TRÂNSITO EM JULGADO
CONTAGEM DO RESPECTIVO PRAZO
APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE RECURSO
Sumário


I – O prazo de 10 dias para interposição do recurso com impugnação da matéria de facto, concedido pelo número 7 do artigo 638.º do CPC, e o prazo de complacência de 3 dias previsto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, não entram no cálculo da data a atender para o trânsito em julgado da decisão, porque a sua contabilização pressupõe sempre que tenha havido efetiva interposição de recurso com a necessidade de utilização de tais prazos.
II – A declaração pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 515/2020, de 18 de novembro, da inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, não tem qualquer repercussão no modo de contabilização do prazo interrompido.
III – A interrupção do prazo em curso por força da apresentação de escusa pelo Patrono nomeado, encontra-se prevista no n.º 2 do artigo 34.º da LAJ, pelo que, a remissão para o respetivo artigo 24.º, n.º 5, respeita ao momento e não ao modo de contabilização do prazo.
IV – O prazo interrompido não se contabiliza como se suspenso estivesse, contando-se após cada notificação os dias que já haviam decorrido, e vendo os que ainda faltariam decorrer.
V – Ao invés, a interrupção de um prazo inutiliza todo o tempo entretanto decorrido, começando o prazo que estava em curso a correr de novo, por inteiro.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Processo n.º 478/21.9T8FAR-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]

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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I. RELATÓRIO
1. AA e BB, AA. nos autos supra identificados que instauraram contra o réu CC, inconformados com o despacho proferido em 11.10.2022, apelaram, impetrando que o mesmo «seja revogado e substituído por outro, que declare que a sentença proferida nos próprios autos já transitou em julgado», formulando as seguintes conclusões:
«A) Os ora os recorrentes, vêm interpor recurso do despacho proferido pelo douto tribunal a quo, que indeferiu o pedido da emissão de certidão da decisão/sentença, proferida no dia 30 de Março de 2022, com menção do trânsito em julgado.
B) Entendeu o douto tribunal a quo, que tendo em conta as nomeações de patronos, face aos pedidos de escusa apresentados, o prazo de interposição do recurso foi interrompido, nos termos do artigo 34, nº 2, da Lei de 29 de Julho e não assiste razão aos ora recorrentes no requerimento apresentado.
C) Com devido respeito, andou mal, o tribunal a quo ao tomar esta posição, no douto despacho agora posto em crise.
E) O prazo, para interposição de recurso iniciou-se no dia 4 de Abril de 2022, ao contrário do mencionado pelo douto tribunal a quo que menciona que o referido prazo, iniciou-se no dia 5 de abril de 2022, uma vez que, os mandatários foram notificados da douta sentença no dia 31 de Março de 2022, tendo a contagem do prazo iniciado no dia 4 Abril de 2022, (cf. Artigo 248, nº 1 do CPC).
F) O prazo do recurso em causa é de 30 dias, acrescido de 10 dias se tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao contrário do douto despacho que menciona que o prazo do recurso terminaria no dia 13 de Maio de 2022, ou no dia 16 de Maio de 2022 (3º dia útil subsequente), o prazo do recurso terminava no dia 23 de Maio de 2022, acrescido de três dias de dilação, no dia 26 de Maio de 2022.
G) Assim, ao contrário do mencionado do douto despacho, ora posto em crise, o prazo de recurso não terminava no dia 16 de Maio de 2022, mas sim no dia 26 de Maio de 2022.
H) O douto tribunal a quo, entende que, com as sucessivas nomeações de patronos, (três até à data), após pedido de escusa da Drº DD, que o prazo de recurso foi interrompido.
I) O que, os ora recorrentes discordam com devido respeito. Isto porque,
J) O douto tribunal a quo, alega a interrupção do prazo em causa nos termos do artigo 34, nº 2 da Lei nº 34/2004, de 29/07, sendo que, o referido artigo que estipula o citado artigo o seguinte:
O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respetivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto o nº 5 do artigo 24.
K) O artigo 24º nº 5 da citada lei estabelece:
O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior iniciase, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
L) O Acórdão do Tribunal constitucional nº 515/2020, de 18 de Novembro, declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma da alínea a) do nº 5 do artigo 24 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.
