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COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAIS JUDICIAIS E TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
RECONHECIMENTO DE PROPRIEDADE - ART. 15º DA LEI Nº 54/2005
DE 15/11
Sumário
I - É entendimento jurisprudencial pacífico que a competência dos tribunais em razão da matéria (ou jurisdição) afere-se em função da relação material controvertida, ou seja, em função dos termos em que é formulada a pretensão do autor, incluindo os seus fundamentos (isto é, pela causa de pedir, enquanto facto jurídico concreto devidamente explicitado, segundo a teoria da substanciação, que rejeita afirmações vagas e não factualmente concretizadas), sendo que os fundamentos (objecções) de facto e ou de direito opostos pelo réu em sede de contestação relevam apenas para o mérito da causa, mas não para efeitos de aferição da competência material do Tribunal. II - Perante a pretensão formulada pela Autora/Recorrente e os respectivos fundamentos aduzidos, estamos perante uma acção em que um particular (no caso uma sociedade comercial) pretende ver reconhecida a sua propriedade privada sobre prédios que, alegadamente, incluem leitos ou margens das águas navegáveis ou flutuáveis (...), a qual, por força do disposto no art. 15º/1 da Lei nº54/2005, de 15/11, é da competência material dos Tribunais Judiciais e não dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Texto Integral
ACORDAMOS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
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1. RELATÓRIO
1.1. Da Decisão Impugnada
A Autora EMP01... LDA veio, nos termos e para os efeitos do artigo 15º da Lei nº54/2005, de 15 de novembro, propor ação de reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens de águas navegáveis ou flutuáveis, contra o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, pedindo que se «julgue procedente a presente ação e, em consequência, reconhecer a propriedade privada dos prédios supra elencados, bem como a sua qualidade de proprietária dos mesmos, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º, n.º 5, al. a) da Lei 54/2005, de e 15 de novembro».
Fundamentou a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «a Autora é uma sociedade comercial que se dedica à exploração, produção e comercialização de propriedades, produtos agrícolas, frutícolas e de origem animal; no âmbito da sua atividade, a Autora detém explorações agrícolas no concelho ..., dedicadas, sobretudo, à produção de kiwis; nesse contexto, a Autora é proprietária de 52 prédios rústicos, identificados pelo seu número do artigo matricial, todos no concelho ..., mais concretamente nas freguesias de ... e União das Freguesias ..., ... e ..., cuja área total corresponde sensivelmente a 22 hectares, os quais, ao longo da sua extensão, são contíguos ao ...; todos estes prédios foram constituídos por força de uma operação de emparcelamento, autorizada no ano de 1996, através da Resolução do Conselho de Ministros nº167/96, proferida ao abrigo do Dec.-Lei nº103/90, de 22/03, operação essa que se foi efetivando ao longo do início da década de 2000, à medida que foram sendo lavrados os competentes autos pela ... (entretanto substituída pelo ...) e inscritos na matriz os novos prédios; os prédios da Autora inserem-se totalmente na área prevista no projecto de emparcelamento; esta circunstância e a localização dos prédios em zona contígua (em parte mesmo marginal) do ..., constituem a motivação da Autora para a propositura da presente acção); não deixou a Autora de procurar elementos de prova documental de que os seus prédios eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864, tendo-se mantido na esfera particular até aos dias de hoje, mas através da consulta de diversas entidades foi possível apurar que é impossível reconstituir qualquer histórico ou “trato sucessivo” dos prédios porque, por força da operação de emparcelamento, não existe qualquer correspondência entre os prédios atuais e os anteriormente existentes; ainda que a Autora lograsse efetuar a correspondência entre os seus prédios e os existentes antes do emparcelamento, ainda lhe caberia identificar e localizar os proprietários de cada um dos prédios, para depois lhes solicitar a prova documental exigida pela Lei 54/2005, quando estes se encontram em nome de heranças indivisas, ou então nem estão regularmente registados; mas a propriedade da Autora sempre haverá que ser reconhecida com apelo à alínea a) do nº5 do artigo 15º, atendendo à desafetação do domínio público dos prédios, assumida na sobredita operação de emparcelamento; chamado a pronunciar-se sobre a titularidade dos terrenos abrangidos pela proposta de emparcelamento, entendeu o Estado Português que os mesmos se encontravam no domínio privado, permitindo inclusivamente o seu emparcelamento e não tendo feito qualquer ressalva ao domínio público hídrico e que inexiste qualquer utilidade pública a salvaguardar, prevalecendo o interesse dos particulares (com reflexos gerais na comunidade, claro está), de desenvolver no local os seus projetos agrícolas; através da Resolução do Conselho de Ministros nº167/96, operou-se uma desafetação do domínio público dos referidos terrenos, até porque a sua dominialidade, à data, resultava já do Dec.-Lei nº468/71, de 05/11; apesar de não ter dúvidas da propriedade privada dos prédios, a Autora interpõe a presente ação porque, no contexto dos seus projetos agrícolas candidata-se frequentemente a fundos europeus, no seio dos quais é habitualmente solicitado parecer prévio à APA, tendo já sido confrontada com um parecer desfavorável desta entidade precisamente com fundamento na suposta dominialidade dos terrenos, nos termos da Lei 54/2005, daí resultando um forte constrangimento à sua atividade, bem como às
potencialidades agrícolas dos seus prédios».
Citado, o Réu contestou, pugnando pela «procedência da exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria do Juízo de Competência Genérica ..., para conhecer do pedido formulado pelo Autor e, em consequência, absolvidos o Réu da instância» ou, caso assim não se entenda, pela «não procedência da acção, na ausência de prova dos factos alegados, com absolvição do R.-Estado».
Fundamentou a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «no caso concreto discute-se essencialmente, conforme articulado na petição, a legalidade de actos provenientes do poder Executivo, no caso do Conselho de Ministros, através da Resolução nº167/96 que operou a desafectação do domínio público hídrico das parcelas e terrenos mencionados na petição e com as particularidades que se apontam em sede de impugnação, ou seja, um acto administrativo; a alegação efectuada na petição aponta no sentido de se verificar uma incompatibilidade de decisões proferidas em confronto com tal Resolução do Conselho de Ministros que não tem valor de lei, estritamente, uma vez que se configura como acto administrativo; a intransigência de um organismo do Estado, no caso a APA, dependente do Ministério respectivo, em acolher a decisão proveniente daquela Resolução, por encontrar na mesma uma incompatibilidade legal, decorrente da Lei 54/2005, coloca em crise a estabilidade de actos da Administração Pública, ao impedir a consideração como desafectados os terrenos em causa, desrespeitando por isso o conteúdo do acto administrativo decorrente da Resolução do Conselho de Ministros; tal intransigência administrativa constitui escolho que configura um litígio entre actos administrativos e normas legais, ambos provenientes de poderes públicos, exclusivamente e por isso encontra eco naquelas alíneas do artº 4º nº1 do ETAF , de molde a remeter a competência material para o conhecimento dos mesmos à jurisdição administrativa; os tribunais administrativos são os competentes para apreciar o litígio dos autos, ao abrigo do artigo 4, nº1 b) c) e d) do ETAF; não se aceita o facto articulado no sentido de tais prédios, quantificados em 52, pertencerem todos ao domínio de emparcelamento; os prédios nº ...55, ...63 e ...28, não se localizaram entre os lotes relativos ao mencionado emparcelamento; os prédios ...72, ...05, ...17, ...09 (lotes ...03, ...31, ...32 e ...33) do projecto de emparcelamento localizam-se fora da margem do ..., não integrando por isso domínio público hídrico; os restantes 45 prédios identificados no artº 3º da PI, ocupam parcelas na margem do ... que neste local tem a largura de 50 metros, sujeita ao disposto nos artºs 5º e 6º da Lei 54/2005 de 15/11 e por isso aplicável o disposto no artº 15º da mesma lei; as margens e linhas limite apresentadas foram definidas com base nos critérios da Portaria 204/2016 de 25/06 e não inviabilizam a definição através do procedimento próprio da delimitação do domínio público hídrico; este procedimento administrativo resulta do disposto no artº 17º daquela lei 54/2005 e no caso concreto não se encontra realizado, pelo que tal delimitação se encontra por fazer; não se efectuou qualquer desafectação de terrenos do domínio público hídrico, através da Resolução mencionada na petição operada em 1996; tudo se reportará, na ausência de desafectação válida e relevante, à prova a produzir pelo A. de acordo com 15º da Lei 54/2005 e por isso reconduzir-se-á à circunstância de os terrenos em causa serem propriedade privada desde pelo menos o ano de 1864, o que está longe de se encontrar provado, mormente por ausência de documentos pertinentes, nem sequer tal tendo sido alegado e portanto estando ausente de discussão eventual; permanece por provar, sendo tal ónus do A. a correcta configuração dos terrenos reivindicados pelo A. maxime a sua delimitação precisa, subtraindo-o à presunção de titularidade em nome do Estado, por se encontrar dentro do limite da área pertencente ao domínio hídrico público, aqueles que efectivamente revestem tal natureza».
