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INVENTÁRIO
PARTILHA DE BENS DO DISSOLVIDO CASAL
MERA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
MAPA DE PARTILHA
ELIMINAÇÃO DE QUOTA SOCIAL DO MAPA
Sumário
I - A mera declaração de insolvência de uma sociedade não tem como efeito imediato e automático a sua extinção e nada permite concluir sobre o seu concreto destino. II - Por isso, a mera declaração de insolvência da sociedade não pode ter como consequência a eliminação da respetiva quota social do mapa de partilha elaborado no âmbito do processo de inventário.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
RELATÓRIO
Nos presentes autos de inventário para partilha dos bens do dissolvido casal formado por AA e BB foi apresentada relação de bens final, reformulada e retificada, na qual foi relacionada como verba nº 2 uma quota no valor de € 1 250,00 na sociedade EMP01..., Lda. (requerimento de 6.2.2020, ref. Citius ...43).
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Na conferência de interessados, que teve lugar em 13.10.2020, a identificada verba nº 2 foi licitada pela interessada BB pelo valor de € 8 250,00
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Em 9.12.2020 foi proferido despacho (ref. Citius ...86) determinativo da forma de partilha e, em 1.9.2022, foi elaborado o mapa de partilha (ref. Citius ...62), o qual foi posto em reclamação na sequência do despacho de 8.9.2022 (ref. Citius ...05).
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Em 26.9.2022, BB veio apresentar requerimento (ref. Citius ...72) no qual reclamou do mapa de partilha alegando que a verba nº 2 do ativo deveria ser eliminada porquanto a sociedade EMP01..., Lda. foi declarada insolvente, por sentença proferida em 18.11.2021 no processo nº 1917/21..., devidamente transitada em julgado, conforme certidão que posteriormente juntou aos autos (requerimento de 9.11.2022, ref. Citius ...89).
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Em 14.12.2022 foi proferido despacho (ref. Citius ...60) que, com fundamento na declaração de insolvência da sociedade EMP01..., Lda., por sentença proferida em 18.11.2021 e transitada em julgado, determinou a eliminação da verba nº 2 da relação de bens e a consequente retificação do mapa de partilha.
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Em 6.3.2023 foi elaborado novo mapa de partilha (ref. Citius ...43) em conformidade com o determinado no despacho de 14.12.2022.
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O interessado AA reclamou do mapa (requerimento de 20.3.2023, ref. Citius ...83), alegando que não deveria ter sido eliminada a verba nº 2, e a interessada BB respondeu (requerimento de 29.3.2023, ref. Citius ...95) pronunciando-se no sentido de que a reclamação apresentada deveria ser indeferida e se deveria manter o mapa de partilha retificado em conformidade com o despacho de 14.12.2022, com a eliminação da verba nº 2.
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Em 4.5.2023 foi proferido despacho (ref. Citius ...82) que indeferiu a pretensão do interessado AA no sentido de ser mantida a verba nº 2 e homologou a partilha efetuada de acordo com o mapa de partilha de 6.3.2023.
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O interessado AA não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. Na conferência de interessados de 19/10/2020, a verba n.º 2 da relação de bens (quota de sociedade) foi licitada pela recorrida, pelo valor de 8.250,00€, e existia à data, tendo silo elaborado mapa de partilha em 01/09/2022, de acordo com as conferências de interessados. 2. Entretanto, foi declarada a insolvência da sociedade EMP01..., Lda e, ordenada a eliminação da verba nº 2 do activo. 3. No novo Mapa de partilha, de 06/03/2023, foi eliminada aquela verba, o que se traduziu num aumento de (8.250,00€/2) 4.125,00€ do valor a pagar de tornas pelo cabeça de casal à requerida. 4. O mapa de partilha não pode, s.d.r. e s.m.o, ser alterado, como foi, em prejuízo do cabeça de casal e em desrespeito pelas licitações de 19/10/2020 (artigo 1375º n.º 1 do CPC), que previam a existência dos bens ao tempo. 5. No momento em que a recorrida licitou, a quota existia e fazia parte do património comum, e, por isso, está sujeita a partilha, devendo o seu valor integrar o acervo do património comum, como foi inicialmente determinado. 6. O Tribunal errou na interpretação e aplicação que fez dos art. 1370º, 1371º, 1373º, 1374º 1375º do CPC (em vigor ao tempo).”
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e seja proferida decisão que homologue o mapa de partilha de 01.09.2022.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foram colhidos os vistos legais.
OBJETO DO RECURSO
Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Neste enquadramento, a questão a decidir consiste em saber se, na sequência da declaração de insolvência da sociedade EMP01..., Lda., por sentença proferida em 18.11.2021 e transitada em julgado, deveria ter sido eliminada da relação de bens a verba nº 2 correspondente a uma quota social dessa sociedade.
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos relevantes para a decisão a proferir são os que se encontram descritos no relatório supra e resultam da consulta dos atos processuais praticados nos autos.
FUNDAMENTOS DE DIREITO
Conforme já atrás se deixou enunciado, a questão a decidir no presente recurso consiste em saber se deveria ter sido eliminada da relação de bens a verba nº 2 correspondente a uma quota social da sociedade EMP01..., Lda.
A decisão recorrida considerou que tal verba deveria ser eliminada da relação porque a sociedade em questão foi declarada insolvente por sentença proferida em 18.11.2021 e transitada em julgado.
