IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário


I – Quando se impugna a matéria de facto tem de observar-se os ditames do art.º 640.º, n.º 1, a) a c), e n.º 2, a), do Código de Processo Civil, designadamente: a especificação dos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida, quanto ao ponto de facto impugnado; e quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda (sendo facultativa a transcrição de excertos);
II – O Tribunal da Relação não está legalmente em condições de sindicar os juízos probatórios do tribunal recorrido formulados com base em provas sujeitas à livre apreciação do julgador, formando a sua própria e autónoma convicção probatória sempre que não tem ao seu dispor todo o manancial probatório que o tribunal a quo teve para formar a sua convicção probatória, razão pela qual, nesse circunstancialismo, deve ser indeferida a reapreciação da prova sujeita à livre apreciação do tribunal.
III – Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos no que à interpretação e aplicação do direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo os apelantes logrado impugnar, com sucesso, tal matéria, que assim se mantém inalterada, fica, necessariamente, prejudicado o seu conhecimento, nos termos do n.º 2, do art.º 608.º, aplicável ex vi parte final, do n.º 2, do art.º 663.º e do n.º 6, deste artigo.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Acordam os Juízes que integram a 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – RELATÓRIO
1.1. SDS – SOLUÇÕES e DISTRIBUIÇÃO de EQUIPAMENTOS de SEGURANÇA, AA, BB e CC intentaram contra FF e EE, a presente ação declarativa, de apreciação negativa, sob a forma de processo comum, pedindo que seja declarada a inexistência de qualquer direito dos réus aos terrenos descritos na clausula 2.ª, quer em termos de titularidade da propriedade como em termos de áreas e delimitações, reconhecendo-se serem os autores únicos e legítimos proprietários dos mesmos nas exatas delimitações constantes das respetivas descrições e, em consequência absterem-se de qualquer ato sobre os mesmos prédios.
Para tanto alegam, em suma, que em 2009 adquiriram por compra os prédios ...89, ...88 e ...99 e, desde essa data, têm sido os possuidores daqueles prédios, aí edificando as suas moradias, pagando impostos, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja; que em fevereiro de 2017, receberam cartas por partes dos réus que os acusam de estar a ocupar abusivamente terrenos pertença daqueles; que cabe aos réus comprovarem e demonstrarem, com base legal, e consubstanciada em títulos, as confrontações de terrenos de que se arrogam serem legítimos proprietários; que desde sempre possuíram um muro construído em toda a extensão dos seus terrenos, desde que os adquiriram, já lá vão cerca de 10 anos sem que os réus na altura viessem colocar qualquer objeção.

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1.2. Citados os réus, vieram contestar, alegando, em resumo, que são donos e legítimos possuidores do prédio rústico inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...55..., descrito na CRP de Ponte de Sor sob o n.º ...96/Galveias, com a área de 1.834,00m2, que confronta do Norte com S..., Lda e GG, do Nascente com HH, do Sul com herdeiros de II e do poente com os autores e que se encontra assinalado nas plantas cadastrais e aéreas juntas como documento 1, 11 e 25-A e no estudo de mercado, quer por o terem adquirido à sua legítima proprietária e possuidora, por escritura pública de compra e venda outorgada em 11/06/2008 (aquisição derivada), encontrando-se tal aquisição registada a seu favor desde 04/08/2008 pela AP13 de 2008/08/04, quer por usucapião (aquisição originária); que ocupação dos referido terrenos pelos autores tem causado prejuízos patrimoniais e morais.
Terminam pedindo a improcedência da ação e consequente absolvição dos pedidos, bem como a procedência da reconvenção e consequentemente:
a) declarar-se que os réus são donos e legítimos possuidores do prédio rústico inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...55.º, da secção A, da freguesia de Galveias com a área de 1834m2, que confronta do Norte com S..., Lda e GG, do Nascente com HH, do Sul com herdeiros de II e do poente com os AA., correspondente ao terreno assinalado nas plantas cadastrais e aéreas, quer por o terem adquirido por compra e venda ao seu anterior e legítimo proprietário e possuidor, por escritura de compra e venda outorgada em 11/06/2008, quer por usucapião, ordenando-se o cancelamento das inscrições registais que colidam com esse direito;
b) condenar-se os AA. a reconhecer esse seu direito de propriedade e a abster-se de praticar actos que o limitem ou afectem, bem como ao seu gozo;
c) condenar-se os AA. a restituírem aos RR., livre de quaisquer pessoas, bens e construções o prédio descrito em (a), demolindo, à sua custa, todas as construções que aí se encontrem implantadas, na parte em que ocupam o prédio dos RR, designadamente os anexos, pisos e a piscina;
d) condenar-se, solidariamente, os AA. a pagar aos RR. uma indemnização no montante de 9.940,00€ (nove mil novecentos e quarenta euros) relativa ao prejuízo que lhes causaram até à presente data pela ocupação abusiva e com a respectiva privação do seu uso nos últimos 8 anos e 9 meses, sendo 5.940,00€ (cinco mil novecentos e quarenta euros), a título de danos patrimoniais, e 2.000,00€ (dois mil euros) para cada Réu, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais contados a partir da notificação dos AA. até efectivo e integral pagamento;
e) condenar-se, solidariamente, os AA. a pagar aos RR. A quantia de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros) por cada mês que decorrer desde a presente data até à entrega, livre e devoluta de pessoas, bens e construções do mesmo prédio, acrescida dos juros legais que se vencerem, em relação a cada uma das referidas quantias, a contar a partir do último dia de cada mês que sobrevier até efectivo e integral pagamento;
f) ser declarada a nulidade ou inexistência das participações de IMI apresentadas em 15/01/2008 por JJ, no Serviço de Finanças de Ponte de Sor, e que deram origem à inscrição na matriz dos prédios urbanos ...93.º (atual ...88.º) e ...94.º (atual 1889.º), bem como de todos os atos subsequentes e neles baseados, designadamente:
- as inscrições matriciais de tais prédios urbanos;
- as descrições e inscrições registais referentes a tais prédios;
- as escrituras/títulos de compra e venda que tiveram por base tais artigos urbanos falsamente criados – 1693.º e ...94.º, atuais artigos ...88... e ...89.º, nomeadamente os títulos de compra e venda outorgados em 28/08/2009 pelos AA. AA e BB e juntos com a PI;
- as participações de IMI apresentadas em 06/06/2012 pelos Autores AA e BB, no Serviço de Finanças de Odivelas (e que originaram os artigos ...88... e ...89.º);
- os processos de licenciamento que correram termos na Câmara Municipal de Ponte de Sor, com os números 42/2010 e 43/2010, em nomes dos referidos Autores AA e BB;
g) como consequência do pedido formulado em f), ser ordenado o cancelamento e eliminação de todas as descrições e inscrições matriciais e registais referentes aos prédios urbanos referidos na alínea f) - artigos 1693.º e ...94.º, atuais artigos ...88... e ...89.º).
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1.3. Os autores apresentaram réplica, nos termos da qual consideram ser inadmissível a dedução de reconvenção, pelo facto da ação proposta ser de simples apreciação negativa. Ainda assim impugnam os factos alegados no pedido reconvencional. Terminam pedindo o indeferimento do pedido reconvencional por inadmissível.
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1.4. Realizada audiência prévia e frustrada a tentativa de conciliação, foi proferido despacho de admissão do pedido reconvencional e da réplica.
Foi proferido despacho saneador no qual se fixou o objeto do litígio e os temas da prova.
Admitiram-se os meios de prova.
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1.5. Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
Pelo exposto, julga-se a acção improcedente, por não provada e, em consequência:
a) Absolvo os Réus de todo o peticionado;
b) Custas pelos Autores.
Da reconvenção:
Julga-se a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
a) Declara-se que os RR. são donos e legítimos possuidores do prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...55.º, da secção A, da freguesia de Galveias, com a área de 1834m2, que confronta do Norte com S..., Lda e GG, do Nascente com HH, do Sul com herdeiros de II e do poente com os AA., correspondente ao terreno assinalado nas plantas cadastrais e aéreas juntas aos autos, por o terem adquirido por usucapião, ordenando-se o cancelamento das inscrições registais que colidam com esse direito;
b) Condena-se os AA. a reconhecer esse seu direito de propriedade e a abster-se de praticar actos que o limitem ou afectem, bem como ao seu gozo;
c) Condenar-se os AA. a restituírem aos RR., livre de quaisquer pessoas, bens e construções o prédio descrito em (a), demolindo, à sua custa, todas as construções que aí se encontrem implantadas, na parte em que ocupam o prédio dos RR, designadamente os anexos, pisos e a piscina;
d) Condenar-se, solidariamente, os AA. a pagar aos RR. uma indemnização no montante de 3300,00€ (três mil e trezentos euros) relativa ao prejuízo que lhes causaram até à presente data pela ocupação abusiva e com a respectiva privação do seu uso até à data da apresentação da contestação (14/08/2019), acrescida dos juros legais contados a partir da notificação dos AA. até efectivo e integral pagamento;
e) Condenar-se, solidariamente, os AA. a pagar aos RR. A quantia de 330,00€ (trezentos e trinta euros) por cada ano que decorrer desde a presente data até à entrega, livre e devoluta de pessoas, bens e construções do mesmo prédio, acrescida dos juros legais que se vencerem, em relação a cada uma das referidas quantias, a contar a partir do último dia de cada ano que sobrevier até efectivo e integral pagamento;
f) Absolve-se os Autores do demais peticionado;

g) Custas na proporção do decaimento que se fixam em 9/10 para os Autores e 1/10 para os Réus, nos termos do disposto no art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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Valor da acção: 48.715,00 €.
Valor da reconvenção: 29.940,00 €.”