M) Sendo que, as normas declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral (nº 1 do artigo 282º da CRP) são sancionadas com nulidade.
N) De acordo, com o referido acórdão do Tribunal Constitucional, não se poderá dizer que o prazo de recurso foi interrompido, aquando da nomeação dos dois patronos nomeados, ou seja interrompido no 13 de Maio de 2002, no dia 5 de Julho de 2022 e no dia 7 de Setembro de 2022.
O) Por outro lado, é entendimento, que só com a nomeação de novo patrono cessa, o patrocínio oficioso antes conferido a anterior, inexistindo qualquer interrupção de prazo processual em curso pela apresentação do requerimento de substituição, ao contrário do que se prevê no artigo 24.º, n.º 4 e n.º 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, assim como para a nomeação inicial de patrono, e no artigo 34.º, n.º 2 do mesmo diploma, para a escusa, (sublinhado nosso) face à diferente ponderação de interesses ínsitos nestas e naquela outra hipótese. Neste sentido o Acórdão da Relação de Guimarães de 24-10-2019.
P) Logo, a cessação de primitivo patrono nomeado ou, a eventual da interrupção dos prazos processuais em curso dá-se, não na sequência do pedido de escusa de patrono, mas sim, com o seu deferimento, artigo n.º 2 do artigo 32.º da Lei nº 34/2004, de 29/07. E,
Q) Ao assim ser, no dia 8 de Julho de 2022, quando é dado conhecimento aos presentes autos da substituição e nomeação de novo patrono, (nomeado no dia 7 de Julho) já tinha sido ultrapassado o prazo de recurso, 26 de Maio de 2022, encontrando-se o processo já transitado em julgado.
R) Pelo que, não assiste razão ao douto tribunal a quo ao indeferir o requerido pelos ora aqui recorrentes, ou seja emissão da certidão da sentença com menção do transito me julgado. Pois,
T) Nos termos do artigo 32º nº 2 e artigo 24º nº 4 e 5 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, só após nomeação de novo patrono é que começa a correr novo prazo. E,
U) Nessa sequência, aquando da nomeação nos autos de novo patrono, o prazo de recurso já tinha sido ultrapassado. E,
V)Não foi tido em conta, pelo douto tribunal, que nos autos a Ilustre Patrona Drª DD substabeleceu sem reserva na Drª EE, sendo que o substabelecimento sem reserva de poderes não exclui da posição representativa o substituinte, e não existiu renúncia a esta procuração. Assim,
W) Por virtude de tal subprocuração, ficarão a subsistir dois mandatos, precisamente com o mesmo conteúdo, podendo e devendo qualquer dos mandatários praticar os actos judiciais.
X)Por esta banda o prazo também não foi interrompido.
Y) Pelo que, assiste razão aos ora recorrentes de solicitar nos autos, certidão de sentença com menção do trânsito em julgado».

2. Não foram apresentadas contra-alegações.

3. Observados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha.
Assim, a única questão colocada à apreciação deste Tribunal é a de saber se, em face dos elementos constantes dos autos quanto à representação do réu em juízo, a sentença proferida em 30.03.2022, já transitou em julgado, devendo ser determinada a emissão da certidão da sentença com tal nota.
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III – Fundamentos
III.1. – Tramitação processual
As incidências processuais relevantes para a decisão do recurso são as seguintes:
1. Por requerimento apresentado em 14.12.2021, o Réu veio requerer que fosse admitida a “a junção aos autos de substabelecimento com reserva”, subscrito pela Advogada DD, e no qual consta expressamente mencionado, com sublinhado de origem: “substabeleço, com reserva, na minha distinta colega, Dra. EE (…), os poderes que me foram atribuídos por nomeação oficiosa (…)».
2. Na ata da audiência final de 20.12.2021, consta que se encontravam presentes “A Ilustre Patrona do Réu, Dra. DD; A Ilustre Mandatária Estagiária, Dra. EE (apresentou substabelecimento a seu favor que depois de lido, achado conforme e rubricado, o Mmº. Juiz de Direito determinou que fosse junto aos autos)”.
