia de 250,00 €.---
3.6. Após trânsito em julgado da aludida sentença, a executada, em 30.12.2021, enviou comunicação escrita à exequente a informar que a informação pretendida estava disponível para consulta em dia a indicar por si.---

4. Direito
4.1. Enquadramento fáctico
Como consta do Relatório supra, AA intentou processo especial de inquérito judicial contra EMP01..., Ld.ª.

No desenvolvimento dos autos, a 22/07/2021 foi proferida sentença cujo decisório tem o seguinte teor:
Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal totalmente procedente o pedido de informações solicitado por AA à sociedade EMP01..., Ld.ª, ao abrigo do disposto no artigo 1049º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, termos em que se determina que, no prazo de 30 [trinta] dias aquela última preste/disponibilize à primeira, na qualidade de sócia, as seguintes informações:---
 Discriminação dos contratos celebrados entre a sociedade e quaisquer autarquias locais ou outras entidades públicas, nos últimos 5 anos, com indicação da data de celebração, entidade adjudicante, objeto do contrato, designadamente da obra a que respeita, se esse for o caso, do seu valor e do tipo de procedimento que conduziu à adjudicação;---
 Discriminação dos contratos celebrados entre a sociedade e a EMP02..., Lda., nos últimos 5 anos, com indicação da respetiva data de celebração, objeto, designadamente da obra a que respeitam, se esse for o caso, e do seu valor;---
 Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela sociedade a quaisquer autarquias locais ou outras entidades públicas;---
 Discriminação de todos os contratos celebrados pela sociedade, nos últimos cinco anos, que correspondam a subcontratação, total ou parcial, de obras que lhe tenham sido adjudicadas por autarquias locais ou outras entidades públicas;---
 Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data e vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela sociedade à EMP02..., Lda.;---
 Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela EMP02..., Lda à sociedade;---
 Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas por quaisquer subempreiteiros à sociedade;
 Discriminação das garantias bancárias emitidas a solicitação da sociedade, com a indicação da respetiva data, valor, beneficiário e obrigações garantidas;---
 Discriminação dos contratos de trabalho que a sociedade manteve em vigor em cada um dos cinco últimos exercícios, com indicação das respetivas datas de celebração e de cessação, nome, local de trabalho, salário e categoria do trabalhador, e ainda dos que foram celebrados com e sem termo;---
 Indicação dos trabalhadores que, tendo estado ao serviço da sociedade nos últimos cinco exercícios, também estiveram, no mesmo período, coincidentemente ou não, ao serviço da EMP02..., Lda.;---
 Indicação dos trabalhadores afetos, a tempo integral ou parcial, à atividade da “EMP03...” explorada pela sociedade;---
 Identificação do contrato ao abrigo do qual a sociedade mantém o seu estabelecimento “EMP03...” instalado no prédio sito no Lugar ..., n.º ..., em ..., com indicação da sua natureza, de quem o assinou em representação da proprietária, da data da celebração, da renda paga pela sociedade e do seu prazo de vigência;---
 Indicação dos períodos de inatividade da “EMP03...” no ano de 2020, das taxas mensais de ocupação e do valor da faturação em cada um dos meses do referido ano;---
 Discriminação, por tipos de prestação devidas ao gerente e trabalhadores (fixas, variáveis, prémios, subsídios, ajudas de custo, indemnizações, compensações, etc.) da rúbrica ... (gastos com o pessoal) e das remunerações a liquidar incluídas na conta ...2 (acréscimo de custos) no final do exercício de 2020.---

A requerida interpôs recurso da referida decisão, tendo este TRG, por Acórdão de 18/11/2021, julgado a apelação improcedente e, assim, confirmado a sentença recorrida.

A A. invocando que a Ré não tinha dado cumprimento à sentença, intentou acção executiva para prestação de facto.

A recorrente deduziu embargos de executado, invocando ter dado cumprimento ao determinado na sentença, pois, após trânsito em julgado da mesma, a 30.12.2021, enviou comunicação escrita à exequente a informar que a informação pretendida estava disponível para consulta em dia a indicar por si.

Os embargos foram julgados improcedentes por a Mmª Juiz a quo, interpretando a sentença que constitui título executivo, ter considerado que a mesma impunha à executada uma obrigação de prestar informações por escrito.

Desta sentença interpôs a executada/embargante o recurso que cumpre apreciar.

4.2. Enquadramento jurídico

A acção executiva tem por finalidade a realização coactiva duma prestação, mas pressupõe a prévia definição dos elementos subjectivos e objectivos da mesma.

