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SEGUNDA PERÍCIA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário
1. Realizada uma perícia, a lei concede às partes a faculdade de requererem uma segunda perícia. 2. O único requisito específico para o pedido de realização de segunda perícia consiste na alegação fundamentada das razões de discordância relativamente aos resultados da primeira perícia. 3. A segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciada pelo tribunal, pelo que a segunda perícia é mais um meio de prova, que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos. 4. A primeira perícia sofre de inexatidões que justificam a realização de segunda perícia se o perito não acedeu ao interior de uma das habitações existentes no imóvel misto em avaliação; se é equívoco quanto à existência de licenciamento das habitações, ou quanto à sua obrigatoriedade e, ainda, por o valor alcançado por m2 carecer de objetivamente ser melhor concretizado, em face das caraterísticas das construções existentes, nomeadamente em função da avaliação e/ou transação de outros imóveis situadas na mesma zona com caraterísticas semelhantes. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
No processo especial de Divisão de Coisa Comum que corre termos no processo e tribunal supra identificado, intentado por AA contra AA e BB, foi requerida e determinada a avaliação, por meio de perícia, do prédio misto denominado ... e Quinta ..., situado na freguesia da Sé, em Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º ...18 da freguesia de Évora (Sé) e inscrito na matriz sob o artigo rústico ...10 da Secção M da freguesia da Sé (extinta) e artigo urbano ...33 da freguesia de Canaviais, concelho de Évora.
Realizada a perícia, e após esclarecimentos sobre a avaliação levada a cabo pelo Sr. Perito, o Autor veio requerer a realização de segunda perícia, alegando, em suma, que o dever de fundamentação previsto no artigo 484.º, n.º 1, do CPC, não foi observado pelo Sr. Perito, requerendo que a segunda perícia seja realizada por outro perito, nomeado pelo tribunal.
Por despacho proferido em 02-05-2023 (Ref.ª 32838070), que vem a ser o recorrido, o tribunal a quo indeferiu a realização da segunda perícia, concluindo do seguinte modo:
«O Relatório elaborado pelo senhor Perito responde ao quesito formulado e fixado por despacho proferido em 05-07-2022; e apresenta-se fundamentado.
Em 27-03-2023, o senhor Perito esclareceu o método de avaliação utilizado no caso em apreço, e o preço do metro quadrado atribuído ao prédio misto, atendendo às suas especificidades.
Pelo que, por ora, entende o Tribunal que nenhum fundamento existe para sustentar a elaboração de uma nova perícia.
Assim, indefiro o requerido pelo Requerente.»
Inconformado, apelou o Autor, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª O Relatório da 1ª perícia apresenta deficiências, não sendo devidamente fundamentado. Por isso,
2ª Depois de requerer esclarecimentos e pedido de fundamentação do mesmo, manteve-se a falta de fundamentação, razão pela qual, foi requerida, de forma fundamentada, uma segunda avaliação, nos termos do Art. 487º nº 1 do CPC;
3ª O Tribunal “a quo” indeferiu a requerida perícia, alegando que “O Relatório elaborado pelo senhor Perito responde ao quesito formulado e fixado por despacho proferido em 05-07-2022; e apresenta-se fundamentado.”
4ª Com o devido respeito pela opinião em contrário, o relatório pericial não nos apresenta o valor real de mercado dos valores reais de mercado atual. Pois,
5ª Em primeiro lugar não tem em consideração as condições interiores do imóvel referido em 2 do relatório de avaliação, por ao Sr. Perito não ter sido facultado o acesso ao mesmo.
6ª Este acesso ao interior ao do supra referido imóvel é essencial para determinação do seu valor. Pois,
7ª Terá que se ter em conta os materiais usados no seu interior, a sua condição, equipamentos, sistemas de água, eletricidade, esgotos e telecomunicações, para se aferir do seu valor. Para além disso,
8ª Tem que nos ser facultado a tipologia e estado de conservação, se tem sótão, ou cave com condições de habitabilidade.
9ª Não basta fazer uma perícia do exterior, que foi o caso, a qual não nos permite aferir o valor real do supra referido imóvel. Por outro lado,
10ª O Sr. Perito partiu de um pressuposto errado para proceder à avaliação do prédio identificado em 2 do relatório de avaliação. Pois,
11ª Se na caderneta predial consta que tal prédio é de 1937, o mesmo é anterior a 1951, pelo que não necessita de licença de utilização. Deste modo,
12ª Não estamos perante um prédio clandestino.
