CASO JULGADO FORMAL
Sumário


I – Proferido despacho saneador que julgou improcedente, em parte, a exceção do caso julgado, e procedente tal exceção noutra parte, tendo sido interposto recurso desta última decisão, uma vez proferido acórdão que revogou o saneador na parte que julgou verificada aquela exceção, e tendo ambas as decisões transitado em julgado, formou-se caso julgado formal com força obrigatória dentro do processo, quanto à não verificação da exceção do caso julgado.
II - A força obrigatória do referido caso julgado formal obstava a que tal questão fosse apreciada de novo na sentença recorrida, assim como obsta a que seja apreciada em sede de recurso.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Maxical – Sociedade Industrial e Comercial de Cal da Maxieira, Unipessoal, Lda. e BB, peticionando, pela procedência da ação:
«1) Reconhecer e declarar a inexistência de um contrato de aluguer ou arrendamento de armazém, celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré, invocado em todas as faturas discriminadas na p.i., com todas as consequências legais daí resultantes.
2) Reconhecer e declarar a inexistência de qualquer dívida do Autor em relação à 1.ª Ré, designadamente nas quantias correspondentes à faturas emitidas que tenham como fundamento o referido contrato de aluguer ou arrendamento de armazém, declarado inexistente, atualmente no valor de 25.707,00 € (22 meses x 1.168,50 €), bem como nas quantias que venham a figurar em futuras faturas, emitidas nos mesmos termos daquelas.
3) Condenar os Réus a reconhecerem a inexistência de contrato de aluguer ou arrendamento de armazém, por parte da 1.ª Ré ao Autor e, consequentemente condenados a reconhecerem que o Autor nada deve à 1.ª Ré a esse título, designadamente o valor total de 25.707,00 € das faturas já emitidas com fundamento nesse aluguer (inexistente), bem como o Autor nada deve relativamente às quantias que venham a figurar em futuras faturas, emitidas nos mesmos termos daquelas.
4) Condenar a 1.ª Ré a abster-se de emitir faturas ao Autor, tendo como fundamento o aluguer (arrendamento) de armazém inexistente.
5) Condenar os Réus a pagar ao Autor, a quantia de 7.139,25€ (sete mil cento e trinta e nove euros e vinte e cinco cêntimos), e a que devem acrescer os vincendos até efetivo e integral pagamento.»
Alega, em síntese, que solicitou ao réu para colocar materiais nas instalações da ré, resultantes de uma limpeza que iria fazer nas instalações de uma empresa, propondo ao réu que a ré ficasse com a cal que fosse depositada nas suas instalações, o que o réu aceitou, não tendo sido estabelecido qualquer preço ou contrapartida pela utilização das instalações da ré para o depósito destes materiais, tendo o autor, posteriormente, retirado todos os materiais depositados das instalações da ré.
Mais alega que a ré emitiu faturas em nome do autor, onde fez, indevidamente, constar valores de rendas de um alegado arrendamento de um armazém, tendo instaurado uma ação de injunção para obter o pagamento do autor pelos valores constantes das ditas faturas, tendo sido conferida à injunção força executória, porquanto o autor não contestou a injunção, pelo que a ré instaurou uma execução contra o autor, solicitando o pagamento dos valores constantes das faturas, tendo nessa execução sido penhorados valores monetários pertencentes ao autor.
Os réus contestaram, invocando as exceções do caso julgado e da ilegitimidade do réu ad causam, tendo impugnado a factualidade alegada, contrapondo que foi celebrado o contrato de arrendamento de parte das instalações da ré para o autor depositar os materiais, e ainda que foi acordado entre as partes o valor das rendas mensais do arrendamento, correspondente ao que consta das faturas, assistindo assim à ré o direito de as emitir.
Deduziram ainda reconvenção, pedindo que o autor seja condenado a retirar das instalações da ré os materiais que aí deixou.
Por último, pediram a condenação do autor como litigante de má-fé no pagamento de uma multa em valor a determinar pelo Tribunal.
O autor apresentou resposta à contestação, concluindo pela improcedência das exceções invocadas, da reconvenção e do pedido de condenação como litigante de má-fé, pedindo por sua vez a condenação dos réus como litigantes de má-fé em multa e em indemnização a favor do autor, em montante nunca inferior a € 5.000,00.
Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva suscitada pelos réus e, quanto à exceção do caso julgado, decidiu da seguinte forma:
«(…) declarar a existência de uma excepção dilatória de caso julgado na presente acção principal em relação ao Processo nº 30573/21.8YIPRT, quanto a esta questão da existência da dívida do aqui A. em relação à R. MAXICAL no que respeita às contrapartidas descritas nas seguintes facturas: a) Factura nº FA 2020/589, emitida em 30/09/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; b) Factura nº FA 2020/624, emitida em 30/10/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; c) Factura nº FA 2020/615, emitida em 30/11/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; d) Factura nº FA 2020/706, emitida em 30/12/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; e) Factura nº FA 2A21/64, emitida em 31/01/2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; f) Factura nº FA 2A21/126, emitida em 28/02/2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros.
Consequentemente, decide-se decretar a ABSOLVIÇÃO dos RR. da instância da acção principal, quanto ao pedido formulado pelo A. de declaração da inexistência da dívida do aqui A. em relação à R. MAXICAL no que respeita às contrapartidas descritas nas seguintes facturas: a) Factura nº FA 2020/589, emitida em 30/09/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; b) Factura nº FA 2020/624, emitida em 30/10/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; c) Factura nº FA 2020/615, emitida em 30/11/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; d) Factura nº FA 2020/706, emitida em 30/12/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; e) Factura nº FA 2A21/64, emitida em 31/01/2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; f) Factura nº FA 2A21/126, emitida em 28/02/2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros.
Notifique.

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Já no que diz respeito aos restantes pedidos formulados nos autos pelo A. a conclusão será diferente quanto a esta excepção do caso julgado.
Na verdade, conforme referimos, é certo que entre os presentes autos e aquele processo de injunção nº 30573/21.8YIPRT, existirá uma identidade de sujeitos. Na verdade, numa e noutra intervêm o aqui A. e a aqui R. MAXICAL.
Para além disso, existirá uma identidade de causa de pedir entre uma e outra acção. Na verdade, em ambos os casos estará em causa o negócio de utilização pelo A. das instalações da R. MAXICAL.
Contudo, verifica-se que não existirá uma identidade de pedido entre os restantes pedidos que foram formulados na presente acção e aquele que foi deduzido na injunção nº 30573/21.8YIPRT. Na verdade, nos presentes autos veio o A. solicitar igualmente que se declare a inexistência de um contrato de aluguer ou arrendamento em relação às instalações da R. MAXICAL, e que esta R. seja condenada no reconhecimento de tal facto; que seja declarada a inexistência de uma dívida do A. em relação à R. pela utilização das instalações desta última, referente a contrapartidas que se encontram descritas noutras facturas diferentes das referidas supra, e que esta R. seja condenada nesse reconhecimento; e ainda o de condenar os RR. no pagamento de uma indemnização ao A. pelos danos alegadamente por este sofridos.
Em conformidade a pretensão formulada na presente acção, quanto a estes outros pedidos, é diferente daquela que foi deduzida no processo de injunção nº 30573/21.8YIPRT, na medida em que estão em causa, numa e noutra, pedidos distintos.
Consequentemente, ter-se-á que concluir que não haverá identidade entre estes outros pedidos formulados na presente acção e o processo de injunção nº 30573/21.8YIPRT, como pretendem os RR.
Tendo em conta a falta desses requisitos essenciais, nomeadamente a falta de identidade do pedido, não há fundamento para deferir a excepção de caso julgado suscitada pelos RR., quanto aos outros pedidos formulados nos autos pelo A., para além do mencionado supra, quanto a esta questão da existência da dívida do aqui A. em relação à R. MAXICAL no que respeita às contrapartidas descritas nas seguintes facturas: a) Factura nº FA 2020/589, emitida em 30/09/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; b) Factura nº FA 2020/624, emitida em 30/10/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; c) Factura nº FA 2020/615, emitida em 30/11/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; d) Factura nº FA 2020/706, emitida em 30/12/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; e) Factura nº FA 2A21/64, emitida em 31/01/2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; f) Factura nº FA 2A21/126, emitida em 28/02/2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros, que assim deverá ser declarada improcedente.
