FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ALIMENTOS DEVIDOS A FILHOS MENORES
DETERMINAÇÃO DO VALOR
DESPESAS
Sumário


I – A obrigação a cargo do FGADM assume uma natureza garantística e assistencial, competindo-lhe assegurar o pagamento das prestações de alimentos em caso de incumprimento da obrigação pelo respetivo devedor, quando verificada uma situação de carência.
II – Para a determinação do seu montante, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor, não podendo ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário e também não podendo exceder mensalmente o montante de 1(um) IAS, independentemente do número de filhos menores.
III – A legislação especial aplicável ao caso não contém uma noção própria de alimentos devidos a menores, pelo que a noção de alimentos aplicável é a que decorre do Código Civil, não se podendo excluir liminarmente que o valor a cargo do Fundo não englobe a parte variável, a par da fixa, da prestação de alimentos a cargo do progenitor em incumprimento.
IV – Não basta fixar esse valor com base na equidade, regras da experiência e da normalidade, pois o critério para determinação e concretização do valor da parte variável da prestação de alimentos tem de ser provado nos autos.
V – Estando reconhecido o incumprimento em relação à prestação fixa de alimentos (150,00 €), e provado que a mãe do menor tem com este despesas de saúde e escolares no montante de 20,00 € mensais (que o devedor originário estava obrigado a pagar na proporção de metade), esse valor deverá ficar a cargo do FGADM.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Acordam os Juízes que integram a 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – RELATÓRIO
1.1. O Ministério Público instaurou processo de incumprimento das responsabilidades parentais respeitante ao menor AA, contra BB por incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais fixado, relativamente ao pagamento da pensão de alimentos a favor daquele.

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1.2. Por decisão proferida em 24 de maio de 2023, foi julgado procedente o incidente suscitado por Ministério Público em representação do menor e, em consequência, condenado o requerido BB a pagar o total de 2 300,00 € (dois mil e trezentos euros) referente à sua quota parte na comparticipação das despesas de saúde da criança, e a despesas escolares.
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1.3. Em 26 de maio de 2023, o Ministério Público promoveu, nos termos do art.º 4.º, n.º 1, do DL n.º 164/99, de 13 de maio, que fosse solicitado à Segurança Social a elaboração de relatório sobre as condições económicas do agregado familiar dos menores, a fim de equacionar a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos (FGADM).
Em 15 de junho 2023, o Ministério Público promoveu, que se determinasse a atribuição da pensão de alimentos ao menor AA, através do FGADM, em substituição do progenitor, por se verificarem os respetivos pressupostos fáctico-jurídicos.
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1.4. Por decisão de 21 de junho de 2023, foi decidido “fixar em €150,00 mensais a titulo de pensão de alimentos fixa e o valor de € 20 mensais a titulo de pensão de alimentos variável num total de € 160 a favor do menor AA, nascido em .../.../2009 a prestar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, em substituição do progenitor BB e a entregar à mãe do menor e de CC.”
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1.3. Inconformada com tal decisão, apela o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL I.P., (IGFSS,IP), na qualidade de gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), terminado as suas alegações pela formulação das seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão a fls…, de 21-06-2023, que condenou o FGADM a assegurar ao menor, AA, em substituição do progenitor incumpridor, a prestação de alimentos fixa no valor mensal de €150,00 (cento e cinquenta euros), a que acresce o pagamento do montante mensal de €20,00 (vinte euros), a título de prestação de alimentos variável, na parte que se reporta à condenação do prestação de alimentos a título variável no valor mensal de €20,00 (vinte euros).
2. Nos termos do preceituado no art.º1.º da Lei n.º75/98, de 19 de Novembro e no art.º3.º do DL n.º 164/99 de 11 de Maio, para que o FGADM seja chamado a assegurar as prestações de alimentos atribuídas a menores residentes no território nacional é necessário que se verifiquem os pressupostos seguintes:
- que o progenitor esteja judicialmente obrigado a alimentos;
- a impossibilidade de cobrança das prestações em divida nos termos do art.º 48.º do RGPTC;
- que o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS;
3. A lei faz depender a obrigação do FGADM da verificação cumulativa dos requisitos previstos nos diplomas que o regulamentam.
4. O sentido e a razão de ser da lei é apenas o de assegurar que, através do FGADM, os menores possam receber os alimentos fixados judicialmente a seu favor, mas apenas estes e após esgotados os meios coercivos previstos no art.º 48.º do RGPTC.