3. Este substabelecimento corresponde ao instrumento descrito em 1.
4. A sentença foi proferida no dia 30.03.2022, e notificada às partes no dia 31.03.2022.
5. No dia 13.05.2022, a Patrona do R., a Sr.ª Dr.ª DD, pediu escusa da sua nomeação à Ordem dos Advogados, juntando aos autos o respetivo documento comprovativo.
6. No dia 07.06.2022 foi nomeado Patrono do R. o Sr. Dr. FF, que apresentou pedido de escusa (com a junção aos autos do respetivo documento comprovativo), a 05.07.2022.
7. No dia 06.07.2022 foi nomeado Patrono do Réu o Sr. Dr. GG, que apresentou o seu pedido de escusa (com a junção aos autos do respetivo documento comprovativo) em 07.09.2022.
8. Em 26.09.2022, com o fundamento de que a decisão transitou em julgado no dia 20.06.2022, os autores apresentaram requerimento (citius n.º 10490892), pedindo que fosse «emitida a certidão com trânsito em julgado da decisão, requerida pelos AA. no dia 2 de Agosto de 2022 e devidamente liquida não tendo a mesma ainda sido emitida».
9. Pelo despacho proferido em 11.10.2022, ora sob recurso, este requerimento foi indeferido.
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III.2. – O mérito do recurso
Pretendem os Recorrentes que seja revogado o despacho proferido em 11.10.2022, com o seguinte teor:
«Por sentença datada de 30/03/2022 foi declarada a resolução do contrato de arrendamento habitacional celebrado entre os autores AA e BB e o réu CC, tendo sido este condenado a desocupar e entregar aos Autores o prédio em questão, completamente livre e devoluto de pessoas e bens, bem como no pagamento das rendas vencidas e não pagas e as rendas vincendas até ao trânsito em julgado da decisão, e, a título de valor indemnizatório pela ocupação após resolução, 210,00 € (duzentos e dez euros) por cada mês de ocupação do locado, desde o trânsito em julgado da sentença até à efetiva entrega do locado.
Dispõe o artigo 628.º do CPC «A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação». Assim, sendo a decisão suscetível de recurso ordinário, o trânsito em julgado da sentença depende do decurso do prazo para o efeito.
No caso dos autos, tratando-se de uma ação que aprecia a cessação de um contrato de arrendamento, é sempre admissível recurso para Relação, tal como estabelece o artigo 629.º, n.º 3, alínea a), do CPC, sendo que o prazo para a interposição do recurso é de 30 (trinta) dias a contar da notificação da decisão e, se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, acrescem 10 (dez) dias (cf. artigo 638.º, n.ºs 1 e 7, do CPC).
A Ilustre Patrona do Réu, Sra. Dra. DD, foi notificada da referida sentença em 04/04/2022 (cf. artigo 248.º, n.º 1, do CPC), tendo a contagem do prazo iniciado a 05/04/2022 (cf. artigo 279.º, alínea b) do CC). Assim, o prazo de 30 (trinta) dias terminaria no dia 13/05/2022 ou no 3.º dia útil subsequente, dia 16/05/2022, ficando a validade do ato dependente do pagamento imediato de uma multa (cf. artigos 138.º e 139.º do CPC, 279.º, alínea b) do CC e 28.º da Lei n.º 68/2013, de 26/08).
No dia 13/05/2022 a Ilustre Patrona do Réu apresentou o seu pedido de escusa (com a junção aos autos do respetivo documento comprovativo) e, nos termos do disposto no artigo 34.º, n.º 2, da Lei 34/2004, de 29/07, o pedido de escusa interrompe o prazo que estiver em curso.
Neste seguimento, no dia 07/06/2022 foi nomeado como Ilustre Patrono do Réu o Sr. Dr. FF, que se considerou notificado dessa nomeação a 10/06/2022 (cf. artigo 248.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 38.º da Lei 34/2004 de 29/07), começando a correr novo prazo a partir dessa notificação, pois a interrupção inutiliza o tempo decorrido anteriormente.