Na data de 20/05/2022, a Autora apresentou articulado através do qual, para além do mais, respondeu à excepção dilatória da incompetência, pugnando pela sua improcedência, alegando, essencialmente, o seguinte: «o que está em causa nos presentes autos é tão-só o reconhecimento do direito de propriedade privada da Autora sobre parcelas do ..., e independentemente dos alegados fundamentos que o Réu possa ter, é hoje pacífico o entendimento de que o que releva para efeitos do recorte da competência dos tribunais em razão da matéria é a relação material controvertida, tal como esta vem configurada pelo Autor na petição inicial; contrariamente ao raciocínio do Réu, a presente ação não impugna nem tem em vista a anulação ou declaração de nulidade de um qualquer ato administrativo ou normativo, visando apenas única e exclusivamente o reconhecimento da propriedade privada dos prédios em causa, e não reside em qualquer outra questão proveniente ou relacionada com a impugnação de atos administrativos ou normativos proveniente de alguma entidade administrativa, não sendo a relação material controvertida uma relação jurídica administrativa, tal como vem prevista e enunciada no n.º 1 do artigo 1.º do ETAF e nas alíneas a), b) e d) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF; e uma vez que, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15/11, “Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis”, é forçoso concluir que compete ao Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ... conhecer do pedido formulado nos presentes autos; pode discordar-se ou concordar-se com a existência de uma desafetação com base na Resolução do Conselho de Ministros nº167/96, mas tal é uma questão de mérito que contende com a procedência ou improcedência da ação, e não com a ausência de determinados pressupostos processuais; alegar que, através da Resolução n.º 167/96, ocorreu um ato de desafetação do domínio público hídrico dos terrenos em causa, não é questionar a legalidade deste ato normativo, nem sequer impugnar quaisquer atos proferidos por entidades administrativas, mas apenas e tão-só fundamentar as razões de direito que servem de fundamento à ação de reconhecimento da propriedade privada dos prédios em causa».
Na data de 26/06/2022, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: «Antes de mais porque se nos afigura que este Tribunal não é competente em razão da matéria para julgar a presente causa, determino a notificação das partes para, querendo se pronunciarem ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC».
Na sequência, através de requerimento apresentado na data de 03/07/2022, a Autora veio novamente pronunciar-se, pugnando pela improcedência da excepção dilatória da incompetência absoluta, alegando, para além do mais e no essencial, que: «mantém-se a alegação no que se refere à subsistência da aludida excepção, atenta a natureza da causa de pedir, na acção, a intervenção de autoridades administrativas e respectiva legalidade dos seus actos, condicionantes do pedido formulado».
Na data de 12/09/2023, a Autora apresentou novo requerimento nos autos, no qual, para além do mais, alegou que «não é admissível resposta à pronúncia apresentada pela Autora através do requerimento com a referência Citius n.º ...95 (03/07/2022)», que «tendo sido as partes regularmente notificadas, apenas a Autora se pronunciou dentro do prazo legal, através do requerimento com a referência Citius n.º ...95 (03/07/2022), pelo que, não tendo apresentado em tempo a sua pronúncia, vem agora o Ministério Público responder ao contraditório exercido pela Autora, nada requerendo expressamente», que «o requerimento do Ministério Público que antecede constitui contraditório sobre contraditório, algo que é inadmissível e configura uma nulidade processual, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC», e termina pedindo que «nos termos e ao abrigo do artigo 195.º do CPC, se digne ANULAR o requerimento que antecede apresentado pelo Ministério Público, determinando, em consequência, o desentranhamento do mesmo dos presentes autos».
Na data de 25/10/2022, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão (que aqui se transcreve na parte relevante): “(…) In casu, discute-se essencialmente a legalidade de actos provenientes do poder Executivo, no caso do Conselho de Ministros, através da Resolução nº167/96 que operou a desafetação do domínio público hídrico das parcelas e terrenos mencionados na p.i., ou seja, um acto administrativo. A intransigência de um organismo do Estado (APA – Agência Portuguesa do Ambiente), dependente do respetivo Ministério, em acolher a decisão proveniente da referida Resolução, por encontrar nesta uma incompatibilidade legal, decorrente da Lei nº54/2005, coloca em crise a estabilidade de actos da Administração Pública, ao impedir a consideração como desafetados os terrenos em causa, desrespeitando assim o conteúdo do ato administrativo decorrente da Resolução do Conselho de Ministros. A referida intransigência administrativa constitui um litígio entre actos administrativos e normas legais, ambos provenientes de poderes públicos exclusivamente, pelo que conforme decorre do disposto no art. 4º, nº1, als. b), c) e d) do ETAF, pelo que são os Tribunais Administrativos e Fiscais, os competentes para apreciar o litígio dos autos. O que quer dizer que a competência para o conhecimento do pedido formulado pela Autora relativamente ao Réu, pertence ao Tribunal Administrativo. A causa de pedir da ação tem a ver com a prática de atos característicos da atividade administrativa, da competência do Estado; uma relação dirigida à satisfação do interesse público e das necessidades coletivas. Conjugando tudo o supra exposto, porque os atos em causa nos autos decorrem da legalidade de actos provenientes do poder Executivo, ou seja, um acto administrativo, é da competência dos tribunais administrativos e não dos tribunais judiciais por força do disposto no art. 4.º n.º 1 al. b), c) e d) do ETAF (…). Face ao exposto, nos termos das disposições legais citadas, e ainda dos arts. 278.º n.º 1 al. a), 576.º n.º 1 e n.º 2 e 577.º al. a) todos do Código de Processo Civil, julga-se procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal e, em consequência, absolve-se o Réu, ESTADO PORTUGUÊS, da instância”.
