Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PROCEDIMENTO CAUTELAR
ENTREGA DE BEM LOCADO
MEIO PROCESSUAL PRÓPRIO
SEPARAÇÃO DE BENS
APENSO A INSOLVÊNCIA
Sumário
– Considerado recusado o cumprimento do contrato de locação financeira na pendência de insolvência do locatário, pelo silêncio do AI e resolvido o contrato pelo locador, não se mostrando apreendido para a massa insolvente o bem locado, o procedimento cautelar visando a restituição do bem locado é o meio processual próprio, não sendo de exigir a acção para separação de bens por apenso à insolvência (art. 146 Cire).
Texto Integral
Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
Banco Comercial Português, S.A. intentou contra PSMC Imobiliária Lda. – Em Liquidação, um procedimento cautelar de entrega judicial de bem locado (art. 21 do DL 149/95 de 24/6, na redacção do DL 30/2008, de 25/2) - três imóveis, devolutos de pessoas e bens, bem como a entrega das respectivas chaves, a saber:
- Fracção autónoma, designada pela letra KQ, correspondente à loja nº 9, destinada a comércio, no 1º andar do corpo do prédio urbano, sito na Rua Dr. B..... G..... nº..., em São ..... ....., L____.
- Fracção autónoma designada pela letra KL, correspondente à loja nº 5, destinado a comércio no 1º andar do corpo 2 do prédio urbano sito na Rua Dr. B..... G..... nº..., São ..... ....., L____.
- Fracção autónoma designada pela letra KJ, correspondente à loja nº 3, destinado a comércio, no 1º andar do corpo 2 do prédio urbano sito na Rua Dr. B..... G..... nº ..., freguesia de São .... ....., L____. E que fosse antecipado o juízo da causa principal, ex vi art. 21/7 do cit. DL. Alegou, para tanto, ter celebrado com a requerida, três contratos de locação financeira imobiliária por via dos quais deu de locação os imóveis descritos. A requerida foi declarada insolvente, em 15/3/21 (proc. 24067/20.9T8LSB – Juízo do Comércio de Lisboa – Juiz 2). As fracções autónomas não foram apreendidas para a massa insolvente por não integrarem os bens pertencentes à insolvente, por serem propriedade do Banco locador. O Sr. AI, nomeado nos autos (insolvência), apesar de interpelado, não informou o Banco requerente que pretendia cumprir os mencionados contratos de locação financeira imobiliária pelo que, este último, resolveu os contratos, nos termos da cláusula 11ª das Condições Gerais dos Contratos, por carta registada com a/r e exigiu a restituição das fracções no prazo de 8 dias. O AI não optou pelo cumprimento dos contratos, nem procedeu à restituição das fracções. Citada, a requerida deduziu oposição com fundamento na ilicitude/inexistência da resolução dos contratos, não havendo lugar à restituição das fracções e ao cancelamento dos registos, não se verificam os pressupostos da providência, a massa insolvente pretende cumprir os contratos. Excepcionou a ilegitimidade do Banco (não resolução dos contratos), a existência de questão prejudicial (a questão de opção do cumprimento ou não dos contratos está dependente do processo de insolvência) e a inutilidade superveniente da lide (o AI informou, em 17/5/23 que pretende cumprir os contratos, ex vi art. 102 Cire), concluindo pela improcedência da providência – fls…. Após julgamento foi proferida sentença que, julgando a providência procedente, ordenou a entrega imediata das fracções identificadas supra, livres e devolutas de pessoas e bens e respectivas chaves ao Banco requerente - fls… Inconformada, a requerida apelou formulando as conclusões que se transcrevem: 1-Como resulta do alegado e com os fundamentos indicados para os quais se remete, a recorrente considera que o Tribunal a quo fez uma errada ponderação da prova produzida. 2- Em consequência, entende a Recorrente que os factos constantes dos Pontos U), Z), AA) e BB) dos factos provados não podem ser dados como demonstrados nos termos que constam da sentença recorrida. Com efeito, 3- No que toca ao Ponto U), entende-se que a Recorrente deixou de proceder ao pagamento das rendas devidas, mas a Recorrida não logrou provar, nem por documentos juntos aos autos, nem pelos depoimentos prestados pelas testemunhas, quando a Recorrente deixou de proceder ao pagamento das rendas. 4- Na reclamação de créditos apresentada, em 07 de Abril de 2021, pela Recorrida no processo de insolvência (doc. 6 da oposição), foram reclamadas rendas vencidas e não pagas e rendas vincendas, referentes aos Contratos de Locação Financeira n.º 45.....13, 45.....15 e 45.....54 (docs. 1, 3 e 5). 