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1.6. Inconformados, recorreram os autores, concluindo assim as respetivas alegações (transcrição):
1ª – Averiguar e decidir se o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova produzida quanto às questoes 9, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 36, 37, 38 e 39.
- Com base nos relatorios de peritagem, conforme o disposto no Art. 662º n.º 1 do C.P.C. alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, e dar como não provado a ocupação de toda a area do art 555 A, na dimensão de 1834m2 conforme assim o impoem os factos dado como provados nos pontos 43, 44 e 59 e assim se impor decisão diversa atendendo às conclusoes a que chegaram os peritos nos seus relatorios e respectivos esclarecimentos.
3ª – Dada as posições assumidas pelos peritos mitigar a importancia inexplicavelmente concedida pelo Tribunal a quo aos mapas cadastrais tanto mais de acordo com o disposto no n.º 4 art 5º do RCP quanto à presunção por si gerada quanto à localização, configuração geometrica e area dos predios por consubstanciar em si mesmo inscrições meramente declarativas.
4ª – Como tal considerar como não produzida prova cabal e suficiente quanto à real localização dos prédios em apreço assim como a sua verdadeira configuração e áreas, sendo essencial para maior rigor e exactidao realizar um adequado levantamento topografico dos terrenos, poder/dever que cabe ao Tribunal a quo no sentido da descoberta da verdade e da justa composição do litigio.
5ª – Ser inaceitavel consubstanciar uma qualquer rede de galinheiro como um verdadeiro marco de delimitação de uma extrema de um prédio.
6ª – Considerar como provado e ponto assente que os AA desde 28/08/2008 detiveram os seus terrenos sem oposição de ninguém e com o conhecimento de toda a gente, detendo assim indubitavelmente uma posse de boa fé, pacifica e publica.
7ª – Não ser considerado o art 555 A na sua totalidade como pertença exclusiva dos RR.
Concluem pedindo que seja revogada a sentença proferida e que seja proferido acórdão suprindo todas as deficiências apontadas nas alegações.
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1.6. Os réus contra-alegaram, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
A) Decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e 2, do CPC que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal conhecer das matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (vide Ac. Do TRC de 03/06/2014, proferido no processo 17456/12....)
B) Os Recorrentes não cumprem minimamente em sede de conclusões o ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º1, alíneas a), b) e c), do CPC, já que, por um lado, não individualizam os factos, não indicando para cada um deles quais os meios probatórios que impõe decisão diversa da recorrida, nem qual a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
C) Por outro lado, no corpo das alegações, limitam-se basicamente a colocar em causa a bondade da decisão da matéria de facto do tribunal, sem qualquer concretização e indicação da decisão alternativa para cada um dos factos impugnados que entendiam ser a adequada.
D) Relativamente à conclusão 6.ª, não indicam os Recorrentes que facto é este que deve ser dado como não provado, que nunca foi alegado sequer pelos Recorrentes em qualquer dos seus articulados (PI ou Réplica), pelo que, sendo facto novo, não alegado na 1.ª instância em sede própria, está vedado a esta instância de recurso o seu conhecimento, além de que, quanto a um tal facto, também não cumpriram os recorrentes nenhum daqueles ónus impostos pelos n.º1 e 2 do artigo 640.º do CPC.
E) O prédio ...55... pertence em exclusivo aos RR, por tê-lo adquirido por usucapião, oportunamente invocada pelos mesmos em sede de Reconvenção, como melhor decorre da fundamentação de direito da Sentença recorrida (artigos 1251.º, 1263.º, al. a), 1287.º, 1296.º e 1316.º do CC).
Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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1.7. Por despacho proferido em 12 de outubro de 2023, o recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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1.8. Efetuada a apreciação liminar, colhidos os vistos legais e realizado o julgamento, nos termos do art.º 659.º, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso e questões a decidir
O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no art.º 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (art.º 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, Almedina, p. 109).
São as seguintes as questões a decidir:
1.ª Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto no tocante aos factos provados vertidos nos pontos 9, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 36, 37, 38 e 39;
2.ª Determinar se, procedendo a impugnação da matéria de facto, deve ser alterada a decisão de direito.
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2.2. Os factos
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1) Em 1950, KK e mulher LL eram os donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado Machuqueira, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...95.º, da secção A, da freguesia de Galveias, concelho de Ponte de Sor, com a área de 15.000,00m2 (1,5ha), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor, sob o n.º...96, da freguesia de Galveias, por o terem comprado ao seu anterior proprietário, e a sua configuração e localização correspondia à área delimitada a cor beije na planta cadastral actual junta a fls. 73 dos autos, e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, correspondendo aos actuais artigos rústicos ...55... e ...56.º, da secção A, da freguesia de Galveias, e ao “urbano” e aos dois “urb” contíguos a estes dois artigos cadastrais e aí melhor delimitados, conforme certidão predial e cadernetas rústicas juntas a fls. 74 a 83 e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas;
2) Esse prédio (395-A) era destinado por KK e mulher a horta, da qual tratavam, por si ou por intermédio de pessoas a quem cediam o terreno;
3) Nesse prédio, tinham também várias oliveiras, das quais cuidavam e tratavam, extraindo os respectivos frutos anualmente;
4) Na década de 1960, KK e mulher, cederam, por comodato, o referido terreno a MM e mulher NN, passando os mesmos, desde então e até Maio de 2008, inclusive, a tratar do terreno, produzindo para seu consumo próprio hortícolas de espécies não concretamente apuradas;
5) MM e mulher limpavam e lavravam o terreno, anualmente, cuidavam das árvores existentes, como o faziam anteriormente os seus proprietários, designadamente das oliveiras e da figueira existentes em todo o terreno, colhendo os respectivos frutos, criando nos mesmo animais, tais como cabras;
6) KK faleceu no dia 28/08/1970, sucedendo-lhe como única e universal herdeira a sua única filha JJ;
7) Por sua vez, LL faleceu no dia 13/10/2005, deixando como sua única e universal herdeira a sua identificada filha JJ;
8) Na sequência dos falecimentos supra, a herdeira de KK e mulher, continuou as explorar o terreno da mesma forma que o vinham fazendo os seus antecessores, através dos referidos comodatários MM e mulher, que, até Maio de 2008, com autorização e consentimento de JJ (e antes dela dos seus pais) continuaram a explorar as potencialidades do terreno na forma descrita;
9) Já na década de 1960 o aludido prédio rústico, designadamente na parte que ora corresponde ao sob o artigo ...55..., era delimitado a poente por uma rede na parte em que inexistiam muros/paredes das construções confinantes (como era o caso do prédio correspondente aos números de polícia ...6 e ...8), rede essa que seguia no alinhamento do limite das construções erigidas nos números de polícia ...0 e ...4 da Rua ..., em Galveias;
10) Por escritura de compra e venda outorgada em 29/09/2006, no Cartório Notarial de Ponte de Sor, JJ desanexou do referido prédio ...95..., a sul, uma parcela de terreno com a área de 576m2, vendendo-a a OO e mulher, que foi anexada ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor sob o n.º ...49, a fls 97vº do ..., dando origem ao prédio urbano descrito na referida CRP sob o n.º...37, da freguesia de Galveias;
11) A parcela de terreno assim desanexada, encontra-se assinalada na planta junta a fls. 104 dos autos, como urb, com a letra A);
12) Em consequência da referida desanexação o prédio ...95... passou a ter a área de 14.424,00m2 (1,4424ha);
13) Em 11/10/2007 foi destacado do referido prédio ...95..., a poente, uma parcela de terreno com a área de 3637m2 que deu origem ao prédio urbano descrito na CRP de Ponte de Sor, sob o n.º ...64, da referida freguesia de Galveias;
14) Em consequência da referida desanexação o prédio ...95... passou a ter a área de ...87,00 m2 DOC 2 (AP.2007/10/11);
15) KK e mulher LL, por si e seus antepossuidores/antecessores, praticaram os actos supra referidos no referido terreno desde data anterior a 1950, até às respectivas mortes, quer por exploração directa das potencialidades do terreno, quer por conta de terceiros (nomeadamente, MM e mulher, a partir de 1960) sem oposição de ninguém, à vista e com o conhecimento de toda a gente, ininterruptamente, na convicção de exercerem sobre o terreno um direito de propriedade próprio e na convicção de não prejudicarem direitos de terceiros e de serem seus donos exclusivos;
16) Após as respectivas mortes, JJ, sua filha e sucessora, continuou (até ao dia 11/06/2008, data em que o vendeu aos RR.), a praticar os actos supra referidos no terreno nos exactos termos que os seus pais vinham fazendo (e após e desanexação e destaque por si operados, da parte remanescente) tudo sem oposição de ninguém, à vista e com o conhecimento de toda a gente, ininterruptamente, na convicção de exercerem sobre o terreno um direito de propriedade próprio e na convicção de não prejudicarem direitos de terceiros e de serem seus donos exclusivos;
17) MM e mulher exploraram as potencialidades de todo o terreno (e após a desanexação e destaque operados, da parte remanescente), com autorização e consentimento de JJ e, antes dela dos seus pais, nos exactos termos relatados supra até final de Maio de 2008, data em que JJ solicitou aos mesmos que desocupassem todo o terreno, nomeadamente a parte que ora corresponde ao prédio rústico ...55..., uma vez que iria vendê-lo aos RR.;
18) Solicitação essa que OO e mulher prontamente acataram, desocupando o terreno em data não concretamente apurada do ano de 2008, mas anterior a 11 de Junho;