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1.2. Da Recurso da Autora
Inconformada com a referida decisão, a Autora interpôs recurso de apelação, pedindo que seja «o presente recurso julgado procedente em conformidade com as presentes conclusões, e, em consequência, ser anulada a decisão recorrida, com todas as legais consequências, por violação das regras de competência em razão da matéria (artigo 15.º n.º 1 da lei 54/2005 de 15 de novembro, em conjugação com os artigos 64.º do CPC, 40.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, artigo 1.º e artigo 4.º do ETAF)» e que seja «a mesma ser substituída por outra que julgue totalmente improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, invocada na Contestação pelo Recorrido, devendo o processo baixar à primeira instância para prosseguir os seus ulteriores termos», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações: “I. Entendeu o Tribunal a quo que são os Tribunais Administrativos e Fiscais, os Tribunais competentes para dirimir o presente litígio, por força do disposto no artigo 1.º e 4.º, n.º 1, alínea b), c) e c) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). II. O Tribunal a quo preteriu formalidades essenciais do processo, incorrendo em erro de julgamento por violação das regras de competência em razão da matéria (artigo 15.º n.º 1 da lei 54/2005 de 15 de novembro, em conjugação com os artigos 64.º do CPC, 40.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, artigo 1.º e artigo 4.º do ETAF). III. A Recorrente apresentou, em 12.09.2022, o requerimento com a referência Citius n.º ...58, através do qual, entre outros aspetos, arguiu uma nulidade processual, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, por verificação do contraditório sobre contraditório no requerimento apresentado, em 13.07.2022, pelo Ministério Público com a referência Citius n.º ...43, requerendo a anulação do requerimento apresentado e o desentranhamento do mesmo dos presentes autos, pelo que - não tendo sido ainda sanada a referida nulidade processual - expressamente se requer a V. Exas. se dignem proceder à anulação do requerimento apresentado e ordenar desentranhamento do mesmo dos presentes autos. IV. O Tribunal a quo olvidou os argumentos que foram apresentados pela Autora nos requerimentos que antecedem a Sentença, na medida em que, não só faz apenas alusão ao requerimento da Autora 03.07.2022, como também ignora quaisquer dos argumentos que foram apresentados pela Autora, seja neste requerimento de 03.07.2022, seja nos requerimentos de 19.05.2022 e 12.09.2022, porquanto não são os argumentos apresentados pela Autora concretamente rebatidos, ou sequer considerados, na Sentença proferida pelo Tribunal a quo. V. A exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, invocada pelo Recorrido, na Contestação, e julgada procedente na Sentença pelo Tribunal a quo, encontra-se prevista na alínea a) do artigo 577.º do CPC, no entanto, não deve merecer provimento a referida exceção, carecendo a mesma de fundamento, de facto ou de direito. VI. O raciocínio levado a efeito pelo Tribunal a quo padece, desde logo, de duas vicissitudes patológicas, pelas quais não poderá colher: por um lado, o Tribunal a quo desconsiderou a relação material controvertida, tal como esta vem configurada pela Autora, aqui Recorrente, na petição inicial; e, por outro lado, julga procedente a exceção invocada, olvidando, ainda, do ponto de vista normativo e dogmático a distinção entre “pressupostos processuais” e “condições da ação; VII. A verdade é que o que está, verdadeiramente, em causa nos presentes autos é tão-só, isso sim, o reconhecimento do direito de propriedade privada da Autora sobre parcelas do ..., tanto que, a Autora, aqui Recorrente, vem solicitar que seja reconhecida a propriedade privada dos prédios melhor identificados no artigo 3.º da petição inicial, bem como a sua qualidade de proprietária dos mesmos, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º, n.º 5, al. a) da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro. VIII. Assim - e contrariamente ao exposto na Sentença proferida pelo Tribunal a quo - a presente ação não questiona a “legalidade de actos provenientes do poder Executivo, no caso do Conselho de Ministros, através da Resolução n.º167/96 que operou a desafetação do domínio público hídrico das parcelas e terrenos mencionados na p.i, ou seja, um acto administrativo”, nem a causa de pedir da ação “tem a ver com a prática de atos característicos da atividade administrativa, da competência do Estado.”, na medida em que a presente ação não impugna nem tem em vista a anulação ou declaração de nulidade daquele ou de um qualquer ato administrativo ou normativo, visando apenas única e exclusivamente o reconhecimento da propriedade privada dos prédios em causa. IX. A presente ação é instaurada com fundamento na desafetação do domínio« público hídrico, resultante da Resolução do Conselho de Ministros n.º167/96, nos termos e ao abrigo da alínea a) do n.º 5 do artigo 15.º da Lei n.º54/2005, de 15 de novembro e não reside em qualquer outra questão proveniente ou relacionada com a impugnação de atos administrativos ou normativos proveniente de alguma entidade administrativa, não sendo a relação material controvertida, como está bom de ver, no caso concreto, uma relação jurídica administrativa, tal como vem prevista e enunciada no n.º1 do artigo 1.º do ETAF e nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF. X. A alegada “intransigência” da APA - segundo o Recorrido, mas ainda não demonstrada - em não acolher a decisão proveniente da referida Resolução e, assim, colidir com o sentido decisório deste ato, não consiste no objeto do presente litígio. XI. O facto de o Recorrido alegar, na sua Contestação, e em defesa do seu entendimento, que a APA - ao não considerar como desafetados os terrenos em causa - está a desrespeitar o conteúdo do ato administrativo contido na Resolução do Conselho de Ministros, não tem a virtualidade de transformar o litígio dos presentes autos, atendendo à relação material controvertida, tal como esta vem configurada pela Autora na petição inicial. XII. A relação material controvertida, tal como esta vem configurada pela Autora na petição inicial, não reveste características nem assume contornos que impliquem um entendimento diverso, na medida em que não estamos em nenhuma das situações previstas no artigo 1.º e artigo 4.º do ETAF, nem em face de um litígio emergente de uma relação jurídica de índole administrativa que deva ser apreciada junto dos Tribunais Administrativos. XIII. Diferentemente seria se, por exemplo, estivesse aqui em causa a invocação de vícios próprios ao ato de desafetação, ou a um determinado ato de delimitação, nos termos do n.º8 do artigo 17.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, situação em que, sem margem para dúvidas, seria a jurisdição administrativa a competente para apreciar o presente litígio, mas desde que não traduzam numa questão de propriedade ou posse. XIV. Através da presente ação, e como está bom de ver, a Recorrente não pretende questionar quaisquer atos praticados pela administração com poderes de autoridade ("Ius imperii"), daí que se entenda não estarmos perante um litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa, pois, neste caso, encontramo-nos, na verdade, e ainda, no domínio das relações jurídicas privadas. XV. Visando a Autora - com a presente ação - única e exclusivamente o reconhecimento da propriedade privada dos prédios em causa, bem como a sua qualidade de proprietária dos mesmos – uma vez que, nos termos do n.º1 do artigo 15.º da Lei n.º54/2005, de 15 de novembro, a lei clara ao estipular, de forma clara e inequívoca que: “Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, (…)” é forçoso concluir que compete ao Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ... conhecer do pedido formulado pela Autora nos presentes autos, e não qualquer outro Tribunal pertencente à jurisdição administrativa, por não ser esta a jurisdição competente para dirimir o presente litígio. XVI. A competência do Tribunal não se determina pelo alegado pelo Recorrido, na Contestação, mas pela relação material controvertida tal como a mesma é configurada pelo Autor na petição inicial. XVII. Pode discordar-se tal como faz o Réu, ora Recorrido, ao longo da sua impugnação - ou concordar-se com a existência de uma desafetação com base na Resolução do Conselho de Ministros n.º167/96, mas tal é uma questão de mérito que contende com a procedência ou improcedência da ação, e não com a ausência de determinados pressupostos processuais. XVIII. Assim sendo, alegar - como fez a Autora, aqui Recorrente - que, através da Resolução n.º 167/96, ocorreu um ato de desafetação do domínio público hídrico dos terrenos em causa, não é questionar a legalidade deste ato normativo, nem sequer impugnar quaisquer atos proferidos por entidades administrativas, mas apenas e tão-só fundamentar as razões de direito que servem de fundamento à ação de reconhecimento da propriedade privada dos prédios em causa, a qual, por sua vez, é precisamente baseada na existência de um ato de desafetação dos terrenos em causa, nos termos e ao abrigo da alínea a) do n.º 5 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro. XIX. Ao entender que são competentes os Tribunais Administrativos e Fiscais para dirimir o presente litígio, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por violação das regras de competência em razão da matéria (artigo 15.º n.º 1 da lei 54/2005 de 15 de novembro, em conjugação com os artigos 64.º do CPC, 40.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, artigo 1.º e artigo 4.º do ETAF), na medida em que, a ação destinada ao reconhecimento da titularidade do direito de propriedade privada sobre um prédio introduzido no domínio público marítimo, com base no ato de desafetação contido na Resolução do Conselho de Ministros n.º 167/96, deve tramitar na jurisdição comum, e não na jurisdição administrativa, de harmonia com o artigo 15.º n.º 1 da lei 54/2005 de 15 de novembro, em conjugação com os artigos 64.º do CPC, 40.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, artigo 1.º e artigo 4.º do ETAF”.
O Réu contra-alegou, concluindo pela «ausência de razões de facto e de direito para alterar a decisão da primeira instância».
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR
Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis”[1] (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida[2]).
Neste “quadro legal” e atentas as conclusões do recurso de apelação interposto pela Ré/Recorrente são duas as questões a apreciar por este Tribunal ad quem:
1) Se deve este Tribunal ad quem ordenar a «anulação do requerimento apresentado pelo Réu em 13/07/2022 e ordenar o seu desentranhamento dos presentes autos»;
2) E se são os Tribunais Judiciais ou se são os Tribunais Administrativos e Fiscais os competentes para julgar a presente acção.
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3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que revelam para a presente decisão são os que se encontram descritos no relatório que antecede.
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4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Da «Anulação do Requerimento do Réu apresentado em 13/07/2022» e do seu «Desentranhamento»
Em sede de recurso, a Autora vem invocar que «a Recorrente apresentou, em 12.09.2022, o requerimento com a referência Citius n.º ...58, através do qual, entre outros aspetos, arguiu uma nulidade processual, nos termos do artigo 195.º, n.º1, do CPC, por verificação do contraditório sobre contraditório no requerimento apresentado, em 13.07.2022, pelo Ministério Público com a referência Citius n.º ...43, requerendo a anulação do requerimento apresentado e o desentranhamento do mesmo dos presentes autos, pelo que - não tendo sido ainda sanada a referida nulidade processual - expressamente se requer a V. Exas. se dignem proceder à anulação do requerimento apresentado e ordenar desentranhamento do mesmo dos presentes autos» [cfr. conclusão III).
