IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ADITAMENTO DE FACTOS ESSENCIAIS NÃO ALEGADOS
CLÁUSULA PENAL COMPULSÓRIA E SANCIONATÓRIA
ABUSO DE DIREITO
USURA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário


1. Não é admissível aditar à matéria de facto provada, em impugnação à matéria de facto: matéria essencial não alegada pelas partes, como fundamento dos pedidos ou de exceções; a matéria conclusiva, cujos factos essenciais do thema decidendum não foram alegados (matéria essa que pode ser expurgada da decisão de facto, por não estar sujeita a prova).
2. Não procedem as exceções invocadas pela ré contra a cláusula penal compulsória e sancionatória de € 20 000, 00- de abuso de direito, por excesso manifesto dos limites da boa fé e da proporção em relação às vantagens que procurou garantir (arts.334º e 812º do CC), de usura (art.282º do CC), de condução a um enriquecimento sem causa (art.474º do CC), atendendo:
a) À globalidade do contrato provado em que foi definida a cláusula (em que os ex-cônjuges: declararam a venda da nua propriedade de duas frações ao filho de ambos e a constituição de usufruto vitalício em favor do ex-cônjuge mulher; obrigaram-se entre si, em relação à responsabilidade comum no contrato de mútuo bancário celebrado para aquisição das referidas frações em 2004, a reembolsar em 30 anos, que o ex-cônjuge marido suportaria a dívida de € 60 000, 00 do extinto casal, com o pagamento das prestações de empréstimo até ao fim, sendo que, em caso de falta de pagamento pontual das mesmas, se obrigaria a pagar ao ex-cônjuge mulher o valor de € 50 000, 00, correspondente à proporção do 83, 33% do valor do capital em dívida em 2014, e que o ex-cônjuge mulher suportaria os encargos dos seguros exigidos no contrato de mútuo- multirriscos e seguro vida, sendo que a falta de pagamento pontual dos prémios dos seguros a obrigaria a pagar ao ex-cônjuge marido uma cláusula penal de € 20 000, 00, correspondente a 33, 33% da dívida que este se obrigou a suportar em favor e em benefício exclusivo do ex-cônjuge mulher e do filho) e aos benefícios do mesmo (as obrigações assumidas, em 2014, foram mais onerosas para ex-cônjuge marido e tiverem em vista o exclusivo benefício patrimonial do ex-cônjuge mulher e do filho de ambos).
b) À falta de alegação e prova pela ré de outros factos que pudessem integrar as exceções invocadas contra o direito invocado pelo autor/ex-cônjuge marido em 2021 (perante a falta de cumprimento daquela, desde 2017, de obrigações assumidas perante si em 2014).

Texto Integral


Os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte:

ACÓRDÃO

I. Relatório:
Na presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, instaurada por AA contra BB:
1. O autor, na sua petição inicial:
1.1. Pediu a condenação da ré: 
a) A pagar-lhe as quantias por si pagas do prémio do seguro multirriscos desde 17.09.2014 até à presente data, a apurar em sede de liquidação de sentença.
b) A contratar uma apólice de seguro de vida associada ao crédito hipotecário das frações autónomas identificadas na petição inicial.
c) A pagar ao autor a quantia de € 20 000,00 (vinte mil euros), a título de cláusula penal, constituída pelas partes na escritura de 17.09.2014.
d) A pagar uma quantia a fixar equitativamente pelo tribunal, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento e de atraso no pagamento das quantias peticionadas.
1.2. Alegou, para o efeito e em síntese, os seguintes factos:
a) A 17.09.2014 celebrou com a ré (ambos por si e na qualidade de representantes do seu filho CC), por escritura pública, um negócio de compra e venda sob condição resolutiva e de constituição do usufruto sobre duas frações autónomas, no qual declararam e acordaram: que a ré era dona e possuidora de duas frações (... e ...), cuja nua propriedade vendia ao seu filho CC, reservando para si o usufruto vitalício; que o autor assumia pagar até final a dívida garantida por hipoteca que onerava as duas frações em favor do Banco 1..., no valor de € 60 000, 00, sendo que, caso não o fizesse pontualmente, ficaria constituído na obrigação do pagamento à primeira outorgante/ aqui ré da quantia de € 50 000,00, a título de cláusula penal, sem prejuízo da resolução do contrato de compra e venda; que a primeira outorgante/aqui ré ficava obrigada a pagar importâncias dos seguros exigidos pela banca enquanto se mantivesse em vigor o crédito, sob pena de, não o fazendo pontualmente, ficar constituída na obrigação de pagamento imediato ao segundo outorgante/aqui autora da quantia de € 20 000,00, a título de cláusula penal.
b) A 15.01.2004, no prévio contrato de compra e venda e de mútuo com constituição de hipoteca, celebrado pelas aqui partes/então mutuárias com o Banco 1..., e a que se referia o contrato referido em a), os mutuários obrigaram-se: a subscrever um SEGURO MULTIRISCOS do imóvel ora hipotecado em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do Banco, a pagar atempadamente os respetivos prémios; a contratar um SEGURO DE VIDA cujas condições, constantes da respetiva apólice, seriam indicadas pelo Banco, a pagar atempadamente os respetivos prémios; a manter pontualmente pagos os referidos seguros.
c) A ré, pelo menos desde janeiro de 2017 até à presente data, não efetuou o pagamento de qualquer quantia relativa às apólices de seguro exigidas pelo credor hipotecário, o Banco 1..., atualmente designado Banco 1... (apesar de ter sido interpelada pelo banco e pelo próprio autor), sendo: que a apólice do Seguro Multirriscos mantinha-se em vigor, pois o pagamento do respetivo prémio foi assumido pelo autor, conjuntamente com a prestação mensal do crédito hipotecário, encontrando-se a ré em mora em relação a estes prémios de seguro que foram por si pagos; que o contrato de seguro de vida associado ao mútuo com hipoteca não se encontra em vigor desde 01.02.2017, por ter sido resolvido pelo Banco 1... por falta de pagamento do prémio respetivo.
d) A ré, até à presente data, não lhe pagou as quantias por si pagas relativamente ao prémio do seguro multirriscos ou contratado um novo seguro de vida, o que lhe permite acionar a cláusula penal constituída por ambos na escritura (de € 20 000,00); por carta de 27.09.2021, remetida por via registada com aviso de receção, interpelou a ré no sentido de ver cumprida a sua obrigação de contratar um seguro de vida associado ao crédito hipotecário e de lhe pagar a quantia de € 20 000,00 a título de cláusula penal, em virtude do incumprimento pelo não pagamento dos prémios de seguro multirriscos e de vida, carta esta que veio devolvida (pois a ré não procedeu voluntariamente ao levantamento da mesma no posto Correios ..., apesar de ter tomado conhecimento do seu conteúdo, pois, por mensagem telefónica de 08.10.2021, referiu-lhe ter recebido um aviso para proceder ao levantamento da carta e não ter tido tempo de proceder a este levantamento).
2. Regularmente citada, a ré apresentou contestação, na qual:
2.1. Defendeu-se:
2.1.1. Por impugnação, na qual: aceitou uns factos e impugnou outros.
2.1.2. Por exceção, defendendo:
a) Que a cláusula penal invocada (em contrato que refere ter sido celebrado no contexto da ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais), é nula:
a1) Por ser abusiva e leonina, nos termos do art. 334 do CC, tendo em conta: que o seguro de vida pretende assegurar que, em caso de morte do mutuário, este fique eximido do restante pagamento do empréstimo ainda em aberto, sendo que quem ficou com a obrigação de pagar o empréstimo foi o autor e que a eventual morte da ré nunca o desoneraria do pagamento das prestações do empréstimo ainda em falta (não havendo uma relação causal a entre uma e outra cláusula); que a falta de pagamento do seguro de vida nunca interferiria na validade e vigência do empréstimo; que há um desequilíbrio contratual manifesto, consubstanciado na desproporcionalidade entre a vantagem que a cláusula confere ao ora autor e o sacrifício que ela impõe à ré.
a2) Por, subsidiariamente, se dever entender que a cláusula é usurária, nos termos do art.282º do CC, tendo em conta: que estava numa situação de fragilidade emocional e psicológica decorrentes do divórcio (com recurso financeiros que não eram nem são equivalentes aos do autor, acrescida com a situação do filho menor, que estava triste por ver os pais em litigio por sua causa); que esta situação levou-a a aceitar algo que lhe era desfavorável e o autor a aproveitar-se conscientemente dessas vantagens e ascendente que tinha sobre si.
b) Que o pedido do autor configura um abuso de direito, nos termos do art.334º do CC, tendo em conta: que existe um flagrante desequilíbrio contratual, consubstanciado na desproporcionalidade entre a vantagem que a cláusula confere ao ora autor e o sacrifício que impõe à ré, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito; que, ainda que assim não fosse, o autor agiu com a intenção de fragilizar a ré e obter uma vantagem que ofende manifestamente a boa fé ou os bons costumes, exorbitando o fim social ou económico do direito (sendo que, para a verificação do abuso de direito não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo; basta que, objetivamente, esses limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito exercido tenham sido exercidos de forma evidente, sendo esta a conceção objetivista do abuso do direito adotada pelo legislador).
c) Que, subsidiariamente, ainda que nenhuma destas alegações proceda, a pretensão do autor deve improceder, pois a sua procedência constituiria, face aos factos alegados e para os quais remeteu, um enriquecimento ilícito por parte do autor à custa da ré, proibido pelo art.474º do CC.
d) Que, no seu entender, existe uma justificação para deixar de pagar o prémio de seguro de vida, defendendo que o fez para reagir à devassa da privacidade (por o autor ter acesso à sua conta bancária e seguro), como forma de provocar a mudança de atitude e garantir a sua privacidade, nos termos dos arts. 70º e 80º do CC.
2.2. Pediu, em conclusão:
a) Que a cláusula penal de € 20 000,00 fosse declarada anulada por ser usurária nos termos do art. 282º do CC.
b) Que, subsidiariamente, a pretensão de pagamento cláusula penal de € 20 000,00, fosse declarada ilegítima, nos termos do art. 334º do CC, por constituir um manifesto abuso do direito.
c) Que, subsidiariamente, a pretensão do autor fosse indeferida pois constituiria um enriquecimento ilícito, proibido pelo art. 474º do CC.
d) Que o autor fosse intimado a abster-se de aceder à correspondência e quaisquer dados pessoais da ré
3. Tendo sido proferido despacho a convidar o autor a exercer o contraditório das exceções deduzidas na contestação, este:
3.1. Impugnou os factos alegados.
3.2. Defendeu:
a) Que a cláusula não é nula nos termos do art.334º do CC, tendo em conta, nomeadamente: que declararam no contrato que «ambos os outorgantes têm consciência e foram advertidos de que esta assunção de dívida só produz efeitos em relação ao banco se e quando por ele ratificada»; que o banco poderia exigir a ambos o pagamento da dívida; que as suas vantagens pelo pagamento dos prémios de seguro associados ao contrato de mútuo são as mesmas da ré, ou seja, ocorrendo uma das situações previstas na apólice, protege ambos os mutuários e os seus herdeiros, nomeadamente o direito de propriedade do filho de ambos sobre as frações, assegurando o pagamento ao banco do capital em dívida; que existe até um maior benefício na esfera da ré, pois esta detém o direito ao usufruto das frações, nas quais o autor não é titular de qualquer direito, mas antes e exclusivamente de obrigações; que, pela outorga da escritura pública, assumiu o pagamento de uma dívida de autor e ré (com um encargo mensal que ascende a € 300, 00) mas não adquiriu qualquer direito, ao contrário da ré que adquiriu um direito vitalício de usufruto (com um encargo mensal que não ascende a € 50, 00); que o contrato outorgado protege a propriedade do filho de ambos e o usufruto da ré. 
b) Que o negócio jurídico não é anulável, tendo em conta: que não ocorreu qualquer fragilidade da ré; que o negócio pretendeu evitar o incumprimento bancário e proteger a casa do filho residente com a mãe, uma vez que após acordo de partilha por divórcio, no qual as frações foram adjudicadas à ré e esta se obrigou a pagar as prestações de reembolso do empréstimo bancário, a mesma não pagou estas prestações; que, nesse contexto, propôs-lhe o pagamento das prestações desde que a propriedade passasse para o filho, após o que esta exigiu ficar com a reserva de usufruto e prever-se uma cláusula penal para o incumprimento, acabando por se vir a prever a sua obrigação de pagar os prémios de seguro e a cláusula penal em caso de falta de pagamento dos mesmos para igualar a posição das partes; que as cláusulas apostas na escritura pública de 17.09.2014 visaram proteger essencialmente o filho das partes, para que mantivesse uma vida estável, sem grandes sobressaltos, designadamente quanto ao local da sua residência e da mãe deste.
c) Que não há quaisquer condições de proceder o invocado enriquecimento do autor à custa da ré.
4. Foi proferido despacho a determinar que o autor procedesse à liquidação dos valores peticionados sob a alínea a) do petitório da petição inicial, após o que:
4.1. O autor liquidou o pedido genérico no pedido líquido de € 2 304,00 (dois mil trezentos e quatro euros), a título de prémio do seguro multirrisco, pago desde 17.09.2017 até 25.10.2021.
4.2. A ré impugnou a liquidação referida em 4.1.
5. Foi proferido despacho saneador, no qual:
5.1. Foi fixado à causa o valor processual de € 22 304,00.
5.2. Foi saneado o processo, rejeitado o pedido d) da contestação e foi relegada a apreciação das exceções para a sentença.
5.3. Foi definido o objeto do litígio e foram fixados os seguintes temas de prova:
«a) Apurar se a ré assumiu o pagamento das importâncias relativas aos seguros multirriscos referentes às fracções identificadas nos autos;
b) Em caso afirmativo, determinar se a ré deve proceder à devolução dos valores liquidados pelo autor nessa parte;
c) Aferir da obrigação da ré em contratar um seguro de vida;
d) Apurar do direito do autor a obter da ré o pagamento do montante de €: 20.000,00 a título de cláusula penal pelo incumprimento das obrigações mencionadas em a) e b);
e) Indagar se a cláusula penal inscrita na escritura pública outorgada entre Autor e Ré em 17 de Setembro de 2014, no Cartório Notarial Dr. DD, exarada a fls. 26 a 29vs do livro de notas n.º 18-A deve ser anulada por exploração da situação de fragilidade psicológica da ré por parte do Autor;
f) Subsidiariamente, aferir se a cláusula aludida em d) é abusiva e se a invocação da mesma pelo Autor excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé;
g) Subsidiariamente, determinar se o pagamento, pela ré, do valor peticionado a título de cláusula penal nos termos indicados em d) consubstancia um enriquecimento ilícito do autor.».
6. Na fase da audiência de julgamento:
6.1. A ré apresentou articulado superveniente a 05.11.2022, no qual alegou:
a) Quanto ao seguro de vida:
a1) Que, no decurso da presente ação, celebrou a 03.11.2022 um contrato de seguro de vida associado ao empréstimo ...73 (credito habitação do imóvel) na companhia de seguros, “EMP01... SA”, circunstância que implica, no seu entender, que o processo seja de imediato declarado extinto por inutilidade superveniente da lide (na medida em que, na versão do autor, foi a sua falta que determinou a instauração da presente ação).
a2) Que, a continuar este processo, declara que o não pagamento até à presente data se deveu a motivo ponderosos explanados na contestação e às dificuldades financeiras da ré, tal como à recusa do autor em lhe fornecer os elementos para a contratação deste seguro de vida noutra entidade.
b) Quanto ao seguro multirriscos do imóvel, seguro que ainda se mantém na EMP02..., foi sempre pago pela ré.
6.2. O autor exerceu o contraditório, no qual declarou: que, apesar de aceitar como verdadeiro que a ré contratou, agora, o seguro de vida associado ao crédito à habitação do qual são ambos devedores, não se pode pronunciar sobre a validade e eficácia do mesmo, uma vez que, estando este seguro associado ao mútuo, deve ser aceite pelo Banco 1..., para o que carece de prazo de 10 dias para se pronunciar; que, de qualquer forma, essa subscrição de seguro não inutiliza a instância, nomeadamente porque pediu o pagamento da cláusula penal; que os demais fatos alegados pela ré no articulado superveniente não correspondem à verdade, razão pela qual os impugna.
7. Realizou-se audiência de julgamento, a 05.01.2023, na qual:
7.1. Foi admitido o articulado superveniente e o contraditório.
7.2. Foi proferida a seguinte decisão de extinção da instância quanto ao pedido formulado em a) da petição inicial e prosseguimento dos restantes:
«(….) Tendo em conta os pedidos ora referidos, verifica-se, com a junção da apólice de seguro de vida celebrada pela ré, uma inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido formulado em b), uma vez que o mesmo não faz depender mais de terceiros a sua validade, designadamente que o Banco 1... o aprove ou não, pelo que, não estando impugnada a sua celebração, se considera que esta sua pretensão se encontra satisfeita, pelo que deverá, nesta parte, a instância se extinguir por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277º, al. e) do Código de Processo Civil.
Custas nesta parte pela ré, atendendo ao disposto no artigo 536º, n.º 4 do Código de Processo Civil.