Para que possa ter lugar a realização coactiva duma prestação devida hão-de estar satisfeitos dois pressupostos:

a) O dever de prestar deve constar de um título executivo. Trata-se dum pressuposto de caráter formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito, na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva.
b) A prestação deve mostrar-se certa, exigível e líquida (cfr. art.º 713º do CPC). São pressupostos de carácter material, que, intrinsecamente, condicionam a exequibilidade do direito, na medida em que, sem eles não é admissível a satisfação coativa da prestação.

É pelo título executivo que se determinam o fim e os limites da acção executiva, isto é, o tipo de acção e o seu objecto (cfr. art.º 10º n.º 5 do CPC).

Importa ainda considerar que o título, como documento escrito, por muito claro que seja, exige interpretação, nomeadamente quando se trata de definir o seu objecto, ou seja, qual o conteúdo da obrigação que dele emerge.

No caso dos autos, o título executivo é a sentença proferida a 22/07/2021 e confirmada pelo Ac. desta RG de 18/11/2021.

As sentenças, são actos jurídicos (são actos a que a lei atribui relevância e efeitos jurídicos), a que se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos (ex vi art.º 295º do Código Civil), pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial (artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, do CC), são igualmente válidas para a interpretação daquelas.

Mas, como se concluiu no Ac. desta RG de 14/06/2017, proc. 426/11.4TBPTL-A.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg “tem-se «por adquirido que a interpretação da decisão judicial não tem por objecto a reconstrução da mens judicis - mas a descoberta do sentido preceptivo que se evidencia no texto do acto processual, a determinação da estatuição nele presente» (Ac. da RC, de 15.01.2013, Henrique Antunes, Processo nº 1500/03.6TBGRD-B.C1 (…) in www.dgsi.pt (…).
Por outras palavras, «não se tratando de um verdadeiro negócio jurídico, a decisão judicial não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, antes exprimindo “uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei”, no caso concreto, correspondendo ao “resultado de uma operação intelectual que consiste no apuramento de uma situação de facto e na aplicação do direito objectivo a essa situação” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/11/1998, processo nº 98B712, ITIJ, citando Rosenberg e Schwab)» (Ac. do STJ, de 03.02.2011, Lopes do Rego, Processo nº 190-A/1999.E1.S1 (…)”

Assim a interpretação dos despachos e das sentenças deve fazer-se de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo neles expresso, ainda que imperfeitamente (art.º 236º, nº. 1 do CC), pois, tratando-se de um acto formal, não podem os mesmos valer com um sentido que não tenha na respectiva letra um mínimo de correspondência verbal (art.º 238º, n.º 1 do CC).

Ou seja: a interpretação tem como limite o texto decisório, apenas sendo lícito  extrair dele o significado permitido pelas normas sobre interpretação dos actos processuais.

Mas a sua interpretação não pode assentar, apenas, no teor literal da respetiva parte decisória, impondo-se também considerar os respectivos fundamentos, os quais são constitutivos e determinantes da decisão, ou seja, a decisão só se compreende à luz dos respectivos fundamentos e dos seus antecedentes lógicos.

Neste sentido o Ac. desta RG de 27/06/2009, processo 606/06.4TBMNC-D.G1 consultável in www.dgsi.pt/jtrg e mais recentemente o Ac. do STJ de  01/07/2021, processo 726/15.4T8PTM.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, que se pronunciam quanto à interpretação da sentença.

Consta do sumário do citado Ac. do STJ:
II. Sendo a sentença um ato jurídico formal, regulamentado pela lei de processo e implicando uma objetivação  da composição dos interesses nela contida, a sua interpretação deve ser feita de acordo com os critérios estabelecidos nos artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, ambos do Código Civil, ou seja, tem de ser interpretada  com o sentido  que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, não podendo valer com um sentido que não tenha no documento que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
III. Para alcançarmos o verdadeiro sentido de uma sentença, a sua interpretação não pode assentar exclusivamente no teor literal da respetiva parte decisória, impondo-se também considerar e analisar todos os antecedentes lógicos, que a suportam e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência bem como outras circunstâncias, mesmo posteriores à respetiva elaboração.

Sendo necessário delimitar o que é impreciso ou objecto de discórdia, fixar o significado, o sentido do texto do título executivo, de acordo com as normas sobre interpretação dos atos jurídicos e, nomeadamente, estando em causa o objecto da prestação, determinar qual a sua exacta configuração, cabe aos tribunais tal tarefa, na medida em que, nos termos do disposto no art.º 202º n.ºs 1 e 2 da CRP, a eles cabe a função de administrar a justiça e, concretamente, dirimir os conflitos de interesses privados.

