REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REVELIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário


1. Os requisitos para que a sentença estrangeira possa ser confirmada e revista em Portugal encontram-se definidos nas alíneas a) a f) do artigo 980.º do Código de Processo Civil e têm natureza cumulativa, ou seja, basta a não verificação de um deles para impedir o reconhecimento da sentença estrangeira.
2. Deve ser negada a confirmação e revisão de sentença estrangeira, por não se encontrar preenchido o requisito previsto na alínea e) do artigo 980.º do CPC, quando os elementos probatórios carreados para a ação de revisão evidenciam, com toda a segurança, que no processo onde foi proferida a sentença revidenda, a Ré consta como ausente e é mencionado que tem o seu domicílio numa morada naquele país, que não tinha, pois residia com o Autor daquele processo, em Portugal, há mais de 10 anos, considerando a data instauração e prolação da sentença revidenda.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA, com os sinais dos autos, intentou, em 04-04-2023, a presente ação declarativa, com processo especial de revisão de sentença estrangeira, contra BB, também com os sinais dos autos, pedindo que seja revista e confirmada a sentença proferida pelo Tribunal de Causeni (sede Central), República da Moldova, em 25-10-2022, transitada em julgado em 24-11-2022, que dissolveu o casamento entre Requerente e Requerida.
Mais alegou que, em 23-12-2023, a Requerida intentou no Tribunal Judicial da Comarca se Santarém, Juízo de Família e Menores de Tomar, ação de divórcio sem consentimento que corre termos sob o n.º 2032/22.9T8TMR.
Porém, aduz, não vinga a eventual invocação da exceção de litispendência ou de caso julgado com o fundamento de causa afeta a tribunal português, porquanto o tribunal estrangeiro preveniu a jurisdição.
Juntou documentos a comprovar o alegado (fls. 5v-14v, 24-24v, 32-34).

A Requerida deduziu impugnação ao pedido (Ref.ª 46486127) aduzindo, em suma: (i) incompreensibilidade do sentido da sentença revidenda – artigo 980.º, alínea a), do CPC (ii) violação dos princípios do contraditório e da igualdade no processo de divórcio onde foi proferida a sentença revidenda por não ter sido citada, constando daquele processo uma morada falsa - artigo 980.º, alínea e), do CPC.
Juntou vários documentos (fls. 43 a 69v).

Por despacho proferido em 15-09-2023 (Ref.ª 8630639) foi convidado o Requerente a pronunciar-se sobre a alegada violação das regras da citação no processo de divórcio onde foi proferida a sentença revidenda, considerando os poderes concedidos a esta Relação ao abrigo do artigo 984.º, parte final, conjugado com o artigo 980.º, alínea e) do CPC.

O Requerente veio pronunciar-se como consta do requerimento de 25-09-2023 (Ref.ª 46591108), e pelos fundamentos ali enunciados, concluiu pela improcedência da oposição oferecida pela Requerida.

Por sua vez, a Requerida através de requerimento de 25-09-2023 (Ref.ª 46600810), invocando o disposto no artigo 423.º, n.º 2, do CPC, veio juntar aos autos a contestação reconvenção apresentada pelo aqui Requerente, ali Réu, no processo de divórcio supra mencionado e que corre termos sob processos n.º 2032/22.9T8TMR.

Dado cumprimento ao disposto no artigo 982.º, n.º 1, do CPC, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pelo reconhecimento, revisão e confirmação da sentença revidenda por se verificarem cumpridos os pressupostos legais para o efeito.

O Requerente, nas suas alegações, ao abrigo do mesmo preceito, veio pugnar pela revisão e confirmação da sentença revidenda, ao invés da Requerida que veio defender o oposto, ambos reiterando os argumentos já apresentados no processo.

Foram colhidos os vistos.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A. Com relevo para a apreciação do objeto da causa, encontra-se provada nos autos através de documentos e acordo/confissão das partes, a seguinte factualidade:

1. AA e BB, que passou a chamar-se BB após o casamento, contraíram entre si casamento, no dia 18-07-2010, em Chisinau, República da Moldova (Assento de Casamento n.º ...73 do ano de 2023, lavrado na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, junto a fls. 34).
2. CC nasceu em .../.../2014, na freguesia da Venteira, concelho da Amadora, constando do seu assento de nascimento que é filha de AA, natural da República da Moldova, residente na ..., São Marcos, Cacém e São Marcos, Sintra, e de BB, natural da República da Moldava, residente na mesma morada (Assento de nascimento n.º 2424 do ano de 2014 lavrado na Conservatória do Registo Civil da Amadora, junto a fls. 43).