Este fundamento/pedido recursivo configura, nítida e manifestamente, a dedução de uma questão nova.
No nosso sistema processual civil, os recursos constituem um mecanismo destinado a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, não sendo lícito invocar questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida.
Como explica Luís Filipe Espírito Santo[3], “No conhecimento do objecto do recurso é basicamente apreciada a legalidade da decisão recorrida, em concreto o juízo de facto e de direito que incidiu sobre pretensão submetida ao veredicto judicial, naquele único e singular circunstancialismo, e não a tomada em consideração (pelo tribunal superior) de questões novas não suscitadas nem discutidas em 1ª instância. Está em causa a avaliação em segundo grau de uma decisão judicial pré-existente e não a possibilidade de iniciar uma nova e diversa discussão sobre temas não versados (que se viesse a reabrir originariamente). Trata-se de sindicar a valoração do juízo de facto e de direito emitidos pelo juiz de 1ª instância e não o conhecimento de novos factos ou de novas questões de direito que as partes - podendo fazê-lo - entenderam não apresentar, nem configurar ou esgrimir, no processo que decorreu na instância inferior. Com efeito, são as partes que definem, no âmbito da sua liberdade de actuação, predominante e decisiva no campo do direito privado, os termos enformadores da causa, por via da causa de pedido e pedido que nessa sede expõem, não fazendo sentido que, uma vez apreciadas em 1ªinstância as questões jurídicas que dividem os litigantes e obtida a decisão que sobre elas incide (esgotando-se nessa altura o poder jurisdicional do julgador, nos termos do artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil), venham a suscitar-se, por via do recurso, questões que extravasam aquilo que constituiu o objecto da discussão travada perante o juiz a quo. A natureza da fase recursiva revela-se, assim, enquanto continuação da instância e não como configuração de uma nova instância, o que baliza, delimitando o objecto do recurso a conhecer pelo tribunal superior” (os sublinhados são nossos).
E tem sido este o entendimento unânime da jurisprudência do STJ: para além do já citado Ac. de 07/07/2016[4], refere-se também o Ac. de 29/09/2016[5], no qual se decidiu que “Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se estas forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente modificar as decisões do tribunal recorrido sobre pontos questionados e «dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu»” e se concluiu que “não pode o tribunal de recurso “conhecer de questões que não tenham sido objeto da decisão recorrida ou que as partes não suscitaram perante o tribunal recorrido (arts. 627º, n.º 1 e 635º, n.º 2 e 4 do CPC)”. E mais se realça que no Ac. do STJ de 07/10/2021[6] decidiu-se que “Não é lícito que um recorrente invoque, em qualquer recurso, questões que não tenham sido objeto de apreciação pela decisão recorrida, pois os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação”.
Embora a Autora, através do requerimento apresentado na data de 12/09/2023, tenha formulado pretensão no sentido de «se anular o requerimento que apresentado pelo Ministério Público em 13/07/2022» e de se «determinar, em consequência, o desentranhamento do mesmo dos presentes autos», certo é que o objecto da decisão recorrida não tem qualquer conexão com tal pretensão, uma vez que, na mesma, o Tribunal a quo apenas se pronunciou sobre a excepção dilatória da incompetência absoluta, não tendo apreciado nem decidido sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade do referido requerimento do Réu, a qual, frise-se, não tem qualquer relevância na apreciação e decisão da aludida excepção dilatória (no requerimento em causa nenhum novo fundamento foi invocado para sustentar a excepção).
Deste modo, porque este concreto fundamento baseia-se na dedução de uma questão nova (nova pretensão), não pode ser objecto de conhecimento e apreciação por este Tribunal ad quem, até porque também não constitui matéria do conhecimento oficioso do Tribunal, o que, por si só, implica a sua improcedência.
Acresce que, em sede de recurso, a Autora nem sequer invocou a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia nos termos e para os efeitos do art. 615º/1c) do C.P.Civil de 2013.
E sempre se esclareça que, configurando uma questão autónoma e distinta do julgamento da referida excepção dilatória, uma vez que o Tribunal a quo não apreciou a pretensão de anulação/desentranhamento, a Autora devia ter arguido (reclamado), junto daquele Tribunal, a nulidade da omissão decorrente dessa falta de apreciação, sendo que da decisão que o Tribunal a quo proferida sobre essa admissibilidade/inadmissibilidade é que poderá, eventualmente, interpor recurso.
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, o recurso tem necessariamente que improceder quanto a esta questão.
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4.2. Da Competência Material – Tribunais Comuns ou Tribunais Administrativos
A competência é a medida de jurisdição de um tribunal: “O tribunal é competente para o julgamento de certa causa quando os critérios determinativos da competência lhe atribuem a medida de jurisdição que é a suficiente e a adequada para essa apreciação”[7].
A competência interna é aferida por diversos critérios legais cuja função é a de determinar, de entre os tribunais previstos nas leis de organização judiciária, qual é aquele em que a acção deve ser proposta ou para a qual o recurso deve ser interposto. Ou seja: tais critérios definem, no contexto global da função jurisdicional, o tribunal competente para apreciar certa causa.
Entre os vários critérios aferidores, releva para os presentes autos o critério material que determina se a acção deve ser julgada num tribunal comum ou num tribunal especial.
Explicava Manuel de Andrade[8] que a competência em razão da matéria “deriva da competência das diversas espécies de tribunais dispostos horizontalmente, isto é, no mesmo plano, não havendo entre elas uma relação de supra-ordenação e subordinação”, sendo que “na definição desta competência a lei atende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objecto encarado sob o ponto de vista qualitativo -o da natureza da relação substancial pleiteada. Trata-se pois de uma competência ratione materiae. A instituição de diversas espécies de tribunais e da demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes”.
A competência material dos Tribunais Judiciais é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual. Segundo o critério de atribuição positiva, pertencem à competência do tribunal judicial todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado (nomeadamente, civil, comercial ou laboral) ou pelo direito criminal. Segundo o critério de competência residual, incluem-se na competência dos Tribunais Judiciais todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum outro tribunal, isto é, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual. É o que efectivamente decorre do art. 211º/1 da CRP - “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”), do art. 40º/1 da LOSJ (“Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”) e do art. 64º do C.P.Civil de 2013 (“São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”).
Portanto, são da competência dos Tribunais Judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, sendo na LOSJ atribuída a competência em razão da matéria entre os Tribunais Judiciais, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada.
É entendimento jurisprudencial pacífico que a competência dos tribunais em razão da matéria (ou jurisdição) afere-se em função da relação material controvertida, ou seja, em função dos termos em que é formulada a pretensão do autor, incluindo os seus fundamentos (isto é, pela causa de pedir, enquanto facto jurídico concreto devidamente explicitado, segundo a teoria da substanciação, que rejeita afirmações vagas e não factualmente concretizadas), sendo que os fundamentos (objecções) de facto e ou de direito opostos pelo réu em sede de contestação relevam apenas para o mérito da causa, mas não para efeitos de aferição da competência material do Tribunal. Entre outros:
- Ac. do STJ de 06/05/2010[9], no qual se decidiu que “a competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica apresentada pelo autor na petição inicial, independentemente do mérito ou demérito da pretensão deduzida. É na ponderação do modo como o autor configura a acção, na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir, e tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo tribunal que relevem sobre a exacta configuração da causa, que se deve guiar a tarefa da determinação do tribunal competente para dela conhecer”;
- Ac. do STJ de 20/02/2019[10], no qual se explica que “A competência material do tribunal, como pressuposto processual que é, afere-se em função, não só do pedido, como também da causa de pedir, padronizada nos moldes em que a relação jurídica é configurada pelo A., com recurso aos chamados índices de competência que constam das diversas normas determinativas da competência”, e se justifica com recurso aos ensinamentos de Manuel de Andrade: “Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção - seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal - ensina Redenti - «afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)»; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes. A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão”;
- Ac. do STJ de 29/11/2022[11] no qual se sustenta que “A relação jurídico-controvertida que releva para efeitos de aferição de competência material é a que foi alegada pelo autor na petição e não a que é sustentada pelos réus na contestação”;
- e Ac. do STJ de 29/11/2022[12], no qual se determina que “A competência dos tribunais em geral é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional, outrossim, para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, atentar-se à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante”.