19) Por escritura outorgada em 11/06/2008, no Cartório Notarial de Ponte de Sor, da Dra PP, JJ, vendeu aos RR., à data, solteiros, maiores, pelo preço de 9.500,00€ (nove mil e quinhentos euros), que estes pagaram e aquela recebeu, o prédio rústico descrito na CRP de Ponte de Sor, sob o n.º ...96, da freguesia de Galveias, inscrito à data sob o artigo ...95.º-A, da aludida freguesia, e, nessa data, com ...87,00m2 e com a delimitação correspondente, na planta junta a fls. 104 dos autos, aos actuais artigos rústicos ...56... e ...55... e à parcela designada como “urb” e indicada com a letra C) na referida planta, conforme certidão da escritura de fls. 111-114 dos autos e que aqui se dá por inteiramente reproduzida;
20) O referido prédio encontra-se registado a favor dos RR., à data solteiros, maiores, na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor, desde 04/08/2008, pela AP.13 de 2008/08/04;
21) Na data da celebração da escritura, o prédio era delimitado a poente pelos muros/paredes das construções existentes e pela rede supra referida, designadamente na parcela de terreno urbana onde existia um forno e respectivos anexos (e que não tinha muro/construções confinantes com o rústico que os RR. compraram) e que correspondia aos números de polícia ...6 e ...8 da Rua ...;
22) Quando adquiriram o prédio rústico, os Réus apanharam a azeitona das oliveiras ali existentes, nomeadamente na parte que ora corresponde ao artigo ...55...;
23) No Outono de 2008, de 2009 e de 2010 os RR. apanharam a azeitona das oliveiras que existiam em todo o prédio, designadamente das oliveiras que existiam na parte que agora corresponde ao artigo ...55...;
24) Em data não concretamente apurada mas posterior a Junho de 2008, QQ, necessitando de passar pelo terreno que ora corresponde ao 555.º-A, solicitou aos RR. que lhe permitissem a passagem de veículos com camionetas transportando materiais de construção para a obra que o mesmo estava a levar na sua moradia, a nascente do aludido prédio, ao que os RR. consentiram;
25) Por escritura pública de 06/02/2009, os RR., pelo preço que receberam de 1.000,00€ (mil euros), venderam a HH, uma parcela de terreno com a área de 552,73 m2, a desanexar (a sul) do seu prédio rústico ...95..., para ampliação do logradouro do prédio urbano deste último, sito na Rua ..., em Galveias, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...42.º e descrito na CRP de Ponte de Sor sob o n.º ...27, a fls 75 vº, do Livro B-12;
26) O prédio urbano resultante da aludida anexação deu origem à descrição ...93/Galveias e ao artigo 1705.º, da referida freguesia, conforme descrição predial de fls. 126, que aqui se dá por inteiramente reproduzida;
27) A parcela de terreno assim desanexada (que se situa a nascente do actual prédio rústico ...55...), com a área de 552,73m2, corresponde ao “urb”, assinalado com a letra C), na planta junta a fls. 104;
28) Como consequência da aludida desanexação (DOC. 2 AP 1198 DE 2009/02/13), o prédio rústico ...95..., passou a ter a área de 10.234,27m2 (1,2340ha) e passou a corresponder apenas aos actuais artigos rústicos ...56... e ...55..., com a configuração e localização constantes da planta cadastral junta a fls. 73 e 104 dos autos;
29) Na sequência das duas desanexações e um destaque operados no prédio ...95..., foram apresentados no Serviço de Finanças de Ponte de Sor, três reclamações cadastrais, em 10/10/2006, 27/09/2007 e 29/12/2008, com vista a harmonizar a área cadastral do referido prédio, retirando-lhe as parcelas desanexadas (576 m2 + 552,73m2) e destacada (3637m2);
30) Em Fevereiro de 2017, os RR. foram notificados do ofício da AT junto a fls. 128 dos autos e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, com parecer técnico favorável e despacho de deferimento das reclamações cadastrais apresentadas, no qual se podia ler que após deslocação ao local em 2016/10/14 se procedera ao levantamento topográfico e implantação da demarcação existente no terreno, desanexando e destacando as áreas supra referidas no artigo anterior;
31) A área restante (10.234m2) deu origem aos prédios rústicos ...55..., com a área de 1.834,00m2, e ...56..., com a área de 8.400,00m2, eliminando-se da matriz o anterior ... (fls. 74 a 80 dos autos) - (AP 1810 2017/07/28 e AP.1956 de 2017/09/28);

32) Em 02/02/2018, os RR. averbaram pela AP. 2361 de 2018/02/02 à descrição predial do seu prédio rústico a moradia que os mesmos construíram no decorrer dos anos 2016 e 2017, correspondente ao artigo urbano ...33.º, da freguesia de Galveias, com a superfície coberta de 238,29m2 e descoberta de 62,50m2, prédio urbano este implantado no artigo rústico ...56...;
33) Actualmente, por conseguinte, o prédio anteriormente inscrito na matriz sob o art.º ...95.º, da secção A, da freguesia de Galveias, compõe-se de prédio misto denominado Machuqueira, sito na Rua ..., em Galveias, inscrito na respectiva matriz rústica sob os artigos ...55... e ...56º, ambos da secção A, e na matriz urbana sob o artigo ...33.º, todos da freguesia de Galveias, concelho de Ponte de Sor, com a área total de 10234 m2, sendo o artigo rústico ...55.º, secção A, com a área total de 1834,00m2 e o artigo rústico ...56.º, secção A, com a área total de 8400,00m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor, sob o n.º...96, da freguesia de Galveias;
34) O artigo rústico ...55.º, secção A, confronta do Norte com S..., Lda, e GG, do Nascente com HH, do Sul com herdeiros de II e do poente com os AA.;
35) Os actos supra descritos foram praticados pelos RR., desde que adquiriram o prédio e até hoje, no que concerne à parte que hoje corresponde ao artigo 556.º-A, com a área de 8.400,00m2, sem oposição de ninguém, à vista e com o conhecimento de toda a gente, ininterruptamente, na convicção de exercerem sobre o terreno que adquiriram um direito de propriedade próprio e na convicção de não prejudicarem direitos de terceiros e de serem seus donos exclusivos;
36) No que concerne ao terreno que hoje corresponde ao artigo ...55..., com 1.834,00m2, onde se encontravam implantadas oliveiras, em número não concretamente apurado, todos os actos supra descritos, foram praticados pelos RR., desde que adquiriram o prédio, em 11/06/2008, até meados do ano de 2011, semoposição de ninguém, à vista e com o conhecimento de toda a gente, ininterruptamente, na convicção de exercerem sobre o terreno que adquiriram um direito de propriedade próprio e na convicção de não prejudicarem direitos de terceiros e de serem seus donos exclusivos;
37) Desde meados do ano de 2011 os RR. se encontram desapossados de uma parcela de terreno correspondente precisamente à totalidade do actual prédio rústico ...55..., em virtude de os AA. a terem ocupado;
38) Em meados do ano de 2011, os AA. invadiram o prédio dos RR. e vedaram toda a área que actualmente corresponde ao artigo ...55..., construindo muros a delimitá-la, juntando-a ao logradouro dos prédios urbanos que adquiriram;
39) Nessa área os AA. construíram em meados do ano de 2011 dois anexos, uma piscina e colocaram piso em redor do Anexo 1 e da piscina, bem como alteraram a disposição de algumas das oliveiras existentes);
40) Em 20/02/2017, a mandatária dos RR. enviou aos AA. AA e SDS, LDA, as cartas de fls. 137-138 e 141-142 e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas;
41) Em Setembro de 2017, a sociedade SDS, LDA, remeteu aos RR. a carta de fls. 143 e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, e que mereceu a resposta dos RR. constante da carta de fls. 144 dos autos;
42) No ano de 2010 e 2011, os AA. AA e BB, apresentaram, na Câmara Municipal de Ponte de Sôr, pedidos de comunicação prévia e projectos de demolição e construção, para os números de polícia ...8 e ...6, respectivamente, da Rua ..., em Galveias, indicando ser titulares dos prédios urbanos ...93... e ...94.º., respectivamente, da freguesia de Galveias, ambos destinados a habitação;
43) Os aludidos prédios ...93º, descritos como sitos na Rua ..., ..., descrito como sito na Rua ..., em Galveias, foram inscritos como sendo destinados a habitação, e correspondiam aos actuais artigos ...88... e ...89.º da freguesia de Galveias, e que em cada um deles estava declarado a área total de 862,85m2 e 1026,75m2, respectivamente;
44) Em nome da Autora SDS, LDA, existia ainda o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...99.º, que se destinava a forno, e se situava também na Rua ..., em Galveias; 45) Em 27/02/2006, JJ apresenta no Serviço de Finanças de Ponte de Sor, Declaração para Inscrição/Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo 1 IMI), na sequência do falecimento da sua mãe (1.ª transmissão na vigência do IMI), declarando que o prédio ...99.º, da freguesia de Galveias, se situa na Rua ..., com uma divisão, a área total de 163,90m2, sendo 102,14m2 de área de implantação, indicando que o prédio tem 38 anos de idade, e que a afectação é “Prédios não licenciados, em condições muito deficientes de habitabilidade”, juntando planta de localização e planta de implantação conforme fls. 59 a 64 da certidão junta a fls. 153-225 dos autos;
46) Esse prédio correspondia ao forno e amassaria que existia no n.º 26 da Rua ...;
47) Avaliado esse prédio o perito avaliador Eng. RR, em 11/04/2006, considerou que o mesmo tinha 65 anos de idade;
48) Em 15/01/2008, JJ apresenta no Serviço de Finanças de Ponte de Sor, Declaração para Inscrição/Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo 1 IMI), onde declara que a herança da sua falecida mãe era titular de um prédio urbano destinado a habitação sito na Rua ..., em Galveias, com a área total de 1.026,75m2, sendo 200,00m2 de área de implantação, prédio esse que declarou estar omisso na matriz, ter 45 anos de idade e confinar a Norte, Sul e Nascente consigo e a Poente com a Rua ... (fls 26 a 29 da certidão da AT fls. 178 a 181 dos autos);
49) Anexou à referida declaração duas plantas de localização e uma planta de implantação;
50) A planta de implantação (fls. 32 da aludida certidão da AT – fls. 184 dos autos) apresenta um prédio com 25 metros de largura e 39,334 metros decomprimento e uma construção no seu interior com 200m2, construção essa afastada da Rua Pública alguns metros;
51) Na ficha de avaliação de 11/02/2008, pode ler-se o seguinte: “após visita ao local afere-se que o prédio, ou parte dele terá sido avaliado sob outro artigo. A planta anexa ao processo não está correcta. O prédio é constituído por dois edifícios, que total totalizarão aproximadamente a área discriminada. Um dos edifícios apenas possui paredes, não existindo sequer vestígio da cobertura.;
52) O prédio, apesar desta informação, foi avaliado tendo-lhe sido atribuído o artigo 1693.º;