5. A obrigação do FGADM sendo nova e autónoma, não deixa de revestir natureza subsidiária, substitutiva relativamente à obrigação familiar (a dos progenitores).
6. Verificados os pressupostos para a sua intervenção, o FGADM só assegura a prestação alimentícia do menor, em substituição do devedor incumpridor, enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação.
7. Ao FGADM não cabe substituir definitivamente uma obrigação legal de alimentos devida aos menores.
8. O valor da prestação de alimentos a suportar pelo FGADM não pode exceder o montante da pensão de alimentos fixada (ou seja, o valor da pensão de base fixa estabelecida ao progenitor) e incumprida pelo obrigado originário.
9. No que confere ao exercício das responsabilidades parentais foi acordado o seguinte:
“a) Que o pai pagará a título de alimentos uma quantia de €300,00 (trezentos euros) mensais, para alimentos dos dois filhos menores e actualizável anualmente com referência aos índices do INE;”
“b) Que o pai pagará ½ (metade) das despesas escolares dos menores, tais como sejam as matrículas, frequências, mensalidades, livros escolares e outras até aqueles atingirem a maioridade e mediante a apresentação de recibo;”
“c) Que o pai ainda pagará ½ (metade) das despesas médicas ou com medicamentação dos menores mediante apresentação de recibo e até aqueles atingirem a maioridade;”~
10. A decisão ora recorrida condenou o FGADM a assegurar o pagamento ao menor em causa nos autos, do montante mensal de €150,00 (cento e cinquenta euros), a título de prestação de alimentos fixa, e do valor mensal de € 20,00 (vinte euros), a título de prestação de alimentos variável, em substituição do progenitor BB.
11. Não tendo sido referida qualquer necessidade especial dos menores é notório que as despesas em causa são extraordinárias, pontuais e esporádicas.
12. Tais despesas não têm uma natureza regular e muito menos mensal, podendo até não se verificarem.
13. Trata-se de despesas de montante incerto e variável ou até mesmo inexistente.
14. E a obrigação do pagamento de ½ de tais despesas por parte do progenitor apenas se constitui mediante a apresentação do recibo das mesmas.
15. Atenta a natureza da prestação a cargo do FGADM e os critérios objectivos fixados legalmente para efeitos da sua determinação, em especial, o “montante da prestação de alimentos fixada”, a que se faz menção no art.º 2.º n.º 2 e no art.º 4.º - A n.º 1 da Lei 75/98, de 19 de Novembro e no art.º 3.º n.º 5 do Dl n.º 164/99, de 13 de Maio, parece- nos inequívoco não poder o FGADM ser obrigado a suportar a variabilidade que está presente nas comparticipação das referidas despesas.
16. A legislação aplicável ao FGADM e em particular, o “montante da prestação de alimentos fixada”, a que se reportam os dispositivos legais anteriormente citados, aponta inequivocamente que para fixação do valor da prestação a cargo do FGADM haverá que atender a um valor determinado da pensão de alimentos (fixada ao progenitor).
17. Salvo o devido respeito, não se pode incluir no “montante da prestação de alimentos fixada”, despesas cujo valor efectivamente se ignora.
18. Para efeitos de determinar o montante da prestação substitutiva de alimentos a cargo do FGADM haverá necessariamente que recorrer ao critério de atender à pensão de alimentos de base fixa determinada ao obrigado originário.
19. De outra forma, tal implicaria a possibilidade de se poder ultrapassar o montante fixado a cargo do devedor originário, o que a lei não permite.
20. Salvo o devido respeito e melhor entendimento, a douta decisão ora recorrida, fixando o valor da prestação a cargo do FGADM, em montante superior ao da pensão de alimentos de base fixa estabelecida ao obrigado originário violou o disposto no art.º 4.º- A n.º1 da Lei 75/98, de 19 de Novembro.
21. O FGADM fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas as prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.
22. A sub-rogação do FGADM tem como limite, o direito a um determinado montante de alimentos fixado ao progenitor incumpridor, não o podendo exceder.