Em conformidade, e pelo exposto, indefere-se a excepção de caso julgado entre a presente acção e o processo de injunção nº 30573/21.8YIPRT, que foi invocada pelos RR., em relação aos outros pedidos formulados nos autos pelo A., para além do se encontra referido supra e que se concluiu que existia uma situação de caso julgado.
Notifique.»
Inconformado com o despacho saneador na parte que decidiu procedente a exceção dilatória de caso julgado, veio o autor interpor recurso de apelação, com êxito, diga-se, porquanto este Tribunal da Relação de Évora, por acórdão proferido em 02.03.2023, decidiu:
«- declarar inverificada a excepção dilatória do caso julgado;
- revogar o despacho saneador no segmento em que decidiu ex adverso e absolveu a Ré/apelada da instância;
- determinar a reformulação da enunciação do objecto do litígio e da fixação dos temas da prova, se necessário, na observância do presente aresto.»
O acórdão transitou em julgado em 14.03.2023 (ref.ª citius 8368130 do apenso A).
Baixados os autos à 1ª instância, teve lugar a audiência de discussão e julgamento e, a final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Consequentemente, decide-se declarar totalmente improcedente a acção principal em relação ao R. BB.
Deste modo, decide-se absolver o R. BB de todos os pedidos formulados contra ele na acção principal.
*
Por outro lado, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente acção principal em relação à R. Maxical, e decide-se deferir os seguintes pedidos deduzidos pelo A.:
Condenar a R. Maxical, no seguinte:
A-) Reconhecer a inexistência de qualquer contrato de arrendamento de um armazém pertencente à R. Maxical, que teria sido celebrado entre a R. e o A., que se encontra invocado nas facturas referidas em 9), 11) e 19);
B-) Reconhecer a inexistência de qualquer dívida do A. em relação à R. Maxical, respeitante a rendas referentes ao contrato de arrendamento mencionado em A), designadamente das quantias que se encontram descritas nas facturas mencionadas em 9), 11), e 19), no valor total de 25.707 euros, nem das quantias que sejam descritas em eventuais futuras facturas emitidas pela R. Maxical, nos termos das referidas supra.
C-) A abster-se de emitir facturas em nome do A., referentes a um contrato de arrendamento de um armazém, nos termos constantes das facturas referidas supra.
D-) No pagamento ao A., do seguinte, por aplicação do instituto do enriquecimento sem causa:
1-) Da quantia de 6.981,72 euros, que foi indevidamente penhorada ao A., no âmbito do processo de execução nº 1749/21.0T8ENT, por falta de causa para ocorrer tal penhora e obrigação do A. de pagamento de tal quantia à R. Maxical.
2-) Dos juros de mora que entretanto se venceram sobre o valor referido em 1), desde a data em que os RR. foram citados para a presente acção, e nos que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal que vigorar na altura para os juros civis, que é de 4% desde 1 de Maio de 2003, por força da Portaria nº 291/2003, de 8-4.
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Decide-se ainda declarar improcedente, por não provada, a restante parte da presente acção principal em relação à R. Maxical.
Deste modo, decide-se indeferir os restantes pedidos formulados nos autos pelo A., e absolver a R. Maxical dos mesmos.
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Condenam-se o A., de um lado, e a R. Maxical, do outro, no pagamento das custas da acção principal em razão do decaimento ( cfr. artigo 527º, do Código de Processo Civil). Fixa-se a proporção da responsabilidade do A. nas custas da acção principal em 5%, e a proporção da responsabilidade da R. Maxical nessas mesmas custas em 95%.
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Por outro lado, decide-se declarar procedente, por provada a reconvenção deduzida pela R. Maxical.
Consequentemente, decide-se condenar o A. em proceder ao levantamento dos materiais que depositou nas instalações da R. Maxical, que se encontram referidos no ponto 20), dos factos dados como provados, e se encontram registados na 2ª foto junta a fls. 159.
Determina-se que o A. proceda ao levantamento desses materiais no prazo de 15 dias, após o trânsito em julgado da presente sentença.
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Condena-se o A. nas custas da reconvenção ( cfr. Artigo 527º, do Código de Processo Civil).