53) No mesmo dia 15/01/2008, JJ apresenta no Serviço de Finanças de Ponte de Sor, Declaração para Inscrição/Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo 1 IMI), onde declara que a herança da sua falecida mãe era titular de um prédio urbano destinado a habitação sito na Rua ..., em Galveias, com a área total de 832,85m2, sendo 100,00m2 de área de implantação, prédio esse que declarou estar omisso na matriz, e ter 45 anos de idade, e confinar a Norte, Sul e Nascente consigo e a Poente com a Rua ...;
54) Anexou à referida declaração duas plantas de localização e uma planta de implantação;
55) A planta de implantação (fls. 211 dos autos) apresenta um prédio com 21 metros de largura e 41,087 metros (32,754m + 8,333m) de comprimento, com uma construção junto à rua pública com 100m2);
56) Na ficha de avaliação (fls. 213 dos autos) pode ler-se o seguinte: “após visita ao local afere-se que o prédio deverá ter sido avaliado sob outro artigo. Verificou-se também, a construção anteriormente existente terá sido recentemente demolida pois ainda existiam in loco vestígios dessa recente demolição”;
57) O prédio, apesar desta informação, foi avaliado tendo lhe sido atribuído o artigo 1694.º;
58) SS, por herança dos seus pais era titular, em Galveias, na Rua ..., do prédio urbano inscrito na matriz sob artigo ...99º, da freguesia de Galveias, composto de: a) forno (e respectivo muro contíguo) com a superfície coberta de 102,14m2 (n.º de polícia ...6); b) e dos respectivos anexos, de área não concretamente apurada, e cujo acesso se fazia através de um portão junto à Rua Pública;
59) Ao redor dessas construções (de área não concretamente apurada) existia um logradouro que ladeava as construções e se iniciava junto ao portão e ao muro juntos à Rua Pública (Rua ...) e que terminava, a nascente, no início da extrema poente do actual artigo ...55... da freguesia de Galveias;
60) Em Maio de 2010 é apresentado no âmbito da comunicação prévia 42/2010, pela Autora AA a planta junta a fls. 231 dos autos, identificando o prédio da Autora como se situando no n.º 28 de polícia da Rua ..., e o do Autor BB como confinante ao seu e situado no n.º26;
61) Na planta fez-se constar que o prédio da Autora AA (artigo 1693.º) se apresenta com uma largura de 11,62m junto à Rua Pública (estrema poente) e de 24,30m na extrema nascente e com um comprimento de 51,58 metros (30m + 21,58m);
62) Por sua vez, o prédio do A. BB (artigo 1694º) apresenta-se com uma largura de 14 metros junto à Rua Pública (estrema poente) e de mais de 36,42m na estrema nascente, e de 45,18m de comprimento (os metros apresentados na planta 22,59 estão à escala 1/100 e não 1/200, o que se deveu a lapso certamente do arquitecto);
63) O Autor BB, no processo de comunicação prévia que apresentou na CMPS em Maio de 2010 (processo 43/10), apresentou a planta que se junta 232 dos autos, como sendo do prédio inscrito no artigo 1694.º;
64) A Autora AA junta ao seu processo de comunicação prévia o documento junto a fls. 233;
65) Por sua vez, o Autor BB, no seu processo de comunicação prévia 43/2010, junta um documento com as mesmas fotos, junto a fls. 234 dos autos;66) Em 06/06/2012, o Autor BB apresenta no Serviço de Finanças de Odivelas, Declaração para Inscrição/Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo 1 IMI), declarando existir um prédio novo, correspondente ao artigo 1694.º e declarando situar-se na Rua ..., em Galveias, com a área total 1.026,75m2, sendo 164,00m2 de área de implantação (fls. 158 a 164 dos autos);
67) Anexou a tais documentos planta de localização, alvará de licença de utilização e as telas finais das plantas que lhe permitiram obter tal licenciamento na CMPS (fls.165 a 170 dos autos);
68) Na mesma data, 06/06/2012, a Autora AA apresentou no Serviço de Finanças de Odivelas, Declaração para Inscrição/Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo 1 IMI), declarando existir um prédio novo, correspondente ao artigo 1693.º, e declarando situar-se na Rua ..., em Galveias, com a área total 862,85m2, sendo 118,55m2 de área de implantação (fls. 190 a a 195 dos autos);
69) Anexou a tais documentos planta de localização, alvará de licença de utilização e as telas finais das plantas que lhe permitiram obter tal licenciamento na CMPS (fls. 196 a 201 dos autos);
70) A ocupação do referido terreno (prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...55, da secção A) pelos AA. tem impedido que os RR. apanhem a azeitona das oliveiras, em número não concretamente apurado, de valor não concretamente apurado;
71) Sendo certo que a ocupação do referido terreno pelos AA. impede que os RR. o possam arrendar, o que lhes causa um prejuízo anual de valor não concretamente apurado;
72) O terreno ocupado pelos AA., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...55..., tem o valor de mercado não concretamente apurado, mas não inferior a 2 euros o metro quadrado.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
a) Na situação descrita em 2 dos factos provados produzissem para seu consumo próprio, batatas, nabos, feijão, tomate, cebolas, couves, alfaces, curgetes, pepinos, e para além da horta, pastoreassem o gado que tinham;
b) KK e mulher tivessem uma mula;

c) Na situação descrita em 4 dos factos provados fossem produzidos batatas, nabos, feijão, tomate, cebolas, couves, alfaces, curgetes, pepinos;
d) Na situação descrita em 5 dos factos provados, tivessem criado borregos, galinhas e inclusivamente cães de caça;
e) A rede descrita em 9 dos factos provados tivesse vindo a ser reforçada por OO e mulher, para evitar que os seus animais fugissem do terreno que exploravam;
f) O descrito em 18 dos factos provados tivesse ocorrido em Maio;

g) Na situação descrita em 22 dos factos provados e em relação ao terreno aí descrito, os RR tivessem limpado logo nesse verão, tirando as silvas, construído um furo, lavrado o terreno em toda a sua extensão, limpado as valas, tratado da figueira e colhido os respectivos frutos;
h) As oliveiras descritas em 23 dos factos provados, existentes na parte que agora corresponde ao artigo ...55... fossem 20;
i) Nas circunstâncias descritas em 23 dos factos provados os RR tivessem colhido os figos da figueira aí existente;
j) O descrito em 24 tivesse ocorrido no Verão de 2009;

k) Em consequência do descrito em 39 dos factos provados, os RR. tivessem ficado surpreendidos com tal ocupação, aguardando, no entanto, o parecer técnico da Direcção Geral do Território e o despacho de deferimento das reclamações cadastrais apresentadas, para poderem agir contra os AA.
l) Na sequência da notificação do ofício da AT em Fevereiro de 2017, os RR. tivessem tentado apurar quem eram as pessoas que ocuparam o seu prédio rústico e tivessem apurado junto da população que se trataria dos AA. AA e da empresa SDS, Lda.;
m) Os processos de IMI, descritos a 45 dos factos provados, estivessem extraviados no Serviço de Finanças e só em 11/07/2019 tivesse sido possível consultá-los, tendo, de imediato, sido solicitado no dia seguinte, a emissão de certidão para melhor análise dos processos;
n) As construções descritas em 45 e 46 dos factos provados são visíveis nas fotografias aéreas do google earth juntas a fls. 116 a 119, bem como na planta de localização da CMPS (a imagem aérea é de data anterior a 2009) junta a fls. 93 e da planta cartográfica da CMPS constante na parte superior de fls 224 dos autos;
o) O forno mencionado a 46 dos factos provados veio a ser demolido pelos AA. no final do ano de 2010/início de 2011;
p) JJ fosse titular apenas do prédio descrito em 58 e que os anexos aí mencionados tivessem cerca de 100m2 que confinavam com o número de polícia ...0, da mesma rua (uma casa amarela), anexos esses que, no ano de 2008, já se encontravam em ruínas e não tinham cobertura;
q) A área total das construções e do logradouro do prédio mencionado em 58 dos factos provados não excedia os 650/700m2, tendo no total um máximo de 28m de comprimento e de 25 m de largura;
r) Pelo que era impossível coexistirem, na mesma área de 650/700m2, os 3 prédios urbanos supra: 699.º, 1693.º e ...94.º;
s) Inexistiam quaisquer casas de habitação na Rua ... de que fosse titular a herança dos pais de JJ ou esta, pelo que as declarações de IMI apresentadas por esta no Serviço de Finanças de Ponte de Sor, quer quanto à existência dos prédios declarados, localização, características e afectação, e que possibilitaram a inscrição na matriz dos artigos urbanos ...93... e ...94.º, da freguesia de Galveias, não correspondiam à realidade do local;
t) JJ não podia deixar de saber isso mesmo, como também não podiam deixar de saber isso mesmo os Autores AA e BB, em 28/08/2009, quando declararam adquirir os prédios ...93... e ...94.º , respectivamente; o Autor BB, em 18/05/2011, quando declarou adquirir o ...; e a Autora SDS,LDA, em 14/12/2016, quando declarou adquirir do Autor BB o referido prédio ...99º;
u) Na planta descrita em 63 dos factos provados, o edifício aí desenhado como a demolir, seja o edifício correspondente ao forno acima referido, exactamente com a mesma configuração da planta anexa por JJ ao processo de IMI do prédio ...99.º (fls. 63 da certidão da AT);
v) Os AA. sabendo e tendo a perfeita noção da inexistência de quaisquer casas de habitação nos números de polícia ...6 e ...8, da duplicação de artigos e de áreas dos prédios inscritos sob os artigos ...93..., ...94... e ...99.º, não se evitaram de elaborar as plantas supra descritas, com configurações e medições não consentâneas com a área real que compraram (no total de apenas cerca de 650/700m2), bem sabendo que, dessa forma, ocupariam o terreno contíguo dos RR. que bem sabiam não lhes pertencer, como o fizeram, tudo em prejuízo destes;
w) Os AA. sabiam onde era o limite do logradouro do forno e anexos, que terminava a nascente no alinhamento dos muros/paredes das construções confinantes, mas não se abstiveram de ignorar tais limites e de invadir o prédio dos RR.;
x) O valor anual dos frutos descritos em 84 dos factos provados seja de pelo menos 160,00€ (cento e sessenta euros);
y) O valor do arrendamento descrito em 85 dos factos provados seja de pelo menos 500,00€ (quinhentos euros);
z) Para além do descrito em 86 dos factos provados, tivessem ainda os AA dificuldades de concentração e em dormir;
aa) O valor do terreno ocupado pelos AA tenha um valor não inferior a 20.000,00€ (vinte mil euros), tendo em conta a sua localização (perto do centro urbano de Galveias), características, viabilidade construtiva;
bb) O desapossamento daquele terreno pelos AA., tem causado nos RR. angústia, preocupação, ansiedade e tristeza.