13ª Não sendo um prédio clandestino o seu valor é muito superior ao atribuído pelo Sr. Perito. Assim,
14ª A avaliação efetuado pelo Sr. Perito padece de erros que prejudicam todos os interessados nos autos.
15ª O Sr. Perito em nenhuma parte do relatório pericial, nem do esclarecimento ao mesmo diz como chegou aos preços por ha ou M2 para atribuir o valor aos prédios, o que tinha que fazer.
16ª Ao requerer a segunda perícia o Recorrente alegou e fundamentou as razões da sua discordância com os resultados da primeira perícia, pelo que, deveria ter sido admitida. Pois,
17ª Esta segunda perícia destina-se a corrigir a inexactidão dos resultados da primeira.
18ª Ao não admitir a realização da segunda perícia o Tribunal “a quo” violou o disposto nos Arts. 484º nº 1 e 489º nº 1 do CPC. Por outro lado,
19ª O Tribunal “ a quo” também não fundamentou, como art. 154º nº 1 do CPC estipula a sua decisão, pelo que a mesma é nula nos termos da al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC.»
A Ré apresentou resposta ao recurso, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos e ocorrências processuais relevantes para a apreciação do recurso constam do antecedente Relatório, a que ainda se acrescentam os seguintes elementos processuais colhidos nos autos e que antecederam a prolação do despacho recorido:
1- Por despacho proferido em 05-07-2022 foi fixado o objeto da perícia nos seguintes termos:
«Qual é o valor de mercado do prédio misto denominado “... e Quinta ...”, situado na freguesia da Sé, em Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º ...18 da freguesia de Évora (Sé) e inscrito na matriz sob os artigo rústico ...10 da Secção M da freguesia da Sé (extinta) e artigo urbano ...33 da freguesia de Canaviais, concelho de Évora.»
2- O Relatório pericial tem o seguinte teor:
«AVALIAÇÃO
Avaliação do Prédio Rústico inscrito na matriz artigo rústico ...10 secção M e Prédio Urbano inscrito na Matriz com o artigo urbano ...33, ambos da Freguesia dos Canaviais, sito na ... e Quinta ... aos Canaviais.
O prédio rústico, com a área de 2,0550 ha, é constituído por 4 parcelas com as culturas de: arvense de sequeiro, arvense de regadio e olival. Está classificado quanto à natureza dos solos entre a 1ª e 4ª classe. Encontra-se todo vedado por rede ovelheira e postes de madeira, tendo na entrada muro de alvenaria com portão em ferro.
Nele estão implantados dois prédios urbanos contíguos: 1 - Rés/chão com a área aproximada de 100 m2 composto por sala, cozinha, 3 quartos e casa de banho, está na fase de” toscos”, em muito mau estado de conservação no seu todo. 2 – Rés/chão com a área aproximada de 130 m2. Pelo que observei pelo exterior, o seu estado de conservação é aceitável tendo condições de habitabilidade.
Fui recebido pelo Exmº sr. AA, que se encontrava no local, informei-o que ia a mando do Tribunal avaliar os prédios, e que para o fazer tinha que verificar o interior dos imóveis para ver o seu estado de conservação.
O Sr. AA disse-me que eu só poderia verificar o imóvel que acima descrevi em 1, ou seja a construção na fase de toscos, porque esse é que era o prédio para avaliar, não me permitindo a entrada ao interior do imóvel contíguo, descrito no nº 2, pelo que só o observei do exterior. Como na Matriz está mencionado o ano de 1937, e a construção que me foi indicada está na fase de toscos, não me parece que o prédio objecto desta avaliação seja o da informação prestada pelo requerido.
Assim, decidi avaliar a parte Rústica com dois imóveis lá implantados:
Parte Rústica – 82 200 €
Parte urbana – Prédio descrito no nº 1 16 000 €
Prédio descrito no nº 260 000 €
TOTAL 158 200 € O Valor do prédio Misto ( Parte Rústica e Parte Urbana ) é na ordem dos 158 000 € (Cento e Cinquenta e Oito Mil Euros)
Anexo: 6 Fotografias
Évora, 30 de Setembro de 2022»
3- O Autor e a Ré, por requerimentos separados, vieram requerer que o Sr. Perito esclarecesse e complementasse o Relatório Pericial.
