DIREITO À PROVA
OBJETO DA PROVA
DEPOIMENTO DE PARTE
Sumário


I – O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado implícitos no direito a um processo equitativo (i) o direito de acesso aos tribunais, (ii) o direito ao contraditório, (iii) o direito à igualdade de armas, (iii) o direito a uma correta apresentação das provas, (iv) o direito ao contrainterrogatório das testemunhas e (v) o direito a uma sentença fundamentada.
II – O direito à prova permite a cada uma das partes submeter ao tribunal as provas de que dispõe, bem como solicitar medidas de instrução destinadas à obtenção das provas de que ainda não dispõe.
III – Trata-se, porém, de um direito que é limitado pelo respetivo objeto: a prova só pode versar sobre factos relevantes que permanecem controvertidos.
IV – Neste sentido, são de recusar os requerimentos probatórios que se apresentem como meramente dilatórios, versem sobre factos irrelevantes para a decisão da causa ou que, sendo relevantes, estejam já provados.
V – O depoimento de parte, enquanto instrumento ao serviço do meio de prova (confissão) que por ele se visa obter, tem necessariamente de recair sobre factos.

Texto Integral


1) AA intentou a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra BB (1.ª Ré), CC (2.º Réu), DD (3.ª Ré), EE (4.ª Ré), FF (5.ª Ré), GG (6.ª Ré), HH (7.º Réu) e II (8.º Réu), pedindo que, na procedência, seja considerado nulo e de nenhum efeito o testamento público outorgado no dia 30 de maio de 2017 por JJ; “ou” seja tal testamento “declarado anulado” por “estado de necessidade do testador” (sic).
Alegou, em síntese, que: a Autora e a 1.ª Ré são filhas do testador e, portanto, suas herdeiras legitimárias; a Autora foi viver para casa do testador, juntamente com os seus dois filhos (o 7.º Réu e outro de nome próprio KK), no ano de 2000; sem que a Autora soubesse, o testador contemplou-a em testamento outorgado no ano de 2015, no qual expressou livremente a sua vontade; no ano de 2016, a relação do testador com a Autora e com os filhos desta deteriorou-se, o que culminou com a expulsão do filho KK da casa onde todos viviam, facto ocorrido em agosto de 2016; tal deveu-se à intervenção que os Réus DD, EE e II exerceram junto do testador, com o intuito de progressivamente se irem apropriando do património deste; em novembro de 2016, o testador sofreu o primeiro AVC, que lhe provocou cegueira; nessa ocasião, a 4.ª e o 7.º Réus, foram viver para a casa do testador; o estado de saúde do testador agravou-se significativamente em março de 2017, em consequência de um segundo AVC; o testador sofria então também de problemas cardíacos, dos quais, de resto, veio a falecer no dia 9 de julho de 2019; no período subsequente a agosto de 2016, o testador estava completamente dependente dos Réus DD, EE e II, que passaram a administrar todo o seu património; no dia 30 de maio de 2017, levado por todos os Réus, com exceção do 7.º, o testador outorgou testamento em que instituiu como herdeiros da sua quota disponível os Réus DD, EE, FF, GG e HH; o testador não formou de forma livre e consciente a sua vontade, pois vivia então em absoluta dependência física e emocional dos Réus DD, EE e II; a notária não fez constar do testamento o estado de saúde do testador, apesar de a cegueira ser notória; de igual modo, não lhe leu nem explicou o conteúdo respetivo, assim violando o disposto no art. 50 do Código do Notariado; a instituição das Rés GG e FF como herdeiras da quota disponível do testador foi feita com a única intenção de enganar os credores da massa insolvente dos Réus AA e CC, pais daquelas; para além de tudo o mais, o testamento configura um negócio usurário.

***
2) No termo do articulado, a Autora apresentou o requerimento probatório, que se transcreve na parte relevante para o presente recurso:

“(…)
3- PROVA POR CONFISSÃO:
DEPOIMENTOS DE PARTE: dos seguintes réus devem prestar depoimento de parte aos factos que possam confessar; nomeadamente:
a) O réu HH, aos factos constantes dos artigos 25 a 46, 53 a 56, 74 a 86, 88 a 106, 108 a 111 a 115, 119,120, 123 a 134, 158 a 160, 163, 166, 168 , 183 a 187, 191 e 192, 199 e 200 da p.i..
b) BB e CC aos constantes dos artigos 20, 47, 50,97, 100, 124 a 129, 130, 188 e 189, 191 e 192;
c) EE, DD e II, aos factos constantes dos artigos 16, 20, 21, 22, 25, 26, 28, 29, 30 a 37, 38 a 46, 53, 54, 56, 59, 65 a 69, 102 a 104, 109, 110, 125 a 128 a 140, 154 (a ré DD) e 156 (só a DD), 158, 160, 161, 166, 183 a 187, 191 e 192.”
***
3) Realizadas as citações, apresentaram contestação os Réus FF e HH.
 A primeira, arguiu a ilegitimidade passiva dos Réus AA, CC e II, posto que os mesmos não tiveram qualquer intervenção no testamento de 17 de maio de 2017 nem foram por ele contemplados. No mais, impugnou o alegado pela Autora quanto ao estado de saúde em que se encontrava o testador, à dependência dele relativamente aos Réus DD, EE e II; e à intenção com que todos atuaram.
***
4) O Réu HH, por seu turno, disse que os factos alegados pela Autora correspondem à verdade e concluiu que a ação deve proceder.
***
5) Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, datado de 10 de fevereiro de 2022, no qual: os Réus AA, CC e II foram absolvidos da instância, por verificação da exceção dilatória da ilegitimidade passiva; foi afirmada tabularmente a verificação dos demais pressupostos processuais; foi fixado em € 1 000 000,00 o valor processual.
***
6) De seguida, os termos do litígio foram enunciados nos seguintes termos:
“Através desta ação pretende a autora que, reconhecendo-se que o falecido/testador JJ padecia de cegueira e quase surdez, o que não foi feito constar pela Notária, e por não lhe ter sido lido e explicado o conteúdo do documento impugnado, por violação do art. 50.º do Notariado, seja declarado nulo o testamento lavrado a 30.05.2017, ou que, por estar o testador em situação de absoluta dependência física e psicológica dos réus, com exceção de HH, que o manipularam e o levaram a incompatibilizar-se com a autora e os seus filhos, o determinaram a fazer a deixa testamentária quando não tinha o livre exercício da sua vontade, nem tinha capacidade para entender o que declarava, seja anulado o testamento lavrado a 30.05.2017, seja por incapacidade acidental, nos termos do art. 2199.º do Cód. Civil, seja por usura, nos termos do art. 282.º do Cód. Civil.”
***
7) E foram fixados os seguintes temas da prova:
“1.º Estado de saúde – físico – de JJ a 30.05.2017, mormente saber se já tinha sido vítima de AVC, se sofria de diabetes, de cegueira e quase surdez, se deturpava o que lhe diziam, se não conhecia as pessoas que se lhe dirigiam, se já não era capaz de se deslocar pelos seus próprios meios, de cuidar das suas refeições e higiene, não podia permanecer sozinho em casa, etc?
2.º Se as doenças/patologias de que sofria JJ lhe acarretavam um comportamento perturbado, confuso e até violento, impedindo-o de entender o que declarava e/ou não sendo livre na sua vontade à data de 30.05.2017?
3.º Data e motivo pelo qual o JJ se zangou/incompatibilizou com a autora AA e com os netos HH e KK, e contactos mantidos desde 2016 até à morte entre eles?
4.º Saber se a autora e os filhos residiram com o testador desde 2000, e se o KK e o HH foram criados com os avós maternos, se a autora cuidou todas as tarefas domésticas inerentes à casa, assegurando cuidados a toda a família, mormente ao pai, JJ, e à mãe, LL, enquanto doente oncológica, até à morte dela, bem como da avó paterna e de um tio materno, ambos doentes acamados?
5.º Foi a autora quem, desde 2005, e juntamente com os filhos KK e HH, explorou a “Quinta ...”, onde sempre trabalhou e fez investimentos/melhoramentos?