*
Na motivação da decisão de facto explanada na sentença, na parte que ora importa, justifica o tribunal recorrido o assim decidido nos seguintes termos:
Quanto ao elencado em 9, o Tribunal baseou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas NN, TT, QQ e UU, os quais, por viverem muitos anos em Galveias, e o último por ter feito as obras nos prédios dos AA, conhecem o local e o estado em que o mesmo se encontrava à data. Ambos referiram a existência de uma rede no alinhamento dos quintais vizinhos. Ora, analisado o documento de fls. 92 e também o de fls. 224 (processo de IMI relativo aos art.ºs 1889, 1888 e 699), onde é possível ver o alinhamento dos quintais vizinhos, é inteiramente verosímil que o limite daquele quintal, onde se situava o forno, fosse na mesma linha dos restantes, pelo que, na ausência de um muro, é crível que ali existisse uma rede a delimitar o espaço e também para impedir a circulação de animais de capoeira, como foi referido pelas testemunhas em causa. Idêntico juízo de probabilidade é afiançado pelo senhor perito a fls. 400 verso dos autos.
(…)
Já a matéria constante do ponto 19 a 21, a mesma retira-se da conjugação dos depoimentos das testemunhas NN, TT, QQ, e o teor de fls. 104 e 110 a 114, 331, 74 a 80, bem como o teor dos relatórios periciais. Quanto aos relatórios periciais, importa notar que não divergem na substância, mas apenas na forma de apresentação, conforme esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos em Tribunal. Há a salientar que a resposta ao quesito 4 dos AA (fls. 377) diverge em relação à fonte, ou seja, as duas respostas são dadas em função dos documentos analisados: planta cadastral ou licenciamento municipal (vide esclarecimento prestado a fls. 395). Sucede que da conjugação da prova produzida em audiência, documental e testemunhal, resultou claro que o licenciamento municipal apresenta dados que não têm correspondência com a realidade física do local, à data, mormente quanto às áreas dos prédios. Por outro lado, o processo cadastral apresenta-se mais claro e através desses elementos é possível concluir que essa é a fonte mais segura, com maior correspondência à realidade do local. Efectuada esta nota, é possível concluir que o prédio adquirido pelos Réus tem as características elencadas neste ponto 19 dos factos provados. Conclusão também retirada pelos peritos, com as salvaguardas que deixaram expostas, atentas as divergências dos documentos oficiais.
O mencionado em 22 e 23 e 35 e 36 resultou do teor do depoimento da testemunha QQ, tendo sido valorado ainda o teor de fls. 115 a 119 onde são visíveis árvores. Do depoimento desta testemunha foi possível concluir que os Réus se comportaram, ao longo dos anos, como donos de pleno direito dos prédios em causa, pois para além de apanharem as azeitonas das oliveiras ali existentes, autorizaram a testemunha a passar pelo seu prédio para realizar as obras que levava a cabo. Tais comportamentos são próprios de quem tem a disponibilidade do espaço. Acresce que os documentos juntos aos autos (cadernetas prediais e certidões, bem como escritura de compra e venda) demonstram a que título os Réus dispunham daqueles prédios, inexistindo assim dúvida de que o faziam publicamente, não tendo sido mencionado qualquer acto de oposição de quem quer que fosse a tais comportamentos. Ora quem age de tal forma, em obediência às regras a experiência comum, fâ-lo na convicção de actuar como dono da coisa e não resultou, de toda a prova, motivo para o Tribunal considerar que aqui foi diferente, pelo que se considerou provada tal factualidade. Tal status quo só se alterou em meados de 2011 com o comportamento por parte dos Autores.
Quanto ao constante no ponto 24, o Tribunal valorou o depoimento da testemunha QQ.
(…)
O vertido em 31 a 34 resulta da conjugação da certidão predial de fls. 74 a 80 e das cadernetas prediais urbanas de fls. 130 e 131 e de 81 e 82.
O descrito em 37 a 39 resulta da conjugação do depoimento da testemunha UU, que realizou as obras a pedido dos AA, de VV, o qual explicou ao Tribunal como “encontraram” a área dos prédios dos Autores, com o teor de fls. 132 a 134.
O descrito em 42 e 43 resulta do teor do processo de licenciamento de obras, anexo aos presentes autos, bem como das respostas dadas pelos peritos e constantes do relatório pericial.
Já o vertido em 44 resulta do teor de fls. 18 verso a 20 e 10.
(…)
Quanto ao vertido em 59, já deixámos expostas as razões pelas quais se entendeu quais são as configurações dos ditos prédios (vide motivação relativa ao facto 19). Efectivamente, é com base nesses mesmos meios de prova (vide ainda, em particular, a resposta ao quesito 25 dos RR a fls. 382 e 404) que é possível concluir o aqui descrito neste ponto 59.

2.3. Apreciação do recurso
1.ª Questão
Da modificação da decisão da matéria de facto
Entendem os autores-apelantes que o tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova produzida quanto aos factos provados sob os números 9, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 36, 37, 38 e 39, defendendo que devem ser dados como não provados (conclusão 1.ª).
Por outro lado, na sua perspetiva os factos assentes sob os pontos 31, 37 e 38 estão em contradição com os factos dados como provados sob os pontos 43, 44 e 59.
Decorre da conjugação dos art.ºs 639.º, n.º 1, e 640.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido art.º 640.º, do Código de Processo Civil, refere Abrantes Geraldes [Recursos em Processo Civil, 6.ª edição atualizada, 2020, p. 196-197]:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
E, mais adiante, escreve (p. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
E também vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (como no acórdão de 29.10.2015, relatado pelo Cons. Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt) que do n.º 1, do art.º 640.º, do Código de Processo Civil resulta “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…) e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (…)”.
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há de a mesma reportar-se ao conjunto de factos constitutivos da causa de pedir e das exceções invocadas. É que, face ao disposto no n.º 1, do art.º 5.º, do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto tem por objeto, desde logo, os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das exceções invocadas.
Todavia, e porque do n.º 2, do mesmo art.º 5.º, resulta que o tribunal deve ainda considerar os factos instrumentais, bem como os factos complementares e concretizadores daqueles que as partes hajam alegado, e que resultem da instrução da causa, daí decorre que na decisão da matéria de facto devem esses factos ser tidos em consideração.
Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e bem ainda aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objeto dessa decisão.
Travejados destes princípios, e descendo ao caso concreto em apreciação, pode, desde logo afirmar-se que a recorrente deu cumprimento ao ónus primário de especificação acima referido, já que nas conclusões 1.ª e 2.ª concretizam o que pretendem ver alterado na decisão da matéria de facto, ou seja, impugnam os factos vertidos nos pontos 9, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 36, 37, 38 e 39, sendo que, quanto aos três últimos entendem, ainda, que estão em contradição com os factos provados sob os números 43, 44 e 59 e, nessa medida, atento o teor destes últimos, aqueles não podem manter-se na factualidade provada.
Por outro lado, ainda que de forma muito deficiente, somos do entendimento que os recorrentes cumprem, igualmente, os ónus secundários previstos nas alíneas b) e c), do n.º 1, do art.º 640.º, do Código de Processo Civil, pois que indicam as razões porque entendem que tais factos devem ser dados como não provados, referenciando as provas (testemunhal, documental e pericial, conjugada esta com os esclarecimentos dos peritos prestados em audiência de julgamento), admitindo-se, contudo, que pretendendo-se ver declarados não provados os factos torna-se mais oneroso para os recorrentes indicarem meios de prova que tal pressupõe. Elencam, porém, as razões pelas quais entendem porque tais factos não devem constar no elenco da factualidade assente.