4- Por despacho proferido em 08-02-2023, e em apreciação do requerido, o tribunal a quo decidiu o seguinte:
«O Relatório elaborado pelo senhor Perito responde ao quesito formulado e fixado por despacho proferido em 05-07-2022; e apresenta-se fundamentado.
(…)
Porém, também é verdade que a avaliação realizada se encontra parcamente fundamentada no que respeita às premissas que levaram à conclusão alcançada sobre o valor a atribuir ao prédio misto.
Assim, nessa parte, assiste razão às Partes, devendo ser determinada a notificação do Senhor Perito, para no prazo de 20 dias (uma vez que, tal poderá implicar nova deslocação ao local, caso o Senhor Perito assim entenda relevante), fundamentar a conclusão alcançada/ o valor atribuído ao imóvel, nomeadamente, quais os critérios que lhe permitiram alcançar tal valor de mercado (ex: tipo de construção, valor do metro quadrado para prédio semelhante naquela região, etc…). Caso seja possível, isto é, existindo imóveis semelhantes para venda naquela zona, deverá juntar o preço pelos quais tais imóveis se encontram colocados à venda. O que se determina.
Notifique, sendo o primeiro Requerido com a advertência de que, caso o senhor Perito se desloque novamente ao local, o mesmo deverá colaborar com a realização da avaliação, nos termos entendidos por convenientes pelo senhor Perito, sob pena de condenação em multa processual por falta de colaboração com o Tribunal.»
5- Em 27-02-2023, O Sr. Perito juntou aos autos os seguintes esclarecimentos: «Resposta ao pedido de fundamentação
Os peritos avaliadores, para desempenharem as suas funções, utilizam os seguintes métodos de avaliação: a)Método comparativo – Consiste na avaliação do imóvel por comparação, ou seja, em função de transações e/ou propostas efectivas de aquisição relativamente a imóveis com idênticas características físicas e funcionais, cuja localização se insira numa mesma área do mercado imobiliário. A utilização deste método requer a existência duma amostra representativa e credível em tempos de transações e/ou propostas efectivas de aquisição que não se apresentem desfasadas relativamente ao momento da avaliação. b)Método de actualização das rendas futuras- consiste na determinação do valor do imóvel através do somatório dos cash-flows efectiva ou previsivelmente libertados e do seu valor residual no final do período de investimento previsto ou da sua vida útil, atctualizados a uma taxa de mercado para aplicações com perfil de risco semelhante. c)Método dos múltiplos rendimentos – consiste na determinação do imóvel mediante o quociente entre a renda anual efectiva ou previsivelmente libertada de encargos de conservação e manutenção e uma taxa de remuneração adequada às características e ao nível de risco do investimento, face às condições gerais do mercado imobiliário no momento da avaliação. d)Método de substituição – consiste na determinação do valor do imóvel através da soma entre o valor do mercado do terreno e de todos os custos necessários para a construção de um imóvel com as mesmas características físicas e funcionais. Na determinação do valor final do imóvel, devem ser consideradas, designadamente a depreciação em função da sua antiguidade, estado de conservação e estimativa de vida útil, bem como as margens de lucro requeridas.
Posto isto, e em relação à avaliação que fiz ao prédio do processo, informo o seguinte:
Dos quatro métodos acima descritos, derivado às características dos imóveis em causa, ao facto de na zona não existirem imóveis semelhantes para estabelecer comparação ou calcular o rendimento, o que mais se aproxima para a obtenção do seu valor é o mencionado na alínea d).
Acresce que como não existe qualquer licenciamento na C. Municipal, pelo que se trata de prédios clandestinos.
Em relação ao prédio descrito em 1, que está a 90% de ficar concluído, na fase de” toscos” em muito mau estado de conservação no seu todo e ao abandono, optei por calcular o valor do metro quadrado, para obter o valor que indiquei no relatório, baseando-me no estado de conservação, na idade da construção, na sua localização e nos acessos.
Como referi no meu relatório, em relação ao prédio descrito em 2, informei que o seu estado de conservação é aceitável, tendo condições de
habitabilidade.
Assim, com o estado actual dos prédios depois da verificação que fiz para aferir o valor das construções existentes, calculei os valores de 82 200 € para a parte Rústica, ou seja 40 000 €/ha. Para o prédio descrito em 1 calculei o valor de 160 €/m2 e para o prédio descrito em 2 calculei um valor de 461,53 €/m2. Valores que mantenho e que tenho a noção que são preços aceitáveis para uma avaliação justa. Com efeito, possuo experiência no ramo da construção civil, pois sou Técnico responsável pelo Alvará de construção de uma empresa de construção civil, o que me permite ter conhecimentos dos valores dos terrenos e do m2 da construção.»
III- APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES SUSCITADAS NO RECURSO
1. Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, n.º 2, do CPC), cumpre apreciar e decidir:
- Nulidade da decisão recorrida;
- Se estão reunidos os requisitos legais para a realização da requerida segunda perícia.
2. Alega o Apelante que a decisão recorrida é nula por violação do dever de fundamentação, invocando para o efeitos os artigos 154.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente elencadas nas várias alíneas do no n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Assim, a sentença é nula, por aplicação da alínea b) desse normativo, quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
A falta de fundamentação a que alude o preceito está em consonância com o dever de fundamentação as decisões, consagrado na CRP e na lei ordinária (artigo 205.º, n.º 1, da CPR, artigos 154.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4, do CPC).
Porém, como tem sido entendido de forma consensual, a arguida nulidade só ocorre quando a falta de fundamentação for absoluta, o que não se verifica quando haja insuficiente ou errada fundamentação de facto e/ou de direito, vícios para os quais a lei tem remédios diversos que não passam pela declaração de nulidade do decidido (cfr., assim, artigos 639.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), 640.º e 662.º, n.º 1 e 2, alíneas c) e d), todos do CPC).
No caso em apreciação, estando em causa um despacho interlocutório, não uma decisão final, apresenta-se o mesmo suficientemente fundamentado, porquanto faz o enquadramento fático-jurídico do requerimento onde é pedida a segunda perícia levando em atenção a tramitação processual anterior, a formulação do quesito objeto da perícia, a fundamentação que o Sr. Perito apresentou no Relatório Pericial, bem como o esclarecimento prestado.
Nestes termos, não se verifica a arguida nulidade.
3. Vejamos, agora, se estão reunidos os requisitos legais para a realização da requerida segunda perícia.
Nos termos do artigo 341.º do Código Civil, conjugado com o artigo 388.º do CPC, a prova pericial destina-se a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas partes, tendo por objeto a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não detém.
Realizada uma perícia, a lei concede às partes a faculdade de requererem uma segunda perícia.
O artigo 487.º do CPC estabelece os requisitos do requerimento do pedido da segunda perícia, estipulando: «1- Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.» «3. A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.»
A segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciada pelo tribunal (artigo 489.º do CPC).
Donde, a segunda perícia é mais um meio de prova, que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos, em livre apreciação (cfr. FERNANDO PEREIRA RODRIGUES, Os Meios de Prova em Processo Civil, Almedina, março 2015, p.151).
O pedido de realização de segunda perícia, no atual regime processual, exige que sejam fundamentadas as razões da discordância, o que resulta de modo preclaro do advérbio de modo «fundamentadamente» expresso no n.º 1 do artigo 487.º do CPC.
A ratio legis de tal exigência, é consabido, prende-se com a necessidade de evitar a realização de diligências meramente dilatórias.
As razões da discordância, devidamente fundamentadas, ou seja, os pontos de discordância e/ou as inexatidões a corrigir, têm de constar do requerimento onde se requer a realização da segunda perícia.
Assim, o requerente tem de indicar qual o motivo/razão por que entende que o resultado da perícia deveria ser diferente, o que afasta a admissão de simples requerimentos onde se pede a realização da segunda perícia (outrora admitidos).
Efetivamente, se o legislado em relação à primeira perícia não exige qualquer fundamentação para justificar a realização da diligência podendo a parte limitar-se a indicar o objeto da perícia, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas (artigo 475.º, n.º 1, do CPC), já em relação à segunda perícia o legislador foi muito mais exigente, não bastando à parte alegar qual o objeto da perícia por reporte à questão controvertida, pois tendo já havido uma avaliação é necessário que a parte indique de forma fundamentada a(s) razão(ões) da discordância com o resultado da mesma (cfr. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., p. 554).
Em face do que vem sendo dito, é inegável que atualmente é condição de deferimento do pedido de segunda perícia a alegação fundamentada das razões de discordância relativamente aos resultados da primeira perícia e tal alegação especificada é o único requisito legal do requerimento em causa a formular nos termos do artigo 487.º do CPC.