3. Por sentença proferida, em 25-10-2022, na ação que correu termos no processo n.º 2-937/2022 e 2-22097394-18-2-07072022, no Tribunal de Causeni (sede Central), da República da Moldova, tornada definitiva e irrevogável em 24-11-2022, foi «dissolvido o casamento entre AA e BB, Registado em 18 de Julho de 2010 no Cartório de Registo Civil do município de Chisinau, Registro n.º 470», constando ainda da mesma sentença: «E estabelecido o domicílio da criança menor, filha – CC, nascida em .../.../2014, com sua mãe, BB (…) domiciliada na rua ..., freguesia de Saiti, concelho de Causeni» (Sentença traduzida e junta a fls. 7).

4. Consta ainda da sentença referida em 3., que a «Presidente da sessão, juiz (…), na ausência: do requerente AA, a representante do requerente (…), a ré – BB, judicialmente citadas, em sede do Tribunal, em sessão pública, em língua de estado, examinou na sessão pública a acção civil a pedido da citação apresentada por AA contra BB sobre a dissolução do casamento e determinação do domicílio da criança menor (…)».

5. No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – J1, Juízo de Família e Menores de Tomar, corre termos sob o n.º 2032/22.9T8TMR, ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, intentada em 23-12-2022, em que é Autora BB e Réu AA, tendo sido realizada tentativa de conciliação em 10-02-223 (Cópia da Ata de Tentativa de Conciliação junta a fls. 13-13v e cópia da certidão judicial junta a fls. 50-53).

6. Naqueles autos, em 21-09-2023, o ali Réu AA apresentou contestação-reconvenção, onde reconheceu que, na data de interposição daquela ação, já o tribunal moldavo tinha proferido decisão de divórcio entre as partes, a qual se encontra em revisão/confirmação na Relação de Évora, pedindo a suspensão da instância até trânsito em julgado da decisão a proferir no processo de revisão de sentença, ou, que a ação de divórcio seja julgada improcedente com a sua absolvição do pedido, ou, então, que seja julgada procedente a reconvenção com decretamento do divórcio litigioso por culpa da reconvinda (cfr. cópia do referido articulado junto a fls. 78-88).

7. Por despacho proferido em 05-07-2023, foi ordenado o prosseguimento dos autos supra referidos em 5. e 6., tendo o tribunal relegado a apreciação da questão da suspensão da instância naqueles autos para momento prévio à audiência final (Doc. fls. 67v).

8. Com a impugnação ao pedido de revisão e confirmação da sentença estrangeira, a Requerida juntou cópia da Ata de Conferência de Pais, realizada, em 19-12-2022, no processo n.º 1803/22.0T8TMR, que corre termos como ação de Regulação das Responsabilidades Parentais da menor CC, filha da ali Requerente BB e do ali Requerido AA, constando da mesma a homologação do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais em relação à referida menor.

9. A Junta de Freguesia de São João Baptista e Santa Maria dos Olivais – Tomar, emitiu em 06-09-2023, ATESTADO DE RESIDÊNCIA, onde atesta que BB reside naquela freguesia desde setembro de 2016, na Rua ..., Casal dos Frades, ... Tomar (doc. fls. 45).

10. Em 14-04-2021, o ora Requerente e Requerida, como adquirentes, celebraram escritura pública de compra e venda da fração autónoma correspondente ao 1.º direito do prédio sito na Rua ..., Casal dos Frades, Choromela, na freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Tomar, constando da mesma que residem na morada da dita fração (cfr. doc. de fls.46-48v).

11. A aquisição do direito de propriedade da referida fração encontra-se registada a favor dos adquirentes, através da Ap. 1759 de 2021/05/011, ali constando que são residentes na morada supra referida em 9.

B. Saneamento do processo
O Tribunal da Relação de Évora é o competente para a apreciação da presente ação (artigo 979.º do CPC).
As partes são legítimas.
Inexistem outras questões ou nulidades que obstem à apreciação do pedido de confirmação e revisão.

C. Apreciação dos requisitos do pedido de revisão da sentença estrangeira

1. Vejamos, então, se estão preenchidos os requisitos do pedido de revisão da sentença considerando nesta análise os fundamentos da impugnação do pedido por parte da Requerida.