Assim, no momento em que o Ilustre Patrono do Réu apresenta o seu pedido de escusa (com a junção aos autos do respetivo documento comprovativo), a 05/07/2022, o prazo para interposição de recurso ainda se encontrava a decorrer, tendo sido interrompido nessa data, nos termos do disposto no artigo 34.º, n.º 2, da Lei 34/2004, de 29/07.
No dia 06/07/2022 foi nomeado como Ilustre Patrono do Réu o Sr. Dr. GG, que se considerou notificado dessa nomeação em 11/07/2022 (cf. artigo 248.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 38.º da Lei 34/2004 de 29/07), tendo este apresentado o seu pedido de escusa (com a junção aos autos do respetivo documento comprovativo) em 07/09/2022, momento a partir do qual foi interrompido novamente o prazo em curso, nos termos do disposto no artigo 34.º, n.º 2, da Lei 34/2004, de 29/07.
Face ao exposto, não assiste razão aos Autores no requerimento apresentado em 26/09/2022 (requerimento citius n.º 10490892), pelo que se indefere, por agora, o requerido».
Dissentem os Apelantes, assacando ao despacho recorrido três erros, assim identificados:
1. – «andou mal e bem mal, o douto tribunal a quo, ao mencionar que o prazo de recurso terminaria no dia 16 de Maio de 2022»;
2. – «andou também mal, o douto tribunal a quo ao entender com as sucessivas nomeações de patronos, (duas até à data), após pedido de escusa da Drª DD, que o prazo de recurso foi interrompido»;
3. – «Por fim, resta ainda mencionar que nos autos a Ilustre Patrona Drª DD substabeleceu sem reserva na Drª EE, sendo que não houve renúncia a esta procuração.(…) Por esta banda o prazo também não foi interrompido.».
Conforme resulta da tramitação processual relevante supra elencada, mormente nos seus pontos 1 a 3, esta alegação dos Recorrentes a respeito da existência de um substabelecimento sem reserva da primeira Patrona nomeada a favor de outra advogada, só por apressada leitura do mesmo se compreende, pois não tem qualquer respaldo no documento junto aos autos onde consta, sublinhado até, que o mesmo foi conferido “com reserva”, a colega estagiária, estando, aliás, também presente no ato a Dr.ª DD.
É, pois, manifestamente improcedente, sem necessidade de maiores considerações, a pretensão veiculada nas conclusões V) a X).
Quanto ao primeiro erro apontado ao despacho recorrido, importa preliminarmente referir que o mesmo não teria qualquer relevância na economia do recurso, se correta fosse – e não é, como melhor veremos –, a perspetiva apontada pelos Apelantes quanto ao modo de contabilização dos prazos, pois que até favoreceria a sua pretensão.
Com efeito, quando no dia 13.05.2022, a Patrona do R., a Sr.ª Dr.ª DD, pediu escusa da sua nomeação à Ordem dos Advogados, juntando aos autos o respetivo documento comprovativo, tanto na contagem da sentença recorrida como na efetuada pelos Apelantes, a sentença recorrida não estava transitada.
Não obstante, cremos que a relevância da correta contagem dos prazos, atentos os efeitos preclusivos do seu decurso, impõe duas breves notas a este respeito.
Na realidade, ao contrário do propugnado pelos Apelantes, nem o prazo de 10 dias para interposição do recurso com impugnação da matéria de facto, concedido pelo número 7 do artigo 638.º do CPC, nem o prazo de complacência de 3 dias previsto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, que foi contabilizado pelo tribunal, entram no cálculo da data a atender para o trânsito em julgado da decisão, porque a sua contabilização pressupõe sempre que tenha havido efetiva interposição de recurso com a utilização de tais prazos, ou seja, com a impugnação da matéria de facto e com o pagamento da multa devida.
Pese embora não se desconheça que já existiram decisões nesse sentido, a verdade é que a jurisprudência mais recente tem vindo a consolidar-se no sentido que sufragamos, e que se extrai, a título meramente exemplificativo, do sumário do seguinte aresto:
«1.- Só com a efectiva interposição do recurso e com a incidência do mesmo sobre o julgamento de facto, se pode considerar que o recorrente beneficia do prazo adicional de 10 dias previsto no nº 7 do art. 638º do Código Processo Civil.