* *
Quanto ao demais considera-se que os autos deverão prosseguir, porquanto os demais pedidos ainda não se encontram satisfeitos, devendo ser apreciados pelo Tribunal.».
7.3. Foram inquiridas duas testemunhas arroladas pela ré.
7.4. O autor declarou desistir do pedido a) da petição inicial, o que foi homologado pela seguinte sentença:
«Homologa-se a desistência do pedido constante da al. a) do petitório constante da Petição Inicial apresentado pelo autor nestes autos, nos termos do artigo 283º do Código de Processo Civil.
Custas a cargo do autor, nos termos do artigo 537º, n.º 1 do Código de Processo Civil.»
7.5. Foram proferidas alegações.
8. Foi proferida sentença, na qual, a 23.01.2023, foi decidido:
«Face ao exposto e tudo ponderado de facto e de Direito, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, por conseguinte, decide-se:
a) condenar a Ré no pagamento da quantia de 20 000,00 € (vinte mil euros) ao Autor, a título de cláusula penal estabelecida na escritura pública celebrada a 17 de Setembro de 2014;
b) absolver a Ré no pagamento ao Autor de uma quantia, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de incumprimento e de atraso no pagamento da quantia peticionada, sem prejuízo do previsto no artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil.
Custas a cargo da Autora e Ré, na proporção de 1/10 para a primeiro e 9/10 para a segunda.
Notifique-se e registe-se.».
9. A ré interpôs recurso, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1. A ora recorrente não se conforma com o teor da douta sentença que, no seu modesto entendimento, não se mostra adequada ao que decorreu na audiência de julgamento, aos documentos constantes do processo, à prova testemunhal produzida, em suma à verdade dos factos, pelo que deve ocorrer uma reapreciação da prova gravada que se requer. 
2. E da reapreciação da prova gravada (que expressamente se requer – depoimentos das testemunhas EE e FF) e dos documentos juntos ao processo (em particular de fls50 vº , 51 e 74) , cujo analise se impõe, resultará uma alteração do elenco dos factos provados e dos factos não provados, devendo por força dessa reapreciação serem aditados aos factos provados, os seguintes factos:
18. A Ré estava numa situação de fragilidade emocional e psicológica decorrentes do divórcio, sendo que os seus recursos financeiros que não eram, nem são, equivalentes aos do Autor. 
19. A Ré aceitou celebrar o acordo referido no ponto 1 dos factos dados como provados, apesar de considerar que tal acordo lhe era desfavorável, o que acedeu porque a situação envolvia o filho menor de ambos o qual estava triste por ver os pais em litígio por sua causa. 
20. O Autor sabia das circunstâncias referidas nos nºs 18. e 19. dos factos  provados e, por disso, teve intenção de fragilizar a Ré, obtendo vantagens do ascendente que considerava ter sobre ela.
21. Foi o  Autor quem mandou cancelar em 2020/03/04, o seguro multirriscos titulado pela apólice nº ...31 associado ao imóvel 
22. Não ocorreu nenhum prejuízo para o autor pelo facto de a Ré não ter pago entre 01 de Fevereiro de 2017 e 2022 o seguro de vida associado ao credito.
3. Passando a constar do elenco de factos não provados, apenas o seguinte: 
Factos não provados 
Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, quaisquer outros factos,
4. Em suma, da reavaliação da prova testemunhal e dos docs. juntos aos autos, resulta inequívoco que o Tribunal a quo não decidiu corretamente a matéria de facto, ou seja , incorreu em violação das regras do artº 342º do CC.
5. Ora, do novo elenco da matéria de facto provada (e não provada) resulta evidente que, deverá a alínea a) da Douta Sentença recorrida ser revogada por Douto Acordão considerando a ação totalmente  improcedente  por não provada e absolvendo a Ré do pedido.
6. A solução de direito aplicada pela primeira instancia não é aceitável nem compreensível.  Já o seria com a matéria de facto considerada provada em 1ª instancia mas menos o será face à alteração da matéria de facto nos termos descritos supra.
7. Na verdade conforme se alegou nos itens 8º a 18º da PI a cláusula penal em questão: “ Que a falta do pagamento pontual dos seguros exigidos pela banca por parte da primeira outorgante, a constitui de imediato na obrigação do pagamento ao segundo outorgante da quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) a titulo de clausula penal”,  é uma clausula manifestamente abusiva e leonina e nessa medida, tem que ser declarada nula nos termos do artº 334 do CC , por configurar um evidente abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por violação dos princípios da boa-fé e da confiança.
8. Desde logo foi o próprio autor quem ordenou o cancelamento do seguro multiriscos e vir ele próprio pedir o acionar da clausula, constitui um flagrante abuso de direito na modalidade de “venire contra factum próprium
9. Por outro lado, não se pode aceitar que a consequência do não pagamento do seguro de vida; a qual ainda por cima nunca interferiria na validade e vigência do empréstimo, tenha por efeito o pagamento de 20.000 euros.
10. O que se pretende com tal seguro de vida é assegurar que em caso de morte do mutuário (beneficiário) o co-obrigado fique eximido do restante pagamento do empréstimo ainda em aberto. Ora, o que decorre dos termos do acordo e em concreto da primeira clausula é que quem ficou com a obrigação de pagar o empréstimo foi apenas o ora autor pelo que a eventual morte da Ré nunca eximiria o autor do pagamento das prestações do empréstimo ainda em falta.
11. Ou seja, verifica-se um desequilíbrio contratual manifesto, consubstanciado na desproporcionalidade entre a vantagem que a cláusula confere ao ora autor e o sacrifício que ela impõe à ré; pelo que deve essa clausula ser declarada nula.
12. E não se pode aceitar a afirmação do Mtmo juiz na justificação da solução de direito de  que se transcreve “..sendo certo que se desconhece, por não alegado e provado, qual a concreta capacidade económica das partes) e, desta feita, em cumprir com a obrigação de pagamento de empréstimo (note-se, neste ponto, que não resulta da factualidade provada que a assunção de dívida haja sido ratificada pelo credor), o que poderia ser evitado com a continua existência e pagamento do seguro em causa.”  Pois é manifesto que a Ré alegou na sua PI a sua fragilidade económica face à capacidade do autor e que esses factos foram provados insofismavelmente pelas duas testemunhas; como também provou que nenhum prejuízo teve o autor com o não pagamento do seguro de vida.
13. Sendo a clausula dos 20.000,00€ que onera a ré, nula pelos fundamentos supra, não pode o autor exigir da ré qualquer pagamento pelo que, forçosamente a presente ação tem que improceder na totalidade. 