6.º Desde setembro de 2016/2017 o JJ passou a assumir comportamentos violentos para com a autora, bateu-lhe por diversas vezes e expulsou de casa os netos KK e HH, bem como o JJ os veio a acusar de um furto de ouro?
7.º E afastou ainda a autora da exploração da “Quinta ...”, obrigando-a a entregar-lhe o valor apurado nesse ano (até setembro de 2016) de 100.000,00 Eur. (cem mil euros)?
8.º Com quem residia e habitava JJ a 30.05.2017, se as rés DD e/ou EE, juntamente com II, passaram a residir com ele (pelo menos desde novembro de 2016), em que circunstâncias, se eram eles quem lhe confecionavam as refeições e que tipo de refeições, e se eram eles quem administrava a toma de medicação?
9.º Se desde novembro de 2016, a ré EE e o II passaram a instigar o JJ contra a autora, fomentando o seu distanciamento e conflitos com ela e com os netos, afirmando-a ainda “incompetente”, e se aquele passou a afirmar que não queria que a filha o cuidasse e a passou a apelidar de “puta”, “vadia”, “ladra”, etc?
10.º Se as rés EE e DD, juntamente com o II, passaram a gerir e administrar a “Quinta ...”, recebendo os valores entregues por entradas na piscina e festas?
11.º Se foram as rés EE e DD, juntamente com o II, quem passou igualmente a administrar os rendimentos próprios do JJ, mormente as reformas que auferia, bem como todos os outros bens que integravam o seu património (contas bancárias, imóveis, máquinas industriais, etc.)?
12.º Estado de saúde – psicológico – de JJ a 30.05.2017, mormente saber se estava situação de dependência emocional das rés DD e EE, e do II, mormente saber se: - foram estes quem agendaram no cartório a outorga do testamento de 30.05.2017 e convenceram aquele a outorgar o testamento? - foram estes quem transportaram o testador até ao Cartório, como o faziam para o Advogado, para o banco, etc.? - foram estes quem contrataram e pagaram às médicas/peritas no ato? - foram estes quem conduziram o testador ao Advogado, foi o II que negociou os honorários e era ele quem dava as ordens ao mandatário, mormente para instauração processo de partilha e da ação n.º 1743/18...., iniciada a contra a ..., o KK e a MM (cf. fls. 38 a 65 verso)? - as rés EE e DD, juntamente com o II, mantiveram afastados os familiares e amigos do JJ, mormente a autora e os irmãos daquele, sendo que estes últimos deixaram de poder frequentar a casa? - a ré DD fazia chantagem emocional com o HH, deixando propositadamente de o visitar várias semanas seguidas, reaparecendo para pedir dinheiro, convencendo-o a entregar-lho? - as rés EE e DD convenceram JJ a incluir na deixa testamentária o neto HH para dar a aparência de credibilidade ao ato?
13.º Desde quando ou em que período a ré DD e o JJ mantiveram um relacionamento de cariz amoroso ou sexual, se faziam vida em comum, se faziam saídas e férias juntos, etc.?
14.º No ato de outorga do testamento foi lido e explicado o seu conteúdo ao JJ, mormente foi esclarecido a favor de quem fez a deixa e se lhe foi questionado se tal correspondia à sua real vontade e se ele verbalizou (e por que forma) ser a essa a sua vontade?
***
8) Sobre a parte transcrita do requerimento de prova apresentado na petição inicial, recaiu o seguinte despacho:
“(…)
No que respeita aos depoimentos de parte solicitados a fls. 19 verso, deve relembrar-se que este meio de prova só é admissível a factos pessoais (ou de que o depoente deva ter conhecimento) desfavoráveis ao depoente, pois visa-se obter a respetiva confissão, nos termos do art. 454.º, n.º 1 do C.P.Civil e arts. 352.º e 354.º do Código Civil.
Pelo que, e antes de mais, considerando que o mesmo não é sequer já admissível quanto a AA, CC e II, absolvidos da instância, notifique-se a autora para esclarecer, por referência aos temas de prova selecionados, a quais pretende sejam ouvidos HH, DD e EE.”
***
9) Na sequência, a Autora apresentou, no dia 7 de março de 2022, requerimento probatório do seguinte teor (na parte relevante):
“A-DEPOIMENTO PESSOAL DOS RÉUS (Artigo 452º, nº 2 do CPC):
1. DD;
2. EE;
3. FF;
4. GG;
5. HH
a)-da petição Inicial, factos dos seguintes artigos:
20º a 23º, 25º a 60º, 62º, 65º a72º, 74º, 75º a 78º, 80º a 86º, 89º a 94º, 96º a 105º, 107º a 112º, 114º, 115º, 117º a 119º, 120º (2ª parte) a 130º, 131º a 137º, 139º a 142º, 144º, 145º (2ª parte), 146º (2ª parte), 154º, 155º, 156º, 158º a 163º, 166º a 171º, 173º, 174º, 175º, 178º, 180º, 182º a 184º, 185º, 186º, 190º, 191º, 192º, 196º a 202º, 2017º a 224º, 226º, 231º, 232º, 233º, 235º, 236º, 237º, 241º, 242º, 243º, 244º, 247º, 248º.
b)-da contestação de HH, factos dos seguintes artigos:
6º a 21º, 22º a 41º, 43º a 49º, 50º (“à data do óbito, estaria a tomar trazadona, até ansiosa”) 51º a 56º, 59º a 61º, 65º a 68º, 70º a 72º, 75º, 78º, 79º, 80º, 81º, 82º, 83º, 84º, 85º, 87º 88º, 89º (desde: quanto ao conteúdo até final), 90º a 93º, 97º, 98º
(…)
D – Prova documental:
Requer ainda seja notificada a ..., Centro de Saúde ..., com sede na Rua ... ..., para juntar aos autos todos os registos clínicos respeitantes a assistência médica e tratamentos médicos que tenham sido prestados a seu pai, JJ, utente n.º ...16, nos cinco anos anteriores à sua morte, 2014 a 2019, incluindo registos de terapêutica instituída ou medicação prescrita e exames, diagnósticos e seus relatórios, para prova da matéria alegada nos artigos 10., 17., 18., 20., 23., 25., 26., 27., 28., 31., 62., 65., e 68.”
***
10) Sobre este requerimento recaiu despacho, datado de 31 de março de 2022, a insistir pela “indicação especifica do depoimento de parte a prestar por cada um dos réus visados, à matéria levada aos temas de prova e por referência expressa a estes como já antes ordenado, em mais 10 dias, sob pena de não ser admitido o requerido.”
***
11) A Autora apresentou novo requerimento, datado de 11 de abril de 2022, a dizer que “os Réus devem depor sobre todos os temas de prova, designadamente do 1.º a 14.º”
***
12) Por despacho de 30 de setembro de 2022, foi determinada a notificação da Autora para “especificar em relação a cada um dos RR. os temas da prova sobre os quais irão depor.”
***
13) A Autora respondeu dizendo que os Réus devem depor sobre os factos pessoais ou de que devam ter conhecimento e suscetíveis de confissão, por referência aos temas de prova: 1. DD, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º; 2. EE, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º; 3. FF, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º; 4. HH, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º.
***
14) No despacho de 28 de outubro de 2022 consignou-se que “[a]pesar de notificada para indicar factos pessoais e suscetíveis de confissão, em relação a cada um dos RR., sobre os quais estes prestariam depoimento de parte, a A. indica para cada um deles quase todos os temas da prova, incluindo aqueles que integram factos que não lhes são pessoais e que por essa razão não podem resultar confessados.” Em consequência, indeferiram-se os requeridos depoimentos de parte.
***
15) Na sequência de recurso de apelação interposto pela Autora, este despacho foi revogado por Acórdão desta Relação, proferido no dia 16 de fevereiro de 2023, que determinou a apreciação do requerimento “à luz da matéria de facto articulada pelas partes – indicada pela Autora (e não à luz dos temas de prova enunciados).”