Fez-se, pois, um esforço interpretativo da alegação recursória, concluindo-se que, no essencial, o que os autores colocam em crise na decisão de facto tomada pelo tribunal recorrido são os factos que se prendem com a sua ocupação da área do prédio rústico n.º ...55..., que lhes é imputada pelos réus, e a delimitação do mesmo prédio, discordando da decisão tomada pelo tribunal a quo.
Vejamos.
A prova a reconsiderar está sujeita à livre apreciação do julgador.
Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados (Abrantes Geraldes, Recursos, 3.ª edição, 2010, Almedina, p. 320), mas há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1.ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento.
Assim sendo, se a decisão do julgador se mostra devidamente fundamentada, segundo as regras da experiência e da lógica, não pode ser modificada, sob pena de inobservância do princípio da livre convicção.
Dito isto, e tendo presente estes elementos, cumpre conhecer, em termos autónomos e numa perspetiva crítica, à luz das regras da experiência e da lógica, da factualidade impugnada e, em particular, se a convicção firmada no tribunal recorrido merece ser por nós secundada por se mostrar conforme às ditas regras de avaliação crítica da prova, caso em que improcede a impugnação deduzida pelos apelantes, ou não o merece, caso em que, ao abrigo dos poderes que lhe estão cometidos ao nível da reapreciação da decisão de facto e enquanto tribunal de instância, se impõe que este tribunal introduza as alterações que julgue devidas a tal factualidade.
Haverá ainda que ter presente que não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança.
Como refere Manuel de Andrade, [Noções Elementares de Processo Civil, p. 191] “a prova não é certeza lógica, mas tão só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida”.
À luz destas considerações e princípios, cumpre reanalisar a decisão proferida sobre os pontos da matéria de facto que se mostram impugnados.
Os apelantes entendem que os factos provados sob os pontos 9, 19 e 21 (que se prendem com a delimitação do prédio objeto da presente ação) devem ser dados como não provados.
É a seguinte a sua redação:
9) Já na década de 1960 o aludido prédio rústico, designadamente na parte que ora corresponde ao sob o artigo ...55..., era delimitado a poente por uma rede na parte em que inexistiam muros/paredes das construções confinantes (como era o caso do prédio correspondente aos números de polícia ...6 e ...8), rede essa que seguia no alinhamento do limite das construções erigidas nos números de polícia ...0 e ...4 da Rua ..., em Galveias.
19) Por escritura outorgada em 11/06/2008, no Cartório Notarial de Ponte de Sor, da Dra PP, JJ, vendeu aos RR., à data, solteiros, maiores, pelo preço de 9.500,00€ (nove mil e quinhentos euros), que estes pagaram e aquela recebeu, o prédio rústico descrito na CRP de Ponte de Sor, sob o n.º ...96, da freguesia de Galveias, inscrito à data sob o artigo ...95.º-A, da aludida freguesia, e, nessa data, com ...87,00m2 e com a delimitação correspondente, na planta junta a fls. 104 dos autos, aos actuais artigos rústicos ...56... e ...55... e à parcela designada como “urb” e indicada com a letra C) na referida planta, conforme certidão da escritura de fls. 111-114 dos autos e que aqui se dá por inteiramente reproduzida.
21) Na data da celebração da escritura, o prédio era delimitado a poente pelos muros/paredes das construções existentes e pela rede supra referida, designadamente na parcela de terreno urbana onde existia um forno e respectivos anexos (e que não tinha muro/construções confinantes com o rústico que os RR. compraram) e que correspondia aos números de polícia ...6 e ...8 da Rua ....
Na motivação da decisão de facto explanada na sentença, na parte que ora importa, justifica-se o decidido nos seguintes termos:
Quanto ao elencado em 9, o Tribunal baseou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas NN, TT, QQ e UU, os quais, por viverem muitos anos em Galveias, e o último por ter feito as obras nos prédios dos AA, conhecem o local e o estado em que o mesmo se encontrava à data. Ambos referiram a existência de uma rede no alinhamento dos quintais vizinhos. Ora, analisado o documento de fls. 92 e também o de fls. 224 (processo de IMI relativo aos art.ºs 1889, 1888 e 699), onde é possível ver o alinhamento dos quintais vizinhos, é inteiramente verosímil que o limite daquele quintal, onde se situava o forno, fosse na mesma linha dos restantes, pelo que, na ausência de um muro, é crível que ali existisse uma rede a delimitar o espaço e também para impedir a circulação de animais de capoeira, como foi referido pelas testemunhas em causa. Idêntico juízo de probabilidade é afiançado pelo senhor perito a fls. 400 verso dos autos.
Já a matéria constante do ponto 19 a 21, a mesma retira-se da conjugação dos depoimentos das testemunhas NN, TT, QQ, e o teor de fls. 104 e 110 a 114, 331, 74 a 80, bem como o teor dos relatórios periciais. Quanto aos relatórios periciais, importa notar que não divergem na substância, mas apenas na forma de apresentação, conforme esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos em Tribunal. Há a salientar que a resposta ao quesito 4 dos AA (fls. 377) diverge em relação à fonte, ou seja, as duas respostas são dadas em função dos documentos analisados: planta cadastral ou licenciamento municipal (vide esclarecimento prestado a fls. 395). Sucede que da conjugação da prova produzida em audiência, documental e testemunhal, resultou claro que o licenciamento municipal apresenta dados que não têm correspondência com a realidade física do local, à data, mormente quanto às áreas dos prédios. Por outro lado, o processo cadastral apresenta-se mais claro e através desses elementos é possível concluir que essa é a fonte mais segura, com maior correspondência à realidade do local. Efectuada esta nota, é possível concluir que o prédio adquirido pelos Réus tem as características elencadas neste ponto 19 dos factos provados. Conclusão também retirada pelos peritos, com as salvaguardas que deixaram expostas, atentas as divergências dos documentos oficiais.
No entendimento dos autores, e para divergir da convicção alcançada pelo tribunal recorrido, trazem à colação os licenciamentos camarários que no seu entender devem prevalecer sobre os mapas cadastrais.
Ora, o tribunal a quo fundamentou porque deu relevância ao processo cadastral, louvando-se, desde logo, no parecer dos peritos subscritores dos relatórios periciais, e, bem assim, nos documentos que acima elencou, em parte emanados da Direção Geral do Território e que são utilizados naqueles relatórios, de que é exemplo fls. 395 e 396 dos autos, constantes do relatório pericial subscrito pelo perito indicado pelos réus.
Da transcrição realizada no que tange aos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos (vd. fls. 457 verso e 458) não resulta que o tribunal tenha feito uma incorreta avaliação da prova que pudesse levar a tomar uma decisão diferente quanto a esta matéria.
Abre-se aqui um parêntesis para esclarecer o seguinte: aduzem os autores que da leitura dos relatórios periciais (um subscrito pelos peritos do tribunal e dos autores – fls. 376 a 383 – e dos autores; outro subscrito pelo perito indicado pelos réus –fls. 395 a 406) se retiraram profundas divergências de posições, não só de forma, mas de substância.
Salvo o devido respeito pelo entendimento em causa, temos de dele divergir como, aliás, fez o tribunal de 1.ª instância.
De facto, as divergências são de forma, de estilo de escrita, o primeiro mais contido, o segundo mais expansivo nas respostas dadas.
Porém, relativamente às questões essenciais que, no caso concreto, se prendem com a delimitação e ocupação do prédio dos réus, os peritos estão de acordo, inclusive na necessidade de realização de um levantamento topográfico que não foi levado a efeito.
A propósito do levantamento topográfico a que aludem os autores, e também da deslocação ao local (na verdade o que pretenderiam seria a prova por inspeção ao local), cumpre referir que, em face da motivação de facto plasmada na sentença recorrida, extrai-se, com mediana clareza, que tais meios de prova não se mostraram, para o tribunal de 1.ª instância, necessários e imprescindíveis para a boa decisão da causa e para o apuramento dos factos, em face das demais provas produzidas (o que também sufragamos), sendo certo que, se os apelantes entendiam ser necessária tal prova deviam, na sequência da peritagem, tê-la requerido, e, se lhes fosse negada, recorrer autonomamente dessa decisão intercalar, o que não fizeram.
Acresce que, a realização de um levantamento topográfico, na data do julgamento, só serviria para demonstrar o que está, não o que esteve ou o como foi delimitado e/ou ocupado o ..., em causa. O mesmo se refira relativamente à inspeção ao local que os autores mencionam na sua motivação de recurso.
Retomando aos relatório periciais, ambos vão no sentido de ocupação total, por parte dos autores, da área do prédio rústico inscrito na matriz .... Vejam-se as respostas ao quesito 7.º indicado pelos autores, dadas, quer pelos peritos do tribunal e autores, quer pelo perito dos réus, e, em especial, ao quesito 18.º indicado pelos réus, sendo que quanto a este a resposta é unívoca e inequívoca no sentido de os três peritos entenderem que os autores ocupam a totalidade do prédio dos réus, correspondente ao .... Saliente-se, inclusive, os esclarecimentos prestados pelo perito indicado pelos réus, a fls. 420 verso, onde o mesmo refere que por lapso, foi referido no quesito 18 que “ocupam parte do prédio” ao que deveria referir que “ocupam a totalidade do prédio”.
É certo que invocam como fonte o processo de cadastro.
Aliás, quando respondem aos quesitos, têm o cuidado de referenciar a fonte, em especial quando de uma fonte (autoridade tributária e câmara municipal – licenciamento municipal – ou direção geral do território – processo de cadastro) emana uma determinada informação e de outra fonte obtiveram outro tipo de informação.
Acresce que, como resulta dos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelo perito indicado pelos réus, as divergências eram de forma e não substanciais.