23. Atendendo a que o valor da pensão de alimentos estabelecida ao progenitor incumpridor, em benefício do menor dos autos, é de €150,00 (cento e cinquenta euros), como decorre da decisão recorrida, é esse “o montante da prestação de alimentos fixada” a ter em conta, para efeitos de determinação do valor da prestação a cargo do FGADM, pelo que, salvo melhor entendimento, o FGADM não pode ser obrigado a suportar uma prestação superior, no caso, fixada no valor global mensal de € 170,00 (€150,00 + € 20,00).
24. A decisão ora recorrida violou o disposto no artigo 2º nº2 e no art.º 4.º - A n.º 1, ambos da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3º nº 5 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio.”
Termina pedindo que se dê provimento ao recurso, declarando-se que o montante da prestação de alimentos a cargo do FGADM está limitado pelo valor da prestação fixa, determinada judicialmente ao progenitor do menor (no caso €150,00), e, consequentemente, deve ser revogada a douta decisão recorrida, na parte que determina, uma prestação substitutiva de alimentos de base variável, no valor de €20,00, reduzindo-se o valor da prestação global mensal a cargo do FGADM para o montante de €150,00 (cento e cinquenta euros).
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1.4. Contra-alegou o Ministério Público em defesa da decisão recorrida, formulando, no termo da motivação, as seguintes conclusões:
1ª – A pensão de alimentos devida pelo requerido ao seu filho AA é composta por duas partes: uma fixa, no valor de € 150,00, e outra variável, referente à comparticipação nas despesas escolares e de saúde do filho, de montante incerto.
2ª- Ambas as partes integram o conteúdo da obrigação de prestar alimentos que recai sobre o progenitor do AA, devendo ambas serem tidas em conta na determinação da prestação a pagar pelo FGADM, em substituição do obrigado a alimentos.
3ª- No entanto, o FGADM não pode ser condenado no pagamento de uma prestação incerta, motivo pelo qual o tribunal a quo concretizou o valor tendo em conta as despesas de saúde e escolares que a progenitora alegou despender mensalmente com o AA, constantes do inquérito realizado pela Segurança Social.
4ª- Ao decidir dessa forma, o tribunal a quo apenas quantificou a obrigação alimentar que já impendia sobre o progenitor, não criando uma nova obrigação de alimentos, nem aumentando o montante da pensão de alimentos a que o mesmo já estava obrigado a pagar por força do acordo de regulação das responsabilidades parentais.
5ª- Na verdade, por força do acordo de regulação das responsabilidades parentais, o progenitor já estava obrigado ao pagamento de metade das despesas escolares e de saúde do seu filho AA.
6ª- Assim, ao fixar esta quantia mensal de € 20,00 e ao inclui-la na prestação mensal a pagar pelo FGADM, o tribunal a quo não violou o disposto no artº 4º-A , nº 1 da Lei nº 75/98 de 19.11., nem o disposto no artº 2º, nº 2 do mesmo diploma legal.
7ª- Pelo exposto, o recurso do recorrente deverá ser julgado improcedente, e consequentemente, o despacho recorrido manter-se na íntegra.”
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1.5. Por despacho proferido em 26 de outubro de 2023, o recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida em separado e com efeito meramente devolutivo.
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1.6. Efetuada a apreciação liminar, colhidos os vistos legais e realizado o julgamento, nos termos do art.º 659.º, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso e questões a decidir
O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no art.º 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. art.º 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo do Código de Processo Civil, 2017, Almedina, p. 109).
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respetivo âmbito de cognição, a questão que importa apreciar é saber se o montante a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do progenitor, deve incluir, para além do valor da pensão quantificado num valor certo e mensal, o valor variável correspondente à obrigação do progenitor de comparticipar com metade do valor das despesas médicas, medicamentosas e escolares da criança que o tribunal a quo fixou, por recurso à equidade, em € 20,00 mensais.
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2.2. Os elementos fácticos a considerar são os referidos no relatório que antecede, devendo ainda considerar-se especificamente os seguintes:
1. AA, nascido em .../.../2009 é filho de BB e de CC;
2. Nestes autos foi proferida decisão em 24.05.2023, já transitada em julgado, que determinou o pagamento pelo progenitor no total de 2 300 € (dois mil e trezentos euros) referente à sua quota parte na comparticipação das despesas de saúde da criança, e a despesas escolares;
3. O valor referido em 2. permanece em divida;
4. Na regulação das responsabilidades parentais ficou acordado:
a) O pai pagará a título de alimentos uma quantia de 300,00 € (trezentos euros) mensais para alimentos dos dois filhos menores e atualizável anualmente com referencia aos índices do INE.
b) O pai pagará ½ (metade) das despesas escolares dos menores, tais como sejam as matrículas, frequências, mensalidades, livros escolares e ouras até aqueles atingirem a maioridade e mediante a apresentação de recibo.
c) O pai ainda pagará metade das despesas médicas ou com medicamentação dos menores mediante apresentação de recibo e até aqueles atingirem a maioridade.