1.1. Começando por clarificar que, apesar de se encontrar pendente em tribunal português uma ação de divórcio do Requerente e Requerida (cfr. pontos 5. e 6. dos factos acima enunciados), a Requerida não invoca formalmente a exceção de litispendência.
A alínea d) do artigo 980.º do CPC estipula que a sentença só pode ser confirmada se não puder ser invocada a litispendência ou o caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição.
Decorre do preceito que deve ser negada a confirmação/revisão se correr ou tiver corrido termos perante o tribunal português uma ação idêntica à julgada por sentença cuja revisão se pede, salvo se, antes da ação ser proposta em Portugal, já havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro a ação onde veio a ser proferida a sentença revidenda.
A situação prevista na parte final da norma corresponde ao fenómeno da prevenção de jurisdição e tem na sua base a circunstância de dois tribunais de ordem jurídicas diferentes serem simultaneamente competentes para uma ação idêntica e, nesse pressuposto, poderem proferir decisões sobre a mesma controvérsia.
Nessa situação, se a ação foi proposta em primeiro lugar no tribunal estrangeiro que emitiu a sentença revidenda, por ter prevenido a jurisdição, a pendência da ação em Portugal não impede a confirmação da sentença estrangeira.
A questão da litispendência e do caso julgado, bem como a sua correlação com a prevenção da jurisdição, nestas situações, não se afere em função da data da citação dos réus nas referidas ações, o que prevalece é a data da interposição das ações em juízo (cfr. artigo 259.º, n.º 1, do CPC).
Convém sublinhar que decorre do artigo 580.º, n.º 3, do CPC, ao contrário do que sucede perante a pendência em tribunais portugueses de ações idênticas, na aceção dos n.º 1 do mesmo preceito (ação idêntica quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir), que é «irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira», ou seja, a causa intentada em tribunal português prossegue, improcedendo a exceção de litispendência ou de caso julgado, pois o que vai relevar em termos de eficácia da sentença estrangeira caso seja pedida a sua revisão em Portugal, é saber qual dos tribunais preveniu a jurisdição, i.e., em qual deles foi intentada a ação em primeiro lugar.
Se o tribunal estrangeiro tinha competência internacional para julgar a ação e proferiu sentença que transitou em julgado, tendo a correspondente ação sido intentada em primeiro lugar em relação a ação idêntica à intentada no tribunal português, se for pedida a revisão em Portugal daquela decisão estrangeira, a Relação deve procede ao reconhecimento por o tribunal estrangeiro ter prevenido a jurisdição.
No caso presente, ficou provado que a ação de divórcio foi intentada no tribunal português quando já estava proferida e transitada em julgado a sentença de divórcio proferida pelo tribunal moldavo, o que significa que ocorre o fenómeno da prevenção de jurisdição, que não depende de qualquer declaração do tribunal estrangeiro, já que se trata de um facto meramente objetivo relacionado com a data da instauração da ação.
Nestes termos, e considerando a parte final do alínea d) do artigo 980.º do CPC, conjugado com o artigo 984.º, segunda parte, do mesmo diploma legal, a existência da ação de divórcio pendente em tribunal português à data da instauração do pedido de revisão de sentença estrangeira, não constitui obstáculo à confirmação.