Assente-se, no entanto, que, sendo o título uma sentença, o caso julgado preclude a alegabilidade dos factos impeditivos, modificativos e extintivos anteriores ao encerramento da discussão de facto na acção declarativa e a interpretação não serve para reabrir a discussão sobre o objecto do processo declarativo - a acção executiva não serve para definir direitos -, mas única e exclusivamente para fixar o sentido daquela.

Finalmente os embargos de executado constituem uma verdadeira acção declarativa, extrínseca à acção executiva, que tem o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo.

Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos consignados no art.º 729º do CPC, nomeadamente, como consta da alínea g), qualquer facto extintivo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.

O cumprimento é o facto extintivo, por natureza, das obrigações (“por natureza”, porque as obrigações constituem-se para ser cumpridas).

O cumprimento da obrigação está sujeito às regras gerais que o regem, nomeadamente à regra que dita que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art.º 762º, n.º 1 do CC), ou seja, quando pratica o acto devido, e à regra que dita que, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé (n.º 2 do art.º 762º).

Da primeira regra decorre que o devedor está obrigado a praticar todos os actos necessários, adequados e suficientes à realização da prestação e, concomitantemente, e se for caso disso, está obrigado a suportar os custos de tais actos.

Quanto à segunda regra, significa, em geral e do ponto de vista activo, proceder com diligência, zelo e lealdade, correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da outra parte e, do ponto de vista omissivo, significa não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.

4.3. Em concreto
Está em causa interpretar a sentença que constitui título executivo.

Impõe-se em primeiro lugar atentar nos seus antecedentes lógicos.

Assim, a sentença considerou e tem-se por indiscutível que:
- o direito à informação contempla três realidades: o direito à informação stricto sensu, o direito à consulta dos livros e documentos da sociedade e o direito de inspeção aos bens sociais;
- o direito que a ora embargada pretendeu exercer foi um direito à informação em sentido estrito;
- um dos pressupostos do processo especial de inquérito judicial é a recusa da sociedade em prestar as informações solicitadas.

De referir que tal entendimento foi sufragado no Acórdão da RG que confirmou a sentença (onde se afirmou ainda que o sócio tem o direito a exigir que a informação lhe seja prestada por escrito).

Do exposto decorre que, pela natureza das coisas, o direito à informação em sentido estrito é uma realidade diferente do direito à consulta.
O primeiro impõe à sociedade que consulte ela a documentação adequada e pertinente, extraia a informação pertinente e expresse-a, verbalmente ou por escrito, consoante tenha sido pedido pelo sócio.
O segundo impõe à sociedade que coloque à disposição do sócio os documentos e livros da sociedade, cabendo ao sócio analisá-los e extrair deles a informação que considere pertinente.

A executada/embargante invoca que o título que serve de base à execução não comporta qualquer pedido de informação em sentido estrito, mas antes um pedido de consulta de diversa documentação relacionada com a gestão da vida societária que, enquanto tal, satisfaz-se com a consulta presencial pelo sócio dos documentos junto da sede da sociedade.

E funda-se no Ac.  do STJ de 19.10.2021, proc. nº 1484/19.9T8LRA.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt/stj cujo sumário é o seguinte:
I - A expressão direito à informação a que alude o art. 214.º, n.º 1, do CSC, reveste sentido amplo, abrangendo três direitos parcelares do sócio de sociedade por quotas: o direito à informação em sentido estrito que se consubstancia no pedido de conhecimento da vida societária, a concretizar através de perguntas que entenda formular sobre os actos substantivos e concretos de gestão, praticados ou a praticar pelos gerentes, e respectivas consequências, obrigando-os a fornecer respostas verdadeiras, completas e elucidativas; o direito à consulta da documentação da sociedade (escrituração, livros e outros documentos), com a exigência da sua exibição, a efectuar na sede da sociedade, com o auxílio de perito ou especialista contratado pelo sócio interessado se assim o entender; e o direito à inspecção concretizada através da actividade necessária para que o sócio vistorie os bens sociais.
II - Havendo a sócia requerente revelado, no extenso rol de minuciosos e exaustivos temas cuja indagação dirigiu à sociedade requerida, não querer verdadeiramente ser elucidada sobre qualquer acto concreto e substantivo de gestão praticado, ou a praticar, pelos respectivos gerentes, que lhe suscitasse dúvida ou controvérsia (as quais não concretizou minimamente), mas obter conhecimento mais cómodo de elementos que constituem meros registos da vida corrente da sociedade e de que podia perfeitamente inteirar-se pela simples consulta dos documentos pertinentes, a realizar na sede social, não lhe assiste o direito à informação stricto sensu, mas apenas o direito à consulta desses elementos (escrituração, livros e outros documentos).
III - Não concretizando a requerente que tipo concreto de documentos queria efectivamente consultar e aqueles cujo acesso lhe foi negado, não tendo outrossim demonstrado qualquer impedimento à sua consulta por parte dos gerentes, carece de fundamento legal o pedido de inquérito judicial formulado ao abrigo do disposto no art. 1048.º, n.º 1, do CPC, não existindo qualquer situação de recusa ilícita de prestação de informação que o fundamentasse.
O referido Acórdão foi proferido no âmbito da declaração do direito.