O senhor Perito referiu, conforme se alcança das suas declarações, que “… tínhamos opiniões diferentes ... ou seja, da maneira de compor o relatório... de apresentar o próprio trabalho”, aduzindo, é certo, que não leu o relatório dos seus colegas, não o analisou, mas na sua perspetiva o que estaria em causa era a forma de responder aos quesitos.
E da apresentação formal de ambos os relatórios, resulta claro essas divergências de forma. Já não de conteúdo.
E a senhora Juíza a quo também assim o entendeu, como resulta claro da motivação de facto da sentença sob recurso.
Lembramos que a prova pericial se encontra expressamente prevista no art.º 388.º, do Código Civil, tendo por fim “[a] percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.”.
Sem olvidar que, conforme dispõe o art.º 389.º do Código Civil, “A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”, podendo o juiz, no confronto com outros meios de prova, atribuir-lhe uma maior credibilidade, atenta a especial preparação técnica ou científica do perito, sendo certo que, ao invés, se existirem razões para desvalorizar a prova pericial, o tribunal também é livre de o fazer, justificando isso mesmo.
O tribunal recorrido valeu-se de ambos os relatórios periciais e justificou porquê. E igualmente justificou porque conferiu mais credibilidade a uma fonte (processo cadastral) que fundamentou as respostas dadas pelos senhores peritos, em detrimento da outra (processos camarários e processos de IMI), que igualmente fundamentou as referidas respostas, tudo em conjugação com a prova produzida em audiência, documental e testemunhal, da qual resultou claro que o licenciamento municipal apresenta dados que não têm correspondência com a realidade física do local, à data, mormente quanto às áreas dos prédios. Por outro lado, o processo cadastral apresenta-se mais claro e através desses elementos é possível concluir que essa é a fonte mais segura, com maior correspondência à realidade do local (cf. fundamentação da sentença a fls. 444 verso).
Por fim, relativamente à prova testemunhal invocada, e na parte transcrita pelos autores, não se vislumbra minimamente que imponha decisão diversa da tomada pelo tribunal a quo.
Os recorrentes, perante a motivação exposta pelo tribunal a quo, esgrimem razões que radicam, no essencial, na sua discordância relativamente à convicção do Tribunal a quo.
Importa, pois, salientar que a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à análise da prova invocada pelos impugnantes, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que a mesma, conjugada com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª instância.
Ora, tal não é manifestamente o caso.
Revemo-nos, pois, nesta apreciação da prova realizada pelo tribunal de primeira instância, pelo que se mantêm como provados os factos elencados sob os pontos 9, 19 e 21.
Quanto ao facto elencado no ponto 20, cuja prova os autores igualmente colocam em crise, é a seguinte a sua redação:
20) O referido prédio encontra-se registado a favor dos RR., à data solteiros, maiores, na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor, desde 04/08/2008, pela AP.13 de 2008/08/04.
O prédio a que se alude é o que foi objeto da escritura pública celebrada em 11 de junho de 2008, nela se exarando que JJ vendeu aos réus, pelo preço de 9 500,00 € (nove mil e quinhentos euros), que estes pagaram e aquela recebeu, o prédio rústico descrito na CRP de Ponte de Sor, sob o n.º ...96, da freguesia de Galveias, inscrito à data sob o artigo ...95.º-A, da aludida freguesia, e, nessa data, com ...87,00m2, escritura pública essa que não foi objeto de qualquer incidente de falsidade e que consta de fls. 111 a 114 dos autos, assim como não foi colocada em crise a certidão de registo predial de fls. 74 a 80 dos autos, da qual consta a inscrição a favor dos réus pela Apresentação 13, de 4 de agosto de 2008.
Assim, permanece na factualidade assente o ponto 20.
Impugnam também os recorrentes os pontos 22, 23 e 36 dos factos provados, onde se deu como provado:
22) Quando adquiriram o prédio rústico, os Réus apanharam a azeitona das oliveiras ali existentes, nomeadamente na parte que ora corresponde ao artigo ...55....
23) No Outono de 2008, de 2009 e de 2010 os RR. apanharam a azeitona das oliveiras que existiam em todo o prédio, designadamente das oliveiras que existiam na parte que agora corresponde ao artigo ...55....
36) No que concerne ao terreno que hoje corresponde ao artigo ...55..., com 1.834,00m2, onde se encontravam implantadas oliveiras, em número não concretamente apurado, todos os actos supra descritos, foram praticados pelos RR., desde que adquiriram o prédio, em 11/06/2008, até meados do ano de 2011, sem oposição de ninguém, à vista e com o conhecimento de toda a gente, ininterruptamente, na convicção de exercerem sobre o terreno que adquiriram um direito de propriedade próprio e na convicção de não prejudicarem direitos de terceiros e de serem seus donos exclusivos.”
Relativamente a esta factualidade, os autores não aduzem uma única razão para que este tribunal superior altere a decisão de facto tomada pelo tribunal.
Não invocam um único meio de prova capaz de impor decisão diversa, pelo que, revemo-nos inteiramente na fundamentação da decisão de facto, fazendo nossa a respetiva fundamentação:
O mencionado em 22 e 23 e 35 e 36 resultou do teor do depoimento da testemunha QQ, tendo sido valorado ainda o teor de fls. 115 a 119 onde são visíveis árvores. Do depoimento desta testemunha foi possível concluir que os Réus se comportaram, ao longo dos anos, como donos de pleno direito dos prédios em causa, pois para além de apanharem as azeitonas das oliveiras ali existentes, autorizaram a testemunha a passar pelo seu prédio para realizar as obras que levava a cabo. Tais comportamentos são próprios de quem tem a disponibilidade do espaço. Acresce que os documentos juntos aos autos (cadernetas prediais e certidões, bem como escritura de compra e venda) demonstram a que título os Réus dispunham daqueles prédios, inexistindo assim dúvida de que o faziam publicamente, não tendo sido mencionado qualquer acto de oposição de quem quer que fosse a tais comportamentos. Ora quem age de tal forma, em obediência às regras a experiência comum, fâ-lo na convicção de actuar como dono da coisa e não resultou, de toda a prova, motivo para o Tribunal considerar que aqui foi diferente, pelo que se considerou provada tal factualidade. Tal status quo só se alterou em meados de 2011 com o comportamento por parte dos Autores.
Mantem-se inalterada a decisão da matéria de facto provada quanto aos factos vertidos em 22, 23 e 36.
Na sentença foi considerado provado o facto elencado sob o número 24, que os apelantes pretendem ver dado como não provado, o qual tem a seguinte redação:
24) Em data não concretamente apurada mas posterior a Junho de 2008, QQ, necessitando de passar pelo terreno que ora corresponde ao 555.º-A, solicitou aos RR. que lhe permitissem a passagem de veículos com camionetas transportando materiais de construção para a obra que o mesmo estava a levar na sua moradia, a nascente do aludido prédio, ao que os RR. consentiram.
A este respeito, na motivação da sentença, referiu-se que “Quanto ao constante no ponto 24, o Tribunal valorou o depoimento da testemunha QQ.”
O que verdadeiramente os autores impugnam é tão só a data ali dada como assente.
A testemunha QQ, inquirida em sede de audiência de julgamento em 1 de fevereiro de 2023, referiu que cerca dos anos de 2016/2017, necessitou de pedir autorização ao réu DD para passar/utilizar o terreno deste a fim fazer passar por ali o material que adquiriu para construir um anexo no seu terreno e assim ficasse mais acessível para a dita construção.
Aduz o réu que “feitas as contas há 16 ou 17 anos remonta-nos para os anos de 2007 e 2006, momento bem anterior a data em que os RR adquiriram os prédios em apreço.
Ora, ao que parece, o tribunal a quo não ficou convicto acerca da data dos factos em causa, mas ficou convencido que o terreno pelo qual a testemunha QQ passou com o material necessário à construção do aludido anexo já pertencia aos réus.
Assim o disse a testemunha. Afirmou que pediu autorização ao réu DD, na certeza que tinha que era este o proprietário, certeza que não foi extensível quanto à data dos factos pois não soube dizer o concreto ano e muito menos o mês ou meses em que construiu o anexo na sua propriedade.
O que é natural e vai de encontro às regras da normalidade da vida, pois passados 15, 16, 17 anos é normal que o ser humano não se recorde já que determinado facto tenha ocorrido neste ou naquele ano, nesta ou naquela data em concreto.
Ora, 16 anos atrás, reportado ao ano de 2023, leva-nos até ao ano de 2007. A escritura de compra e venda foi celebrada em 2008. Não se trata de um lapso temporal tal que não permita a resposta dada pelo tribunal recorrido.
A prova invocada pelos recorrentes tem que impor decisão diferente, não apenas permitir decisão diferente.
E a prova invocada pelos apelantes que no seu entender fundamentam a alteração requerida, apenas poderia permitir uma decisão diferente, mas já não poderá impô-la.
Nada nos autos impõe, pois, que se dê como não provado o facto constante do ponto 24 dos factos provados.
Pretendem também os recorrentes que sejam retirados do elenco dos factos provados os factos vertidos nos pontos 37, 38 e 39, nos quais se deu como provado:
37) Desde meados do ano de 2011 os RR. se encontram desapossados de uma parcela de terreno correspondente precisamente à totalidade do actual prédio rústico ...55..., em virtude de os AA. a terem ocupado.
38) Em meados do ano de 2011, os AA. invadiram o prédio dos RR. e vedaram toda a área que actualmente corresponde ao artigo ...55..., construindo muros a delimitá-la, juntando-a ao logradouro dos prédios urbanos que adquiriram.
39) Nessa área os AA. construíram em meados do ano de 2011 dois anexos, uma piscina e colocaram piso em redor do Anexo 1 e da piscina, bem como alteraram a disposição de algumas das oliveiras existentes).