***
16) Na sequência, foi proferido, pelo Tribunal de 1.ª instância, o seguinte despacho, datado de 24 de março de 2023: “Tendo em conta o teor do acórdão proferido nos presentes autos, convida-se a A. a indicar os factos pessoais e controvertidos e, por isso, suscetíveis de confissão, sobre os quais pretende que os RR. prestem depoimento de parte.”
***
17) Em requerimento apresentado no dia 30 de março de 2023, a Autora veio dizer que “[o] depoimento de parte dos Réus deve versar sobre factos pessoais de que têm conhecimento, à luz da matéria de facto articulada pelas partes – indicada pela autora (e não à luz dos temas de prova enunciados), suscetível de sobre a mesma matéria recair uma confissão da outra parte de factos que lhe são desfavoráveis, 454.º do CPC:

Assim, o depoimento de parte da ré:
1. DD, deve incidir sobre os factos constantes:
da petição inicial, artigos 20.º a 23.º, 25.º a 60.º, 62.º, 65.º a 72.º, 74.º, 75.º a 78, 80.º a 86.º, 89.º a 94.º, 96.º a 105.º, 107.º a 112.º, 114.º, 115.º, 117.º a 119.º, 120.º, segunda parte, a 130.º, 131.º a 137.º, 149.º a 142.º, 144.º, 145.º segunda parte, 146.º segunda parte, 154.º, 155.º, 156.º, 158.º a 163.º, 166.º a 171.º 173.º, 174.º, 175.º 178.º 180.º, 182.º a 184.º, 185.º , 186.º, 190.º, 191.º, 192.º, 196.º a 202.º, 207.º a 224.º, 226.º, 231.º, 232.º, 233.º, 235.º, 236.º, 237.º, 241.º, 241.º, 242.º, 243.º, 244.º, 247.º 248.º da contestação de HH: factos dos artigos 6.º a 21.º, 22.º a 41.º, 43.º a 49.º, 50.º (à data do óbito, estaria a tomar trazadona até ansiosa), 51.º a 56.º, 59.º a 61.º, 65.º a 68.º 70.º a 72.º, 75.º, 78.º, 79.º 80.º, 81.º, 82.º, 84.º, 85.º, 87.º, 88.º e 89.º (desde ...quanto ao conteúdo até final), 90.º a 93.º, 97.º e 98.º.
2. EE, deve depor sobre os factos constantes:
da petição inicial, artigos 20.º a 23.º, 25.º a 60.º, 62.º, 65.º a 72.º, 74.º, 75.º a 78, 80.º a 86.º, 89.º a 94.º, 96.º a 105.º, 107.º a 112.º, 114.º, 115.º, 117.º a 119.º, 120.º, segunda parte, a 130.º, 131.º a 137.º, 149.º a 142.º, 144.º, 145.º segunda parte, 146.º segunda parte, 154.º, 155.º, 156.º, 158.º a 163.º, 166.º a 171.º 173.º, 174.º, 175.º 178.º 180.º, 182.º a 184.º, 185.º , 186.º, 190.º, 191.º, 192.º, 196.º a 202.º, 207.º a 224.º, 226.º, 231.º, 232.º, 233.º, 235.º, 236.º, 237.º, 241.º, 241.º, 242.º, 243.º, 244.º, 247.º 248.º da contestação de HH: factos dos artigos 6.º a 21.º, 22.º a 41.º, 43.º a 49.º, 50.º (à data do óbito, estaria a tomar trazadona até ansiosa), 51.º a 56.º, 59.º a 61.º, 65.º a 68.º 70.º a 72.º, 75.º, 78.º, 79.º 80.º, 81.º, 82.º, 84.º, 85.º, 87.º, 88.º e 89.º (desde ...quanto ao conteúdo até final), 90.º a 93.º, 97.º e 98.º.
3. FF, deve depor sobre os factos constantes:
da petição inicial, artigos 20.º a 23.º, 25.º a 60.º, 62.º, 65.º a 72.º, 74.º, 75.º a 78, 80.º a 86.º, 89.º a 94.º, 96.º a 105.º, 107.º a 112.º, 114.º, 115.º, 117.º a 119.º, 120.º, segunda parte, a 130.º, 131.º a 137.º, 149.º a 142.º, 144.º, 145.º segunda parte, 146.º segunda parte, 154.º, 155.º, 156.º, 158.º a 163.º, 166.º a 171.º 173.º, 174.º, 175.º 178.º 180.º, 182.º a 184.º, 185.º , 186.º, 190.º, 191.º, 192.º, 196.º a 202.º, 207.º a 224.º, 226.º, 231.º, 232.º, 233.º, 235.º, 236.º, 237.º, 241.º, 241.º, 242.º, 243.º, 244.º, 247.º 248.º da contestação de HH: factos dos artigos 6.º a 21.º, 22.º a 41.º, 43.º a 49.º, 50.º (à data do óbito, estaria a tomar trazadona até ansiosa), 51.º a 56.º, 59.º a 61.º, 65.º a 68.º 70.º a 72.º, 75.º, 78.º, 79.º 80.º, 81.º, 82.º, 84.º, 85.º, 87.º, 88.º e 89.º (desde ...quanto ao conteúdo até final), 90.º a 93.º, 97.º e 98.º.
4. GG, deve depor sobre os factos constantes:
da petição inicial, artigos 20.º a 23.º, 25.º a 60.º, 62.º, 65.º a 72.º, 74.º, 75.º a 78, 80.º a 86.º, 89.º a 94.º, 96.º a 105.º, 107.º a 112.º, 114.º, 115.º, 117.º a 119.º, 120.º, segunda parte, a 130.º, 131.º a 137.º, 149.º a 142.º, 144.º, 145.º segunda parte, 146.º segunda parte, 154.º, 155.º, 156.º, 158.º a 163.º, 166.º a 171.º 173.º, 174.º, 175.º 178.º 180.º, 182.º a 184.º, 185.º , 186.º, 190.º, 191.º, 192.º, 196.º a 202.º, 207.º a 224.º, 226.º, 231.º, 232.º, 233.º, 235.º, 236.º, 237.º, 241.º, 241.º, 242.º, 243.º, 244.º, 247.º 248.º da contestação de HH: factos dos artigos 6.º a 21.º, 22.º a 41.º, 43.º a 49.º, 50.º (à data do óbito, estaria a tomar trazadona até ansiosa), 51.º a 56.º, 59.º a 61.º, 65.º a 68.º 70.º a 72.º, 75.º, 78.º, 79.º 80.º, 81.º, 82.º, 84.º, 85.º, 87.º, 88.º e 89.º (desde ...quanto ao conteúdo até final), 90.º a 93.º, 97.º e 98.º.
5. HH, deve incidir sobre os factos constantes:
da petição inicial, artigos 20.º a 23.º, 25.º a 60.º, 62.º, 65.º a 72.º, 74.º, 75.º a 78, 80.º a 86.º, 89.º a 94.º, 96.º a 105.º, 107.º a 112.º, 114.º, 115.º, 117.º a 119.º, 120.º, segunda parte, a 130.º, 131.º a 137.º, 149.º a 142.º, 144.º, 145.º segunda parte, 146.º segunda parte, 154.º, 155.º, 156.º, 158.º a 163.º, 166.º a 171.º 173.º, 174.º, 175.º 178.º 180.º, 182.º a 184.º, 185.º , 186.º, 190.º, 191.º, 192.º, 196.º a 202.º, 207.º a 224.º, 226.º, 231.º, 232.º, 233.º, 235.º, 236.º, 237.º, 241.º, 241.º, 242.º, 243.º, 244.º, 247.º 248.º”
***
18) Na mesma data, a Autora apresentou um outro requerimento em que insistiu por pronúncia sobre o pedido de notificação da USF ..., com sede na Rua ... ..., para juntar aos autos todos os registos clínicos respeitantes à assistência médica e tratamentos que tenham sido prestados a seu pai, JJ, utente n.º ...16, nos cinco anos anteriores à sua morte, 2014 a 2019, incluindo registos de terapêutica instituída e medicação prescrita, bem como todos os exames, diagnósticos e seus relatórios, para prova da matéria alegada nos artigos 10.º, 17.,º 18.º 20.º, 23.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 31.º, 62.º, 65.º e 68.º, ou, se assim se entender como necessário, aos temas de prova números 1., 2., 6.º, 12.º a parte acerca do estado de saúde de JJ, 14.º”
***
19) No dia 31 de março de 2023, foi proferido despacho do seguinte teor:
“Requerimentos da A. de 7 de março de 2022 e 30 de março de 2023:
Oficie conforme requerido, mas por referência aos dois anos anteriores a 30 de maio de 2017, data do testamento, não se afigurando pertinente o período de 5 anos anterior à morte de JJ.