Portanto, a competência em razão da matéria do Tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir, o que significa que a questão terá que ser apreciada independentemente do mérito da acção e sem atender à versão (fundamentos) apresentada na contestação.
Por outro lado e no que toca à competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estatui o art. 212º/3 da C.R.Portuguesa que “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
No mesmo sentido estabelece o art. 1º/1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Lei nº13/2002, de 19/02, com as sucessivas alterações que lhe foram sendo introduzidas - ETAF) que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.
No referido art. 4º do ETAF, de uma forma não taxativa mas sim meramente exemplificativa, enumeram os litígios que incumbe decidir aos Tribunais Administrativos e Fiscais, tendo-se eliminado o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão que gera o pedido (ou seja, a sua pertinência à gestão pública ou privada). No nº1 deste preceito segue-se a técnica do enunciado genérico dos actos sobre que incide a sua competência material, e nos seus nºs. 2 e 3 materializam algumas excepções àquela competência[13].
Actualmente os Tribunais Administrativos e Fiscais estão configurados como uma área própria, uma reserva de jurisdição que espelha o seu núcleo essencial, ainda que algumas matérias possam ser pontualmente atribuídas a outra jurisdição.
Como se explica no Ac. do TConflitos de 17/09/2015[14], “Os tribunais administrativos, por seu turno, não obstante terem a competência limitada aos litígios que emerjam de «relações jurídicas administrativas», são os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo «reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição» [ver AC TC nº508/94, de 14.07.94, in Processo nº777/92, e AC TC nº347/97, de 29.04.97, in Processo nº139/95]. A cada uma destas duas jurisdições, comum e administrativa, caberá, portanto, um determinado «quinhão» do poder jurisdicional que, em bloco, pertence aos «tribunais», sendo que o mesmo é determinado essencialmente em função das matérias versadas nos diferentes litígios carentes de tutela jurisdicional”.
Porém, a atribuição da competência material aos Tribunais Administrativos e Fiscais para julgar uma concreta acção exige que o respectivo litígio emerja de uma «relação jurídica administrativa e fiscal», como decorre do supra referido normativo constitucional (art.212º/3) e da cláusula geral inserta no referido art. 1º/1 do ETAF, sendo que é a partir de tal «relação» que se interpretam as previsões específicas do aludido art. 4º do ETAF. Ou seja: a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, dependerá da ponderação sobre se se está, ou não, perante pleitos derivados de «relações jurídicas administrativas efiscais», sendo que só no primeiro caso tal competência se verificará.
Como este este requisito (conceito) não se encontra definido na Lei, o que é que constituirá uma «relação jurídica administrativa»?
Referem João Caupers e João Raposo[15], que a nossa organização judiciária consagra uma ordem jurisdicional administrativa e fiscal que a Constituição faz assentar num critério substantivo, centrado no conceito de “relações jurídicas e fiscais”, mas “sem erigir esse critério num dogma, uma vez que a Constituição, como o Tribunal Constitucional tem entendido, não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva aos tribunais comuns de competência em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa de competência em matérias de direito comum”, sendo que serve de exemplo desta dessincronia a competência atribuída aos tribunais comuns para arbitramento da indemnização por via de prisão de grosseiro erro judiciário [cfr. art. 4º/3a) do ETAF].
Mas, como se dá nota no recente Ac. desta RG de 28/09/2023[16], este requisito (conceito) “tem tido interpretações distintas na Doutrina e na Jurisprudência, como dão nota, nomeadamente, Vieira de Andrade (…) Mário Aroso Almeida (…) e a jurisprudência do Tribunal de Conflitos (…) Neste contexto, anotam-se dois tipos de entendimentos (…) A existência de uma relação jurídico-administrativa e fiscal depende, para uns, sobretudo da aplicação de normas de direito administrativo ou fiscal. Neste sentido, entre a Doutrina, Mário Aroso de Almeida refere, em Comentário ao art.212º/3 da Constituição da República Portuguesa «Não é isenta de controvérsia, na doutrina, a questão de saber o que se deve entender por relações jurídicas administrativas e fiscais. O melhor critério parece ser, no entanto, aquele para que aponta o sentido literal da expressão: são relações jurídicas administrativas e fiscais as relações de Direito Administrativo e de Direito Fiscal, que se regem por normas de Direito Administrativo ou de Direito Fiscal. Este é, aliás, o critério que melhor corresponde à tradição do nosso contencioso administrativo, que, por regra, submete os litígios que envolvam entidades públicas aos tribunais judiciais, quando a resolução de tais litígios não envolva a aplicação de normas de Direito Administrativo ou de Direito Fiscal; e, por outro lado, prevê a demanda de privados nos tribunais administrativos, sejam eles concessionários ou quaisquer outras entidades privadas que atuem ao abrigo de normas de direito administrativo, ou particulares que incorram na violação de vínculos jurídico-administrativos, isto é, de vínculos (direta ou indiretamente, mediante atos jurídicos de aplicação), decorrentes de normas de Direito Administrativo. Não se trata, pois, de instituir um foro privativo para as entidades públicas, mas, no essencial, para o Direito Administrativo e o Direito Fiscal» (…) A existência de uma relação jurídica administrativa e fiscal exige sobretudo, para outros, o exercício por uma das partes (ente pública ou entidade privada na prossecução de um interesse público) da função administrativa. Neste contexto, Vieira de Andrade refere «Esta questão sobre o que se entende por “relação jurídica administrativa”, sendo fulcral, devia ser resolvida expressamente pelo legislador» (anotando na nota 68 nota que: «De facto, face à complexidade actual das relações entre o direito público e o direito privado no âmbito da actividade administrativa, a questão (…) transformou-se numa decisão, numa opção política entre soluções igualmente defensáveis», considerando ser matéria que deveria acautelar «a economia processual, bem como a certeza e a segurança, sobretudo para garantia dos particulares»). «Mas, na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração. (…). A determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado, uma das questões cruciais que se põem à ciência jurídica (…) lembraremos apenas que se têm de considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido. A utilização de um critério legal de delimitação pressupõe, então, a existência de um regime de administração executiva, em que se define um domínio de actividade, a função administrativa, e, nesse contexto, um conjunto de relações onde a Administração é, tipicamente ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público - é por isso que se justifica um sistema de regras e princípios diferentes das normas de direito privado, que formam uma ordem jurídica administrativa; será aí que se justificará a existência de uma ordem judicial»” (os sublinhados são nossos).