Esta decisão assenta no pressuposto de que a quota deixou de existir com a declaração de insolvência da sociedade, o que justificaria a sua eliminação da relação de bens e a consequente retificação do mapa de partilha em conformidade.
Porém, este pressuposto não se verifica, pois a sociedade não se extingue de forma automática e imediata por efeito da declaração da sua insolvência.
No que concerne aos efeitos da declaração de insolvência regem os arts. 81º e ss do CIRE (diploma ao qual pertencem as normas subsequentemente citadas sem menção de diferente origem).
Desde logo, e no que respeita aos efeitos sobre o devedor, a regra principal é a consagrada no art. 81º, nº 1, segundo o qual, e ressalvado o disposto no Título X relativo aos casos em que a massa insolvente pode ser administrada pelo devedor, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência. Assim, por via da declaração de insolvência, ocorre a transferência dos poderes de administração e disposição do devedor para o administrador da insolvência, o qual assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, nos termos do art. 81º, nº 4, com ressalva das situações elencadas no nº 5 do mesmo artigo.
Na sequência da declaração de insolvência, o devedor não se extingue e os seus órgãos sociais mantêm-se em funcionamento, embora os seus titulares não sejam remunerados, salvo no caso previsto no art. 227º (art. 82º, nº 1),
Das normas dos arts. 81º e ss não resulta a extinção da sociedade insolvente como efeito decorrente da declaração de insolvência.
Por seu turno, decorre do disposto no art. 141º, nº 1, al. e), do CSC, que a sociedade se dissolve pela declaração de insolvência quando decidida a sua liquidação e, de acordo com o art. 146º, nº 1, do CSC, salvo quando a lei disponha de forma diversa, a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, nos termos dos artigos 147º e ss do capítulo XIII, aplicando-se ainda, nos casos de insolvência e nos casos expressamente previstos na lei de liquidação judicial, o disposto nas respetivas leis de processo.
Acresce ainda que, como estatuído no nº 2 do art. 146º do CSC, a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.
Pode suceder que uma sociedade seja declarada insolvente e não se decida pela sua liquidação, sendo antes aprovado um plano de insolvência que preveja a continuidade da sociedade, caso em que esta retomará a sua atividade, independentemente de deliberação dos sócios, como previsto no nº 1 do art. 234º.
E pode ainda suceder que os sócios deliberem a retoma da atividade da sociedade se o encerramento do processo se fundar na alínea c) do n.º 1 do artigo 230.º
Não sendo caso de retoma da atividade, a sociedade considerar-se-á extinta com o registo do encerramento do processo após o rateio final, conforme disposto no nº 3 do art. 234º.
Porém, se o processo tiver sido encerrado por insuficiência da massa insolvente, a liquidação da sociedade prosseguirá nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais.
Por conseguinte, e conforme se acaba de explanar, a mera declaração de insolvência de uma sociedade não tem como efeito a sua extinção e nada permite concluir sobre o seu concreto destino.
Transpondo estas considerações para o caso sub judice chega-se à ilação de que da declaração de insolvência da sociedade EMP01..., Lda. não decorre de forma direta e automática a sua extinção e a consequente extinção da respetiva quota social.
O que significa que a decisão recorrida não podia ter determinado a eliminação da verba nº 2 correspondente à quota social dessa sociedade com base apenas no facto de a sociedade ter sido declarada insolvente.
Assim, o recurso tem que ser julgado procedente e a decisão proferida em 14.12.2022 tem que ser revogada, devendo a verba nº 2 manter-se relacionada e integrar o mapa de partilha realizado em 1.9.2022.
O que implica que quer o mapa de partilha elaborado em 6.3.2023 quer a subsequente decisão que o homologou também não podem subsistir, tendo de ser proferida decisão que homologue a partilha decorrente do mapa de 1.9.2022.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado procedente, é a interessada BB responsável pelo pagamento das custas pois, embora não tenha apresentado contra-alegações, pugnou pelo indeferimento da pretensão do recorrente que teve agora acolhimento, sendo, por isso, de considerar parte vencida em conformidade com a disposição legal citada.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência,
A) revogam a decisão de 14.12.2022 (ref. Citius ...60), com a consequente eliminação do mapa de partilha de 6.3.2023 elaborado com base nessa decisão, bem como a subsequente sentença homologatória;
B) decidem que a verba nº 2 se deve manter na relação de bens e no mapa de partilha elaborado em 1.9.2022;
C) homologam a partilha operada no inventário para partilha de bens comuns pertencentes ao dissolvido casal formado por AA e BB, preenchendo-se a meação de cada um nos termos constantes do mapa de partilha elaborado em 1.9.2022.
Custas da apelação pela interessada BB.
Notifique.
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):
I - A mera declaração de insolvência de uma sociedade não tem como efeito imediato e automático a sua extinção e nada permite concluir sobre o seu concreto destino.
II - Por isso, a mera declaração de insolvência da sociedade não pode ter como consequência a eliminação da respetiva quota social do mapa de partilha elaborado no âmbito do processo de inventário.
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Guimarães, 23 de novembro de 2023
(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) José Alberto Martins Moreira Dias
(2º/ª Adjunto/a) Fernando Manuel Barroso Cabanelas