1.2. Concretizemos, agora, a análise da verificação dos requisitos da revisão de sentença estrangeira, analisando-os à luz do caso sub judice.
Estipula o artigo 978.º, n.º 1, do CPC, do seguinte modo: «Sem prejuízo do que se acha estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos provados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.»
No caso, nem as partes alegam, nem decorre do princípio da oficiosidade, que estejam em causa a aplicação instrumentos internacionais vigentes na ordem jurídica portuguesa e moldova que impeçam a necessidade de confirmação e revisão da sentença revidenda em ordem a ter eficácia em Portugal.
A Requerida menciona que ambos os países são parte contratante da Convenção Relativa à Citação e Notificação de Estrangeiros dos Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, concluída em Haia, em 15-11-1965, mas tal em nada interfere com a estipulação da primeira parte do artigo 978.º, n.º 1, do CPC, ou seja, aquela Convenção em nada regula a matéria da revisão e confirmação das sentenças estrangeiras em Portugal.
Sendo assim, as normas a aplicar são as que constam dos artigos 978.º a 985.º do CPC que regulam o processo especial de revisão de sentença estrangeira.
A sentença estrangeira que disponha sobre direitos privados para ter eficácia em Portugal e produzir os efeitos que lhe competem segundo a lei do país de origem (ou seja, para lhe ser conferido exequatur), tem de sujeitar-se a um processo especial de revisão e confirmação regulado nos artigos 978.º e seguintes do CPC.
Existem vários sistemas de revisão e reconhecimento, reconduzindo-se, essencialmente, a três:
(I) reconhecimento de pleno direito (ipso iure) da sentença no Estado onde se pretende que produza os seus efeitos, independentemente de qualquer intervenção dos tribunais nacionais ou de qualquer processo de exequatur;
(II) o reconhecimento meramente formal ou delibação por via do qual o tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e certas condições de regularidade formal;
(III) revisão de mérito, situação em que o tribunal conhece do fundo ou do mérito da causa e procede a um novo julgamento tanto da questão de facto como da questão de direito.
Em alguns países, como Portugal, embora a regra seja a revisão formal a que corresponde o sistema indicado em segundo lugar, há concessões ao sistema de revisão de mérito, adotando-se, assim, um sistema misto de revisão formal e de revisão de mérito.
Essa vertente mista ocorre apenas em determinadas situações que, por razões de segurança jurídica e de proteção dos cidadãos nacionais, a lei não prescindiu de reservar para os tribunais nacionais o poder de revisão de mérito, embora não se tenha adotado um puro sistema de revisão de mérito, uma vez que, mesmo na situação em que é invocado o privilégio da nacionalidade (artigo 983.º, n.º 2, do CPC), porventura o exemplo mais acabado de revisão de mérito, ou mesmo o requisito previsto na alínea f) do artigo 980.º do CPC referente à aferição dos princípios de ordem pública internacional, a revisão de mérito ainda que abranja a decisão em si mesma e os respetivos fundamentos, não são permitidas indagações e/ou alterações sobre a matéria de facto, tendo o tribunal de revisão de aceitar os factos que a sentença estrangeira deu como provados, cabendo-lhe apenas conhecer do tratamento jurídico que a esses factos deveria ter sido dado segundo o direito privado português, apreciando, no fundo, se a qualificação jurídica dos factos feita pelo tribunal estrangeiro é aceitável perante a ordem jurídica portuguesa.[1]
Os requisitos para que a sentença estrangeira possa ser confirmada encontram-se definidos nas alíneas a) a f) do artigo 980.º do Código de Processo Civil e têm natureza cumulativa, ou seja, basta a não verificação de um deles para impedir o reconhecimento da sentença estrangeira.
Os requisitos são os seguintes:
«a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.»

Como decorre do artigo 984.ºdo CPC, os requisitos das alíneas a) e f) do artigo 980.º do CPC são condições de confirmação que o tribunal de revisão tem de conhecer oficiosamente, enquanto os requisitos exigidos pelas alíneas b), c) d) e e), do mesmo preceito, são obstáculos à confirmação carecidos de invocação pela parte que deduz oposição ao pedido de reconhecimento.