Decide-se declarar improcedente o pedido deduzido pelos RR. de condenação do A. como litigante de má fé, absolvendo-se, como tal este último do mesmo.
Custas pelos RR. nesta parte referente a este incidente de litigância de má fé.

Decide-se, finalmente, declarar improcedente o pedido deduzido pelo A. de condenação dos RR. como litigantes de má fé, absolvendo-se, como tal estes últimos do mesmo.
Custas pelo A. nesta parte referente a este incidente de litigância de má fé.»

Inconformada, a ré apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com a formulação de prolixas e repetitivas conclusões[1], as quais não satisfazem minimamente a enunciação sintética ou abreviada dos fundamentos do recurso, tal como exige o art. 639º, nº 1, do CPC e, por isso, não serão aqui transcritas.
Das mesmas conclusões respiga-se que a recorrente pugna pela “anulação” da sentença recorrida nos segmentos das alíneas A) e B) do respetivo dispositivo, por verificação in casu da exceção do caso julgado

A autora contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a única questão a decidir consubstancia-se em saber se a sentença recorrida violou o caso julgado formado pelas decisões proferidas nos processos identificados pela recorrente.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
Tendo em conta a prova produzida nos presentes autos, consideram-se demonstrados os seguintes factos:
1- O A. é empresário em nome individual, exercendo a actividade de limpezas e manutenção de espaços.
2- A R. Maxical é uma sociedade que tem por objecto: “A fabricação de cal não hidráulica, comércio de materiais e máquinas para a construção, estucagem, construção de edifícios, revestimentos, acabamentos de edifícios, compra, venda e revenda de propriedades adquiridas para esse fim; transporte rodoviário de mercadorias, com características de serviço regular ou ocasional, incluindo o transporte de resíduos, máquinas e equipamentos e de lamas e aluguer de camiões com condutor; as actividades de serviços executados por terceiros, à silvicultura e exploração florestal, incluindo consultoria em gestão de florestas.
3- O R. BB é sócio e gerente da R. Maxical.
4- Em Agosto de 2020, o A. contactou o R. BB, na qualidade de representante da R. Maxical, para saber se estaria interessado em receber cal, na medida em que iria proceder à limpeza de uma empresa em Cascais, no âmbito da qual teria de realizar a recolha de 7 big bags de cal, e ainda de outros materiais e produtos, designadamente de latas de tinta, bidões de resina, bidões de plástico, madeira e vidros.
5- Na ocasião referida em 4), o A. solicitou ao R. BB, autorização para depositar os materiais referidos em 4) nas instalações da R. Maxical, de forma a que posteriormente o A. encaminhasse os mesmos para o destino mais adequado.
6- Em resposta o R. BB concordou em receber nas instalações da R. Maxical os materiais referidos em 4).
7- Não foi estabelecido entre as partes qualquer preço pela recepção e depósito dos materiais referidos em 4) nas instalações da R. Maxical.
8- Na sequência, pessoas ao serviço do A. depositaram nas instalações da R. Maxical os materiais que se encontram registados nas fotos juntas de fls. 158, verso, e 159, que aqui se dão por reproduzidas.
9- A R. Maxical emitiu as seguintes facturas em nome do A.: a) Factura nº FA 2020/589, emitida em 30/09/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; b) Factura nº FA 2020/624, emitida em 30/10/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; c) Factura nº FA 2020/615, emitida em 30/11/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros; d) Factura nº FA 2020/706, emitida em 30/12/2020, com a contrapartida de 1.168,50 euros, onde constava a descrição de que as mesmas se referiam à contrapartida pelo aluguer de um armazém.
10- O A. recebeu as facturas mencionadas em 9) em Janeiro de 2021, tendo as mesmas lhe sido enviadas pela R. Maxical.
11- A R. Maxical emitiu as seguintes facturas em nome do A.: e) Factura nº FA 2A21/64, emitida em 31/01/2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; f) Factura nº FA 2A21/126, emitida em 28/02/2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros.