SUBSIDIARIAMENTE
14. Nos termos do disposto no artigo 282.º do Código Civil “É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental, ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão, de benefícios excessivos ou injustificados”.
15. É manifestamente o que aconteceu in casu. A ora Ré estava numa situação de fragilidade emocional e psicológica decorrentes do divórcio, a que acrescia o filho menor de ambos, o qual estava triste por ver os pais em litigio por sua causa. E a ré com recurso financeiros parcos que não eram nem são equivalentes aos do Autor.
16. Motivos que levaram a Ré a aceitar algo que lhe era desfavorável e o autor a aproveitar-se conscientemente dessas vantagens e ascendente que tinha sobre a ré para a obrigar a aceitar tal clausula ,pelo que nos termos do disposto no artigo 282.º do Código Civil, o tribunal deve declarar a anulação de  tal clausula como usurária e ilegal, ou a sua  redução significativa pelos limites impostos pela boa fé.

AINDA SUBSIDIARIAMENTE
17. Ainda que nenhuma destas alegações proceda, o que apenas por mera hipótese académica se admite, ainda assim a pretensão do autor tem que improceder pois tal procedência constituiria um enriquecimento ilícito por parte do autor à causa da Ré, proibido pelo art 474º do CC.
18. Dá-se enriquecimento sem causa quando o património de certa pessoa se valoriza ou deixa de se desvalorizar, à custa de outra pessoa, e sem que para isso exista uma causa justificativa ( Cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª, pág. 154). E ainda Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, 2ª edição revista e actualizada, pág. 399.
19. Ora conforme supra referido o autor não teve qualquer prejuízo com o não pagamento pontual pela Ré do seguro de vida nem sequer com o não  pagamento do seguro multirriscos que, como consta da matéria de facto provada  (facto 21) , foi o próprio autor que mandou cancelar no Banco 1....
20. Sendo que ainda assim nenhum encargo ou prejuízo trouxe para o autor. Pelo que procedência da ação; o acionar desta cláusula traria um beneficio injustificado para o autor e o enriquecimento ilícito insuportável face ao Direito.
21. Termos em que seja pela via do abuso do direito nas suas duas modalidades, seja pela anulação da clausula nos termos do artº 282º  do CC seja pelo instituto do enriquecimento sem causa, a douta sentença recorrida tem que ser revogada e a açao julgado totalmente improcedente. 
Assim decidindo, farão V. Exas, Venerandos Desembargadores, a habitual e desejada JUSTIÇA. E.D.».
10. Não foram apresentadas contra-alegações.
11. Foi proferido despacho de admissão do recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
12. Subidos os autos a esta Relação: foi recebido o recurso nos termos admitidos na 1ª instância; colheram-se os vistos; realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.

Definem-se como questões a decidir:
1. A impugnação à matéria de facto, na qual foi pedido:
a) Que os factos não provados em a) a c) sejam julgados provados nos nº18 a 20 («18. A Ré estava numa situação de fragilidade emocional e psicológica decorrentes do divórcio, sendo que os seus recursos financeiros que não eram, nem são, equivalentes aos do Autor. 19. A Ré aceitou celebrar o acordo referido no ponto 1 dos factos dados como provados, apesar de considerar que tal acordo lhe era desfavorável, o que acedeu porque a situação envolvia o filho menor de ambos o qual estava triste por ver os pais em litígio por sua causa. 20. O Autor sabia das circunstâncias referidas nos nºs 18. e 19. dos factos  provados e, por disso, teve intenção de fragilizar a Ré, obtendo vantagens do ascendente que considerava ter sobre ela.»), com base nos depoimentos de EE e FF, tal como com base nos documentos de fls.50, 51 e 74.
b) Que sejam julgados provados factos alegados no articulado superveniente e não impugnados pela parte contrária, estando também suportados pelo documento se fls.74 («21. Foi o  Autor quem mandou cancelar em 2020/03/04, o seguro multirriscos titulado pela apólice nº ...31 associado ao imóvel. 22. Não ocorreu nenhum prejuízo para o autor pelo facto de a Ré não ter pago entre 01 de Fevereiro de 2017 e 2022 o seguro de vida associado ao credito.») (conclusões 1 a 4).
2. A reapreciação de direito da sentença, na qual é defendida a nulidade da cláusula penal com base sucessiva e subsidiária dos fundamentos da petição inicial (conclusões 5 a 21).

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto provada e não provada na sentença recorrida:
1.1. Matéria de facto provada:
«1. A 17 de Setembro de 2014, no Cartório Notarial do Notário DD e perante este, foi celebrada escritura pública, na qual figuravam como primeiro outorgante a Ré BB, como segundo outorgante o Autor AA, que por si e na qualidade do, então, seu filho menor de idade CC, declararam o seguinte:
DECLAROU A PRIMEIRA OUTORGANTE:
Que é dona e legítima possuidora dos seguintes bens imóveis:
VERBA NÚMERO UM - FRACÇÂO AUTÓNOMA destinada a HABITAÇÃO designada pelas letras ..., no BLOCO ..., ... ANDAR, apartamento número ..., com VARANDA, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número .../HO/GG, registada a favor da primeira outorgante nos termos da inscrição da apresentação número ..., de ..., com o valor patrimonial tributário de 69 061,19€.
VERBA NÚMERO DOIS - FRACÇÃO AUTÓNOMA designada pelas letras ..., correspondente a GARAGEM ou ARRUMOS, na CAVE, ..., ..., a SEGUNDA a contar do SUL, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número .../DU/GG, registada a favor da primeira outorgante nos termos da inscrição da apresentação número ..., de ..., com o valor patrimonial tributário de 10 584,73€.
Que as referidas fracções fazem parte do prédio urbano denominado “EDIFÍCIO ...”, situado no lugar de “...” ou “...”, na Rua ..., ... e 168, freguesia ..., ..., GG (SÃO HH e SÃO II), concelho ... descrito na Conservatória sob o número do Registo Predial de ... sob o número .../GG, inscrito na respectiva matriz sob o ARTIGO ...6º, cuja propriedade horizontal se encontra registada nos termos da apresentação número sessenta e dois, de vinte de Julho de dois mil e um.

E ACRESCENTOU A PRIMEIRA OUTORGANTE:

a) Que RESERVA para si própria o USUFRUTO VITALÍCIO, sobre as FRACÇÕES autónomas identificadas no contexto desta escritura.
b)         Que pela presente escritura, e pelo preço igual ao valor patrimonial tributário, atenta a pendência do usufruto, ou seja trinta e sete mil novecentos e oitenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos quanto à fracção ... e quatro mil setecentos e sessenta e três euros e treze cêntimos quanto à fracção ..., num total de quarenta e dois mil setecentos e quarenta e seis euros e setenta e oito cêntimos, VENDE ao CC, acima mencionado e melhor identificado, que é o FILHO ÚNICO MENOR de ambos os outorgantes, a RAIZ OU NUA PROPRIEDADE das fracções autónomas identificada no contexto desta escritura.
Que o USUFRUTO vitalício que constituiu a seu favor tem o valor fiscal de 31 077,54 € quanto à verba número um: e 5 821.60€ quanto à verba número dois, tendo em conta o valor patrimonial tributário das fracções e a idade da usufrutuária que é de quarenta anos, que verifiquei pelo seu cartão de cidadão.
DISSERAM A PRIMEIRA E O SEGUNDO OUTORGANTES, NA QUALIDADE DE PROGENITORES:
Que aceitam para o menor a presente venda da RAIZ OU NUA PROPRIEDADE nos termos exarados.
DISSERAM POR FIM AMBOS OS OUTORGANTES:
Que sobre as duas mencionadas fracções autónomas da verba número um e dois, impendem hipotecas a favor de Banco 1..., para garantia de uma dívida do então casal formado pela primeira e segundo outorgantes, no valor de sessenta mil euros que o aqui segundo outorgante AA assume pagar até final inteiramente a seu cargo, acrescida dos respectivos juros, depositando para o efeito até ao dia vinte e cinco de cada mês, o valor de respectiva prestação mensal (nesta data em duzentos e oitenta e três euros e um cêntimos, na conta no “...”, ..., associada a este crédito à habitação e titulada por ambos os contraentes junto desta instituição bancária;
Que ambos os outorgantes têm consciência e foram advertidos de que esta assunção de dívida só produz efeitos em relação ao banco se e quando por ele ratificada:
Que a falta do pagamento pontual de qualquer destas prestações por parte do segundo outorgante, o constitui de imediato e sem prejuízo da resolução da compra e venda aqui operada, na obrigação do pagamento à primeira outorgante da quantia de €50.000,00 (cinquenta mil curos) a título de cláusula penal.
Que a primeira outorgante assume o pagamento das importâncias em que importem os seguros exigidos pela banca enquanto se mantiver em vigor o crédito referido na alínea anterior, bem como as importâncias relativas ao condomínio enquanto se mantiver o usufruto agora constituído.
Que a falta do pagamento pontual dos seguros exigidos ceia por parte da primeira outorgante, a constitui de imediato na obrigação do pagamento ao segundo outorgante da quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) a título de cláusula penal.
DISSERAM POR FIM AMBOS OS OUTORGANTES:
Que põem fim aos processos judiciais com os números 455/14...., que corre termos pelo ... Juízo Cível e Acção de Processo Ordinário com o número 3602/12.... que corre termos pelo ... Juízo cível do Tribunal Judicial ..., e com a transacção nestes processos nenhum dos outorgantes é credor ou devedor ao outro, seja a que título for, de nenhuma importância no âmbito destes processos, quer em qualquer outro âmbito.