2.- Desse modo, esse prazo de 10 dias nunca entra no cálculo do trânsito em julgado, pois que, o mesmo pressupõe sempre a interposição de recurso ao julgamento de facto»[4].
Por outro lado, também o prazo de três dias úteis consagrado no artigo 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil não deve ser ponderado para este efeito.
Na verdade, como já se salientava no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.02.2004[5], (ainda que tirado à luz da lei anteriormente em vigor), «o prazo de três dias concedido pelo art.º 145º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, é um mero prazo de tolerância que não afecta a contagem do prazo para interposição de recurso nem para apresentação de reclamações, nem portanto para o trânsito em julgado da decisão, prazo esse que é de apenas dez dias nos termos dos art.ºs 685º, n.º 1, ou 153º, do Cód. Proc. Civil, e que não é alargado por aquele n.º 5 do art.º 145º».
Neste sentido decisório, foi tirado acórdão no Supremo Tribunal de Justiça no dia 23 de junho de 2022[6], com o seguinte sumário:
«O prazo de três dias úteis previsto no artigo 139.º/5º, CPC, apenas releva para o efeito de determinação do trânsito em julgado, se for exercido o direito conferido por tal norma.»
Da sua fundamentação consta o aresto em que assentou a discordância do recorrente – o acórdão STJ de 13.12.2001 – que «seguindo a conhecida posição de Abílio Neto, no Código de Processo Civil Anotado, decidiu, e passamos a transcrever o ponto II do seu sumário, que «para que se opere o trânsito em julgado de uma decisão, há que fazer acrescer aos prazos normais de interposição de recurso, e/ou arguição de nulidades, o prazo máximo de condescendência fixado no art. 145.º», agora 139.º, CPC».
Porém, prossegue afirmando que «essa não tem sido a posição atualmente seguida no STJ, nas diversas seções – Criminais, Cíveis e Social –; diversamente, vem sendo entendido que para efeito de determinação do trânsito em julgado o prazo de três dias úteis previsto no nº 5, do artigo 139º, CPC, apenas releva, se efetivamente for exercido o direito conferido por tal norma», dando seguidamente nota de outros arestos do nosso mais Alto Tribunal coincidentes neste sentido decisório.
Isto dito, importa ainda sublinhar que, ao contrário do que também consideram os Apelantes, o dies a quo da contagem do prazo a atender inicialmente foi bem contabilizado na decisão recorrida. Com efeito, tendo a notificação da sentença sido efetuada em 31.03.2022, presume-se que a Ilustre Patrona do Réu, Sra. Dra. DD, foi dela notificada em 04.04.2022, já que o dia 03.04.2022 foi domingo (cf. artigo 248.º, n.º 1, do CPC). Assim, de acordo com o disposto no artigo 279.º, alínea b) do CC, como na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr (que aqui corresponde ao dia da notificação) a contagem do prazo para interposição de recurso iniciou-se no dia seguinte, ou seja, a 05.04.2022 e não a 04.04.2022, como pretendem os recorrentes. Como tal, e não se contabilizando nem os 10 dias previstos para o recorrente que impugna a matéria de facto, nem o prazo de 3 dias para a prática do ato com pagamento de multa, mas tendo presente que a contagem se suspendeu nas férias judiciais da Páscoa, o prazo de 30 dias para interposição do recurso terminaria precisamente no dia 13.05.2022.
Ora, conforme bem se afirmou no despacho sindicando, quando no dia 13.05.2022 a Ilustre Patrona do Réu apresentou o seu pedido de escusa (com a junção aos autos do respetivo documento comprovativo), nos termos do disposto no artigo 34.º, n.º 2, da Lei 34/2004, de 29.07[7], esse pedido de escusa interrompeu o prazo que ainda estava em curso, o que nos leva para o segundo erro assacado pelos Recorrentes à decisão.
Esgrimem os Apelantes com a invocação de que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 515/2020, de 18 de novembro, declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, sendo que, as normas declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral (n.º 1 do artigo 282.º da CRP) são sancionadas com nulidade.