Na sentença motivou desta forma o decidido:
“O descrito em 37 a 39 resulta da conjugação do depoimento da testemunha UU, que realizou as obras a pedido dos AA, de VV, o qual explicou ao Tribunal como “encontraram” a área dos prédios dos Autores, com o teor de fls. 132 a 134.
Entendem, os recorrentes (conclusões 2.ª e 3.ª) que, com base nos relatórios de peritagem, se deve dar como não provado a ocupação de toda a área do ..., na dimensão de 1834 m2 conforme assim o impõem os factos dados como provados nos pontos 43, 44 e 59 e assim se impor decisão diversa atendendo às conclusões a que chegaram os peritos nos seus relatórios e respetivos esclarecimentos, assim se mitigando a importância inexplicavelmente concedida pelo Tribunal a quo aos mapas cadastrais.
Considerando os apelantes que não foi produzida prova cabal e suficiente para se dar como provados tais factos, era essencial a realização de um levantamento topográfico dos terrenos.
Cumpre assinalar, em primeiro lugar, que estes três factos (37 a 39) são os que se prendem com a ocupação (total ou parcial), pelos autores, do ..., pertença dos réus/reconvintes. Decidiu o tribunal de 1.ª instância que a ocupação é total daí retirando as devidas consequências.
Em segundo lugar, diremos que só aparentemente pode resultar contradição entre os factos dados como provados nos pontos 37 a 39 e os que constam dos factos assentes sob os números 43, 44 e 59.
Estes têm o seguinte teor:
43) Os aludidos prédios ...93º, descritos como sitos na Rua ..., ..., descrito como sito na Rua ..., em Galveias, foram inscritos como sendo destinados a habitação, e correspondiam aos actuais artigos ...88... e ...89.º da freguesia de Galveias, e que em cada um deles estava declarado a área total de 862,85m2 e 1026,75m2, respectivamente;
44) Em nome da Autora SDS, LDA, existia ainda o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...99.º, que se destinava a forno, e se situava também na Rua ..., em Galveias;
59) Ao redor dessas construções (de área não concretamente apurada) existia um logradouro que ladeava as construções e se iniciava junto ao portão e ao muro juntos à Rua Pública (Rua ...) e que terminava, a nascente, no início da extrema poente do actual artigo ...55... da freguesia de Galveias;
Os prédios a que ali se faz referência são os que foram objeto dos títulos de compra e venda datados de 28 de agosto de 2009 (fls. 14 a 20) por intermédio dos quais JJ vendeu aos autores os prédios inscritos na matriz sob os artigos ...93... e ...94.º (atuais artigos ...88... e ...89.º da freguesia de Galveias, respetivamente) e ...99.º, considerando-se que o primeiro tem a área de 862,85 m2 e o segundo a área de 1 026,75 m2.
Interrogam-se, pois, os autores nos seguintes moldes, na motivação do recurso: a existir logradouros dos prédios, de sua pertença, mesmo que em área não concretamente apurada (59), e considerando-se provado terem ocupado a totalidade do ..., na sua dimensão total de 1834 m2, então como poderão os artigos 1888.º, 1889.º (artigos 1693.º e ...94.º) e ...99.º encaixar as áreas em si mesmas reconhecidas também pelo Tribunal de 1.ª instância?
Mais referindo que esta contradição se agudiza quanto ao facto de ambos os relatórios periciais haverem apontado como área ocupada apenas 760,75 m2 (perito dos réus) e 816 m2 (perito dos autores conjuntamente com o do Tribunal), ignorando o Tribunal a quo tal facto para considerar a ocupação dos 1834 m2.
É verdade que as áreas referidas no ponto 43 dos factos provados (862,85 m2 e 1 026,75 m2, respetivamente dos artigos 1693.º e ...94.º) somam uma área correspondente a 1 889,6 m2 (superior a 1834 m2 do ...), e sem contar com a área do artigo 699.º também adquirido pelos autores (mais propriamente pela autora SDS – Soluções e Distribuição de Equipamentos de Segurança, Lda.). E daí a perplexidade dos autores.
Porém, o que se deu como provado no ponto 43 não é que os artigos 1693.º e ...94.º têm, respetivamente, as áreas 862,85 m2 e 1026,75 m2. O que se deu como provado é que os aludidos prédios ...93... e ...94.º, foram inscritos como sendo destinados a habitação, e que em cada um deles estava declarado a área total de 862,85 m2 e 1026,75 m2, respetivamente. E declarado onde? No processo de licenciamento municipal de obras que o tribunal recorrido não valorizou para dar como provada qual a área efetivamente ocupada pelos autores (concluindo que era a totalidade, louvando-se no processo cadastral, que julgou mais fiável e de acordo com a realidade física dos prédios).
Veja-se que o tribunal a quo fundamentou a prova dos pontos 43 e 44 dos factos provados da seguinte forma: O descrito em 42 e 43 resulta do teor do processo de licenciamento de obras, anexo aos presentes autos, bem como das respostas dadas pelos peritos e constantes do relatório pericial (porque deles, relatórios periciais, acrescentamos nós, consta sempre o que resultava da realidade cadastral e dos processos camarários e processos de IMI).
Ao contrário do que aduzem os recorrentes, o tribunal recorrido não reconhece aquelas áreas; reconhece, sim, o que está declarado nos processos camarários e processos de IMI, que não valoriza.
Por outro lado, os autores estão, novamente, equivocados quando referem, na motivação de recurso, que ambos os relatórios periciais concluíram que a área ocupada do ... é de apenas 760,75 m2, segundo o perito dos réus, e de 816 m2, segundo o perito dos autores e do Tribunal, ignorando o Tribunal a quo tal facto para considerar a ocupação dos 1 834 m2.
Na verdade, estas áreas constam das respostas ao quesito 5.º apresentado pelos réus.
É o seguinte o teor do quesito 5.ª:
Qual a área total das construções e referido logradouro desde a Rua Pública ate ao início da extrema poente do prédio rústico ...55... da aludida freguesia de Galveias?(refira-se que quando se falam em construções e logradouro referem-se às construções nos prédios dos réus, desde a Rua ... a poente, até à extrema poente do 555.º -A, e não a área ocupada pelos autores no ...). Ou seja, o que se pergunta quais as áreas de construções e logradouro, não qual a área ocupada (com ou sem construções), do ....
A resposta dos peritos do tribunal e dos autores é a seguinte (fls. 379):
Considerando desenho geral das parcelas e medição aproximada, encontra-se área de cerca de 816 m2.
A resposta do perito dos réus é esta:
De acordo com uma medição expedita através da vista aérea, a área total de terreno dos dois prédios ascende a cerca de 760,75 m2.
Tudo em conjugação com o quesito 7.º apresentado pelos autores, cuja pergunta é:
7 – Competirá, pois, aos peritos definir quais as áreas ·que os autores estão a ocupar desde a Rua Publica e que confrontações e extremas ocupam e o delimitam.
A resposta dos peritos do tribunal e dos autores:
Foi possível observar que actualmente ocupam a totalidade das áreas urbanas dos lotes das moradias e/ números de polícia ...6 e ...8, bem como toda a área do prédio rústico ...55.... Medição aproximada sobre imagem de satélite cerca de 2. 787m2, medição rigorosa só com levantamento topográfico.
Confrontações: norte c/ área social da folha e rústico ...56..., nascente e sul e/ área social da folha, e poente e/ Rua .... (fls. 377 dos autos).
A resposta do perito dos réus (fls. 399):
Após visita efetuada ao local e em comparação com os elementos disponibilizados e consultados, verifica-se que os autores ocupam os prédios urbanos com a morada na Rua ... e 28, assim como o prédio rústico com o art.º ...55 da secção A da freguesia de Galveias.
Mal se compreende, pois, esta interpretação e a dúvida dos autores relativamente a estas áreas e relativamente à provada ocupação, na sua totalidade, do prédio rústico com o art.º ...55 da secção A da freguesia de Galveias.
Em suma, consideramos que o Tribunal a quo fez uma correta apreciação da prova, pelo que se mantêm como provados os factos elencados sob os pontos 37, 38 e 39, que assim permanecem intocadas.
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2.ª Questão
Determinar se, procedendo a impugnação da matéria de facto, deve ser alterada a decisão de direito
Insurgem-se os autores contra a decisão que julgou improcedente a sua pretensão, bem tendo, contudo, considerado o Tribunal a quo, atenta a decisão da matéria de facto que proferiu e que se mantém.
Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos no que à interpretação e aplicação do direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo os apelantes logrado impugnar, com sucesso, tal matéria, que assim se mantém inalterada, fica, necessariamente, prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do n.º 2, do art.º 608.º, aplicável ex vi parte final, do n.º 2, do art.º 663.º e do n.º 6, deste artigo.
Dito de outro modo, o pedido de modificação da solução jurídica do pleito dependia unicamente da modificação da matéria de facto solicitada pelos recorrentes, pelo que, subsistindo esta intocada, assim deve aquela permanecer, tanto mais que nada nela há a censurar.
Com efeito, valorando o elenco dos factos provados, não se alcança que a sentença apelada mereça censura do ponto de vista da aplicação do direito. A sentença recorrida efetuou uma valoração dos factos provados à luz do pertinente quadro normativo.
Assim, permanecendo imodificada a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto nenhuma censura há a fazer à sentença recorrida, não se detetando qualquer erro de julgamento da matéria de direito que afete o valor da sentença sob recurso.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo violação de qualquer normativo invocado pelos apelantes, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
As custas serão suportadas pelos apelantes suma vez que ficaram vencidos (n.ºs 1 e 2, do art.º 527.º, do Código de Processo Civil).
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Évora, 23 de novembro de 2023
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários)

Maria José Cortes (Relatora)
Francisco Xavier (1.º Adjunto)
Ana Pessoa (2.ª Adjunta)