DISSERAM AMBOS OS OUTORGANTES:
Que os presentes negócios de venda da raiz ou nua propriedade ao menor fica sujeita à seguinte CONDIÇÃO RESOLUTIVA:
A compra e venda titulada nesta escritura resolver-se-á se o segundo outorgante não pagar integralmente e até final, a dívida contraída por ambos, enquanto casados, ao Banco 1..., atrás identificada.
ASSIM O OUTORGARAM.
2. A 15 de Dezembro de 2004, no Cartório Notarial do Notário JJ e perante este, foi celebrada escritura pública, na qual figuravam como primeiro outorgante KK, que outorgou na qualidade de procuradora da sociedade comercial por quotas “EMP03..., Limitada”, como segundo outorgantes o autor AA e a Ré BB, à data casados no regime de comunhão de adquiridos, e como terceiro outorgante LL, o qual outorgou na qualidade de procurador e em representação do Banco 1..., S.A., tendo a primeira outorgante declarado que vendia ao segundo outorgante marido, que declarou aceitar, pelo preço global de oitenta e cinco mil euros, que já tinha recebido, as fracções identificadas no ponto 1 dos factos dados como provados.
3. Consta, ainda, da escritura pública mencionada no ponto 2 dos factos dados como provados que os ali segundos outorgantes se confessaram devedores do EMP04..., S.A., na importância de 80 000,00 € (oitenta mil euros), que do Banco receberam a título deste empréstimo, bem como que constituíam, a favor deste, hipoteca sobre as fracções autónomas atrás identificadas e ali adquiridas, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada, mais acordando que o empréstimo e a hipoteca se regulam pelo Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 e Novembro (Geral) e demais disposições legais aplicáveis e pelas condições constantes do documento complementar.
4. No documento complementar mencionado no ponto 3 dos factos dados como provados consta, na cláusula décima, o seguinte:
1. Os MUTUÁRIOS obrigam-se a subscrever um SEGURO MULTIRRISCOS do imóvel ora hipotecado em sociedade seguros de reconhecido crédito e da confiança do Banco, a pagar atempadamente os respectivos prémios, a fazer inserir na respectiva apólice a existência desta hipoteca para o efeito de, em caso de sinistro e vencida alguma das obrigações.
2. os MUTUÁRIOS obrigam-se a contratar um SEGURO DE VIDA cujas condições, constantes da respectiva apólice, serão as indicadas pelo Banco, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do Banco, a pagar atempadamente os respectivos prémios, a fazer inserir na respectiva apólice que o Banco é credor hipotecário e que, em consequência, as indemnizações que sejam devidas em caso de sinistro reverterão para o Banco.
3. As apólices e actas adicionais dos seguros acima referidos ficarão em poder do Banco mutuante como interessado nos mesmos, na qualidade de credor hipotecário. Só por intermédio do Banco e com o seu acordo por escrito os seguros poderão ser alterados ou anulados.”.
5. Consta, ainda, no documento complementar mencionado no ponto 3 dos factos dados como provados o seguinte: “1. Os MUTUÁRIOS obrigam-se a trazer pontualmente pagos os seguros referidos na cláusula anterior.”.
6. Consta da descrição n.º ...71... da GG (MM), da Conservatório do Registo Predial ..., que a fracção autónoma, cuja composição é uma habitação no BLOCO ..., no ... andar, apartamento n.º ...23, se encontra registada, pela apresentação ... de 24 de Outubro de 2014 e que abrange duas fracções, a favor de CC, por aquisição, via compra, com a condição resolutiva de a compra e venda se resolver se AA, ...49, divorciado, residente em Rua ..., ..., ..., não pagar integralmente a até final a dívida contraída ao Banco 1....
7. Na descrição referida no ponto 6 dos factos provados consta que o registo, pela apresentação ... de 24 de Outubro de 2014, que abrange duas fracções, o usufruto do imóvel, via reserva em venda, a favor da Ré BB.
8. Na descrição referida no ponto 6 dos factos provados consta que se encontra registada a hipoteca voluntária, pela apresentação 41 de 30 de Dezembro de 2003, que abrange duas fracções, a favor do Banco 1..., S.A., para garantia de empréstimo cujo capital é de 80 000,00 (oitenta mil euros) e cujo montante máximo assegurado é de 100 816,00 € (cem mil oitocentos e dezasseis euros).
9. Consta da descrição n.º ...71... da GG (MM), da Conservatório do Registo Predial ..., que a fracção autónoma, cuja composição é uma habitação no BLOCO ..., no ... andar, apartamento n.º ...23, se encontra registada, pela apresentação ... de 24 de Outubro de 2014 e que abrange duas fracções, a favor de CC, por aquisição, via compra, com a condição resolutiva de a compra e venda se resolver se AA, ...49, divorciado, residente em Rua ..., ..., ..., não pagar integralmente a até final a dívida contraída ao Banco 1....
10. Na descrição referida no ponto 6 dos factos provados consta que se encontra registado, pela apresentação ... de 24 de Outubro de 2014, que abrange duas fracções, o usufruto, via reserva em venda, do imóvel a favor da Ré BB.
11. Na descrição referida no ponto 6 dos factos provados consta que se encontra registada a hipoteca voluntária, pela apresentação 41 de 30 de Dezembro de 2003, que abrange duas fracções, a favor do Banco 1..., S.A., uma hipoteca voluntária, para garantia de empréstimo cujo capital é de 80 000,00 (oitenta mil euros) e cujo montante máximo assegurado é de 100 816,00 € (cem mil oitocentos e dezasseis euros).
12. Desde 01 de Fevereiro de 2017 que a Ré não efectuou o pagamento de qualquer quantia relativa à apólice de seguro de vida exigido pelo Banco 1..., S.A., nos termos referidos nos pontos 3 a 5 dos factos provados.
13. Em virtude do mencionado no ponto 12 dos factos provados, a EMP02..., S.A. comunicou ao Autor AA, por missiva datada de 22 de Abril de 2017, que o contrato de seguro de vida associado ao mútuo com hipoteca aludido no ponto 3 dos factos dados como provados foi resolvido, com efeitos a partir de 01 de Fevereiro de 2017, por falta de pagamento do prémio.
14. O Autor, a 30 de Setembro de 2021, remeteu missiva datada de 27 de Setembro de 2021, através de carta regista com aviso de recepção, à Ré, na qual, além do mais, constava o seguinte:
Assim, venho por este meio, interpelar Vª. Exª. para cumprir com a obrigação de contratar um seguro de vida, de acordo com as exigências do Banco 1..., associado ao crédito habitação das frações autónomas designadas pelas letras ... e ..., as quais fazem parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, denominado “Edifício ...”, sito na Rua ..., ... ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...71 /ViIa HH, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...6, e, ainda, para o pagamento da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) a efetuar para a conta bancária com o IBAN  ...35, até ao dia 15 de outubro de 2021, prazo findo o qual será intentada a respetiva ação judicial para cobrança do cumprimento das obrigações supra mencionadas.”
15. A carta registada referida no ponto 14 dos factos provados foi devolvida ao remetente, uma vez que a Ré não procedeu ao levantamento da mesma no posto Correios ....
16. Por mensagem de texto telefónica enviada ao Autor, a 08 de Outubro de 2021, a Ré refere ter recebido um aviso para proceder ao levantamento da carta e não ter tempo de o fazer.
17. No dia 03 de Novembro de 2022, a Ré celebrou um contrato de seguro de vida associado ao empréstimo ...73, correspondente ao referido no ponto 3 dos factos provados, na companhia de seguros EMP01..., S.A., cuja apólice recebeu o n.º ...91.».

1.2. Matéria de facto não provada:
«a) A Ré estava numa situação de fragilidade emocional e psicológica decorrentes do divórcio, sendo que os seus recursos financeiros que não eram, nem são, equivalentes aos do Autor.
b) A Ré aceitou celebrar o acordo referido no ponto 1 dos factos dados como provados, apesar de considerar que tal acordo lhe era desfavorável, o que acedeu por a situação envolvia o filho menor de ambos o qual estava triste por ver os pais em litígio por sua causa.
c) O Autor sabia das circunstâncias referidas nas alíneas a) e b) dos factos não provados e, por disso, teve intenção de fragilizar a Ré, obtendo vantagens do ascendente que considerava ter sobre ela.».

2. Apreciação do mérito do recurso:
2.1. A impugnação à matéria de facto (conclusões 1 a 4):
2.1.1. Enquadramento jurídico sobre factos passíveis de considerar pelo Tribunal:
Cabe às partes alegar os factos essenciais (art.5º/1 do CPC e art.342º/1 e 2 do CC) em que baseiam as suas pretensões (arts.552º/1-d) e 583º/1 do CPC) e a sua defesa por exceção (arts.572º/c) e 584º do CPC), factos esses que sejam aptos a preencher facti species da norma, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito.
O Tribunal, por sua vez, deve apreciar e decidir os factos alegados pelas partes e deve atender, ainda, aos factos instrumentais, complementares, concretizadores ou notórios de que possa ter conhecimento (art.5º/1 e 2-a), b) e c) do CPC), de acordo com a narrativa das partes e com a captação real e histórica dos mesmos, que sejam aptos a preencher facti species das normas, de acordo com todas as soluções plausíveis das questões de direito suscitadas.
Os factos alegados pelas partes e atendíveis pelo Tribunal nos termos referidos – factos fundamentais ou instrumentais, de morfologia estática ou dinâmica[i]- devem ser aptos a descrever a realidade concreta da vida, de forma individualizada, situada no espaço e no tempo e não confundível com qualquer outra realidade.
Estes factos (objetivos ou subjetivos, situados no espaço e no tempo), distinguem-se de matéria genérica e conclusiva (salvo se esta tiver transitado para a linguagem corrente e não constitua o próprio thema decidendum da causa) e de matéria de direito (constante da factispecie da norma).
São apenas estes factos, e não as considerações sobre os mesmos que podem ser objeto: de demonstração pela prova (arts. 341º ss do Código Civil, doravante CC; arts.410º ss do CPC) e de decisão de facto na sentença (art.607º/4 e 5 do CPC); de apreciação de direito e de fundamentação da decisão jurídica do tribunal sobre a tutela pedida (art.607º/3-2ª parte do CPC); de pedidos de impugnação, atendimento ou ampliação da matéria de facto em sede de recurso (arts.640º, 662º, 663º/2, em referência ao art.607º/4 do C. P. Civil).
É o rigor destes factos com relevância jurídica que permitirá delimitar a situação sobre a qual recai o caso julgado material da decisão da sentença (arts.619º ss do C.P. Civil) e executar a referida sentença (arts.724º ss do C. P. Civil).
A inobservância desta exigência pelo Tribunal a quo- ao integrar na matéria de facto matéria conclusiva, genérica e de direito-deve levar à sanação da irregularidade pelo Tribunal ad quem.
De facto, apesar de no Código de Processo Civil de 2013 não existir previsão idêntica ao art.646º/4 do anterior Código de 1961 (que previa que se tinham como «não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito»), a doutrina e jurisprudência têm mantido o entendimento que a matéria não factual que conste de uma decisão de facto deve ser expurgada da mesma. Vide, neste sentido, entre outros: Abrantes Geraldes (que refere que devem ser erradicadas da decisão sobre a matéria de facto «as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v.g. renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)»); Ac. RG de 17.02.2022, proferido no proc. nº2549/11.0TJVNF-J. G1, relatado por Maria João Matos[ii].
A pretensão apresentada numa impugnação à matéria de facto de aditamento de matéria de facto conclusiva do thema decidendum da pretensão ou exceções, pela mesma razão, deve levar à rejeição liminar de apreciação.