12- Nos dias 16-10-2020, 20-10-2020, 5-11-2020 e 11-11-2020, a empresa TerraRito – Terraplanagens, Ldª, ao serviço do A., retirou das instalações da R. Maxical parte dos materiais que haviam aí sido colocados nos termos referidos supra, nomeadamente latas de tinta, bidões de resina, bidões de plástico, madeira, vidros.
13- Em 7-4-2021, a R. Maxical instaurou a injunção nº 30573/21.8YIPRT, em que solicitava a condenação do aqui A. no pagamento da quantia total de 7.521,89 euros, que integrava o montante 7.011 euros, correspondente à dívida de capital, titulada pelas facturas referidas em 9) e 11), a quantia de 162,89 euros, referente a juros de mora, a quantia de 246 euros, referente a despesas extrajudiciais com a cobrança da dívida, e a quantia 102 euros referente à taxa de justiça.
14- O A. foi notificado da instauração contra si do processo de injunção referido em 13), para apresentar oposição ao mesmo.
15- Na sequência da falta de oposição do A. no processo de injunção referido em 13), o secretário do Banco de Injunções emitiu decisão em que conferiu força executiva ao requerimento de injunção mencionado em 13).
16- Na sequência, a R. Maxical instaurou um processo de execução contra o A., com o nº 1749/21.0T8ENT, que corre termos no Juízo Central de Execução do Tribunal do Entroncamento, utilizando como título executivo a decisão referida em 15), requerendo na mesma o pagamento pelo A. da quantia de 7.521,89 euros.
17- No processo de execução referido em 16) foi penhorada ao A. a quantia total de 6.981,72 euros, nos seguintes termos: a) a quantia de 1.430,65 euros, foi penhorada numa conta bancária existente no Banco Millennium BCP, de que o A. era titular; b) a quantia de 5.551,07 euros foi penhorada por descontos no vencimento que o A. auferia na empresa Euromolding Madeiras, Ldª.
18- A quantia referida em 17) de 5.551,07 euros, foi penhorada nas seguintes datas: a) Em 31-8-2021 o valor de 427,59 euros; b) Em 30-9-2021 o valor de 450,21 euros; c) Em 31-10-2021, o valor de 437,10 euros; d) Em 30-11-2021, o valor de 504,01 euros; e) Em 14-12-2021, o valor de 412 euros; f) Em 21-12-2021, o valor de 750 euros; g) Em 31-12-2021, o valor de 153,67 euros; h) Em 31-1-2022, o valor de 413 euros; i) Em 28-2-2022, o valor de 413,33 euros; j) Em 31-3-2022, o valor de 416,50 euros; l) Em 20-4-2022, o valor de 383,90 euros; m) Em 31-5-2022, o valor de 383.90 euros; n) Em 30-6-2022, o valor de 405,86 euros.
19- A R. Maxical emitiu as seguintes facturas em nome do A.: a) Factura nº FA 2021/199, emitida em 31-3-2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; b) Factura nº FA 2021/272, emitida em 30-4-2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; c) Factura nº FA 2021/313, emitida em 31-5-2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; d) Factura nº FA 2021/385, emitida em 30-6-2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; e) Factura nº FA 2021/431, emitida em 30-7-2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; f) Factura nº FA 2021/474, emitida em 31-8-2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; g) Factura nº FA 2021/527, emitida em 30-9-2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; h) Factura nº FA 2021/590, emitida em 29-10-2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; i) Factura nº FA 2021/634, emitida em 30-11-2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; j) Factura nº FA 2021/678, emitida em 30-12-2021, com a contrapartida de 1.168,50 euros; l) Factura nº FA 2022/60, emitida em 1-2-2022, com a contrapartida de 1.168,50 euros; m) Factura nº FA 2022/119, emitida em 28-2-2022, com a contrapartida de 1.168,50 euros; n) Factura nº FA 2022/185, emitida em 31-3-2022, com a contrapartida de 1.168,50 euros; o) Factura nº FA 2022/221, emitida em 29-4-2022, com a contrapartida de 1.168,50 euros; p) Factura nº FA 2022/282, emitida em 31-5-2022, com a contrapartida de 1.168,50 euros; onde constava a descrição de que as mesmas se referiam à contrapartida pelo aluguer de um armazém.