No que respeita à titularidade dos recursos hídricos nos termos da Lei nº54/2005, de 15/11, e mais especificamente à questão do «reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos» (art. 15º da referida Lei nº54/2005, na redacção que lhe foi dada Lei nº78/2013, de 21/11), o TConflitos têm vindo a pronunciar-se que é da competência dos Tribunais Judiciais e não dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
No Ac. do TConflitos de 09/12/2014[17] decidiu-se que “A acção destinada ao reconhecimento da titularidade do direito de propriedade privada sobre um prédio introduzido no domínio público marítimo deve tramitar na jurisdição comum e não na jurisdição administrativa, de harmonia com os arts. 15º nº 1 e 17º nº 5 da lei 54/2005 de 15 de Novembro”. Invocou-se, essencialmente, a seguinte fundamentação:
- “No caso vertente, sem qualquer dúvida apreciável, podemos afirmar que o que despoletou o litígio que divide as partes, os AA. por um lado e os RR., pelo outro, foi a legalidade, ou ilegalidade, da cobrança de taxa administrativa (de recursos hídricos) aos AA, pela EMP02... I.P., por esta considerar que o prédio urbano deles está implantado no domínio público marítimo. A este propósito referem os AA. na petição inicial que o Estado, por intermédio da Administração da .... IP. (ARH) “começou há cerca de dois a três anos a afirmar que o terreno onde está implantada a casa dos Autores e as demais construções vendidas em hasta pública pela Câmara Municipal ..., que constituem propriedade privada, estão implantadas no domínio público marítimo, como tal o redefiniu naquele auto referido no art. 68º desta p.i, exigindo-lhes ... através daquela ARH, o pagamento da Taxa de Recursos Hídricos (TRH), com base na ocupação de terrenos do domínio público hídrico do Estado..., pagamento esse, recusado pelos Autores, impugnando a decisão de aplicação da referida TRH” (arts. 71º, 72º e 73º). Quer dizer, segundo os AA. o pagamento da dita taxa resulta de o Estado ter redefinido o domínio público marítimo (O domínio público marítimo está definido no art. 3º da Lei 54/2005 de 15/11, sendo pertença do Estado como decorre do art. 4º do mesmo diploma.) na praia da (…) (onde se encontra a sua casa) e consequentemente ter passado a considerar que essa habitação e demais casas aí situadas, estão implantadas no domínio público marítimo (O domínio público marítimo está compreendido, juntamente com o domínio público fluvial, com o domínio público lacustre e com o domínio público de outras águas, no domínio público hídrico (art. 2º nº1 da Lei 54/2005 de 15/11.) (vide também art. 68º da p.i.). A redefinição desse domínio teve a ver, como os AA. profusamente referem na sua p.i, pelo avanço do mar naquela zona (vide designadamente o art. 64º da p.i.). Pese embora estas circunstâncias os AA. continuam a sustentar que o local onde se encontra implantada a sua casa, tem a natureza privada. Daí o terem nesta acção formulado o pedido de reconhecimento de que são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio que identificam”;
- “(…) Isto ée para o que aqui importa, as faixas de terreno qualificadas como margens, estão sujeitas a uma presunção juris tantum de propriedade pública, mas podem os particulares invocar sobre elas direitos de natureza privada, devendo para tal elidir essa presunção, propondo a pertinente acção. Com vista ao reconhecimento destes direitos de natureza particular estabelece o art. 15º nº1 da mesma Lei que «quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis pode obter esse reconhecimento desde que intente a correspondente acção judicial até 1 de Janeiro de 2014, devendo provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868»;
- “Quer dizer, quando os particulares pretendam ver reconhecida a sua propriedade privada sobre margens públicas (ou leitos), deverão intrometer o pleito nos tribunais comuns. Neste sentido estabelece (ainda) o art. 17º nº5 do mesmo diploma que “a delimitação a que se proceder por via administrativa não preclude a competência dos tribunais comuns para decidir da propriedade ou posse dos leitos e margens ou suas parcelas» (Isto, sem prejuízo de que “se, porém, o interessado pretender arguir o acto de delimitação de quaisquer vícios próprios deste que se não traduzam numa questão de propriedade ou posse, deve instaurar a respectiva acção especial de anulação” (nº 6 do mesmo art. 17º).). Ou seja, mesmo no caso de se ter delimitado administrativamente as margens públicas (ou leitos), isso não prejudica a competência dos tribunais comuns para apreciar e decidir sobre a propriedade desses bens. Por conseguinte, face a estes dispositivos compete aos tribunais comuns dirimir as questões de propriedade sobre, para o que aqui interessa, margens de águas do mar, ou seja, caberá a esses tribunais resolver as questões de direito que envolvam a qualificação jurídica de tais bens. Neste sentido refere o Prof. Vieira de Andrade (in A Justiça Administrativa, 9ª edição, pág. 122, nota 199), «...a Lei nº 54/2005 determina que, embora a delimitação dos leitos e margens dominiais com terrenos privados seja feita por via administrativa (participada), a jurisdição administrativa só é competente para a acção especial de anulação, quando se invoquem vícios próprios do acto que não se traduzam na questão da propriedade ou da posse dos leitos e margens ou suas parcelas, já que estas questões competem aos tribunais comuns (artigo 17º nºs 5 e 6)» (todos os sublinhados são nossos).
Por sua vez, no já citado Ac. do TConflitos de 23/03/2015[18] decidiu-se que“Compete aos tribunais judiciais conhecer da acção em que se pede o reconhecimento do direito de propriedade sobre determinado prédio e a definição dos seus limites relativamente a terrenos do domínio público marítimo”. Neste aresto, deduziu-se, essencialmente, a seguinte fundamentação:
- “A pretensão que moveu os AA a intentar a acção, primeiramente no Tribunal Judicial ... e, face ao seu desfecho, depois no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., é o de reconhecimento da posse e propriedade de um prédio urbano, acima descrito, adquirido pelos AA. aos seus donos, que o haviam comprado à Câmara Municipal ..., desanexado, entretanto, de um prédio que fora propriedade privada daquela autarquia. O Estado, por intermédio da Administração da ..., começou há cerca de dois / três anos a afirmar que o terreno onde se acha implantada a casa dos AA e demais construções vendidas em hasta pública pela Câmara ..., estão edificadas no domínio público marítimo, redefinindo-o por auto de 15.11.93, que não subscrevem (…) A acção tem como pressuposto a indefinição de limites, pois sendo conhecidos, o meio processual adequado é o recurso à acção de declaração e condenação ao reconhecimento do direito de propriedade posto em crise”;
- “Tal como se mostram contextualizados os pedidos delineados a veste que lhes corresponde é a de puro direito privado; não se cuida de alcançar solução para questão emergente de relação jurídica administrativa, mas de direito privado, em que os demandados surgem despojados de poder de “imperium”, de autoridade, mesmo sendo pessoas colectivas de direito público, mas como qualquer particular, que coloca em crise, instabilizando o limítrofe entre prédios, acabando o Estado por gerar dúvidas e incertezas na linha de confinância, afectando, por último, o gozo do seu direito de propriedade e posse em sossego. A acção, a inferir do modelo em que se verte, não tem por objecto a impugnação de limite do domínio público marítimo do Estado, mas questão referente à propriedade e posse dos AA”;
- “A lei n.º54/2005, de 15/11, alterada pela lei n.º 34/14, de 19/6, regula a titularidade dos recursos hídricos, criando a Agência Portuguesa do Ambiente, IP, com a finalidade, além do mais, de registar, organizar e classificar as águas do domínio público, bem como a propriedade e posse do leito, margens ou suas parcelas, criando zonas adjacente sempre que, tecnicamente, se mostre o avanço das águas por terrenos privados. Esta lei instituiu uma comissão multidisciplinar com competência para fixação de limites, não ficando précludida “a competência dos tribunais comuns para decidir a questão da propriedade ou posse dos leitos, margens ou suas parcelas - n.º 5, do art.º 17.º- e se qualquer interessado arguir nulidade no acto de delimitação que não se reporte a uma questão de propriedade deve intentar acção especial no âmbito administrativo de anulação -n.º 7. Claro, de forma inequívoca, se mostra que é o próprio legislador a arredar da esfera de competência dos Tribunais administrativos a discussão sobre propriedade ou posse, e em termos que são de reforçar o recurso à jurisdição comum, como bem, “ab initio”, procederam os AA” (todos os sublinhados são nossos).
Acresce que têm sido proferidas outras decisões jurisprudenciais no sentido reconhecer a competência dos Tribunais Comuns para decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis nos termos do art. 15º da Lei nº54/2005 (no Ac. da RL de 08/06/2021[19] decidiu-se que “I- O domínio público hídrico compreende o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas; II- Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, verificadas determinadas condições”) ou no sentido de apreciarem e decidir acções em que está formulado tal pretensão, reconhecendo assim a competência dos Tribunais Comuns nesta matéria (cfr. o Ac. da RL de 20/10/2016[20] e o Ac. do STJ de 20/11/2021[21])
Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que a Autora formula pretensão consistente em que lhe seja «reconhecida a propriedade privada dos 52 prédios elencados no art. 3º da petição, bem como a sua qualidade de proprietária dos mesmos, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º, nº5, al. a) da Lei 54/2005, de e 15/11» (pedido), sendo que fundamentou na seguinte factualidade: «detém explorações agrícolas no concelho ..., dedicadas, sobretudo, à produção de kiwis, e, nesse contexto, é proprietária de 52 prédios rústicos, nas freguesias de ... e União das Freguesias ..., ... e ..., cuja área total corresponde sensivelmente a 22 hectares, os quais, ao longo da sua extensão, são contíguos ao ...; todos estes prédios foram constituídos por força de uma operação de emparcelamento, autorizada no ano de 1996, através da Resolução do Conselho de Ministros nº167/96, proferida ao abrigo do Dec.-Lei nº103/90, de 22/03, operação essa que se foi efetivando ao longo do início da década de 2000, à medida que foram sendo lavrados os competentes autos pela ... (entretanto substituída pelo ...) e inscritos na matriz os novos prédios; os prédios da Autora inserem-se totalmente na área prevista no projecto de emparcelamento; esta circunstância e a localização dos prédios em zona contígua (em parte mesmo marginal) do ..., constituem a motivação da Autora para a propositura da presente acção; como não consegue fazer a prova da estabelecida no regime dos nºs. 2 a 4 do art. 15º, pretende ver a sua propriedade reconhecida com base no regime de desafetação do domínio público dos prédios prevista no nº5a) do mesmo preceito; através da referida Resolução do Conselho de Ministros nº167/96, operou-se uma desafetação do domínio público dos referidos terrenos; e interpõe a presente ação porque, no contexto dos seus projetos agrícolas candidata-se frequentemente a fundos europeus, no seio dos quais é habitualmente solicitado parecer prévio à APA, tendo já sido confrontada com um parecer desfavorável desta entidade precisamente com fundamento na suposta dominialidade dos terrenos, daí resultando um forte constrangimento à sua atividade, bem como às potencialidades agrícolas dos seus prédios» (causa de pedir).