2.1.2. Apreciação da situação em análise:
2.1.2.1. Quanto aos factos não provados:
A recorrente pediu, nas suas conclusões de recurso, lidas de acordo com as alegações, que os factos não provados em a) a c) fossem julgados provados sob os nº18 a 20 («18. A Ré estava numa situação de fragilidade emocional e psicológica decorrentes do divórcio, sendo que os seus recursos financeiros que não eram, nem são, equivalentes aos do Autor. 19. A Ré aceitou celebrar o acordo referido no ponto 1 dos factos dados como provados, apesar de considerar que tal acordo lhe era desfavorável, o que acedeu porque a situação envolvia o filho menor de ambos o qual estava triste por ver os pais em litígio por sua causa. 20. O Autor sabia das circunstâncias referidas nos nºs 18. e 19. dos factos provados e, por disso, teve intenção de fragilizar a Ré, obtendo vantagens do ascendente que considerava ter sobre ela.»), com base nos depoimentos de EE e FF, tal como com base nos documentos de fls.50, 51 e 74.
Importa apreciar.
Numa primeira e preliminar abordagem, verifica-se que a decisão de facto das als. a) a c) e a pretensão de aditamento de factos integra matéria conclusiva, sendo que apenas na apreciação jurídica podem ser extraídas conclusões de prévia matéria de facto alegada e provada, conforme decorre do referido em III-2.1.1. supra. De facto, são conclusivas as afirmações:
a) «A Ré (…)  sendo que os seus recursos financeiros que não eram, nem são, equivalentes aos do Autor», uma vez que caberia à ré ter alegado e provado, caso pretendesse socorrer-se desta conclusão na sua defesa (que, por sua vez, nem afirma sequer a superioridade de recursos financeiros do autor face aos seus), o valor dos rendimentos concretos e os demais factos reveladores das capacidades patrimoniais de cada uma das partes, a partir das quais se pudesse vir a concluir se a ré e o autor tinham rendimentos e capacidades de prover distintos (em particular, se os da ré eram inferiores aos do autor).
b) «teve intenção de (…) a Ré, obtendo vantagens do ascendente que considerava ter sobre ela», uma vez que não foram alegados e provados factos que demonstrassem “o ascendente” e as “vantagens” obtidas pelo autor na celebração do contrato.
Numa segunda abordagem, importa reapreciar a decisão recorrida quanto às als. a) a c) na restante matéria, uma vez que estão liminarmente cumpridos os ónus do art.640º do CPC.
Por um lado, examinando a referida a sentença recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo motivou a decisão de facto quanto às als. a) a c) da matéria não provada, nos seguintes termos:
«No que tange à factualidade dada como não provada, genericamente, a mesma resulta quer da ausência de prova segura que a confirme, quer pela circunstância de a mesma se encontrar infirmada pela factualidade dada como provada.
Substantificando.
Sobre a factualidade dada como não provada depuseram as testemunhas FF e EE, que ambas disseram serem amigas da Ré, sendo que, quando questionadas sobre as circunstâncias que ladearam o concreto negócio objecto dos autos, nada sabiam, em concreto, dizer (o que directamente expressaram), tecendo meras considerações, que, diga-se, eram opinativas e conjunturais, sendo nem essas abonavam ou desfavoreciam as partes, no sentido de permitir qualquer indício relativamente aos factos alegados.
Por estas razões, o Tribunal considerou como não provada a factualidade constante nas alíneas a) a c).».
Por outro lado, tendo-se examinado a totalidade da prova produzida e invocada pela recorrente para fundamentar a alteração da decisão de facto, verifica-se:
a) Que a prova testemunhal é absolutamente insuficiente para alterar a referida decisão da sentença (e, eventualmente, para concretizar a matéria conclusiva). De facto, as testemunhas arroladas pela ré e inquiridas: referiram-se superficialmente às queixas da ré para se sustentar e ao filho estudante universitário com a confeção que tinha (na qual a viam a trabalhar aos fins de semana), tal como ao acompanhamento psicológico e medicamentoso que teve, matéria esta que não reportaram a qualquer período de tempo concreto, nomeadamente à data da celebração do contrato de 2014; declararam não conhecer qualquer circunstância relativa ao contrato celebrado entre as partes em 2014 (nem quanto à motivação, nem quanto ao conteúdo, nem quanto ao contexto da celebração, nem quanto ao estado das pessoas).
b) Que os documentos apresentados a fls.50, 51 e 74 (relativos a um sinistro de 2019 e à anulação de duas apólices por substituição por outras duas a 4.3.2020), apesar de terem sido invocados genericamente como fundamento do pedido de aditamento de factos, são totalmente impertinentes para reapreciar os factos não provados em a) a c) da sentença e referem-se, em substância, ao pedido de aditamento de factos a apreciar em III- 2.1.2.2. infra.
Pelo exposto:
a) Indefere-se a reapreciação de matéria conclusiva supra referida, em relação à al. a) («os seus recursos financeiros que não eram, nem são, equivalentes aos do Autor»)e à al. c) («obtendo vantagens do ascendente que considerava ter sobre ela.») e determina-se a sua eliminação da decisão de facto.
b) Julga-se improcedente a impugnação à restante pretensão da decisão de facto relativa às als. a), b) e c).

2.1.2.1. Quanto à omissão de factos:
A recorrente pediu que fossem julgados provados dois factos («21. Foi o  Autor quem mandou cancelar em 2020/03/04, o seguro multirriscos titulado pela apólice nº ...31 associado ao imóvel. 22. Não ocorreu nenhum prejuízo para o autor pelo facto de a Ré não ter pago entre 01 de Fevereiro de 2017 e 2022 o seguro de vida associado ao credito.»), por entender: que foram alegados (sendo o primeiro no articulado superveniente) e que não foram impugnados pela parte contrária; que o primeiro está, também, suportado pelo documento se fls.74.
Impõe-se apreciar.
Por um lado, verifica-se que a matéria que a recorrente pretende que seja aditada, ao contrário do que foi por si invocado, não foi alegada nos articulados por si apresentados, como fundamento de qualquer exceção: nem na contestação, na qual cabia à ré concentrar toda a sua defesa por impugnação e por exceção, nos termos do art.573º do CPC (na qual, nomeadamente, não invocou qualquer exceção de pagamento do seguro multirrisco ou de impedimento de pagamento, nomeadamente, por cancelamento ou alteração pelo autor de apólice multirrisco, que não tivesse sido do seu conhecimento); nem no contraditório à liquidação do autor do pedido genérico a) (na qual este liquidou os prémios do seguro multirriscos que declarou ter pago entre 2017 e 2021, liquidação que a ré, no seu contraditório, apenas se limitou a impugnar, sem alegar qualquer facto integrativo de exceções); nem no articulado superveniente de 05.11.2022, no qual a ré, para além de não ter alegados o facto cujo aditamento pediu em 20, apenas poderia ter alegado factos objetiva ou subjetivamente supervenientes, nos termos do art.588º do CPC (o que fez em relação à subscrição de apólice de seguro vida a 03.11.2022; o que já não fez em relação à exceção de pagamento do seguro multirriscos, que invocou pela 1ª vez, sem o ter feito na contestação, alegando «Quanto ao seguro multirriscos do imóvel, seguro que ainda se mantém na EMP02..., ele foi sempre pago pela Ré»).
Não tendo sido alegada a matéria essencial cujo aditamento foi pedido, quando cabia à ré alegar os factos essenciais que fundamentam as suas exceções, nos articulados próprios em que poderia deduzir a sua defesa (arts.5º/1, 572º/c), 590º/5 do CPC), não pode a mesma ser considerada por este Tribunal ad quem.
A falta de alegação de facto essencial, por sua vez, não se supre pela junção pelas partes de qualquer documento, uma vez que os documentos se destinam a provar matéria de facto alegada (arts.341º ss do CC e 410º ss do CPC; arts.362º ss do CC) e não a suprir a falta de alegação de matéria de facto essencial. De qualquer forma, o documento junto pela ré no articulado superveniente, a fls.74, ainda que tivesse sido alegado o facto correspondente, apenas documentaria um pedido do autor de substituição de duas apólices multirriscos por duas outras, a 04.03.2020, matéria esta que, caso tivesse sido alegada e pudesse ser provada por este meio, seria insuficiente para a defesa da ré, tendo em conta: que não tinha sido alegada na contestação da ação; que o pedido de substituição de apólices, por si só, não seria um facto impeditivo (sem a alegação, nomeadamente, que a falta de pagamento se deveu à falta de conhecimento da alteração da apólice).
Por outro lado, verifica-se, ainda, que o segundo “facto”, de que a ré/recorrente pede o aditamento, integra matéria conclusiva (o autor não teve prejuízos), que não é sujeita a prova e que apenas pode ser inferida ou afirmada na apreciação jurídica da causa face a prévia matéria de facto alegada e provada.
Pelo exposto, julga-se improcedente a pretensão da recorrente de aditamento da matéria indicada em 21 e 22.

2.2. A reapreciação de direito da sentença:
A recorrente defendeu o erro de direito da sentença e a pediu a revogação da condenação da ré/recorrente a pagar ao autor/recorrido o valor da cláusula penal de € 20 000, 00, com base na arguição, sucessiva e subsidiária: da nulidade da cláusula penal por abuso de direito, nos termos do art.334º do CC (conclusões 7 a 13, 21); da anulabilidade da cláusula por usura, nos termos do art.282º do CC (conclusões 14 a 16, 21); da improcedência do pedido, por a condenação no mesmo implicar um enriquecimento sem causa, nos termos do art.474º do CC (conclusões 17 a 20, 21).
Importa apreciar o recurso da sentença, atendendo aos fundamentos desta, aos fundamentos do recurso e ao regime de direito aplicável.