20- Actualmente, permanecem nas instalações da R. Maxical, os materiais que se encontram registados na 2ª foto junta a fls. 159, que se encontram delimitados por uma fita branca e vermelha, que foram levados pelo A. para essas instalações nos termos referidos em 8).
21- No dia 18-7-2022, a R. Maxical enviou ao A., e este recebeu-a, a carta que se encontra junta a fls. 175, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, na qual consta, designadamente, que: “Vimos por este meio, solicitar a Vª Exª, que proceda à desocupação do espaço que ocupa no nosso armazém com os seus bens. Os bens e mercadorias depositados por Vª Exª no nosso armazém estão a deteriorar-se…Os bens em causa encontram-se a ocupar parte de um dos nossos armazéns, causando-nos enormes incómodos e prejuízos…solicitamos a Vª Exª que proceda à retirada dos seus bens dos nossos armazéns no prazo de 10 dias, após a recepção da presente carta”.

E foram considerados não provados estes outros factos:
A- Na ocasião referida em 5), o A. e o R. BB acordaram que a cal mencionada em 4) ficaria para os RR.
B- Na ocasião referida em 4), as partes acordaram que o A. retiraria os materiais referidos em 8) das instalações da R. Maxical à medida em que conseguisse dar-lhes outro destino através da sua reutilização, reciclagem, ou eliminação.
C- Após receber as facturas referidas em 9), o A. ligou ao R. BB e questionou-o sobre o motivo da emissão das facturas.
D- Em resposta, o R. BB comunicou ao A. que a emissão das facturas tinha sido um engano da contabilidade, que não ligasse, que iria anular as facturas.
E- Em resposta, o A. comunicou ao R. BB que nem o aluguer das instalações, nem o preço, tinham sido acordados e que não reconhecia as facturas.
F- No mês de Janeiro de 2021, a empresa TerraRito retirou das instalações da R. Maxical a restante parte dos materiais que aí haviam sido depositados pelo A., nos termos mencionados em 8).
G- Na sequência da notificação da injunção nos termos referidos em 14), o A. contactou o R. BB, questionando-o sobre a razão pela qual estava a receber aquela carta.
H- Em resposta, o R. BB comunicou ao A. para não ligar à carta, que deveria tratar-se de um engano, que iria resolver a situação.
I- Em resposta à comunicação referida em 4), o R. BB, em representação da R. Maxical, comunicou ao A. que não estava interessado em nenhum material, pois era uma empresa em processo de certificação, e a cal não podia ser comercializada por si.
J- Na sequência, o A. indagou ao R. BB, em representação da R. Maxical, se havia a possibilidade desta lhe ceder um espaço no seu armazém para depositar a mercadoria mencionada em 4), por alguns dias, por poucas coisas, no máximo um camião.
K- Na sequência, o R. BB, em representação da R. Maxical, autorizou o A. a descarregar apenas um camião de mercadorias.
L- Após a descarga das mercadorias referidas em 8) nas instalações da R. Maxical, o R. BB telefonou ao A. e questionou-o sobre quem tinha dado autorização para descarregar ali aquele material todo.
M- Em resposta, o A. declarou ao R. BB que só precisava de uns dias, que seria apenas o tempo suficiente para conseguir um armazém.
N- Na ocasião referida em L) o A. e o R. BB, acordaram que enquanto o material estivesse a ocupar parte do armazém, a R. Maxical iria receber uma renda mensal pela ocupação do espaço.
O- Na ocasião referida em L), o A. e o R. BB, acordaram que a contrapartida pela cessão da ocupação do espaço nas instalações da R. Maxical fosse fixada no valor mensal de 950 euros, a que acresceria o IVA à taxa legal, no valor de 218,50 euros, o que perfazia a importância de 1.168,50 euros.
P- Na ocasião referida em L), o A. e o R. BB acordaram ainda que a cessão do espaço nas instalações da R. Maxical, manter-se-ia até ao dia em que o A. encontrasse um armazém de modo a poder desenvolver a sua actividade.

O DIREITO
Como vimos, a única questão colocada no recurso tem a ver com a alegada verificação da exceção do caso julgado, o que implicaria, nas palavras da recorrente, «anular a sentença recorrida».
Esta questão, por sua vez, remete-nos para o caso julgado formal (art. 620º do CPC).