5. O agregado familiar das menores é composto por 3 pessoas entre os quais o menor e sua mãe;
6. O agregado familiar tem rendimentos mensais no valor de €769,20 acrescido de prestações familiares na ordem dos € 250;
7. A mãe gasta cerca de 20 euros mensais em despesas de saúde e escolares do menor;
8. A capitação do rendimento do agregado familiar é de €349, 64. 9. O menor é estudante.
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2.3. Apreciação do recurso
2.3.1. Questão prévia
O recorrente Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores veio pedir a retificação da decisão de 21 de junho de 2023, porquanto, tendo a douta sentença proferida fixado em €150,00 (cento e cinquenta euros) mensais, o montante da prestação substitutiva de alimentos fixa e em €20,00 (vinte euros) mensais, o valor da prestação substitutiva de alimentos variável, ambas a cargo do FGADM e em benefício do menor AA, por manifesto lapso aritmético, na mesma se refere a condenação do FGADM no total mensal de €160,00 (cento e sessenta euros), quando o somatório dos valores das prestações referidas determina como valor global mensal a cargo do FGADM, o quantitativo de €170,00 (cento e setenta euros).
Dispõe o art.º 614.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que:
Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.”
Tendo em atenção a redação da parte do dispositivo da decisão sob recurso (“Pelo exposto, decido fixar em €150,00 mensais a titulo de pensão de alimentos fixa o valor de € 20 mensais a titulo de pensão de alimentos variável num total de € 160 a favor do menor AA, nascido em .../.../2009 a prestar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, em substituição do progenitor BB e a entregar à mãe do menor e de CC.”), ocorre, efetivamente um erro de calcula, na medida que que a prestação total fixada pelo tribunal se cifra, não em 160,00 €, mas sim em 170,00 €.
Neste conspecto, ordena-se a correção da decisão proferida em 21 de junho de 2023, na parte do dispositivo, e onde se lê “€ 160”, deve ler-se “€170”.
Notifique.
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2.3.3. Nos termos do n.º 1, do art.º 1.º, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, “[q]uando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.”
De acordo com o n.º 1, do art.º 2.º da mesma Lei, “[a]s prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores.”, acrescentando o n.º 2 da norma que “[p]ara a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.”.
De acordo com o art.º 4.º - A, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro:
1 - O montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores não pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou de fixação de alimentos.
2 - Caso tenham sido fixados coeficientes de atualização da pensão de alimentos, devem estesser considerados na determinação da prestação a atribuir pelo Fundo desde que a operação de liquidação possa ser realizada através de simples cálculo aritmético e com o recurso a coeficientes de conhecimento público.
3 - A atualização da prestação de alimentos é efetuada oficiosamente pelo Fundo de Garantia aquando da renovação dos pressupostos para a respetiva atribuição e tendo como referência a variação positiva em vigor no termo do ano anterior ao da renovação.”
A Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio. E o n.º 1, do art.º 3.º deste diploma, na redação dada pela da Lei n.º 64/2012, de 20 de dezembro, aplicável ao caso, estabelece que:
O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao inicio do efectivo cumprimento da obriação quando:
a) a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
b) o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.”.
E o n.º 5 estatui que “[a]s prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor”.
Resulta nos autos demonstrado que na regulação das responsabilidades parentais ficou acordado:
a) O pai pagará a título de alimentos uma quantia de 300,00 € (trezentos euros) mensais para alimentos dos dois filhos menores e atualizável anualmente com referencia aos índices do INE.
b) O pai pagará ½ (metade) das despesas escolares dos menores, tais como sejam as matrículas, frequências, mensalidades, livros escolares e ouras até aqueles atingirem a maioridade e mediante a apresentação de recibo.
c) O pai ainda pagará metade das despesas médicas ou com medicamentação dos menores mediante apresentação de recibo e até aqueles atingirem a maioridade.