5- Nas Cartas de Resolução dos Contratos de Locação Financeira, datadas, de 15 de Dezembro de 2022, o Recorrido reclama como rendas por liquidar: Contrato de Locação Financeira 45.....15, a renda número 141, vencida em 07/03/2021, Contrato de Locação Financeira 45.....54, a renda 128, vencida em 15/03/2021 e Contrato de Locação Financeira 45.....13, a renda nº 141, vencida, em 07/03/2021 (docs. 11, 12 e 13 da p.i.) 6-Pelo que, a 15 de Março de 2021, data em que foi proferida a sentença de declaração de insolvência da Recorrente (doc. 9 p.i.), já se encontravam em dívida várias rendas vencidas e não pagas, que a Recorrida não peticiona nas cartas de Resolução dos Contratos de Locação Financeira, datadas de 15 de Dezembro de 2022 (docs. 11, 12 e 13 p.i.), para que operasse a resolução dos Contratos de Locação Financeira, contornando o disposto no artigo 108/4 a) CIRE. 7-Desta feita, considera a Recorrente que o Ponto U) é matéria dada como provada, mas deve constar da matéria não provada um ponto com a redacção seguinte:
Factos Não Provados Não ficou provado quando a Recorrida deixou de proceder ao pagamento das rendas. 8-No que toca ao Ponto Z da factualidade provada, a recorrente considera que a sentença é inexacta, por não referir que a carta de interpelação para cumprimento (ou não) dos Contratos de Locação Financeira, datada, de 13 de Abril de 2022, foi recebida por terceiro no domicílio profissional do Senhor Administrador Judicial, sito na Rua São ..... ....., Nº... – ... Sala ..., ....-...- Vila ..... F____,conforme aviso de recepção, oportunamente, junto aos autos pelo Recorrido ( doc. 10 p.i.). 9-O facto de o Senhor Administrador da Insolvência ter vários domicílios profissionais, não tem relevância nos presentes, dado que as cartas juntas, foram todas para o domicílio profissional sito na Rua São ..... ....., Nº... – ... Sala ..., ....-...- Vila ..... F____(docs. 11, 12 e 13 p.i.). 10-E, por essa razão, a Recorrente considera que o Ponto Z) só pode constar da factualidade provada com a redacção abaixo indicada, por ser a única com suporte probatório nos presentes autos: “Por carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Abril de 2022, e recebida por terceiro a 19 de Abril do mesmo ano, no domicílio profissional do Sr. AI sito naRua São ..... ....., Nº... – ... Sala ..., -....-...- Vila ..... F____,o requerente interpelou o Senhor Administrador de Insolvência, nos termos do art. 102 CIRE para se pronunciar sobre o cumprimento (ou não) dos contratos de locação financeira, tendo-lhe assinalado para o efeito um prazo de 30 dias, tudo como melhor consta do documento junto como nº 10.”. 11- Relativamente ao Ponto AA) da factualidade dada como provada, a Recorrente não encontra nos presentes autos elementos probatórios que permitam considerar como provado o facto descrito. 12- Isto porque, ao considerar este facto como provado, a sentença não considerou o facto de a carta de interpelação datada, de 13 de Abril de 2021, ter sido recebida no domicílio profissional do Senhor Administrador da Insolvência por um terceiro, como melhor consta no aviso de recepção junto aos autos. 13- Este Ponto AA) assenta no facto que o Senhor Administrador da Insolvência recebeu a carta de interpelação. Ora, não foi feita prova de que a carta tenha sido efectivamente entregue, pelo que não se pode concluir que o Senhor Administrador da Insolvência não informou o Requerente se pretendia cumprir ou não os contratos de locação financeira. 14- O Ponto AA) tem como fundamento um facto não provado, motivo pelo qual, não pode constar da factualidade dada como provada. Face à ausência de prova, não ficou demonstrado o Ponto AA). 15- Por último, o Ponto BB) surge como consequência da factualidade dada como provada nos Pontos Z e AA na sentença, que a Recorrente pelos motivos explanados considera inexacto e não provado. 16- A sentença assenta ainda a prova deste Ponto BB) nos docs. 11, 12 e 13 p.i. 17- Os referidos docs. 11, 12 e 13 são as cartas de resolução dos contratos de locação financeira 45.....15, 45.....54 e 45.....13 datadas, de 15 de Dezembro de 2022, registadas com aviso de recepção, remetidas para o domicílio profissional do Senhor Administrador de Insolvência, sito na Rua São ..... ....., Nº... – ...º - Sala ..., -....-...- Vila ..... F____ e recebidas por terceira pessoa, conforme os avisos de recepção juntos aos autos. 18- Nas declarações de parte o Senhor Administrador Judicial, declarou não ter recebido o documento, as cartas não chegaram à sua mão (minutos 42:14 a 43:25/ 44:59 a 46:35). 19- O Tribunal não pode concluir que as cartas foram efectivamente entregues. 