Invoca o Apelante que se encontram reunidos os pressupostos da realização da segunda perícia por deficiências da primeira, com base, em suma, na seguinte argumentação: (i) o Relatório Pericial não apresenta o valor real atual de mercado, porquanto não teve o Sr. Perito acesso ao interior do imóvel referido em 2., pelo que não pôde aferir das suas caraterísticas, condições de habitabilidade, conservação e equipamentos existentes; (ii) considerou que o mesmo imóvel é clandestino, sem o ser, dado que é anterior a 1951 e, por isso, não necessita de licença de utilização; (iii) nem no Relatório Pericial, nem no esclarecimento prestado, o Sr. Perito diz como chegou ao preço por ha ou m2.
Na apreciação das razões de discordância apresentadas para fundamentar o pedido de realização da segunda perícia, entende-se que as mesmas justificam o deferimento da sua realização.
Primeiro, porque o Sr. Perito considerou que, estando em causa a avaliação de um imóvel misto, com uma componente rústica e com duas habitações nele implantadas, o método que se lhe afigurou ser o mais adequado para avaliar o prédio corresponde ao que identificou sob a alínea d), ou seja, o método por substituição, pelo que teve de levar em conta na determinação do valor «a soma entre o valor do mercado do terreno e de todos os custos necessários para a construção de um imóvel com as mesmas características físicas e funcionais», ou seja, e como se encontra enunciado neste método avaliativo: «Na determinação do valor final do imóvel, devem ser consideradas, designadamente a depreciação em função da sua antiguidade, estado de conservação e estimativa de vida útil, bem como as margens de lucro requeridas.»
Sendo assim, para aferição do valor torna-se crucial verificar as caraterísticas físicas interiores e exteriores do imóvel referido em 2., o que o Sr. Perito não pôde verificar por não lhe ter sido permitido o acesso ao interior do mesmo, nem ter tentado tal acesso para melhor completar o Relatório Pericial na sequência do pedido de esclarecimento.
Não se percebe, pois, como alcançou o valor do imóvel 2. uma vez que não lhe foram facultados todos os meios para a correta aferição do valor do imóvel de acordo com o critério que adotou na avaliação.
Tanto bastaria, em nosso entender, para justificar a realização da segunda perícia.
Segundo, porque o Sr. Perito refere no esclarecimento ao Relatório Pericial que os imóveis são clandestinos por não existir licenciamento camarário.
Porém, cotejando este esclarecimento com o Relatório Pericial não se percebe se o Sr. Perito se refere apenas a uma habitação ou às duas.
Por outro lado, menciona no Relatório Pericial que o imóvel n.º 2 está descrito na matriz com referência ao ano de 1937. Mas sendo assim, haveria que levar em conta a data da construção do imóvel para considerar se era exigível o licenciamento camarário.
Também esta falta de clareza, justifica a realização de uma segunda perícia.
Finalmente, e em terceiro lugar, embora não se pretenda questionar a experiência do Sr. Perito, a concreta avaliação deste imóvel exige que objetivamente seja melhor concretizado o valor, quer das construções, quer da parte rústica, em função das suas caraterísticas, mas também do valor da avaliação e/ou transação de outros imóveis situadas na mesma zona com caraterísticas semelhantes, não se podendo descartar, sem mais, o método comparativo indicado pelo Sr. Perito.
Aliás, no despacho proferido em 08-02-2023, o tribunal alertou o Sr. Perito para a necessidade de melhor concretizar e fundamentar a conclusão alcançada quanto ao valor de mercado, referindo, exemplificativamente, determinados aspetos que deveriam ser tidos em conta, de forma justificada, e que, salvo o devido respeito, não se bastam com a invocação genérica de que os valores a que chegou, com base na sua experiência, são preços «aceitáveis para uma avaliação justa», como veio a mencionar nos esclarecimentos prestados.
Em face de todo o exposto, sai evidenciado que a primeira perícia sofre de inexatidões que justificam a realização de uma segunda perícia, devendo o tribunal a quo, previamente à realização da mesma, tomar as medidas necessárias e adequadas que efetivamente facultem ao perito o acesso pleno ao imóvel, incluindo o interior das duas habitações nele existentes.
Nestes termos, procede a apelação.
4. Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Ré/Apelada (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, julgam procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, admitindo-se a segunda perícia, com as cautelas supra referidas.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 23-11-2023
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Graça Araújo (1.ª Adjunta)
Albertina Pedroso (2.ª Adjunta)