1.3. Em primeiro lugar, a Requerida invoca como fundamento da oposição ao pedido de revisão da sentença revidenda a não verificação do requisito previsto na alínea a) do artigo 980.º do CPC.
Alega a Requerida, em suma, que se lhe colocam dúvidas sobre a «autenticidade e inteligência do documento, não só pela omissões que apresenta revelar, mas também pela desconexão gramatical da tradução».
E concretiza as suas dúvidas, invocando, em síntese, que não percebe o que se pretende dizer quando na sentença se refere «é admitido o pedido de citação por AA sobre a dissolução do casamento»; que não existe fundamentação quando na sentença se refere que «É dissolvido o casamento» e, finalmente, que não se entende se o exercício do poderes parentais foram regulados, porquanto apenas é referido que é fixada residência da menor no domicílio da mãe.
Vejamos, então.
Estipula a alínea a) do artigo 980.º do CPC que, para que a sentença seja confirmada, é necessário «Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão».
Este requisito remete, no que diz respeito à autenticidade, ao que se encontra previsto na lei do país que emitiu a sentença; quanto à inteligibilidade, apela ao conteúdo e à perceção do mesmo.
Em Portugal nenhuma limitação se encontra consagrada nesta matéria, revelando, outrossim, se o documento apresentado corresponde, segundo a ordem jurídica do Estado de origem, a uma sentença, ou seja, o tribunal da revisão tem de adquirir a segurança de que está perante um documento que contém uma sentença proferida por um tribunal estrangeiro nos termos que consta do documento apresentado.
Da análise do documento junto com a petição inicial (cfr. fls. 5v a 12) não é sequer questionável que o mesmo corresponde a uma cópia autenticada da sentença revidenda, devidamente traduzida e apostilhada, pelo que o requisito autenticidade não sofre qualquer dúvida.
Quanto à inteligibilidade do documento, independentemente das eventuais deficiências da tradução que são, obviamente, exteriores ao documento em si mesmo, também não nos suscita qualquer dúvida que a sentença decreta a dissolução do casamento entre as partes e que fixa a residência da filha menor com a mãe, no domicílio ali indicado.
No que concerne à fundamentação, embora tal menção nem sequer possa ser sindicável num sistema de revisão tendencialmente formal como é nosso, sempre se dirá que na sentença constam os preceitos legais aplicados e, ainda, que as partes podem pedir a emissão de «decisão completa», sob pena de prescrição desse direito, e, ainda, sem prejuízo de recurso para um tribunal de apelação. Donde, não existe a alegada falta de fundamentação invocada pela Requerida.
A eventual violação de princípios processuais quanto à citação da ali Ré (que adiante melhor analisaremos) não retira inteligibilidade à decisão de decretamento do divórcio por dissolução do casamento.
Quanto à questão da fixação da residência da menor junto da mãe, vem atalhe de foice referir que a revisão e confirmação da sentença revidenda na perspetiva da mesma também regular, ainda que em parte, as responsabilidades parentais (admitindo que é nesse pressuposto que é fixada a residência da criança) é irrelevante para a aferição da confirmação e revisão da sentença, porquanto o exercício das responsabilidades parentais referentes àquela criança foram reguladas, em Portugal, em data posterior à sentença revidenda e por acordo dos pais, devidamente homologado no processo competente (cfr. ponto 8. dos factos dados como provados).
Nesse acordo, a residência da criança foi fixada junto da mãe, não suscitando qualquer dúvida que a mesma tem residência em Portugal e não na República da Moldova.
Por conseguinte, a confirmação e revisão da sentença na parte em fixa a residência da menor com a mãe num domicílio na Moldova, encontra-se prejudicada por factos posteriores, aceites por ambos os progenitores.
Por conseguinte, verifica-se o requisito previsto na alínea a) do artigo 980.º do CPC, que constituiu condição de confirmação da sentença revidenda, pelo que, nesta parte, não há fundamento legal para a improcedência do pedido do Requerente.