2.2.1. Arguição da nulidade da cláusula penal por abuso de direito, nos termos do art.334º do CC (conclusões 7 a 13, 21):
A sentença recorrida, depois de ter procedido a um enquadramento jurídico do contrato celebrado entre as partes em 2014 (em relação ao qual considerou que não fora alegado e provado que a assunção da dívida fora ratificada pelo credor para que ocorresse uma transmissão singular da dívida que lhe fosse eficaz) e da cláusula penal prescrita no mesmo (que considerou que era compulsória e sancionatória), considerou que não havia fundamento para entender que a referida cláusula penal prevista naquele contrato e a sua exigência correspondia a um abuso de direito, e, nesse contexto, para a reduzir, nos seguintes termos:
«Sucede que é de perceber, por tal ter sido invocado pela Ré, se o montante de 20 000,00 € (vinte mil euros) é manifestamente excessivo e, por via disso, deve ser reduzido.
Dito isto, surge-nos, logo à partida, que a cláusula penal é de elevado valor. 
Todavia, tal não significa, por si, que tal seja excessivo, quanto mais manifestamente excessivo, uma vez que este conceito é de aferir tendo em conta todas as circunstâncias que envolvem o negócio em causa (como o valor do mesmo, a sua finalidade, os interesses que as partes visaram a proteger, as suas condições socioeconómicas, etc.).
Destarte, é desde logo de ter em conta que o negócio foi celebrado através escritura pública, ou seja, perante notário, pelo que é conclusão jurídica, face à fé pública de tal acto, de que o que as partes ali declararam corresponde ao que, clara e conscientemente, pretendiam entre si acordar - artigos 1.º, n.º 1, 46.º e 50.º do Código do Notariado e 371.º do Código Civil.
Por outro lado, sabe-se que a Ré assumiu o pagamento de uma obrigação de pagamento de um contrato de seguro de vida, cuja finalidade é a cobertura de um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura, sendo que a experiência diz que no caso de ligação entre este e os empréstimos bancários, os mesmos visam o pagamento do remanescente da restituição da quantia mutuada (e respectivos juros compensatórios).
Ora, quanto a este negócio “seguro”, ou seja, quanto ao empréstimo bancário, apenas se sabe que o mesmo foi de 80 000,00 € (oitenta mil euros), sendo que dos demais documentos se percebe que o capital máximo assegurado pela hipoteca é de 100 816,00 € (cem mil oitocentos e dezasseis euros).
Há, ainda, que perceber que foi o Autor que assumiu o pagamento das prestações daquele empréstimo, que foi contraído por aquele e pela Ré. Por outro lado, resulta dos factos provados que esta, naquele negócio translativo da nua propriedade para o filho de ambos, ficou com o usufruto dos imóveis em questão.
Por fim, não é, ainda, de olvidar que o Autor assumiu um clausula penal de 50 000,00 € (cinquenta mil euros), no caso de incumprimento da obrigação que, naquele negócio, assumiu.
Dito isto, é nesta aurela de interesses que importa apreciar da manifesta excessividade da cláusula penal celebrada, dizendo-se, desde já, que não se vislumbra que de tais elementos haja como concluir pela existência de uma chocante desproporção entre o fim punitivo da cláusula penal e a obrigação assumida.
Por um lado, desde logo, visava que ambos (Autor e Ré) não ficassem em incumprimento para com o Banco credor, já que a celebração (e, por isso, o pagamento) de um seguro de vida fora uma obrigação que ambos assumiram.
Por outro lado, tem-se que tal cláusula existe de forma a procurar acautelar e efectivar o interesse das partes (sobretudo do Autor, já que tal visa compelir o cumprimento por parte da Ré) em cobrir o risco de incapacidade (ou, até, morte) do Autor e Ré, o que com o incumprimento por parte desta, deixou de estar coberto (embora, agora, tal situação tenha ficado ultrapassada), ficando ambos sujeitos ao risco de verificado um evento aleatório que se pretendia cobrir (sinistro), poderá deixar de existir liquidez de ambos (sendo certo que se desconhece, por não alegado e provado, qual a concreta capacidade económica das partes) e, desta feita, em cumprir com a obrigação de pagamento de empréstimo (note-se, neste ponto, que não resulta da factualidade provada que a assunção de dívida haja sido ratificada pelo credor), o que poderia ser evitado com a continua existência e pagamento do seguro em causa. 
Por outro lado, outro interesse que tal cláusula procura acautelar, forçando o cumprimento, é que verificado tal evento e falta de liquidez, se verifiquem cobranças coercivas (com especial enfoque para executivo) das partes, que levaria a uma situação ainda mais prejudicial para os interesses que das partes.
Acresce que tal bem resulta do negócio que foi intenção do Autor e Ré que, desta feita, dividissem os encargos assumidos e, por essa via, procurar garantir que os imóveis vendidos ao filho comum se mantenham no seu património.
Ou seja, a cláusula penal visou, em todos estes aspectos, procurar que existisse um cumprimento da Ré que cobrisse garantisse estes riscos e consequências, pelo da factualidade provada não há como considerar que a clausula penal compulsória no valor de 20 000,00 € (vinte mil euros) é manifestamente excessivo, face ao valor de aquisição do imóvel, do capital mutuado e o valor que este, em caso de incumprimento, poderá atingir (sendo certo, mais uma vez, que dos autos não resulta mais factualidade alegada e, por isso, provada que permita concluir algo mais concreto).
Além do referido, o Tribunal desconhece, além dos aspectos referidos, outras circunstâncias que ladearam o negócio, as situações económicas e sociais das partes ou outros elementos que, em obséquio da equidade, permitam uma conclusão diversa.
Há, ainda, que lembrar que pretendendo a Ré a redução de tal cláusula por esta via, impunha-se-lhe a alegação e prova dos factos que permitissem ao Tribunal aferir de tal aspecto[2[iii]] - artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 342.º, n.º 2, do Código Civil.
E neste sentido, também não existe fundamento para falar em abuso de direito, já que não se verifica o uso (quer pela previsão da cláusula penal, quer pelo valor a pagar previsto em caso de incumprimento) de qualquer uso ilegítimo de tal direito.
Nestes termos, tem-se que é devida a quantia de 20 000,00 € (vinte mil euros) pela Ré à Autora, em virtude de cláusula penal prevista no contrato entre aqueles celebrado, a 17 de Setembro de 2014, no Cartório Notarial do Notário DD, por escritura pública. ».
A recorrente, no seu recurso, defendeu a nulidade da cláusula penal por abuso de direito, nas modalidades de venire contra factum proprium, de boa-fé e confiança (sem pedir, neste contexto, a sua redução subsidiária do art.812º do CPC, tal como não o fez na sua petição inicial), defendendo como fundamento (conclusões 7 a 13):
a) Quanto ao seguro multirriscos: que foi o autor que cancelou o seguro multirriscos e depois veio acionar a cláusula penal, razão pela qual a sua atuação corresponde ao referido venire contra factum proprium.
b) Quanto ao seguro de vida: que o não pagamento não interfere na validade e vigência do empréstimo; que o risco que o seguro de vida pretende acautelar, em caso da morte da ré, nunca eximiria o autor do pagamento das prestações do empréstimo ainda em falta, por ter sido o mesmo que assumiu o seu pagamento, razão pela qual existe uma manifesta desproporção entre a vantagem que a cláusula confere ao autor e o sacrifício que impõe à ré.
c) Quanto ao fundamento da sentença de falta de conhecimento da capacidade económica das partes para cumprir o pagamento do empréstimo, por falta de alegação e prova da mesma: que esta afirmação não é verdadeira, porque alegou a sua fragilidade económica face à capacidade do autor, factos provados por duas das testemunhas, e porque o autor não teve nenhum prejuízo com o não pagamento do seguro de vida.
Importa apreciar este segmento do recurso, de acordo com o regime jurídico aplicável.