Resumidamente, dir-se-á que o caso julgado formal incide apenas e só sobre questões de carácter processual. Daí que a sua força obrigatória se limite ao próprio processo, já que apenas obsta a que o julgador possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida. Mas já não impedindo que, noutra ação, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal[2].
Como escreveu o Prof. Alberto dos Reis[3], «[ao] caso julgado, ou seja material ou seja simplesmente formal, anda inerente a ideia de imutabilidade. O trânsito em julgado imprime à decisão carácter definitivo; uma vez transitada em julgado, a decisão não pode ser alterada.
Não é, porém, absoluta esta característica. A imutabilidade do caso julgado é meramente relativa, pelo que, em vez de se falar em imutabilidade, será mais rigoroso empregar o termo estabilidade.
(…).
Por ser assim, é que a cada passo se faz coincidir o caso julgado formal com o fenómeno da simples preclusão. O caso julgado formal consiste precisamente em estar fechada a via dos recursos ordinários; este caso julgado forma-se quando a parte vencida perdeu o direito de lançar mão dos recursos ordinários para fazer alterar a decisão respectiva. A extinção do direito de impugnar a decisão por meio de recurso ordinário é consequência ou de a parte vencida deixar passar o prazo dentro do qual lhe era lícito recorrer, ou de ter esgotado o uso dos recursos ordinários admitidos por lei».
Ora, in casu, foi proferida decisão no saneador que julgou em parte verificada a exceção do caso julgado e, em consequência, absolveu os réus da instância quanto ao pedido formulado pelo autor de declaração da inexistência da dívida no que respeita às contrapartidas descritas nas faturas aí indicadas.
Mas, por outro lado, indeferiu a exceção de caso julgado entre a presente ação e o processo de injunção nº 30573/21.8YIPRT, que foi invocada pelos réus, em relação aos outros pedidos formulados nos autos pelo autor.
Inconformado com o despacho saneador na parte que decidiu procedente a exceção dilatória de caso julgado, veio o autor interpor recurso de apelação, com êxito, pois como se viu supra, este Tribunal da Relação de Évora, por acórdão proferido em 02.03.2023, decidiu:
«- declarar inverificada a excepção dilatória do caso julgado;
- revogar o despacho saneador no segmento em que decidiu ex adverso e absolveu a Ré/apelada da instância;
- determinar a reformulação da enunciação do objecto do litígio e da fixação dos temas da prova, se necessário, na observância do presente aresto.»
Ponderou-se neste aresto:
«(…), no caso em apreço, em sede de embargos de executado, não foi apreciado o mérito da defesa oposta pelo aí embargante/executado, ora Autor. Com efeito, a decisão ali tomada, porque assente em aspectos de índole formal (a falta de correspondência entre a defesa apresentada pelo apelante e os fundamentos admissíveis dos embargos de executado) circunscreveu os seus efeitos à (in)admissão da oposição à execução assim deduzida, não chegando, por isso, a entrar na apreciação dos fundamentos da oposição que foram invocados.
Por isso, o caso julgado formado nessa sede em nada aproveita a estes autos.»
Ora, quer o despacho saneador, na parte em que julgou inverificada a exceção do caso julgado, quer o acórdão desta Relação que revogou o despacho saneador no segmento em que decidiu verificada aquela exceção, transitaram em julgado, formando-se assim caso julgado formal, com força obrigatória dentro do processo, quanto à não verificação da exceção do caso julgado.
A força obrigatória do referido caso julgado formal obstava a que tal questão fosse apreciada de novo na sentença recorrida - como não foi -, assim como obsta a que seja apreciada em sede de recurso.
Por conseguinte, o recuso improcede.
Vencida no recurso, suportará a ré/recorrente as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Évora, 23 de novembro de 2023
Manuel Bargado (Relator)
Maria José Cortes (1ª Adjunta)
José António Moita (2º Adjunto)
(documento com assinaturas eletrónicas)

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[1] 41 conclusões ao longo de 18 páginas.
[2] Cfr. Ac. do STJ de 28.06.1994, CJ/Acs. STJ, tomo II, p. 159.
[3] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, (reimpressão), p. 157.