20- Assim, a Recorrente considera que o Ponto BB) só pode ser dado como demonstrado com a redacção ora se indica, porquanto é a única que tem suporte probatório nos autos: BB)–O Requerente, nos termos da cláusula 11ª das condições gerais do contratos, resolveu os referidos contratos em 15 de Dezembro de 2022, exigindo a restituição das fracções no prazo de 8 dias, por cartas registadas com aviso de recepção, efectivamente recebidas por terceiro, enviadas para a Rua São ..... .....-Nº... – ... - Sala ..., -....- ...- Vila ..... F____, morada do Legal Administrador Judicial da requerida, nos termos e com os fundamentos que melhor constam daquelas e juntas como (docs. 11, 12 e 13). Quanto à fundamentação de direito 21- Na sentença o Tribunal pronunciou-se no sentido que se encontram verificados os pressupostos do artigo 21/1 DL 149/95. Da Resolução dos Contratos de Locação Financeira Carta de Interpelação para cumprimento (13/04/2022) e Cartas de Resolução dos Contratos de Locação Financeira (15/12/2022). 22-A sentença refere: “A resolução foi validamente operada mediante o envio de cartas registadas com A/R datadas, de 15 de Dezembro de 2022 e efectivamente recebidas...”. 23-Refere ainda: “O contraente não insolvente interpelou AJ..... directamente e por meio idóneo (a carta registada com A/R tem essa virtualidade) assinala-lhe um prazo razoável, cabendo AI perante tal interpelação optar pela execução ou recusar o cumprimento, sendo certo que se nada disser se entende que recusa o cumprimento. Foi exactamente essa a forma adoptada pelo requerente: carta registada com A/R enviada para um dos domicílios profissionais do AI, assinalando o prazo de 30 dias para se pronunciar sobre o cumprimento (ou não) dos contratos de locação financeira. A carta foi aí efectivamente recebida, como se colhe da assinatura do A/R e foi aceite pelo Sr. Administrador em sede declarações de parte, sendo que, e no entanto, referiu que não se recordava se a carta lhe havia sido entregue.” 24- Nada na lei obriga que terceiros que recepcionam as cartas, sejam obrigados a entregar a carta aos seus destinatários ou a certificarem-se que é entregue ao destinatário. 25-Cabe ao remetente verificar que se a carta foi efectivamente entregue ao seu destinatário, no caso concreto, o Recorrido deveria ter feito prova nos presentes autos que a carta foi efectivamente entregue ao Senhor Administrador Judicial. 26- O que não aconteceu, o Recorrido provou que remeteu as referidas cartas, registadas com aviso de recepção, para o domicílio profissional do Senhor Administrador da Insolvência e que aí foram recepcionadas por terceiro, não fez prova que as cartas foram efectivamente entregues ao Senhor Administrador da Insolvência. 27-Mais refere a sentença, passe-se a citar: “A simples recepção da carta naquele domicílio profissional vincula o Sr. AI ao conhecimento do teor da mesma. Na verdade, nos termos do nº 1 do art. 224 CC “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao poder ou dele é conhecida” E seu n.º 2 preceitua “É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.” É este o caso dos autos: o requerente enviou a carta de interpelação para o domicílio profissional daquele, a carta foi aí recebida. Se a carta não foi entregue ao Sr. Administrador tal não releva por tal situação não poder ser imputada ao requerente, pelo que a declaração não se tornou eficaz.”. 28- A lei não determina que a carta recebida por terceiro, presume que o destinatário efectivamente recebeu a carta. 29- Nem tão pouco, que o terceiro seja obrigado a efectivar a entrega da carta. 30- Mais, era do interesse do Recorrido, pelo teor das ditas cartas certificar-se que as mesmas tinham sido efectivamente recepcionadas pelo Senhor Administrador da Insolvência. 31- O Recorrido tinha de fazer prova que a carta de interpelação para cumprimento ou não dos Contratos de Locação Financeira, bem como as cartas de resolução dos Contratos de locação Financeira foram efectivamente entregues ao Senhor Administrador de Insolvência e não a terceiros, não o fez e o ónus é seu (art. 342 CC). 32- A obrigação torna-se exigível com a interpelação do credor ao devedor. 33-A sentença refere: “Se a carta não foi entregue ao Sr. Administrador tal não releva por tal situação não poder ser imputada ao requerente, pelo que a declaração se tornou eficaz.”, ora o Tribunal recorrido deveria ter valorado contra o Recorrido a ausência de prova e não, como se verificou, valorar contra a Recorrente. 34- Acresce que, a sentença ao considerar que terceiro efectivamente entregou a carta ao Senhor Administrador de Insolvência, tinha de ter dado como provado, na matéria de facto provada, que terceira pessoa procedeu efectivamente à entrega das cartas ao Senhor Administrador Judicial, não o fez, logo a sentença recorrida é nula, por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615/1 c) CPC (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/ 09/2017 – proc. n.