2.2.1.1. Enquadramento jurídico:
2.2.1.1.1. Abuso de direito em geral:
No quadro da lei e da a cláusula geral civilista do art.334º do CC, prevê-se que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.» (art.334º do CC).
Assim, por um lado, verifica-se que são limites ao exercício de um direito a boa-fé, os bons costumes e o fim social desse direito:
1) A tutela da confiança, apoiada na boa-fé, assente em proposições ou pressupostos.
A boa-fé, como refere Jorge Manuel Coutinho de Abreu, significa:
«que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros», concretizando como hipóteses típicas concretizadoras da cláusula geral da mesma, nomeadamente, a «proibição do venire contra factum proprium, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; (…) o abuso da nulidade por vícios formais- é inadmissível a impugnação da validade dum negócio por vício de forma por quem, apesar disso, o cumpre ou aceita o cumprimento da contraparte»[iv]
Menezes Cordeiro sumaria os pressupostos da boa-fé, tratados pela doutrina e pela jurisprudência, referindo:
«Na base da doutrina e com significativa consagração jurisprudencial, a tutela da confiança, apoiada na boa fé, ocorre perante quatro proposições. Assim:
1.a Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2.a Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível;
3.a Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4.a A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.
Estas quatro proposições devem ser entendidas dentro da lógica de um sistema móvel. Ou seja: não há, entre elas, uma hierarquia e o modelo funciona mesmo na falta de alguma (ou algumas) delas: desde que a intensidade assumida pelas restantes seja tão impressiva que permita, valorativamente, compensar a falha.»[v].
Pedro Albuquerque, por sua vez, sumaria estes mesmos pressupostos nos seguintes termos:
«uma situação de confiança conforme o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que sem ofender deveres de cuidado e de indagação pertinentes ao caso, ignore estar a lesar posições alheias; uma justificação para essa confiança traduzida na presença de elementos objectivos susceptíveis de, em abstracto, originarem uma crença plausível; um investimento de confiança traduzido num assentar efectivo, por parte do sujeito protegido, de actividades jurídicas sobre a crença, em termos que desaconselhem ou tornem injusto o seu preterir; e uma imputação da confiança à pessoa atingida.»[vi].
2) Os bons costumes, segundo definição de Ana Prata, correspondem a
«uma cláusula geral de direito privado que remete para princípios morais sociais (…) que devem regular o comportamento das pessoas honestas em todos os seus aspetos, incluindo, mas não restringido, os económicos»[vii].
3) O fim económico e social do direito estabelece também um limite. 
Segundo Ana Prata:
«se o direito subjectivo é sinteticamente um poder jurídico para realizar um interesse, está-se fora do domínio da permissão jurídica sempre que o interesse tutelado pelo direito não é aquele prosseguido pelo seu titular. (…) A violação desse fim, como qualquer outra situação de abuso, resulta em regra de efeitos do exercício e não dele em abstrato.»[viii].
O abuso de direito impõe que a violação de um destes limites seja clara e manifesta.
Por outro lado, importa equacionar as consequências deste abuso de direito.
Não estando expressamente previstas na norma as consequências do abuso de direito, estas têm sido tratadas pela Doutrina e pela Jurisprudência.
Jorge Manuel Coutinho de Abreu refere:
«o abuso de direito é uma forma de antijuridicidade ou ilicitude. Logo, as consequências do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto ou omissão ilícito»[ix].
Menezes Cordeiro sumaria posições que têm sido defendidas quanto às consequências jurídicas do abuso de direito:
«O artigo 334.° fala em “ilegitimidade” quando, como vimos, se trata de ilicitude. As consequências podem ser variadas:
— a supressão do direito: é a hipótese comum, designadamente na suppressio;
— a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito;
— um dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário;
— um dever de indemnizar, quando se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa.
Não é, pois, possível afirmar a priori que o abuso do direito não suprima direitos: depende do caso.»[x].
Ana Prata, sumariando também posições doutrinárias e jurisprudenciais, já integra nas mesmas consequências a nulidade, e refere que:
«Da responsabilidade civil à nulidade, à própria caducidade (ou supressão) do direito, várias são as consequências jurídicas do exercício abusivo. Tem havido alguma jurisprudência a entender que o ato abusivo é nulo por força do art.294.º (contrariedade a “disposição legal de caráter imperativo”), mas a opinião não tem recolhido apoio doutrinário», o que se compreende, pois a nulidade, se for caso disso, não carece da mediação do art.294.º.»[xi].
2.2.1.1.2. Abuso de cláusula penal:
O instituto geral da proibição do abuso de direito pode também ser aplicado à cláusula penal?
Ana Filipa Morais Antunes refere «cumpre convocar, em casos extremos, a aplicabilidade do instituto da proibição do abuso de direito que é suscetível, em termos gerais, de fundamentar a ilegitimidade do exercício do direito à cláusula penal (cf. artigo 334.º). Com efeito, as cláusulas penais (ou de natureza afim) manifestamente excessivas podem, nos termos gerais, ser impugnadas pela circunstância de constituírem um abuso de autonomia privada, portanto, por traduzirem um exercício de um direito com desrespeito pelos limites da lei (cf. art.405.º, n.º1- ab initio).»[xii]. Neste âmbito:
a) Uns recorrem à redução equitativa da cláusula penal, ao abrigo do art.812º do CC (como, nomeadamente, Pinto Oliveira e Ac. RP de 03.03.2016, citados por Ana Filipa Morais Antunes, acórdão aquele que sumariou «IV- A cláusula penal exclusivamente compulsória está sujeita ao controlo do abuso de direito, mas, no tocante ao excesso do seu valor, o controlo deve ser feito por aplicação do art.812.º e não do art.334.º do Código Civil»)[xiii].
O art.812º do CC, em referência ao regime da cláusula penal previsto desde o art.810º do CC, previu que «1. A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário. 2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sio parcialmente cumprida.».
Este controlo da cláusula penal baseado no manifesto excesso contempla as situações de desequilíbrio manifesto (grosseiro, extraordinário, enorme), entre: a prestação não realizada e a prestação objeto da cláusula penal; e/ou o valor da cláusula penal e o valor dos danos a ressarcir, no caso de cláusulas penais indemnizatórias, definidas ao abrigo do art.810º do CC.
A aplicação deste regime do art.812º do CC pode ser feita, não apenas em relação às cláusulas penais indemnizatórias fixadas nos termos do art.810º do CC; mas também, segundo se tem entendido, às fixadas ao abrigo da liberdade contratual (art.405º do CC), nomeadamente às compulsórias e penitenciais, ainda que os pressupostos de avaliação possam ser distintos. De acordo com a citada autora, citando e sumariando doutrina: a redução «deve operar de modo distinto em função do figurino e tipo de cláusula penal (em concreto, no quadro da alternativa cláusula indemnizatória e compulsória)- vd. PINTO MONTEIRO, 1990: 734 ss.; MENEZES CORDEIRO, 2017: 497-498)»; deve admitir-se «o controlo judicial, com base no artigo 812.º, designadamente, das denominadas cláusulas penitenciais sempre que estas se caracterizem por um conteúdo manifestamente ofensivo dos princípios vetores de Direito dos Contratos, entre os quais, o princípio da proporcionalidade»[xiv]
Entre os índices que devem ser ponderados pelo julgador para a redução equitativa da cláusula penal, contam-se, no sumário realizado pela mesma autora em referência à diversidade de posições que têm sido defendidas: «(i) a gravidade do incumprimento; (ii) o interesse das partes;  (iii) as vantagens que, para o devedor, resultam do incumprimento; (iv) o interesse do credor na prestação; (v) o prejuízo efetivo do credor; (vi) a situação económica de ambas as partes; (viii) a boa ou má-fé das partes; (viii) a natureza e a finalidade do contrato; (ix) as circunstâncias em que foi negociado; (x) a finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal. Vd. PINTO MONTEIRO, 1990: 743-746; e 2007:205-206; PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, 1997: 81; CALVÃO DA SILVA, 2002: 274-275; ALMEIDA COSTA, 2009: 803; ANA PRATA, 2016: 1024; BRANDÃO PROENÇA, 2017: 500; PINTO OLIVEIRA, 2011: 938-939- que alude aos resultados da relação sistemática entre os artigos 494.º e 812.º (2017: 939)»[xv].
b) Outros alertam para a diversidade de âmbito de atuação e de fundamentos normativos das figuras de abuso de direito do art.334º do CC e da redução equitativa do art.812º do CC (citados exemplificativamente pela autora referida como «vd. MENEZES CORDEIRO, 2017: 494-495; Sobre este ponto, vd., ainda, PINTO MONTEIRO, 1990: 718 e ss; 2007: 198-199»)[xvi].
2.2.1.2. Situação em análise:
Impõe-se apreciar os fundamentos do recurso da sentença, face aos factos provados e ao regime de direito aplicável supra referido.
Uma análise geral dos factos provados e das posições das partes permite constatar:
a) Que as partes, a .../.../2004, na pendência do seu casamento, celebraram um contrato de mútuo de € 80 000, 00 para a compra de duas frações imóveis pelo cônjuge marido, contrato este de mútuo, garantido por hipoteca sobre as duas frações (até ao valor de € 100 816, 00), no qual, nomeadamente, as partes se obrigaram: a reembolsar o empréstimo em 360 meses/30 anos[xvii]; a subscrever um seguro multirriscos, a contratar um seguro de vida com condições indicadas pelo banco (cujas indemnizações devidas em caso de sinistro reverteriam para o banco) e a pagar os respetivos prémios (factos provados de 2 a 5, 8 e 11).
b) Que, a 17.09.2014, as partes, que outorgaram por si, no estado de divorciadas[xviii], e na qualidade de representantes de filho menor, declararam: que as frações objeto do contrato de a) supra pertenciam à outorgante mulher/aqui ré (transferência de propriedade, face ao referido em a) supra, que o autor referiu- no contraditório à contestação- ter ocorrido na sequência de partilha por divórcio); que a outorgante mulher/aqui ré vendia a nua propriedade das frações ao seu filho e reservava para si o usufruto vitalício das mesmas; que o outorgante/aqui autor assumia o pagamento da totalidade do empréstimo do casal em dívida (no valor de € 60 000, 00, e com prestações mensais nessa altura de € 283, 01 cada uma, quando ainda faltavam 20 anos de reembolso de pagamentos) e que a ré assumia a responsabilidade de pagar os valores dos seguros exigidos pela banca enquanto se mantivesse o crédito em vigor, para além das prestações de condomínio; que a falta de pagamento pontual das prestações de empréstimo pelo outorgante ex- marido e a falta de pagamento pontual dos seguros pela outorgante ex-mulher constituía imediatamente o responsável na obrigação de pagar à contraparte uma cláusula penal (de € 50 000, 00 o primeiro e de € 20 000, 00 a segunda); que ambas as partes declaram saber que o contrato de assunção de dívida apenas era eficaz em relação ao banco se este o aceitasse (facto provado em 1), sendo que nenhuma das mesmas alegou e provou que o Banco mutuante de a) supra tivesse ratificado o acordo de assunção de divida e exonerado algum dos obrigados, nos termos do art.595º/1-a) e 2 do CC.
d) Que, em relação ao segmento da causa de pedir que fundamentou o pedido de pagamento da cláusula penal de € 20 000, 00- a invocação do autor de falta de pagamentos pela ré de prémios de seguro desde janeiro de 2017 de ambos os contratos de seguro (em relação aos quais alegou o próprio ter pago os prémios do seguro multirriscos e o seguro de vida ter sido resolvido por falta de pagamento):
d1) A ré não alegou na sua contestação (e, por isso, também não poderia provar): que pagou qualquer um dos prémios de seguro invocados como não pagos e que o fez pontualmente e/ou que esteve impedida de pagar os prémios de seguro multirriscos por o autor ter anulado ou alterado a apólice sem o seu conhecimento, como exceções perentórias; que ocorreram factos que permitissem aferir a manifesta desproporção da cláusula penal (nomeadamente: a motivação concreta das cláusulas do contrato de 2014; os valores dos prémios de seguros invocados como não pagos; o eventual pequeno valor do empréstimo a reembolsar na altura da falta de pagamento dos prémios de seguro, por ter ocorrido uma amortização superior àquela que decorreria da contagem dos 30 anos de reembolso entre 2004 e 2034; a desvalorização do imóvel na altura da falta de pagamento dos prémios; os factos expressivos da capacidade económica de autor e da ré; quaisquer outros relevantes).
d2) Provou-se que o seguro de vida foi resolvido em abril de 2017 por falta de pagamento desde fevereiro de 2017 (factos provados em 12 e 13), sendo que a ré apenas provou supervenientemente que celebrou um contrato de seguro na pendência da ação, a 03.11.2022 (e sem alegar e provar que foi aceite pelo mutuante, em referência, nomeadamente, ao ponto 3 referido no facto provado em 4.).
Este quadro de factos provados e de falta de alegação e prova de factos não permite reconhecer as afirmações fáticas da recorrente, enunciadas em três dos fundamentos com que a mesma defendeu o abuso de direito. De facto, a ré/recorrente, ao contrário do defendido no recurso: não alegou, e por isso, também não poderia provar, que o seguro multirriscos foi cancelado pelo autor, razão pela qual não se poderia reconhecer que o autor invocou, em venire contra factum proprium, uma cláusula penal que sanciona a falta de pagamento deste seguro; não demonstrou que a falta de cumprimento da obrigação acessória de contratar e manter pago um seguro de vida, assumida contratualmente pelos mutuários perante o mutuante em 2004, não pudesse ser invocado pelo Banco 1... mutuante como fundamento de incumprimento de obrigações assumidas no contrato de mútuo; não alegou, e por isso também não provou, factos que permitissem concluir que se encontrava numa situação de fragilidade económica quando celebrou o contrato.
Os demais fundamentos invocados pela recorrente no recurso para sustentar o abuso de direito da cláusula penal (que o risco que o seguro de vida pretende acautelar, em caso da morte da ré, nunca eximiria o autor do pagamento das prestações do empréstimo ainda em falta, por ter sido o mesmo que assumiu o seu pagamento, razão pela qual existe uma manifesta desproporção entre a vantagem que a cláusula confere ao autor e o sacrifício que impõe à ré; que o autor não teve nenhum prejuízo com o não pagamento do seguro de vida), para além de não estarem parcialmente suportados em factos provados, não permitem reconhecer o invocado abuso de direito.  
De facto, de forma distinta do defendido pela ré/recorrente, o seguro de vida que esta se obrigou a pagar destinava-se também a proteger a morte do autor/cônjuge marido e o património da herança em caso de falta de pagamento por morte dos obrigados, em particular as frações hipotecadas e transmitidas ao filho das partes, tendo em conta: que ambas as partes, no contrato de mútuo celebrado em 2004, obrigaram-se a reembolsar o Banco 1... pelo mútuo que lhes fizera e a celebrar e manter vigente, entre os seguros exigidos pela Banco, um seguro de vida (que, presumivelmente, pudesse garantir o pagamento das prestações de reembolso em falta em caso de morte dos mutuários); que, não tendo nenhuma das partes alegado e provado factos que permitissem concluir que, após o acordo entre os mutuários em 2014 (em que o autor/ex-cônjuge marido assumiu perante a ré/ex-cônjuge mulher a divida de ambos perante o Banco), a ré/recorrente foi exonerada pelo banco do pagamento do empréstimo (art.595º do CC), a obrigação que esta assumiu perante o seu ex-cônjuge de suportar os prémios dos seguros, nomeadamente do seguro de vida, destinava-se a continuar a proteger o reembolso do empréstimo em caso de morte de ambos os mutuários, obrigados perante o banco mutuante, acabando também por proteger o seu filho e herdeiro, a quem o cônjuge mulher vendeu a nua propriedade das frações oneradas com hipoteca para garantia do empréstimo.
Por sua vez, a invocada falta de “prejuízo” decorrente da falta de pagamento dos prémios de seguro (nomeadamente: por falta de ocorrência da morte de qualquer uma das partes entre 2017 e 2022, que não tivesse ficado coberta pela falta de pagamento do seguro de vida e sua resolução; por falta de invocação pelo banco mutuante da inobservância da obrigação), não releva para a apreciação se ocorreu uma manifesta desproporção da cláusula penal perante o benefício que a mesma pretendeu acautelar.
Na realidade, este contrato celebrado entre as partes em 2014, em que estas previram cláusulas penais para a falta de pagamento pontual das suas obrigações, interpretado pelo seu próprio teor e pelas regras da normalidade (uma vez que nada mais foi alegado e provado quanto ao contexto e finalidades do acordo), nos termos dos critérios dos arts.236º ss do CC:
a) Onerou o autor/ex-cônjuge marido perante a ré/ ex-cônjuge mulher com obrigações de suportar prestações de reembolso de empréstimo de 2004 (no referido valor mensal de € 283, 00 em 2014), durante mais 20 anos, em benefício exclusivo desta e do filho de ambos, beneficiários, respetivamente, da constituição de um usufruto vitalício e da aquisição da nua propriedade de duas frações.
b) Onerou a ré/ex- cônjuge mulher com obrigações de pagamento de prémios de seguros multirriscos e de vida exigidos pelo empréstimo de 2004, tal como as quotas de condomínio das frações, oneração esta que a responsabiliza residualmente e, presumivelmente, num valor muito inferior à obrigação de pagamento pelo seu ex-marido da prestação mensal de empréstimo de contrato referida em a).
c) Responsabilizou e compeliu seriamente ambas as partes com a obrigação de cumprir pontualmente as obrigações assumidas um com o outro, uma vez que previram: que a falta de pagamento pontual das prestações de empréstimo pelo ex-cônjuge marido o obrigaria a pagar ao ex-cônjuge mulher a proporção do 83, 33% do valor do capital em dívida que se obrigara a pagar em 2014 (independentemente da data da ocorrência da falta); que a falta de pagamento pontual dos prémios de seguro multirriscos e de seguro vida pelo ex-mulher, que garantisse a preservação das frações em caso de sinistros e a satisfação do empréstimo em caso de morte, a obrigaria a pagar ao ex-cônjuge marido uma cláusula penal correspondente a 33, 33% da dívida que o ex-marido se obrigou a suportar em favor e em benefício do ex-cônjuge mulher e do filho, acabando, desta forma, por compensar o grau de oneração daquele com a responsabilidade assumida de pagamento da totalidade do empréstimo de € 60 000, 00 em 2014, sem proveito patrimonial pessoal. Assim, esta cláusula apenas é passível de ser interpretada por um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, não como uma cláusula de fixação antecipada de indemnização de prejuízos (art.810º do CC) mas como uma cláusula compulsória e sancionatória, definida ao abrigo da liberdade contratual (art.405º do CC), como qualificou o Tribunal a quo.
A globalidade deste quadro, sem a alegação e a prova de quaisquer outros factos, não permite, assim, considerar que a cláusula penal compulsória e sancionatória excedesse os limites impostos pela boa-fé (ou pelos bons costumes ou fim económico e social do direito) ou fosse manifestamente desproporcional à vantagem que a mesma pretendeu garantir.
Desta forma, improcede este fundamento do recurso.
2.2.2. Arguição subsidiária da anulabilidade da cláusula penal por usura, nos termos do art.282º do CC (conclusões 14 a 16, 21).
A sentença recorrida considerou que o negócio jurídico não era usurário com base nos seguintes fundamentos:
«A Ré invocou, ainda, que o negócio celebrado é usuário e, por isso, anulável, o que invocou.
Ora, é anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados - artigo 282.º, n.º 1, do Código Civil.
É por isso, necessário que se cumulem duas situações, sendo uma a consciência da situação de necessidade, inexperiência, dependência, ou deficiência psíquica de alguém. A outra é que, possuindo essa consciência, tal pessoa procure tirar proveito da inferioridade de outrem para alcançar um benefício manifestamente excessivo ou injustificado.
No caso concreto, não existe qualquer factualidade que suporte a aplicação deste instituto jurídico, pelo que se queda o mesmo.».
A recorrente invocou o erro de direito da sentença, neste segmento, pedindo que se anulasse a cláusula por ilegalidade e usura nos termos do art.282º do CC, por considerar que apenas aceitou essa cláusula no contrato, que lhe era desfavorável, por estar numa situação de fragilidade emocional e psicológica e com recursos financeiros fracos, tendo o autor um ascendente sobre si.          
Impõe-se apreciar.
O fundamento do recurso baseou-se na consideração, pela recorrente, em matéria de facto que entendeu estar provada, na sequência da impugnação por si apresentada no recurso, nos termos do art.640º do CPC.
Todavia, como decorre do que se disse e decidiu em III-2.1.-2.1.2. supra, para além da recorrente ter alegado factos conclusivamente para o efeito de integrar a previsão do nº1 do art.282º/1 do CC, não logrou provar os factos residuais alegados.
Desta forma, sem necessidade de mais considerações, verifica-se que não existe qualquer matéria de facto provada que permita integrar qualquer um dos segmentos da norma do nº1 do art.282º do CC (que prevê que é «É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.») e reconhecer que a sentença recorrida incorreu em erro.
Pelo exposto, improcede também este fundamento do recurso.