A decisão recorrida, aderindo na íntegra à fundamentação aduzida pelo Réu na sua contestação, fundou o seu juízo de incompetência dos Tribunais Judiciais, essencialmente, na seguinte fundamentação jurídica: “In casu, discute-se essencialmente a legalidade de actos provenientes do poder Executivo, no caso do Conselho de Ministros, através da Resolução nº167/96 que operou a desafetação do domínio público hídrico das parcelas e terrenos mencionados na p.i., ou seja, um acto administrativo. A intransigência de um organismo do Estado (APA – Agência Portuguesa do Ambiente), dependente do respetivo Ministério, em acolher a decisão proveniente da referida Resolução, por encontrar nesta uma incompatibilidade legal, decorrente da Lei nº54/2005, coloca em crise a estabilidade de actos da Administração Pública, ao impedir a consideração como desafetados os terrenos em causa, desrespeitando assim o conteúdo do ato administrativo decorrente da Resolução do Conselho de Ministros. A referida intransigência administrativa constitui um litígio entre actos administrativos e normas legais, ambos provenientes de poderes públicos exclusivamente, pelo que conforme decorre do disposto no art. 4º, nº1, als. b), c) e d) do ETAF, pelo que são os Tribunais Administrativos e Fiscais, os competentes para apreciar o litígio dos autos (…) A causa de pedir da ação tem a ver com a prática de atos característicos da atividade administrativa, da competência do Estado; uma relação dirigida à satisfação do interesse público e das necessidades coletivas (…)”.
Em sede de recurso, a Autora/Recorrente defende, essencialmente, o seguinte: «o que está, verdadeiramente, em causa nos presentes autos é tão-só, isso sim, o reconhecimento do direito de propriedade privada da Autora sobre parcelas do ..., tanto que, a Autora, aqui Recorrente, vem solicitar que seja reconhecida a propriedade privada dos prédios melhor identificados no artigo 3.º da petição inicial, bem como a sua qualidade de proprietária dos mesmos, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º, n.º 5, al. a) da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro; a presente ação não questiona a “legalidade de actos provenientes do poder Executivo, no caso do Conselho de Ministros, através da Resolução n.º167/96 que operou a desafetação do domínio público hídrico das parcelas e terrenos mencionados na p.i, ou seja, um “acto administrativo”, nem a causa de pedir da ação “tem a ver com a prática de atos característicos da atividade administrativa, da competência do Estado.”, na medida em que a presente ação não impugna nem tem em vista a anulação ou declaração de nulidade daquele ou de um qualquer ato administrativo ou normativo, visando apenas única e exclusivamente o reconhecimento da propriedade privada dos prédios em causa; a presente ação é instaurada com fundamento na desafetação do domínio« público hídrico, resultante da Resolução do Conselho de Ministros n.º167/96, nos termos e ao abrigo da alínea a) do n.º 5 do artigo 15.º da Lei n.º54/2005, e não reside em qualquer outra questão proveniente ou relacionada com a impugnação de atos administrativos ou normativos proveniente de alguma entidade administrativa, não sendo a relação material controvertida, como está bom de ver, no caso concreto, uma relação jurídica administrativa, tal como vem prevista e enunciada no n.º1 do artigo 1.º do ETAF e nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF; a alegada “intransigência” da APA - segundo o Recorrido, mas ainda não demonstrada - em não acolher a decisão proveniente da referida Resolução e, assim, colidir com o sentido decisório deste ato, não consiste no objeto do presente litígio; o facto de o Recorrido alegar, na sua Contestação, e em defesa do seu entendimento, que a APA - ao não considerar como desafetados os terrenos em causa - está a desrespeitar o conteúdo do ato administrativo contido na Resolução do Conselho de Ministros, não tem a virtualidade de transformar o litígio dos presentes autos, atendendo à relação material controvertida, tal como esta vem configurada pela Autora na petição inicial; diferentemente seria se, por exemplo, estivesse aqui em causa a invocação de vícios próprios ao ato de desafetação, ou a um determinado ato de delimitação, nos termos do n.º8 do artigo 17.º da Lei n.º 54/2005, situação em que, sem margem para dúvidas, seria a jurisdição administrativa a competente para apreciar o presente litígio, mas desde que não traduzam numa questão de propriedade ou posse; visando a Autora - com a presente ação - única e exclusivamente o reconhecimento da propriedade privada dos prédios em causa, bem como a sua qualidade de proprietária dos mesmos – uma vez que, nos termos do n.º1 do artigo 15.º da Lei n.º54/2005, de 15 de novembro, a lei clara ao estipular, de forma clara e inequívoca que: “Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, (…)”; a competência do Tribunal não se determina pelo alegado pelo Recorrido, na Contestação, mas pela relação material controvertida tal como a mesma é configurada pelo Autor na petição inicial; pode discordar-se tal como faz o Réu, ora Recorrido, ao longo da sua impugnação - ou concordar-se com a existência de uma desafetação com base na Resolução do Conselho de Ministros n.º167/96, mas tal é uma questão de mérito que contende com a procedência ou improcedência da ação, e não com a ausência de determinados pressupostos processuais» - cfr. conclusões VI a XVII.
Perante a exposição jurídica que anteriormente se realizou, afigura-se-nos que assiste inteira razão à Autora/Recorrente. Concretizando.
Com efeito, atenta a natureza da relação jurídica tal como foi apresentada na petição inicial, confrontando o respectivo pedido e com a respectiva causa de pedir, a mesma corresponde, sem margem para dúvidas, à previsão do art. 15º da Lei nº54/2005: por um lado, formula-se um pedido reconhecimento da propriedade privada sobre 52 prédios nos termos e para os efeitos do art. 15º/5a), e, por outro lado, invoca-se que tais prédios são contíguos ao ... e foram constituídos por força de uma operação de emparcelamento autorizada através de uma Resolução de Conselho de Ministros.
Este enquadramento da relação jurídica configurada pela Autora no seu articulado inicial não foi minimamente considerada pelo Tribunal a quo, o qual, aliás, olvidou por completo a norma especial de atribuição da competência material aos Tribunais Judiciais das acções que visam o reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos: estatui o art. 15º da Lei nº54/2005 que “Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio” (o sublinhado é nosso), competência esta que respeita quer às acções que pretendem obter tal reconhecimento através do regime de prova previsto nos seus nºs. 2 a 4, quer às acções que pretendem obter tal reconhecimento através de uma das causas previstas nas alíneas do seu nº5 (saliente-se que também em sede de contestação não foi negado o enquadramento da presente acção no âmbito de previsão daquele normativo). E mais se tenha presente que, nos termos do art. 17º da Lei nº54/2005, “A delimitação a que se proceder por via administrativa não preclude a competência dos tribunais comuns para decidir da propriedade ou posse dos leitos e margens ou suas parcelas” (nº7), sendo que só se “o interessado pretender arguir o ato de delimitação de quaisquer vícios próprios deste que se não traduzam numa questão de propriedade ou posse”, é que deve ser instaurada a respetiva acção especial de anulação (nº8).
Na decisão recorrida, de forma genérica e sem qualquer concretização ou fundamentação, o Tribunal a quo limita-se a afirmar que se «discute-se essencialmente a legalidade de actos provenientes do poder Executivo, no caso do Conselho de Ministros, através da Resolução nº167/96 que operou a desafetação do domínio público hídrico das parcelas e terrenos mencionados na p.i., ou seja, um acto administrativo». Analisando toda a petição inicial, não se vislumbra um único momento em que a Autora produza uma alegação através da qual coloque em causa a legalidade da referida Resolução do Conselho de Ministros e/ou do concreto acto de desafectação, inexistindo, aliás, qualquer pretensão formulada no sentido de peticionar a legalidade ou ilegalidade de tal acto administrativo.