Solicite o envio urgente dos registos clínicos pretendidos.
Admite-se os depoimentos de parte dos RR. aos factos pessoais, controvertidos e suscetíveis de confissão, indeferindo-se quanto aos artigos indicados que não são pessoais e que contêm matéria conclusiva.”
***
20) Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso, através de requerimento apresentado no dia 14 de abril de 2023, o qual culminou com as seguintes conclusões:

“1ª O despacho em causa atinge frontalmente o direito à prova da Autora.
2ª Direito fundamental para garantia de acesso aos tribunais nos termos do artigo 2º do Código de Processo Civil e para assegurar a defesa dos direitos e interesses da Autora, nos termos do artigo 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
3ª Do despacho em crise não se descortina qualquer fundamento que se afigure impertinente o período de 5 anos para os registos clínicos solicitados, até porque, de acordo com os registos clínicos recebidos o testador padecia de várias patologias, algumas certamente com evolução agravada pelo decurso do tempo e da idade, o que não se afigura fácil de verificar nos 2 anos decretados pelo tribunal recorrido.
4ª Relativamente à segunda questão colocada no presente recurso, o despacho não contém os factos articulados e indicados pela recorrente para os depoimentos de parte, que são objeto de indeferimento por parte do tribunal, verificando-se, mesmo, falta de fundamentação ao referir “que não são pessoais e que contém matéria conclusiva”.
5ª A recorrente, nos termos legais, indicou todos os factos que integrariam os depoimentos de parte, questão esta, que já obrigou o Tribunal da Relação de Guimarães a pronunciar-se, no âmbito deste mesmo processo.
6ª Não compreende, assim, a autora, o despacho em causa, que não respeita o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, ... Secção Cível, Proc. 2922/20...., ref. ...57 de 16 de fevereiro de 2023.
7ª O despacho recorrido violou as seguintes normas jurídicas: artigo 2.º e 6.º do CPC e 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, deve a apelação ser julgada procedente, revogando-se o despacho da 1ª Instância com a referência citius ...55, devendo ser substituído por outro que não restrinja o período de 5 anos dos registos clínicos solicitados, e que indique concretamente quais dos factos indicados pela recorrente que não são admitidos nos termos do mesmo despacho.”
***
21) Os Réus não responderam.
***
22) O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo, o que não sofreu alteração neste Tribunal ad quem.
***
II.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608/2, parte final, ex vi do art. 663/2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, as questões que se colocam no presente recurso podem ser sintetizadas nos seguintes termos:
1.ª Saber se a decisão recorrida enferma de erro na aplicação da lei ao restringir a dois anos o âmbito temporal da informação pedida à USF ... sobre o estado de saúde do testador;
2.ª Saber se a decisão recorrida enferma de erro na aplicação da lei ao rejeitar o depoimento de parte dos Réus aos artigos dos articulados adrede indicados pela Autora que contêm factos que “não são pessoais” dos depoentes ou que assumem natureza conclusiva.
***
III.
1).1. Vejamos a resposta às questões enunciadas, começando por notar que nelas está em causa, grosso modo, o direito que a parte tem à produção das provas necessárias à demonstração dos factos em que se funda a sua pretensão concreta de tutela jurisdicional.
De entre as normas que a Constituição da República dedica ao direito processual civil, em relação ao qual se confirma, também, a máxima segundo a qual o “direito processual é direito constitucional aplicado” (Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, 2.ª ed., Lisboa: Lex, 2000, pp. 24 e ss), conta-se a do art. 20/4, saída da Revisão de 1997, que prevê o direito a um processo equitativo. Este direito está também consagrado no art. 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art. 14/1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. De acordo com Adrian Zuckerman (“L’influenza della Convenzione europea dei diritti dell’uomo sul processo civile inglese”, AAVV, Michele Taruffo e Vincenzo Varano (coord.), Diritti Fondamentali e Giustizia Civile in Europa, Torino, 2002, pp. 123-124), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado implícitos no direito a um processo equitativo (i) o direito de acesso aos tribunais, (ii) o direito ao contraditório, (iii) o direito à igualdade de armas, (iii) o direito a uma correta apresentação das provas, (iv) o direito ao contrainterrogatório das testemunhas e (v) o direito a uma sentença fundamentada. Entre nós, o direito à prova, foi reconhecido enquanto corolário do direito a um processo equitativo no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 359/2011, de 12.07.2011, relatado pelo Conselheiro Cura Mariano. Gomes Canotilho (“O ónus da prova na jurisdição das liberdades”, Estudos sobre Direitos Fundamentais, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 169), propõe mesmo a deslocação do direito à prova do estrito campo jusprocessualístico para o localizar no terreno constitucional. Desdobra o direito constitucional à prova em “direito à prova em sentido lato (poder de demonstrar em juízo o fundamento da própria pretensão) e o direito à prova em sentido restrito (alegando matéria de facto e procedendo à demonstração da sua existência).”
Em matéria civil, o direito à prova permite a cada uma das partes submeter ao tribunal as provas de que dispõe, bem como solicitar medidas de instrução destinadas à obtenção das provas de que ainda não dispõe. Sobre aquela primeira dimensão, Michele Taruffo (“Il diritto alla prova nel processo civile”, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile XXXIX, n.º 1, pp. 74 e ss.), refere que o direito de apresentar provas seria inútil e ilusório se a ele não se ligasse o direito à aquisição das mesmas, uma vez consideradas admissíveis e relevantes.
***
 1).2. A prova tem como referência a verdade de um facto. Neste sentido, o art. 2404 do Código Civil de 1867 definia prova como “a demonstração da verdade dos factos alegados em juízo”, fórmula que não difere substancialmente da que consta do art. 341 do Código Civil atual: “As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.”
Habitualmente, está em causa um facto real, sendo que “factos são não só os acontecimentos externos, mas também os estados emocionais e os eventos do foro interno, psíquico” (STJ de 17.12.2019, 756/13.0TVPRT.P2.S1), como o conhecimento e a intenção. O que sucede é que a apreensão destes não pode ser feita de forma direta, como explica Michele Taruffo, La Prueva des los Hechos, 2.ª ed., Madrid: Trotta, 2005, p. 166, quando escreve que “[q]uando o facto juridicamente relevante é verdadeiramente um facto psíquico (não redutível ou reconduzível a uma declaração), quase nunca é determinado diretamente. O verdadeiro objeto do conhecimento do juiz, pelo contrário, são indícios que tendem a ser recolhidos em esquemas tipificados, sob a premissa de que esses indícios típicos produzem com razoável segurança a determinação do facto psíquico em questão, ao qual a norma atribui consequências normativas. No entanto, é muito discutível a ideia de que, realmente, nestas situações, o juiz determina a verdade ou a existência de um facto psíquico interno da mesma forma que determina presuntivamente um facto material do qual não tem prova direta. Em vez disso, o que acontece é que o juiz conhece apenas indícios que se encaixam num esquema típico e, com base nesse conhecimento, considera subjacente o pressuposto de facto que se está a tentar determinar. Dizer que, neste caso, estamos perante uma determinação indireta, mas tipificada do facto psíquico é talvez uma complicação formal inútil. É provavelmente mais realista pensar que esse facto psíquico não é realmente determinado; é antes substituído por uma constelação de indícios que são tipicamente considerados equivalentes a ele e que representam o verdadeiro objeto da determinação probatória. Em resumo, o facto psíquico interno não existe como objeto de prova e a sua definição normativa é apenas uma formulação elíptica cujo significado se reduz às circunstâncias específicas do caso concreto.”