No caso em apreço não está em causa o critério de determinação da situação de carência enquanto pressuposto de intervenção social do FGADM, mas tão somente se pode ficar a cargo do FGADM uma parte da prestação do progenitor de carácter variável, nomeadamente se foi condenado no pagamento de uma pensão de alimentos fixa e numa percentagem nas despesas médicas, medicamentosas e escolares, em substituição do progenitor.
É sobejamente conhecida a querela doutrinária e jurisprudencial que, a propósito de tal questão, se desenvolveu no ordenamento jurídico português, havendo quem sustentasse que o valor da prestação a suportar pelo FGADM jamais poderia ultrapassar o valor da prestação de alimentos a que estava vinculado o devedor originário, defendendo outros, ao invés, a possibilidade de a prestação a suportar pel FGADM ser superior à prestação de alimentos fixada a cargo do devedor originário.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2015, de 19 de março de 2015, in DR, 1.ª série, n.º 85, embora de forma não consensual, veio equacionar aquela indefinição ao uniformizar assim a jurisprudência sobre tal questão:
Nos termos do disposto no artigo 2.° da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3.° n.º 3 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário”.
Os acórdãos uniformizadores de jurisprudência têm a virtualidade de por cobro a controvérsias geradas pela forma antagónica como as instâncias, até serem proferidos, apreciavam e decidiam questões concretas sobre as quais eram chamadas a pronunciar-se. Pela sua natureza, constituem jurisprudência qualificada, da qual apenas é de consentir divergência quando se desenvolva um argumento novo e de relevante valor, nele não ponderado, seja no seu texto, seja nos votos de vencido, suscetível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada.
A desconsideração do referido acórdão uniformizador, permitindo que o FGADM suportasse uma prestação de valor superior à que estava obrigado o devedor originário, frustraria o escopo da figura da uniformização, na proteção dos valores da segurança jurídica e da igualdade de tratamento.
No caso aqui em debate, o devedor originário estava, porém, obrigado, para além do pagamento de uma prestação mensal fixa, no valor de 150,00 €, a uma prestação incerta e de conteúdo variável, na medida em que tinha de suportar metade das despesas escolares dos filhos menores (estando, nestes autos apenas em causa um dos menores, o AA) e metade das despesas médicas ou com medicamentação dos menores mediante apresentação de recibo e até aqueles atingirem a maioridade.
Como se escreve no recente acórdão do TRE, de 30.03.2023, em que é relatora Maria Adelaide Domingos (aqui 1.ª Adjunta):
Deste modo, como decorre do AUJ n.º 5/2015 e do artigo 4.º-A da Lei n.º 75/98, de 19-11, a prestação a suportar pelo FGADM, embora tenha de ser determinada levando em atenção a capacidade económica do agregado familiar, o montante da prestação de alimentos fixada e as necessidades específicas do menor, não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário e também não pode exceder mensalmente ao montante de 1(um) IAS, independentemente do número de filhos menores (artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, de 19-11), sem prejuízo das atualizações que o FGADM possa fazer nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do 4.º-A, da Lei n.º 75/98, de 19-11.” (sublinhado nosso), interrogando-se, de seguida, no referido acórdão, se: a questão que se coloca é se quando a lei se reporta a prestação fixada pelo tribunal, que deve ser atendida na determinação da prestação a cargo do FGADM (cfr. artigos 2.º, n.º 2, 4.º-A, n.º 1, da Lei n.º 75/98, e artigo 3.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99), está apenas a referir-se à prestação que foi fixada num valor fixo ou se também ali se incluí o valor variável da prestação de alimentos.”
E responde da seguinte forma: “Pelo facto de ser variável não deixa de integrar a prestação de alimentos fixada pelo tribunal, pois nada impede que a composição da prestação de alimentos albergue um valor fixo e outro variável em função de determinadas circunstâncias, desde que o valor variável também tenha como finalidade prover a «tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário», aí estando compreendida «a instrução e educação do alimentado», como decorre da noção de alimentos prevista no artigo 2003.º do Código Civil.
(…) e a noção de alimentos a que se reporta a legislação sobre a obrigação do FGADM tem de ser reconduzida à noção geral de alimentos prevista na lei civil, em conformidade com a regra do artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil.