Igualmente de forma genérica e sem qualquer espécie de concretização, na decisão recorrida, o Tribunal a quo «afirma» que «a intransigência de um organismo do Estado (APA), dependente do respetivo Ministério, em acolher a decisão proveniente da referida Resolução, por encontrar nesta uma incompatibilidade legal, decorrente da Lei nº54/2005, coloca em crise a estabilidade de actos da Administração Pública, ao impedir a consideração como desafetados os terrenos em causa, desrespeitando assim o conteúdo do ato administrativo decorrente da Resolução do Conselho de Ministros». Sucede que, voltando a analisar toda a petição inicial, igualmente não se vislumbra um único momento em que a Autora através do qual alegue, de forma concreta e precisa, a existência da invocada «intransigência da APA em cumprir a decisão da Resolução do Conselho de Ministros».
Na verdade, na petição inicial, apenas se alega que a existência de um parecer desfavorável da APA por entender que «a exploração ocorre em terrenos/prédios que abrangem uma faixa de 50 m da margem do ... que, se não tiverem sido reconhecidos como privados, se presumem públicos» (cfr. art. 59º e documento nº...11 da petição). Este conteúdo alegatório é totalmente insusceptível de configurar a existência da invocada «intransigência» e/ou do invocado «litígio entre actos administrativos e normas legais, ambos provenientes de poderes públicos exclusivamente». Precise-se que, bem ou mal, a Autora/Recorrente funda a sua pretensão de reconhecimento da sua propriedade no facto de, em seu entender, em resultado da mencionada operação de emparcelamento efectivada pela citada Resolução de Conselho de Ministros, operou-se uma desafetação do domínio público dos prédios de que se arroga proprietária e que são contíguos ao ..., jamais apontando qualquer vício àquela Resolução e/ou a qualquer outro acto administrativo e jamais apontado qualquer ilegalidade à conjugação/confrontação entre aquela Resolução (ou outro acto administrativo) e o regime legal decorrente da Lei nº54/2005.
E, novamente, de forma totalmente genérica e abstracta, não realizando um mínimo de concretização e fundamentação, na decisão recorrida, o Tribunal a quo «defende» que «a causa de pedir da ação tem a ver com a prática de atos característicos da atividade administrativa, da competência do Estado; uma relação dirigida à satisfação do interesse público e das necessidades coletivas», o que, em face do que anteriormente se expôs, não tem qualquer correspondência com a relação jurídica que foi configurada na petição, até porque, ao contrário do que aquele Tribunal entendeu (mais uma vez sem justificar), é inviável concluir que o facto jurídico alegado pela Autora/Recorrente a título de causa de pedir se possa subsumir a alguma das situações de «fiscalização» previstas nas alíneas b), c) e/ou d) do art. 4º/1 do ETAF («fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal», «fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública» e/ou «fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos»).
Por último, uma vez que a competência em razão da matéria do Tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, aferição que é independentemente do mérito da acção e sem atender à versão (fundamentos) apresentada na contestação, verifica-se a pretensão reconhecimento da propriedade privada sobre os 52 prédios contíguo ao ..., na perspectiva que a Autora/Recorrente desenhou no articulado inicial, advém dos mesmos terem sido constituídos pela operação de emparcelamento determinada pela Resolução de Conselho de Ministros nº167/96 e desta operação ter desafetado do domínio público tais prédios. Ora, esta configuração não consubstancia um litígio emergente de uma «relação jurídica administrativa e fiscal»: por um lado, perante tal configuração, a relação jurídica não se rege por normas de direito administrativo ou de direito fiscal distintas da que constam da Lei nº54/2005, designadamente da constante do seu art. 15º; e, por outro lado, tal configuração não traduz o exercício por uma das partes (ente pública ou entidade privada na prossecução de um interesse público) da função administrativa.
Concluindo: perante a pretensão formulada pela Autora/Recorrente e os respectivos fundamentos aduzidos, estamos perante uma acção em que um particular (no caso uma sociedade comercial) pretende ver reconhecida a sua propriedade privada sobre prédios que, alegadamente, incluem leitos ou margens das águas navegáveis ou flutuáveis (...), a qual, por força do disposto no art. 15º/1 da Lei nº54/2005, de 15/11, é da competência material dos Tribunais Judiciais e não dos Tribunais Administrativos e Fiscais. E, portanto, não se pode concordar nem subscrever o entendimento desenvolvido na decisão recorrida.
Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, perante tudo o que supra se expôs e concluiu, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que são os Tribunais Judiciais os competentes para julgar a presente acção, e não os Tribunais Administrativos e Fiscais.
Desde modo, o recurso deve proceder quanto a esta questão.
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4.3. Do Mérito do Recurso
Perante as respostas alcançadas na resolução das questões supra apreciadas, deverá julgar-se parcialamente procedente o recurso interposto pela Autora/Recorrente e, por via disso, deve revogar-se a decisão recorrida, declarando-se que o Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ... é o Tribunal competente para julgar a presente acção e ordenar-se o ulterior prosseguimento dos autos.
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4.4. Da Responsabilidade quanto a Custas
Procedendo o recurso apenas de forma apenas parcial, e verificando-se que foram apresentadas contra-alegações, as custas do presente recurso deveriam ficar a cargo da Autora/Recorrente e do Réu/Recorrido na proporção do respectivo decaimento (art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013). Porém, uma vez que, por força do disposto no art. 15º/1 da Lei nº54/2005, de 15/11, o Ministério Público está a actuar «em nome próprio», está isento de custas em conformidade com o disposto no art. 4º/1 do R.C.Processuais. Assim sendo, 1/5 das custas do recurso ficam a cargo da Autora/Recorrente, e os outros 4/5 não são objecto de tributação em face da referida isenção.
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5. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Autora/Recorrentee, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, declarando-se que o Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ... é o Tribunal competente para julgar a presente acção e ordena-se o ulterior prosseguimento dos autos.
1/5 das custas do recurso pela Autora/Recorrente. Os outros 4/5 das custas do recurso não são objecto de tributação.
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Guimarães, 23 de Novembro de 2023.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício; 1ºAdjunto - José Carlos Pereira Duarte; 2ºAdjunto - Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais.
[1]António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139. [2]Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [3]In Recursos Civis, Edição CEDIS, Set. 2020, p. 7 e 8. [4]Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1. [5]Juiz Conselheiro Ribeiro Cardoso, proc. nº291/12.4TTLRA.C1.S2, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [6]Juiz Conselheiro Jorge Dias, proc. nº235/14.9T8PVZ.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [7]Miguel Teixeira de Sousa, in A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, LEX, 1994, p. 31. [8]In Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 94. [9]Juiz Conselheiro Santos Bernardino, proc. nº3777/08.1TBMTS.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt./jstj. [10]Juiz Conselheiro Ribeiro Cardoso, proc. nº9086/18.0T8LSB-A.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt./jstj. [11]Juiz Conselheiro António Magalhães, proc. nº358/21.8T8EPS-B.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt./jstj. [12]Juiz Conselheiro Oliveira Abreu, proc. nº28193/20.3T8LSB-A.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt./jstj. [13]Cfr. Ac. do TConflitos de 25/03/2015, Juiz Conselheiro Santos Monteiro, proc. nº02/14, disponível em http://www.dgsi.pt/jcon. [14]Juiz Conselheiro José Veloso, proc. nº013/15, disponível em http://www.dgsi.pt/jcon. [15]In A Nova Justiça Administrativa, p. 11. [16]Juíza Desembargadora Alexandra Viana Lopes (no qual o aqui Relator foi 2ºAdjunto), proc. nº328/20.3T8CMN.G1, disponível em http://www.dgsi.pt./jtrg. [17]Juiz Conselheiro Garcia Calejo, proc. nº07/14, disponível em http://www.dgsi.pt/jcon. [18]Juiz Conselheiro Santos Monteiro, proc. nº02/14. [19]Juíza Desembargadora Maria Conceição Saavedra, proc. nº2477/20.9T8OER.L1-7, disponível em http://www.dgsi.pt./jtrl. [20]Juiz Desembargador Ilídio Sacarrão Martins, proc. nº11950/15.0T8SNT.L1-8, disponível em http://www.dgsi.pt./jtrl. [21]Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor, proc. nº2960/14.5TBSXL.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt./jstj.