A prova pode, no entanto, ter também como objeto uma realidade conjetural. Assim, escrevem João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil, I, Lisboa: AAFDL, 2022, p. 468) que “a prova pode ter como referência quer a prognose (como sucede, por exemplo, quando se trata de fixar o montante da pensão de alimentos devida ao alimentando), quer a hipótese (como acontece, por exemplo, quando se procura determinar o que teria sucedido se algo não tivesse sido omitido).”
Mais concretamente, o objeto da prova são os factos pertinente para a decisão do pleito que permanecem controvertidos e, por isso, necessitados de prova (art. 410 do CPC). Seguindo a sistematização de João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual cit., p. 471), são necessitados de prova os factos alegados por uma parte e impugnados pela outra (art. 574/2 do CPC); os factos que, não tendo sido impugnados, não possam ser confessados ou que só possam ser provados por documento escrito (art. 574/2), os factos não impugnados pelo Ministério Público ou por advogado oficioso que represente incapazes, ausentes e incertos (art. 574/4) e ainda os factos que não foram impugnados numa situação de revelia inoperante (arts. 567/1 e 568, b) e d) do CPC). Deste modo, a contrario, não carecem de prova os factos admitidos por acordo por falta de impugnação (art. 574/2) e os que tenham sido confessados por uma das partes (art. 352 do Código Civil). De entre os factos articulados pertinentes, os que falta provar são incluídos nos temas da prova (arts. 591/1, f), e 596/1 do CPC), o que vale por dizer que “o objeto da prova são os factos que constam dos temas da prova (art. 410 do CPC)” (João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, idem). Neste particular importa realçar que, como escreve Lebre de Freitas (A ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 207), o art. 410 do CPC padece de uma incorreção terminológica ao dizer que “a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados e, pleonasticamente, que, só na falta dessa enunciação o seu objeto são os factos necessitados de prova.” E prossegue: “Provam-se factos; não se provam temas.” Os temas da prova constituem apenas quadros de referência, dentro dos quais há que recorrer (…) aos factos alegados pelas partes. Estes factos são, em primeira linha, os factos principais da causa. Mas, com os factos instrumentais se constituindo a via a seguir, de acordo com as regras da experiência para atingir a prova dos factos principais, também eles são objeto de prova (…) Ponto é que os factos instrumentais se situem na cadeia dos factos probatórios que permitem chegar aos factos principais que as partes tenham alegado, ou constituam factos acessórios relativamente a esses.” No mesmo sentido, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, I, Coimbra: Almedina, 2018, p. 622. Na jurisprudência, RG 17.12.2014 (2777/12.1TBBRG.G1).
Neste âmbito, diz o art. 342 do Código Civil que àquele “que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, acrescentando que “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.” Estas regras são sintetizadas no brocardo judex debet judicare secundum allegata et probata, nom secundum constientiam suam, encontrando as seguintes exceções, também de acordo com a síntese de João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual cit., p. 472): factos complementares ou concretizadores que decorram da instrução da causa (art. 5.º/2, b), do CPC); factos probatórios (ou instrumentais) que resultem da instrução da causa (art. 5.º/2, a), do CPC), factos notórios (art. 5.º/2, c), do CPC) e factos de que o tribunal tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções (idem).
Por outro lado, não são objeto de prova razões, argumentos, pontos ou questões de direito. Não se provam, designadamente, regras jurídicas, em relação às quais vale o princípio irua novit curia, que apenas é ressalvado nas situações de invocação de direito consuetudinário, local ao estrangeiro, que a parte que o invocar tem o ónus de provar, sem prejuízo dos poderes sanados do tribunal (art. 348/1 do Código Civil).
***
1).3. É, porém, precipitado afirmar-se, sem mais, que a recusa de um meio de prova constitui uma violação do direito à prova. Por um lado, o procedimento probatório requer um certo formalismo, designadamente a observância de prazos; por outro, o direito é necessariamente limitado pelo respetivo objeto: a prova de factos relevantes que permanecem controvertidos. Neste sentido, são de recusar os requerimentos probatórios que se apresentem como meramente dilatórios, versem sobre factos irrelevantes para a decisão da causa ou que, sendo-o, estejam já provados. A propósito, Michele Taruffo (“Il diritto alla prova cit., p. 73) escreve que “a relevância da prova define e circunscreve exatamente o objeto do direito à prova, que se configura assim como um direito à prova relevante. No mesmo sentido, Isabel Alexandre (Prova Ilícitas em Processo Civil, Coimbra: Almedina, 1998, p. 73) refere que é de “aceitar a existência de elementos intrínsecos do direito à prova que, como qualquer direito, não pode ser concebido como absoluto.”
Para além dos apontados limites intrínsecos, reconhecem-se outros, impostos pela necessidade de tutelar outros direitos, especialmente direitos fundamentais. Estes têm, portanto, de apresentar-se como justificados à luz do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18/2 da Constituição da República, o que sucederá quando se mostrem preenchidos os seguintes requisitos (Isabel Alexandre, Provas Ilícitas cit., p. 75): “a) a necessidade de salvaguardar um interesse público preponderante; b) o respeito pelo princípio da proporcionalidade; c) a manutenção do núcleo intangível do direito à prova.” A propósito, vide TC n.º 681/2006, de 12.12.2006, relatado pelo Conselheiro Paulo Mota Pinto.
Perante isto, compreende-se que se afirme, como em STJ 17.12.2009, 159/07.6TVPRT-D.P1.S1, que, sendo o direito à prova um direito necessariamente instrumental da realização de um outro, substantivo, “uma restrição incomportável da faculdade de apresentação de prova em juízo pode impossibilitar a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.” Deste modo, no dizer de Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, p.190, “os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.”
Em razão deste imperativo constitucional, “a própria interpretação das normas legais infraconstitucionais deverá ser feita por forma a salvaguardar a máxima e efetiva atividade probatória”, conforme se enfatiza no Acórdão desta Relação de 12.10.2023 (100/22.6T8MDR-C.G1), relatado pela Desembargadora Maria João Matos.
***
1).4. Centrando agora a atenção nos referidos limites intrínsecos, conclui-se, como no Acórdão desta Secção de 14.09.2023 (52/20.7T8PVL-A.G1), relatado pelo Desembargador Pedro Maurício, aqui 2.º adjunto, que os meios de prova apresentados ou requeridos pelas partes têm de assumir relevância, ou potencial relevância, para a prova (ou contraprova) dos factos necessitados de prova (art. 410 do CPC) e “só podem e devem ser admitidos os meios de prova que se apresentem como podendo ter relevância/pertinência para o apuramento da verdade material e justa composição do litígio” (art. 411 do CPC).
No dizer de António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, I, Coimbra: Almedina, 2018, p. 482), “pode afirmar-se que um meio de prova será pertinente desde que se pretenda provar com o mesmo um facto relevante para a resolução do litígio, seja de um modo direto, seja por se tratar de um facto constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, seja de um modo indireto, por se tratar de um facto que permite acionar ou impugnar presunções das quais se extraem factos essenciais.”
Deste modo, como se conclui no citado RG 14.09.2023, “a relevância jurídica dos meios de prova constitui uma condição da sua própria pertinência e deve ser verificada em função dos interesses concretos em causa na respetiva ação.
Já não serão admissíveis todos os meios de prova que se apresentem como irrelevantes (impertinentes) para a concreta causa a decidir, ou seja, todos aqueles que, atento o objeto do litígio em causa, se assumem como desnecessários ao apuramento da verdade material porque são insuscetíveis de acrescentar qualquer elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide (não tem um mínimo de influência na decisão), seja porque dizem respeito a factos que já se mostram devidamente comprovados, seja porque respeitam a factos que não constam do elenco a apurar na causa (não integram os factos necessitados de prova).”
Como ali se relembra, também no âmbito da admissibilidade das provas, vigora o princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130 do CPC, do qual decorre que não é lícito realizar no processo atos inúteis. Acrescentamos que este preceito deve ser conjugado com o do art. 6.º/1, do qual resulta que o dever de direção do processo também implica um dever de controlo sobre os pedidos formulados pelas partes, cabendo ao juiz recusar o que for impertinente (por ser irrelevante para a decisão da causa) ou dilatório (por ter apenas uma finalidade protelatória da decisão do processo).