Tal âmbito mostra-se ultrapassado no caso concreto, porque foi proferida sentença que condenou a executada a prestar informações, sentença confirmada por Acórdão desta RG, há muito transitado em julgado.

Dito de outra forma: a questão que a recorrente agora invoca, devia ter sido suscitada em sede declarativa.

Destarte é patente a inaplicabilidade da sua doutrina.
Aliás, a sua aplicabilidade conduziria a uma alteração do julgado.

Perante este contexto, carece de todo e qualquer fundamento, a pretensão da executada/embargante de que cumpre a obrigação disponibilizando a documentação da sociedade, pois não é esse, de forma alguma, o sentido da decisão.

Além disso, e no tocante à questão da prestação da informação por escrito, a referida sentença considerou provado no ponto 3.5. que a 15 de março de 2021 a aqui embargada endereçou à embargante uma carta - carta que a embargante não pode deixar de conhecer, pois consta do ponto 3.6. da mesma fundamentação de facto que a recebeu -, na qual solicitava um conjunto de informações.

E motivou tal decisão com base na carta junta com a petição inicial.

Compulsada tal carta verifica-se que a aqui embargada, ali A., exigiu que as informações ali discriminadas fossem prestadas por escrito.

Finalmente, é a própria letra do decisório que impõe a interpretação de que a mesma tem em vista determinar à aqui embargante que preste as informações nela identificadas por escrito.

É que, a anteceder o conteúdo concreto de cada uma das informações ordenadas prestar, utilizou uma das seguintes expressões: per se, nas expressões que antecedem cada – “Discriminação”; “Indicação”; “identificação”.

Estas expressões não são, de forma, alguma, adequadas a exprimir a condenação numa mera disponibilização de documentação para consulta pela aqui exequente/embargada (como pretende a embargante), para depois extrair dela as referidas informações.

As referidas expressões impõem, sem margem para dúvidas, a necessidade de uma atitude activa por parte da aqui executada/embargante, no sentido de analisar, ela a documentação pertinente e adequada, extrair a informação pertinente e expressá-la por escrito.

Em face de tudo o exposto, impõe-se concluir que a sentença que constitui título executivo, ao determinar à aqui embargante que prestasse as informações nela identificadas, fê-lo com o sentido de que tais informações fossem prestadas por escrito.

E, manifestamente, não cumpriu a obrigação tal como determinado, pois, como consta do ponto 3.6. da fundamentação de facto, limitou-se, após trânsito em julgado da aludida sentença, a enviar comunicação escrita à exequente a informar que a informação pretendida estava disponível para consulta em dia a indicar por si.

De referir que, ao contrário do que pretende a executada, tal em nada altera o caso julgado.

O julgado – a condenação da executada/embargante a prestar as informações discriminadas –  mantém-se na íntegra, não havendo qualquer novo facto constitutivo do direito.

Apenas se precisa, através da interpretação do título executivo, qual a exacta configuração da obrigação em que a exequente/embargante foi condenada e que, diga-se, a elementar boa fé, impunha.

Destarte, a sentença recorrida não merece censura, devendo ser mantida e o recurso julgado improcedente.

4.4. Custas
As custas são da responsabilidade da recorrente, por vencida – art.ºs 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

5. Decisão

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª secção da Relação de Guimarães em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negar provimento à apelação e manter a decisão recorrida.

Custas da apelação pela recorrente.

Notifique-se.

Guimarães, 23/11/2023
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator: José Carlos Pereira Duarte
1º Adjunto: Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício
2º Adjunto: Rosália Cunha