1.4. Em segundo lugar, a Requerida invoca como fundamento da oposição ao pedido de revisão da sentença revidenda a violação do disposto na alínea e) do artigo 980.º do CPC quanto aos princípios do contraditório e da igualdade das partes, alegando, em suma, a sua falta de citação, constando do processo de divórcio uma morada onde não reside, pois à data da instauração daquele processo e prolação da sentença, residia com o Requerente há mais de 10 anos em Portugal.
Vejamos, então.
Estipula a alínea e) do artigo 980.º do CPC que para que a sentença seja confirmada é necessário «Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.»
Decorre da alínea e) do preceito em referência que são as regras da lex fori, ou seja, do tribunal de origem, que a citação deve satisfazer, embora a correlação com os princípios do contraditório e da igualdade das partes remeta implicitamente para princípios de ordem pública processual nacional e internacional[2].
Razão pela qual, e sem prejuízo das especificidades próprias da lex fori, é preciso ter em conta que no sistema jurídico português, o ato de citação pessoal é tido como uma garantia essencial do exercício daqueles princípios.
Ainda que seja admitido, em certas situações, que a ação corra termos à revelia do réu, nunca tal pode ocorrer por terem sido violadas as regras referentes à citação, incluindo as aplicáveis à citação dos ausentes.
Consequentemente, se ação correu à revelia do réu, mesmo no âmbito de um sistema de revisão formal, a revisão não é concedida se resultar que o réu não foi devidamente citado, com afetação do seu direito de defesa por não terem sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
No caso em apreço, para além das regras de direito interno vigentes na República da Moldova, que as partes não invocam, e às quais não se teve acesso, desconhecendo-se em que termos a Ré foi citada, em matéria de citação/notificação a realizar no estrangeiro, há que atentar nas regras que decorrem da Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil e Comercial, concluída em Haia, em 15 de novembro de 1965, que vigora em Portugal desde 01-01-1995 e desde 01-11-2013 na República da Moldova.[3]
Como resulta mormente dos artigos 1.º, 2.º, 3.º e 5.º dessa Convenção, o ato de citação/notificação do réu, independentemente da sua nacionalidade, desde que seja residente no território de outra das partes internacionalmente vinculadas pela Convenção, realiza-se, entre outras formas, através da Autoridade Central do Estado requerido a quem é endereçado um pedido de acordo com a fórmula anexa à Convenção, sem que haja necessidade da legalização dos documentos ou de qualquer outra formalidade equivalente.
Decorre dos pontos provados sob os n.ºs 2., 9. a 11. que a Ré, aqui Requerida, tem residência em Portugal juntamente com o Requerente, pelo menos, desde 2014 (data do nascimento da filha do casal, constando do assento de nascimento a respetiva residência dos pais em Portugal), encontrando-se também junto aos autos um atestado de residência onde consta que, desde 2016, a Requerida reside num imóvel, que adquiriu com o Requerente, em 2021, sito em Portugal, mais concretamente na Rua ..., Casal dos Frades, ... Tomar, e que constitui a casa de morada de família de ambos.
Ora, consta da sentença revidenda, proferida em 25-10-2022, que a Ré tem domicílio na rua ..., freguesia de Saiti, concelho de Causini, na República da Moldávia, o que não se pode ter como correto considerando a prova documental que a Requerida juntou nestes autos.
Sendo que o Requerente, quando confrontado com a alegação da Requerida de que na data da instauração do processo de divórcio na República da Moldova e da prolação da sentença revidenda, não residia na morada que consta da sentença, não negou que assim não fosse.
O que menciona é que cabia à Requerida fazer prova que a morada que o mesmo indicou para citação da Requerida naquele processo era falsa e inexistente e que, por essa razão, foram violados os princípios do contraditório e igualdade das partes.
Salvo o devido respeito, os elementos probatórios carreados para a presente ação evidenciam que a Requerida não residia na morada que consta do processo de divórcio no tribunal moldavo, o que era do conhecimento do ora Requerente, Autor do pedido de divórcio por, na altura, também ele residir com a ora Requerida em Portugal, na casa adquirida por ambos para esse efeito.
A que acresce o facto, aceite pelas partes, que a ora Requerida não foi citada em Portugal para os termos daquela ação.
Nem o foi na morada que consta do processo onde foi proferida a sentença revidenda como também se infere do facto de constar da sentença revidenda que a Ré se encontra ausente, o que interpretamos como se encontrando em situação de revelia, situação, aliás, que a Requerida vem alegar neste processo de revisão de sentença sem negação do Requerente.
Ou seja, independentemente de se saber qual o regime da lex fori para as situações de falta de citação pessoal, o certo é que na sentença revidenda consta um domicílio da ali Ré, no qual é dito que foi judicialmente citada e tida como domiciliada, mas que não corresponde ao domicílio da mesma no momento da instauração daquela ação e da prolação da sentença que decretou o divórcio.
O que significa que, em face dos elementos probatórios carreados para os presentes autos, se pode concluir com segurança, que independentemente de terem sido seguidos os procedimentos previstos na lei moldova para a citação, o certo é que, não tendo a Ré naquele processo domicílio na morada que consta da sentença, mas em Portugal, e não tendo sido citada na morada onde efetivamente residia, não pôde exercer naquela ação o seus direitos de defesa e de contraditório, o que determina uma violação dos mesmos bem como do direito de igualdade das partes.
Donde, não se verifica o preenchimento do requisito exigido pelo artigo 980.º, alínea e), do CPC, o que, só por si, dada a natureza cumulativo dos requisitos previstos na norma citada, constitui um obstáculo à confirmação da sentença revidenda (artigo 984.º, segunda parte, do CPC).
Nestes termos, improcede a presente ação de revisão de sentença estrangeira.


III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a pretensão do Requerente e, consequentemente, decidem não rever e confirmar a sentença estrangeira proferida em 25-10-2022, pelo Tribunal de Causeni (sede Central) República da Moldova, que decretou o divórcio entre AA e BB e fixou o domicílio de CC com a mãe na rua ..., freguesia de Saiti, concelho de Causeni, República da Moldávia.
Custas pelo Requerente (artigo 527.ºdo CPC).
Valor: €30.000,01
Dê conhecimento de imediato ao Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Família e Menores de Tomar – Juiz 1, processo n.º 2032/22.9T8TMR.

Évora, 23-11-2023
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)

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[1] ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, vol. II – Reimp., Coimbra, 1982, p. 139-204, maxime, p. 141-143 e 189.
[2] LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, vol. III, Almedina, 2012, 2.ª ed., p. 519.
[3] https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/full-text/?cid=17