***
2) Isto dito, vejamos a resposta a dar à 1.ª questão.
Está em causa o pedido formulado pela Autora de obtenção, junto da USF, dos documentos relativos ao estado de saúde do testador nos cinco anos que precederam a respetiva morte, facto este ocorrido no dia 9 de julho de 2019. Dito de outra forma, a Autora pretende obter documentos que estão em poder de terceiro, diligência que encontra arrimo no art. 432 do CPC, destinando-se tais documentos a apurar o estado de saúde do testador no período compreendido entre 9 de julho de 2014 e 9 de julho de 2019.
A decisão recorrida restringiu essa pretensão ao período compreendido entre 30 de maio de 2015 e 30 de maio de 2017, coincidente com os dois anos anteriores à outorga do testamento que é impugnado através da ação. A fundamentação é parca. Limita-se a uma frase tabular, sem um conteúdo específico. Permite-nos, porém, compreender que na base do decidido esteve a consideração de que, por um lado, não releva, para a decisão a proferir, o conhecimento do estado de saúde do testador nos períodos compreendidos entre 9 de julho de 2014 a 29 de maio de 2015 e 31 de maio de 2017 a 9 de julho de 2019.
Nas suas alegações de recurso, a Autora demonstra que compreendeu isto, tanto que não invocou qualquer nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação (art. 615/1, b), do CPC). Não obstante, também não fez qualquer esforço para justificar a pertinência das informações relativas ao estado de saúde do testador nos dois períodos de tempo acabados de referir, limitando-se a esgrimir com o direito à prova, como se este fosse um direito absoluto e ilimitado.
Analisadas as afirmações de facto indicadas pela Recorrente no requerimento que deu origem à decisão recorrida, podemos assentar, desde já, que esta, não obstante o seu teor lacónico, se apresenta como correta.
Com efeito, a tese da Autora baseia-se no degradado estado de saúde do testador aquando da outorga do testamento impugnado. É certo que esse estado de saúde não foi atingido no momento preciso em que o ato foi praticado. De acordo com as regras do id quod plerumque accidit, terá resultado de um processo mais ou menos longo que, naturalmente, terá sito acompanhado e registado pelo médico assistente. Simplesmente, foi a própria Autora que, na petição inicial, balizou o início desse processo no verão de 2016. Neste sentido, a Autora chegou mesmo ao ponto de afirmar que o testador, ainda no ano de 2015, em data que não concretizou, outorgou um outro testamento, em seu benefício, no qual “expressou livremente a sua vontade.” Não se vê, por isso, qualquer utilidade em apurar do estado de saúde do testador em momento anterior ao que define o termo inicial do período fixado na decisão recorrida.
O mesmo vale para o período ulterior ao termo final: tendo o ato impugnado ocorrido num preciso momento temporal, são de todo irrelevantes as alterações ao estado de saúde do testador que ocorreram subsequentemente. E se é certo que a Autora, no arrazoado da petição inicial, questionou negócios celebrados pelo testador depois do testamento, não o é menos que não formulou, quanto a eles, qualquer pedido, o que torna aquela alegação inócua.
Assim, sem necessidade de outras considerações, a resposta à primeira questão é negativa: a diligência probatória requerida não tem, na parte em que foi recusada pelo Tribunal a quo, qualquer pertinência para a decisão da causa.
***
3).1. Vejamos a segunda questão, começando por lembrar que a decisão recorrida deferiu o pedido de prestação de depoimento de parte aos factos indicados pela Autora que sejam “pessoais, controvertidos e suscetíveis de confissão”, indeferindo-o quanto aos “que não são pessoais e que contêm matéria conclusiva.” Não houve nela, porém, o cuidado de fundamentar a cisão, como não houve o cuidado de discriminar os factos em relação aos quais os depoimentos foram admitidos e aqueles em relação aos quais foram indeferidos, o que faz com que a decisão recorrida seja verdadeiramente ininteligível, como escreve a Autora na Conclusão 6.ª.
A nulidade decorrente dessa ininteligibilidade (art. 615/1, c)) não foi sanada no despacho de admissão do recurso (art. 617/1 do CPC) e, assim sendo, terá este Tribunal ad quem de se substituir ao Tribunal de 1.ª instância, nos termos previstos no art. 635/1.
É esta a tarefa que vamos levar a cabo de seguida, começando por salientar, em relação a ela, que: (i)) daqui não resulta qualquer preterição do contraditório: a questão colocada à apreciação faz parte do objeto do recurso, definido pela Recorrente e sobre o qual os Recorridos puderam pronunciar-se na resposta, pelo que não se coloca em relação a ela a necessidade de um novo contraditório, nem se pode falar nunca em decisão-surpresa (art. 3.º/3 do CPC); (ii)) não resulta, também, qualquer preterição do duplo grau de jurisdição: conforme escreve Miguel Teixeira de Sousa (“Nulidade da sentença; regra da substituição – Jurisprudência 2019 (83)”, Blog do IPPC [4.11.2023], “a garantia do duplo grau de jurisdição vale para cima, não para baixo. Quer isto dizer que a consagração do duplo grau de jurisdição visa assegurar que uma decisão possa ser apreciada por um tribunal superior, não que o tribunal superior tenha de fazer baixar o processo ao tribunal inferior para que este o aprecie e para que, depois, o processo lhe seja remetido em recurso para nova apreciação.” Acrescentamos que já no preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12.12, se afirmava expressamente a opção do legislador pela supressão de um grau de jurisdição, a qual seria, no seu entendimento largamente compensada pelos ganhos em termos de celeridade na apreciação das questões controvertidas pelo tribunal ad quem.
***
3).2. O CPC regula o depoimento de parte na Secção que se inicia com o art. 452, logo revelando, no respetivo título, a íntima relação entre o depoimento de parte e a confissão. Parece assim, haver um consenso generalizado no sentido de que o depoimento de parte é o modo processual (modo de prova) de obter a confissão (meio de prova). Assim, Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1985, p. 589, J.P. Remédio Marques, “A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos, Julgar, n.º 6, jan.-abr. e 2012, p, 138, Lebre de Freitas, A confissão no Direito Probatório, Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 245, nota 18; Paulo Ramos de Faria / Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I, Coimbra: Almedina, 2013, p. 363. Na jurisprudência, RE 13.12.2011 (2112/09.6TBSTB-A.E1). Dito de outra forma, o depoimento de parte está funcionalizado ao meio de prova (confissão) que por ele se visa obter (Estrela Chaby, O Depoimento de Parte em Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, pp. 18-19). Sem prejuízo, como nota, Rui Pinto (Código cit., p. 661), “a intervenção oral da parte não pode ser dividida na sua economia pelo que pode afirmar a realidade de factos que tanto lhe podem ser favoráveis, como desfavoráveis, quanto à relação com os fundamentos da pretensão processual a que se refere o depoimento. Portanto, não se pode confundir depoimento de parte com confissão.” Deste modo, o depoimento de parte é mais abrangente que a confissão: pode haver depoimento de parte sem haver confissão, o que sucede na maior parte dos casos, em que o depoente nega os factos que lhe são desfavoráveis e afirma os que lhe são favoráveis. Por outro lado, o depoimento de parte pode levar o juiz à convicção da realidade de um facto desfavorável ao depoente e favorável à parte contrária, mas sem que se possa atribuir-lhe eficácia confessória específica. Será então um mero meio probatório a apreciar livremente, nos termos art. 361 do Código Civil. A propósito, na jurisprudência, STJ 4.06.2015 (3852/09.5TJVNF.G1.S1), onde se escreve que “[o] depoimento de parte pode servir de elemento de prova, quer integre confissão, quer não integre”, e RC 13.11.2012 (470/11.1T2ILH.C1), onde se escreve que “[o] depoimento de parte que não redunde em confissão, por respeitar apenas a factos favoráveis ao depoente, pode ser livremente apreciado pelo tribunal, constituindo um simples elemento probatório a atender segundo o prudente critério do julgador.”