Porém, basta a leitura do segmento dispositivo desse mencionado aresto para ver que o Tribunal Constitucional decidiu «declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação dos números 1 e 4 do artigo 20.° da Constituição, da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado». (o itálico é nosso). Portanto, essa declaração de inconstitucionalidade reporta-se à preocupação com questão diversa da presente, e que tem estritamente que ver com a definição do momento temporal a partir do qual se contabiliza o dies a quo do prazo em curso, relativamente à qual não havia unanimidade de entendimentos, tendo assim ficado afastada a conformidade constitucional da interpretação que contabilizava aquele prazo desde a notificação do Patrono, mesmo quando o requerente do benefício de patrocínio desconhecia que lhe tinha sido nomeado advogado[8].
Deste modo, tal declaração de inconstitucionalidade não tem qualquer repercussão na única questão que está em causa nestes autos e que é a da contabilização do prazo em curso quando existe interrupção do mesmo, como ocorre no caso prevenido no n.º 2 do artigo 34.º da LAJ, cuja remissão para o respetivo artigo 24.º, n.º 5, respeita ao momento e não ao modo de contabilização do prazo, isto porque, que o mesmo se interrompe já resulta expresso naquele primeiro normativo.
E note-se que a consequência jurídica do pedido de escusa ser a interrupção do prazo em curso e não a sua suspensão, decorre de expressa intenção do legislador.
Com efeito, quando está em causa o pedido de nomeação de patrono, em ações em que é obrigatório o patrocínio judiciário, tal pedido assume-se como essencial ao exercício do direito de ação ou de defesa, consoante a fase processual, devendo considerar-se «os interesses em causa como assumindo particular relevância social por a violação daqueles direitos poder implicar ultrapassagem dos precisos limites do caso concreto»[9].
Por isso que, de acordo com o previsto no artigo 24.º, n.º 4, da LAJ, “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”, por forma a permitir-lhe exercer a sua defesa, devendo ainda ter-se presente que, numa interpretação da Lei do Apoio Judiciário conforme à Constituição, «o procedimento de concessão de apoio não pode onerar o requerente com uma diminuição das suas garantias de defesa», e ainda que «quando o pedido de apoio visa a nomeação de patrono, (…) desacompanhada de mandatário forense, a parte não dispõe de meios para, no processo defender (ou defender adequadamente) os seus direitos e interesses»[10].
Assim, pretendendo o legislador que o prazo em curso se interrompa (e não que se suspenda), como em seguida veremos, são os Apelantes quem incorre em erro no modo de contagem de um prazo interrompido. Daí a razão da nossa afirmação anterior quanto à irrelevância de tal prazo se ter interrompido nos dias 13, 16 ou 26, porque apenas importa o facto de o mesmo ainda estar em curso à data em que os Patronos sucessivamente nomeados foram pedindo escusa.
Com efeito, os Apelantes contabilizam o prazo interrompido como se de um prazo suspenso se tratasse, afirmando que quando em 07.06.2022 foi nomeado outro patrono em substituição da primeira, reiniciou-se a contagem do prazo de 13 dias (como vimos, contabilizaram os 10+3 dias da impugnação e multa), mas não é assim.
Na realidade, prevê o n.º 2 do artigo 34.º da LAJ, uma das consequências jurídicas do pedido de escusa formulado pelo patrono nomeado para o patrocínio na pendência da ação, estatuindo que a junção ao processo do documento comprovativo da sua formulação interrompe o prazo que estiver em curso e que se aplicará o disposto no n.º 5 do artigo 24.º do mesmo diploma.
SALVADOR DA COSTA[11] salienta que «[a] aplicação, na espécie, do disposto no n.º 5 do artigo 24.º desta Lei significa que o prazo que estiver em curso aquando da apresentação do pedido de escusa pelo patrono se reinicia», significando isso, como cristalinamente esclarece em anotação a este preceito que «[o] prazo que estiver em curso para deduzir a contestação ou alegação no recurso, conforme os casos, começa a correr por inteiro a partir da notificação da decisão que dele conhecer».
Por outras palavras, o prazo interrompido «começa de novo a correr após a notificação», referindo ainda, em nota de rodapé, que já assim era no domínio do anterior diploma e citando jurisprudência nesse sentido.