Consequentemente, não se pode inferir em face do referido preceito do Código Civil que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que quando os normativos que regulam a intervenção e obrigação a cargo do FGADM se referem a «alimentos fixados» apenas se reportam à componente fixa dessa prestação, excluindo a componente variável, pois não é de todo esse o sentido que melhor se adequa à noção de alimentos prevista no Código Civil.
Nesse sentido, afigura-se-nos que não se encontra excluída, à partida, a componente variável da prestação alimentar quando os artigos 2.º, n.º 2, 4.º-A, n.º 1, da Lei n.º 75/98, e artigo 3.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99 se referem a montante da prestação de alimentos fixado pelo tribunal, desde que seja salvaguarda a questão do valor da obrigação do FGADM não poder ser superior à obrigação do devedor original e o valor se conter dentro do valor de 1 IAS.
Nesta perspetiva, reconhece-se acerto na jurisprudência que emana do Acórdão da Relação de Évora de 11-01-2018 citada na decisão recorrida, no segmento em que decidiu que a componente fixa e variável da pensão de alimentos fixada na decisão judicial deve ser atendida aquando da determinação da obrigação de prestação de alimentos a cargo do FGADM em substituição do devedor original.”
Concordamos, pois, com a argumentação expendida.
Mas como concretizar essa componente variável?
Também concordamos com o que se escreve no acórdão relatado pela ora 1.ª Adjunta nestes autos no sentido de que sem qualquer elemento demonstrativo do valor das despesas, sem qualquer sustentação fáctica não é possível fixar um valor com recurso apenas às regras da equidade, da experiência e aos padrões de normalidade.
Sucede que no caso ora submetido à nossa apreciação, resultou provado (ponto 7) que a mãe gasta cerca de 20 euros mensais em despesas de saúde e escolares do menor.
E o recorrente não impugnou a matéria de facto que se deu como provada.
Nestas circunstâncias, aceita-se que a prestação a cargo do FGADM pode ser fixada em valor superior à prestação fixa a que estava obrigado o devedor originário (in casu, 150,00 €), de forma a poder também contemplar a prestação variável, sem que essa possibilidade afronte o decidido no mencionado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.
Neste caso, a prestação a suportar pelo FGADM compreenderia não apenas a prestação fixa a que estava obrigado o progenitor, mas também a prestação variável referente à sua comparticipação nas despesas médicas, medicamentosas e escolares a que também estava obrigado, valorando os elementos probatórios para tanto trazidos aos autos ou neles recolhidos.
Ora, atenta a natureza de intervenção do FGADM – em substituição do obrigado à prestação de alimentos –, a prova de que a mãe gasta cerca de 20,00€ mensais em despesas de saúde e escolares do menor, que seriam a cargo do progenitor na proporção de metade (10,00 €), aquele terá de responder na medida desse incumprimento.
Desta forma, estando reconhecido o incumprimento em relação, quer à prestação fixa de alimentos (150,00 €), quer às despesas a que o devedor originário estava obrigado, o valor das mesmas deverá ficar a cargo do FGADM, mas não na quantia de 20,00 €, mas sim de 10,00 €. É o que decorre dos autos: foi fixada ao menor a pensão de alimentos no montante de 150,00 € e resultou provado que para as despesas com saúde e escolares são necessários 20,00 € mensais.
Ora, o progenitor suportaria mensalmente metade daquele valor, ou seja, 10,00 €.
A natureza e função da obrigação cometida ao Estado, prosseguida através do FGADM, em caso de incumprimento por quem estava judicialmente obrigado à prestação alimentar devida a menores, o seu cariz social e assistencialista, no âmbito da proteção dos direitos das crianças, justificam a conclusão de que não se exige que a obrigação atribuída ao referido FGADM se contenha dentro dos limites da prestação fixada para o primitivo devedor.
Sendo assim, na procedência parcial da apelação, este tribunal da relação decide que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores terá a seu cargo e a favor do menor AA, a prestação de 150,00 € mensais, a título de pensão de alimentos, e prestação de 10,00 € mensais a título de despesas com saúde e escolares do referido menor.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, fixar a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, a favor do menor AA, a prestação de 150,00 € mensais, título de pensão de alimentos, e prestação de 10,00 € mensais a título de despesas com saúde e escolares do referido menor.
Sem custas.
Notifique.
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Évora, 23 de novembro de 2023
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários)

Maria José Cortes (Relatora)
Maria Adelaide Domingos (1.ª Adjunta)
José António Moita (2.º Adjunto)