A confissão, como se sabe, “é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (art. 352 do Código Civil).
São factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária aqueles que, considerada a matéria controvertida e o teor da contestação, são em concreto idóneos a produzir consequências jurídicas desvantajosas para ele e, simultaneamente, vantajosas para a parte que o requer.
Por outro lado, a confissão obtida em sede de depoimento de parte, que se pode chamar de confissão judicial provocada (Estrela Chaby, O Depoimento cit., p. 17), distingue-se quer da confissão extrajudicial (art. 356/2, parte final, do Código Civil), quer da confissão que espontaneamente é feita pela parte no processo, designadamente nos respetivos articulados ou em termos (arts. 46 e 160 do CPC), quer ainda da confissão em sede de prestação de esclarecimentos e em declarações de parte. Trata-se de uma confissão que é feita oralmente pela própria parte perante o juiz, submetida a um especial formalismo. Deve ser reduzida a escrito para produzir efeitos qua tale (art. 463/1 do CPC), dotada de força probatória plena, pois tal formalidade é imposta pelo art. 358/1 do Código Civil.
***
3).3. Como resulta do que escrevemos em 1), o depoimento de parte tem, pela sua finalidade, de recair sobre factos relevantes para a decisão da causa que permaneçam controvertidos e em relação aos quais não seja excluída a prova por confissão. Tem, portanto, um carácter factual, conforme é expressamente referido no art. 452 do CPC. Dito de outra forma, recai sobre factos – ou, com mais rigor, afirmações de factos –, que devem ser indicados pelo respetivo requerente e não sobre os denominados temas da prova, como foi enfatizado no Acórdão desta Relação de 24.03.2023, proferido na presente ação, relatado pela Desembargadora Maria Amália Santos.
O que importa demonstrar no processo são, como frisámos, factos e não conclusões, juízos valorativos ou asserções de natureza jurídica. Há, por isso, que evitar que o depoimento de parte resvale para questões que não são puramente factuais. Na vigência do CPC de 1961, a questão era mais facilmente solucionada: contando que a base instrutória fosse corretamente elaborada, contendo apenas matéria de facto (art. 511/1 do CPC de 1961), o interrogatório da parte decorreria apenas sobre factos. Atualmente, em que a remissão do objeto do depoimento é feita para os articulados das partes, nos quais se misturam, as mais das vezes, factos com juízos valorativos e mesmo conceitos de direito, a tarefa é mais complexa e exigente para as partes, no momento da proposição, e para o juiz, no momento da admissão. Convém que seja levada a cabo de forma cuidadosa, precisamente para que o referido objetivo possa ser alcançado e a audiência de discussão e julgamento decorra sem percalços, o que passa por evitar fundamentos de oposição (art. 462/2 do CPC) e, sobretudo, de reclamação quanto à eventual redução a escrito de respostas não factuais (art. 463/2 do CPC).
Cremos ter sido esta a intenção do Tribunal a quo com a prolação do despacho recorrido, o qual, pelo seu escasso conteúdo, se mostra, porém, inapto para aquela finalidade, tendo servido apenas para o aumento da complexidade da ação com a interposição de um recurso que poderia ter sido obviado com um pouco mais de cuidado.
***
3).4. Prosseguindo com a tarefa a que nos propusemos, cumpre agora dizer, na senda do que escrevemos, que dentro das restrições que se prendem com a funcionalização do procedimento probatório à obtenção de confissão, ressalta a questão dos direitos indisponíveis. Compõem, igualmente, este grupo os factos cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba, os factos impossíveis ou notoriamente inexistentes, os factos para cuja prova a lei declare ser insuficiente a confissão (art. 354 do Código Civil), com o que e procura salvaguardar, na síntese de Estrela Chaby (O Depoimento cit., p. 92), “por um lado, a seriedade da confissão e, por outro, valores que se sobrepõem à procura da verdade material.”
Não se colocando, todavia, esta questão no presente recurso, a análise a que vamos proceder vai ser limitada à questão de saber quais dos artigos dos articulados indicados pela Autora contêm factos pessoais e quais os que apenas contêm, no dizer da decisão recorrida, factos que não são pessoais e quais os que contêm matéria conclusiva.
***
3).5. Antes de prosseguirmos com a análise ponto por ponto, que se impunha tivesse sido feita pela 1.ª instância, impõe-se notar que não são apenas as regras relativas à inadmissibilidade da confissão que restringem o conteúdo do depoimento de parte; deve ainda ter-se presente o disposto no art. 454/1 do CPC, donde resulta que “[o] depoimento só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.”
Para Rodrigues Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, III, Lisboa: [s.n.], 2001, p. 111), esta limitação é desprovida de sentido, por não haver razão que justifique “coartar à parte a faculdade de reconhecer como verdadeiros quaisquer factos que lhe sejam desfavoráveis, quer devesse ou não conhecê-los.” De acordo com Estrela Chaby (Depoimento cit., pp. 98-99), a exigência em causa “convoca o carácter de declaração de ciência do conteúdo do depoimento, ou seja, de estar em causa o aproveitamento do saber da parte acerca dos factos, pretendendo-se reportar o depoimento a um tal saber.” A Autora sugere alguma maleabilidade na interpretação da expressão legal, fazendo-se equivaler obrigação (“deva ter conhecimento”) a probabilidade, o que encontra apoio no ensinamento de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, IV, 3.ª ed., reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 1981, p, 93) que escreve: “saber se o facto é de molde a dever ser conhecido do depoente, é afirmação confiada ao prudente arbítrio do juiz; este atenderá à natureza do facto e às circunstâncias em que se produziu para concluir se deverá considerar-se do conhecimento do depoente.” No mesmo sentido, Antunes Varela et. al (Manual cit., p. 568) e Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (Código cit., p. 291), escrevendo os últimos que “[f]acto de que a parte deve ter conhecimento é aquele que é de presumir que ela tenha conhecido, pois o deve do artigo tem o sentido de juízo de probabilidade psicológica e não o de conduta ética.”
***
3).6. Prosseguindo, vamos verificar quais são as afirmações indicadas no requerimento da Autora sobre que recaiu a decisão recorrida que contêm natureza essencialmente factual. De Seguida, vamos apurar, de entre elas, as que admitem prova por confissão e as que respeitam a factos pessoais ou do conhecimento pessoal de cada um dos Réus que se pretende preste depoimento.
Assim, centrando o foco naquele requerimento, podemos assentar que têm um carácter factual e encontram respaldo nos temas da prova as afirmações contidas nos artigos da petição inicial que se enumeram: 20, 21, 22, 23, 2.ª parte (a partir de “num estado de absoluta dependência…”), 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46 (até “neto KK”) , 47, 48, 49, 50, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 74, 75, 76, 77, 78, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 96, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 114, 115, 117, ...20, 2.ª parte, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 139, 142, 144, 145, parte final, 146, 154, 155, 156, 158, 159, 160, 162, 163, 166, 167, 168, 169, 171, a partir de “está cego…”, 173, 174, 178, 180, 182, 183, 184, 185, 186, 190, 191, 192, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 231, 232, 235, 236, 237, 241, 242, 243, 244, 247, 248. O mesmo juízo deve ser feito em relação aos factos alegados nos arts. 6, 7, 8, 9, 10, 11 (a partir de “tendo-se tornado dependente”), 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 50 (apenas no segmento “à data do óbito estaria a tomar trazodona”), 51 (a partir de “o de cujus (…)), 52, 53, 54, 55, 56, 59, 60, 61, 65, 66, 67, 68, 70, 71, 79, 80, 81, 84, 85, 87, 88, 90, 91, 92, 93, 97 da contestação do Réu HH, que, grosso modo, com aqueles coincidem.
Contêm natureza conclusiva as afirmações contidas nos seguintes artigos da petição inicial: 23, 1.ª parte (até “… livre e consciente”), 51, 52, 62, 170, 175, 226 e 233. Contêm também natureza conclusiva as afirmações contidas nos seguintes artigos da contestação do Réu HH: 11 (1.ª parte), 50 (a partir de “trazodona”) e 98.