2.2.3. Defesa subsidiária da improcedência da ação por enriquecimento sem causa, nos termos do art.474º do CC (conclusões 17 a 20, 21):
A sentença recorrida considerou que não existia enriquecimento sem causa, com base nos seguintes fundamentos:
«A Ré invoca, ainda, que a pretensão do Autor é ilegítima, pois a procedência de tal pretensão consubstanciaria um enriquecimento sem causa.
Ora, o enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
Tal obrigação de restituir pressupõe a verificação cumulativa dos quatro requisitos, a saber, a existência de um enriquecimento, que ele careça de causa justificativa, que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição e que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado - 473.º, n.ºs 1 e 2, 474.º e 479.º, n. º1, do Código Civil.
Entende-se que o enriquecimento tanto pode traduzir-se num aumento do activo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas.
No caso concreto, tal enriquecimento ainda nem se verificou (pois nenhuma movimentação patrimonial existe, mas admitindo a condição futura com que tal instituto fora invocado, é de dizer que tendo a Ré de pagar o valor da cláusula penal, naturalmente que se verá um aumento do activo patrimonial do Autor, mas este não acontecerá sem causa, já que na sua génese está um contrato, no qual ambas previram uma cláusula penal que justifica o pagamento do valor peticionado.
Assim, sem necessidade de maiores considerações, por se afigurar manifesta, dir-se-á que, sub jucide, não existe qualquer enriquecimento sem causa.».
A recorrente, no seu recurso, defendeu o erro da sentença, por entender: que existe enriquecimento sem causa, nos termos do art.474º do CC, quando o património de alguém de valoriza, ou deixa de valorizar, à custa de outra pessoa, sem uma causa justificativa; que, neste caso, o autor não teve qualquer prejuízo ou encargo com o não pagamento pontual pela ré do seguro de vida ou com o não pagamento do seguro multirriscos, como consta do facto 21 e o do seu cancelamento do seguro no Banco 1....
Impõe-se apreciar.
2.2.3.1. Enquadramento jurídico:
O enriquecimento sem causa encontra-se previsto nos arts.473º a 482º do CC.
É princípio geral deste instituto que «1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.» (art.473º do CC). Assim, é necessário, para que nasça esta obrigação: que exista um enriquecimento de alguém; que este seja obtido à custa de outrem; que, para o efeito, não exista uma causa justificativa. Neste contexto, e para o preenchimento destes requisitos, Ana Prata refere:
«2. O enriquecimento pode consistir na aquisição de um bem (ou de um direito sobre ele, que não seja a propriedade), como na possibilidade de dele desfrutar, na aquisição de um crédito, na liberação de uma dívida, na obtenção de um serviço ou na poupança de uma despesa.
No essencial, pode o enriquecimento resultar do aumento do ativo, da diminuição do passivo ou da poupança de uma despesa. O chamado enriquecimento por intervenção ou lucro por intervenção, isto é, a vantagem resultante da ingerência não autorizada num património alheio (direito de outrem) consubstancia-se, as mais das vezes embora não forçosamente, na poupança de uma despesa.
3. O enriquecimento é entendido pela grande maioria da doutrina como reflexo no património do enriquecido de um facto não justificado juridicamente.»[xix].
Por sua vez, a obrigação decorrente do enriquecimento tem uma natureza subsidiária, pela qual «Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.» (art.474º do CC). Desta forma, e como também refere Ana Prata, «Este preceito reconduz a utilizabilidade da figura a situações muito limitadas, pois ela funciona como último recurso de que o empobrecido pode socorrer-se. Se se estiver, p. ex., perante um negócio abusivo, em que seja invocável a usura (arts.282.º a 284.º), (…), não pode o empobrecido lançar mão do enriquecimento sem causa, pois tem outros meios de ser restituído ou ressarcido.»[xx].
Neste contexto, a subsidiariedade do recurso ao enriquecimento sem causa não deve, também, ser confundida com o recurso ao mesmo por falta de prova dos factos alegados como prévio fundamento do pedido ou da defesa. Neste sentido, pode ver-se, entre outros, o Ac. RG de 19.01.2023, proferido no processo nº5242/21.2T8GMR.G1, relatado por Maria João Matos, em coletivo integrado pela relatora deste acórdão (que sumariou, nomeadamente, «V. Tendo a acção baseada nas regras do enriquecimento sem causa natureza subsidiária, só podendo recorrer-se à mesma quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção, está excluída a utilização deste instituto por mero insucesso do meio de tutela específico utilizado previamente (por falta de idónea alegação ou do insucesso da prova produzida»), disponível in dgsi.pt.
2.2.3.2. Situação em análise:
Revertendo ao caso em análise, verifica-se que não procede o recurso ao enriquecimento sem causa para, pela negativa, obstar ao funcionamento da cláusula penal contratualmente acordada entre as partes.
Por um lado, a eventual falta de sofrimento pelo autor de um prejuízo efetivo ou encargo com o não pagamento pontual pela ré do seguro de vida ou com o não pagamento do seguro multirriscos, ainda que se pudesse presumir (face à falta de invocação pelas partes de ocorrência de sinistros, de morte ou incapacidade absoluta que não foram seguros por falta de pagamento dos prémios), não se poderia reconhecer como um fundamento que permitisse concluir que o acionamento da cláusula penal poderia gerar um enriquecimento do património do autor, face aos fundamentos já expostos em III-2.2.1. supra, pelos quais se concluiu, no que releva: que as partes previram cláusulas penais, nomeadamente a aqui acionada, para compelir ao cumprimento do acordo por cada uma das partes e não para indemnizar um prejuízo; que as obrigações assumidas neste acordo, quer pelo autor, quer pela ré, resultam em benefício exclusivo da ré/recorrente e do filho de ambos, sem qualquer vantagem patrimonial pessoal do autor; que o valor de cláusula penal que as partes definiram que o autor receberia da ré, em caso de falta de pagamento pontual por esta dos prémios de seguros exigidos pelo Banco mutuante (€ 20 000, 00), é inferior ao valor do capital que o autor assumiu em 2014 pagar em proveito exclusivo da sua ex-mulher/ré e do filho de ambos (€ 60 000, 00), acabando, materialmente, por abater em 33, 33% esta responsabilidade assumida pelo autor, sem contrapartida patrimonial pessoal.
Por outro lado, a cláusula penal pedida pelo autor nesta ação tem um fundamento concreto do contrato de 17.09.2014, celebrado por escritura pública, e constante do facto 1 provado em III-1.1. supra, razão pela qual não se pode concluir que não existe causa para a receção do referido valor, como também referido na sentença do Tribunal a quo, em asserção não discutida no recurso.
Pelo exposto, improcede o recurso também neste segmento.

IV. Decisão:

Pelo exposto, os juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
*
Custas do recurso pela recorrente, que decaiu no recurso (art.527º/1 do CPC).
*
Guimarães, 23 de novembro de 2023

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Alexandra M. Viana P. Lopes (Relatora)
Pedro Maurício (1º Adjunto)
Lígia Venade (2ª Adjunta)
           
 

[i] Tomé Soares Gomes, Juiz Conselheiro, inUm Olhar sobre a Prova em demanda da verdade no Processo Civil”, Revista do CEJ (2005), número 3, pág.138, Almedina.
[ii] Neste sentido, respetivamente: António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Almedina, 1999, págs. 147-148, Ac. RG de 17.02.2022 encontra-se disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/bd1ea2a905306c0e802588000040a0bd?OpenDocument
[iii] Nota 2 da sentença recorrida: [2] Vide, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-06-2018, proc. n.º 2042/13.7TVLSB.L1.S2, do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-06-2021, proc. n.º 1340/18.8T8CSC.L1-7, e do Tribunal da Relação do Porto de 22-11-2021, proc. n.º 1331/19.1T8AVR.P1, todas disponíveis em www.dgsi.pt.
[iv] J. M. Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, Almedina, 2006, págs.55, 59 e 60.
[v] António Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/
[vi] Pedro Albuquerque, in “Responsabilidade processual por litigância de má-fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo”, Almedina, 2006, pág.90.
[vii] Ana Prata, in Código Civil por si coordenado, Vol. I, 2ª Edição Revista e Atualizada, abril 2019, Almedina, nota 5 ao art.334º, pág.441.
[viii] Ana Prata, in obra citada, nota 6 ao art.334, pág.442.
[ix] Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in obra citada, pág.76.
[x]António Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, supra referido.
[xi] Ana Prata, in obra citada, nota 7 ao art.334º do C. Civil, pág.442.
[xii] Ana Filipa Morais Antunes, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações- Das obrigações em geral, Universidade Católica Portuguesa, dezembro de 2018, nota 4, pág.1172.
[xiii] Ana Filipa Morais Antunes, in obra citada, nota 4, pág.1172.
[xiv] Ana Filipa Morais Antunes, in obra citada, notas 9 e 13, págs.1174 e 1176, respetivamente.
[xv] Ana Filipa Morais Antunes, in obra citada, nota 9, pág.1174.
[xvi] Ana Filipa Morais Antunes, in obra citada, nota 4, pág.1172.
[xvii] Facto este provado com base na força probatória plena da escritura pública junta aos autos (art.371º do CC), passível de considerar oficiosamente por esta Relação, nos termos do art.607º/4-2ª parte, ex vi do art.663º/2 do CPC, apesar de não ter sido discriminado na decisão de facto da sentença recorrida.
[xviii] Facto este provado com base na força probatória plena da escritura pública junta aos autos (art.371º do CC), passível de considerar oficiosamente por esta Relação, nos termos da nota antecedente.
[xix] Ana Prata, in obra citada, anotações 2 e 3, pág.649.
[xx] Ana Prata, in obra citada, anotação 1, pág.650.