Assim sendo, dúvidas não existem de que o prazo interrompido não se contabiliza como pretendem os Apelantes, ou seja, como se suspenso estivesse, contando-se após cada notificação os dias que já haviam decorrido e vendo os que ainda faltariam decorrer.
Ao invés, a interrupção de um prazo inutiliza todo o tempo entretanto decorrido, começando o prazo que estava em curso a correr de novo, por inteiro.
Consequentemente, como é bom de ver, a pretensão veiculada pelos Apelantes de que a sentença recorrida já transitara em julgado quando foi nomeado o terceiro patrono, em substituição do segundo, não pode proceder.
Efetivamente, quando no dia 07.06.2022 foi nomeado Patrono do R. o Sr. Dr. FF, começou a contar-se novamente o prazo de 30 dias para interposição de recurso da sentença, prazo esse que não havia expirado quando aquele apresentou o pedido de escusa (com a junção aos autos do respetivo documento comprovativo), a 05.07.2022.
De igual forma, quando no dia seguinte, dia 06.07.2022, foi nomeado Patrono do Réu o Sr. Dr. GG, voltou a iniciar-se a contabilização do prazo inteiro de recurso, de 30 dias, que ainda decorria quando aquele apresentou o seu pedido de escusa (com a junção aos autos do respetivo documento comprovativo) em 07.09.2022, mercê da sua suspensão no período das férias judicias, interrompeu-se novamente o prazo em curso.
Assim sendo, quando em 26.09.2022, os Autores, ora Apelantes, apresentaram o requerimento (referência citius n.º 10490892) pedindo que fosse emitida certidão da sentença proferida nos autos com nota de trânsito em julgado, a sentença não havia efetivamente transitado mercê dos sucessivos pedidos de escusa por parte dos Ilustres Patronos nomeados ao Réu, pelo que, nada há a censurar ao despacho recorrido que, constatando tal realidade, indeferiu o requerido.
Nestes termos, na improcedência do recurso, impõe-se a confirmação do despacho recorrido.
Vencidos, os Apelantes suportam as custas recursivas, na vertente de custas de parte, atento o princípio da causalidade, e o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do CPC.
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III - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta conferência, na improcedência da apelação, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
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Évora, 12 de outubro de 2023
Albertina Pedroso [12]
Manuel Bargado
Florbela Lança

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[1] Juízo Local Cível de Faro – Juiz 1
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Manuel Bargado; 2.ª Adjunta: Florbela Lança.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Cfr, Ac. TRC de 23.09.2014, proferido no processo n.º 913/09.4TBCBR.C1, e no mesmo sentido, de 06.10.2015, no processo n.º 1466/14.7T8CBR-E.C1, para os quais se remete para maiores desenvolvimentos, ambos acessíveis em www.dgsi.pt, sítio onde se encontram os demais arestos que venham a ser mencionados sem indicação de outra origem.
[5] Proferido no processo n.º 04A4156.
[6] Tirado no processo n. º 191/17.1JELSB.L1-A.S1, em recurso para fixação de jurisprudência, no qual, como é sabido, o trânsito em julgado dos acórdãos fundamento é pressuposto.
[7] Doravante abreviadamente designada LAJ.
[8] Para maior desenvolvimento a respeito desta questão, pode consultar-se o Acórdão desta Relação de 28.06.2018, proferido no processo n.º 4211/16.9T8ENT-A.E1, também relatado pela ora relatora.
[9] Assim se considerou no Acórdão de 14.10.2010, proferido no processo n.º 3959/09.9TBOER.L1.S1, no qual o Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso de revista excecional fazendo apelo aos direitos constitucionalmente consagrados e assumindo que «a questão essencial suscitada pela recorrente prende-se com saber se houve ou não violação dos seus direitos de defesa e de acesso ao direito, constitucionalmente consagrados como direitos fundamentais, por não se ter atentado em eventual interrupção atendível do prazo para contestar determinada pelo pedido de nomeação de patrono, (…)».
[10] Cfr. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, págs. 181 e 182.
[11] In O Apoio Judiciário, 9.ª edição atualizada e ampliada, Almedina 2013, págs. 203 e 155, sendo nosso o sublinhado.
[12] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado eletronicamente pelos três desembargadores que integram esta conferência.