Contêm afirmações valorativas e de natureza jurídica as afirmações contidas nos seguintes artigos: da petição inicial, 207, 208, 209, 210, 211, 212, 213 e 214; da contestação do Réu HH, 72, 75 e 97 (a partir de “o que sucedeu”).
Finalmente, contêm a afirmação de factos que apenas podem ser provados documentalmente os seguintes artigos: da petição inicial, 46, parte final, 48, 97, 117, 118, 120, parte final (a partir de “intenta”), 171, 1.ª parte (até “em 30 de maio de 2017”) e 202; da contestação do Réu HH, 70, 71 e 90.
Pelas razões indicadas, as afirmações discriminadas nos três §§ anteriores não podem ser objeto dos depoimentos de parte.
Dito isto, avançamos para a 2.ª parte da tarefa a que nos propusemos.
1.º Considerando as relações que, segundo vem exposto na petição inicial, existiam entre o testador e cada um dos Réus – de parentesco com os Réus FF, GG e HH; de namoro com a Ré DD; de convivência com a Ré EE – é provável que todos eles tivessem conhecimento dos factos alegados nos arts. 21, 23, parte final, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 39, 41, 42, 43, 47, 49, 50, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 74, 75, 76, 77, 78, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 96, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 114, 115, 119, 121, 122, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 139, 142, 144, 145, 146, 162, 163, 166, 167, 168, 169, 171, parte final, 173, 174, 178, 180, 182, 183, 184, 185, 186, 190, 191, 192, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 232, 235, 236, 237, 241, 242, 243, 244, 247 e 248, todos da petição inicial, bem como nos artigos 6, 7, 8, 9, 10, 11 (a partir de “tendo-se tornado dependente”), 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 50 (apenas no segmento “à data do óbito estaria a tomar trazodona”), 51 (a partir de “o de cujus (…)), 52, 53, 54, 55, 56, 59, 60, 61, 65, 66, 67, 68, 79, 80, 81, 84, 85, 87, 88, 91, 92, 93, 97 da contestação do Réu HH.
Devem, assim, todos os Réus ser admitidos a depor sobre tais factos.
2.º Já quanto aos factos dos artigos que das alíneas seguintes, afigura-se-nos que, pela sua natureza, apenas é provável que deles tenham conhecimento os Réus que, a propósito, se indicam:
a) Artigos 20, 22, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 44, 45, 46, 123, 124, em relação aos quais se afigura provável o conhecimento por parte das Rés DD e EE;
b) Artigo 135, em relação ao qual apenas se afigura como provável o conhecimento por parte da Ré EE;
c) Artigos 136, 137, 154, 155, 156, 158, 159, 160 e 161, em relação aos quais apenas se afigura como provável o conhecimento da Ré DD.
d) Art. 231, em relação é de excluir a probabilidade de conhecimento por parte do Réu HH.
3.º Finalmente, no art. 98 está alegado um facto que é do foro interno da Autora, pelo que se afigura que é de excluir o conhecimento dele por parte dos Réus.
***
3).7. Em síntese, os depoimentos de parte devem versar sobre os seguintes factos:
a) Dos Réus DD, EE, FF, GG e HH:
Factos alegados nos seguintes arts. da petição inicial: 21, 23, parte final, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 39, 41, 42, 43, 47, 49, 50, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 74, 75, 76, 77, 78, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 96, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 114, 115, 119, 121, 122, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 139, 142, 144, 145, 146, 162, 163, 166, 167, 168, 169, 171, parte final, 173, 174, 178, 180, 182, 183, 184, 185, 186, 190, 191, 192, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 232, 235, 236, 237, 241, 242, 243, 244, 247 e 248;
Factos alegados nos seguintes artigos da contestação do Réu HH: 6, 7, 8, 9, 10, 11 (a partir de “tendo-se tornado dependente”), 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 50 (apenas no segmento “à data do óbito estaria a tomar trazodona”), 51 (a partir de “o de cujus (…)), 52, 53, 54, 55, 56, 59, 60, 61, 65, 66, 67, 68, 79, 80, 81, 84, 85, 87, 88, 91, 92, 93, 97
b) Dos Réus DD, EE, FF e GG:
Facto alegado no art. 231 da petição inicial;
c) Das Rés DD e EE:
Factos alegados nos seguintes artigos da petição inicial: 20, 22, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 44, 45, 46, 123, 124;
d) Da Ré EE:
Factos alegado no art. 135 da petição inicial;
e) Da Ré DD:
Factos alegados nos seguintes artigos da petição inicial: 136, 137, 154, 155, 156, 158, 159, 160 e 161.
A resposta à segunda questão é, portanto, parcialmente afirmativa, devendo os depoimentos de parte recair sobre os factos acabados de discriminar, com a consequente procedência do recurso na parte correspondente.
***
4) Não havendo norma que preveja isenção (art. 4.º/2 do RCP), o presente recurso está sujeito a custas. A responsabilidade pelo seu pagamento deve ser fixada nesta sede: art. 607/6, ex vi do art. 663/2.
No art. 527/1 diz-se que “[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art. 529/1).
A primeira corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa (art. 529/2) nos termos do Regulamento das Custas Processuais (RCP) (arts.  5.º a 7.º, 11.º, 13.º a 15.º e as tabelas I e II anexas). Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do ato de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais como a ação, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso (Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 6.ª edição, Coimbra: Almedina, 2017, p. 14).
Os encargos são as despesas resultantes da condução do processo correspondentes às diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz (art.  529/3), estando o seu regime previsto nos arts. 16 a 20, 23 e 24 do aludido RCP.
As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária nos termos do RCP, essencialmente dos seus arts. 25, 26 e 30 a 33 (art. 530/4).
Dos referidos arts. 527/1 e 2 e 607/6 resulta que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito. Já no que respeita à taxa de justiça, a responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do impulso processual.
De facto, entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
No dizer de Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, (Código de Processo Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, p. 419, “[d]á causa à ação, incidente ou recurso quem perde. Quanto à ação, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento.”
O princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas. Tal condenação apenas envolve, todavia, as custas de parte e, em alguns casos, os encargos. Assim deve suceder mesmo que essa parte não tenha contra-alegado. Com efeito, não existe, atualmente, norma semelhante à que estava prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º do revogado Código das Custas Judiciais no âmbito do recurso de agravo, segundo a qual eram isentos de custas os agravados que, não tendo dado causa ou expressamente aderido à decisão recorrida, a não acompanhassem. Esta norma, então aplicável ao recurso de agravo, e não ao de apelação, não passou para o atual Regulamento das Custas Processuais, conforme decorre do seu art. 4.º. Sobre a questão, vide Salvador da Costa, “Não condenação no pagamento de custas no recurso por virtude de não ter dado causa, aderido ou acompanhado a decisão recorrida proferida em matéria processual”, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2019/01/ [14.09.2023]
No caso, procedendo o recurso apenas de forma parcial, e verificando-se que não foram apresentadas contra-alegações por nenhum dos Réus, as custas devem ficar a cargo da Autora, uma vez que numa parte ficou vencido e que, na outra, foi ela que tirou proveito.
***
V.
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o presente coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

- Declarar a nulidade da decisão recorrida, por ininteligibilidade, ut art. 615/1, c), do CPC, no que tange à pronúncia sobre os depoimentos de parte dos Réus requeridos pela Autora;
- Em substituição do Tribunal a quo, admitir os depoimentos de parte dos Réus às afirmações (de facto) discriminadas no ponto 3).7 da Parte IV. deste Acórdão, com referência a cada um deles, indeferindo-os quanto às demais afirmações indicadas pela Autora;
- No mais, manter a decisão recorrida;
- Condenar a Autora no pagamento das custas do recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Notifique.
*
Guimarães, 23 de novembro de 2023

Os Juízes Desembargadores,
Gonçalo Oliveira Magalhães (Relator)
Fernando Manuel Barroso Cabanelas (1.º Adjunto)
Pedro Maurício (2.º Adjunto)