º 818/15.0T8AGH-A, em que foi relator o Exm.º Sr. Dr. Pedro Martins (www.dgsi.pt). Quando a Recorrente deixou de proceder ao pagamento das rendas dos Contratos de Locação Financeira 45.....15, 45.....54 e 45.....13. 35- A resolução dos contratos de locação financeira, não se verificou, porque o Recorrido não fez prova, documental ou testemunhal, quando a Recorrente deixou de proceder ao pagamento das rendas. 36- E, com a prova documental produzida, constata-se que a Recorrente deixou de proceder ao pagamento das rendas antes da declaração de insolvência datada, de 15 de Março de 2021 (doc. 9 p.i.). 37- Na reclamação de créditos apresentada, a 07 de Abril de 2021, o Recorrido reclama rendas vencidas e não pagas e rendas vincendas (doc. 6 da oposição) 38-E, nas cartas de resolução dos contratos de locação financeira, o Recorrido reclama como rendas por liquidar: contrato de locação financeira 45.....15, renda número 141, vencida, em 07/03/2021; contrato de locação financeira 45.....54, renda número 128, vencida, em 15/03/2021 e contrato locação financeira 45.....13, renda número 141 vencida, em 07/03/2021 (docs. 11, 12 e 13 p.i.) 39- Os contratos de locação financeira 45.....15 e 45.....13, reclamam rendas vencidas antes de decretada a insolvência da Recorrente e o contrato de locação financeira 45.....54, reclama a renda vencida, no dia 15/03/2022, que coincide com a declaração de insolvência (documento n.º 6 da oposição). 40-Pelo que o incumprimento que fundamenta a resolução dos contratos de locação financeira 45.....15 e 45.....13, ocorreu em momento anterior à declaração de insolvência, pelo que está no âmbito do artigo 108/4 a) CIRE, que dispõe: “O locador não pode requerer a resolução do contrato após a declaração de insolvência do locatário com algum dos seguintes fundamentos:a)- Falta de pagamento das rendas ou alugueres respeitantes ao período anterior à data da declaração de insolvência; b)- deterioração da situação financeira do locatário.”. 41- Pelo que, a resolução dos contratos de locação financeira não é lícita, não produzindo o seu efeito útil, que pôr termo aos contratos de locação financeira 45.....15, 45.....54 e 45.....13. 42- Assim, se a resolução dos contratos de locação financeira é ilícita e o presente procedimento cautelar especial, nos termos do artigo 21/1 DL 149/95, tem como requisito a resolução dos contratos de locação financeira, é manifesta a falta de um pressuposto de que depende a verificação do referido Procedimento e, como tal, fundamento para indeferimento liminar (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 16/12/2014, no proc.n.º 383/14.5TBENT.E1, em que foi relator Sr. Dr. Francisco Xavier www.dgsi.pt).
Do Processo de Insolvência: 43- A questão da opção do cumprimento ou não dos contratos de locação financeira está pendente no processo de insolvência, aguardar despacho, agora e no momento, da resolução dos contratos de locação financeira, bem como, aquando da entrada do presente procedimento cautelar, em qualquer uma das situações aguardava despacho. 44-Neste contexto, não se compreende a posição da sentença, que ora se transcreve: “Não obsta a tal conclusão que nos autos de insolvência a data da operada resolução ainda se aguardasse pela pronúncia do AI, pois as diligências levadas a efeito pelo requerente parta que o Sr. AI se pronunciasse no processo de insolvência, diligências que não se impunham, não afectam a validade da resolução determinada pelo silêncio do Sr. AI, em data muito anterior.”. 45- Ainda que, se considerasse que as diligências do Recorrido no processo de insolvência, nomeadamente: o requerimento, de 02 de Agosto de 2022 e o requerimento, de 02 de Dezembro de 2022, não fossem exigíveis, foi o Recorrido que deu impulso processual para a intervenção do processo de insolvência na questão do cumprimento ou não dos Contratos de Locação Financeira. 46- E, desta feita, quando deu entrada a presente Providência Cautelar estava pendente no processo de insolvência uma questão prejudicial, a decisão pelo cumprimento ou não dos Contratos de Locação Financeira Imobiliário 45.....15, 45.....54 e 45.....13, que obsta ao conhecimento do mérito da causa. 47- Mais, no processo de insolvência, no dia 17 de Maio de 2023, o Senhor Administrador da Insolvência, em cumprimento do despacho, de 02 de Maio de 2023, deu entrada de um requerimento a declarar que a Massa Insolvente pretende cumprir os Contratos de Locação Financeira Imobiliária, nos termos do art. 102 CIRE (doc. 5 da oposição). 48- Porquanto, os contratos de locação financeira não estão resolvidos, a Recorrida não tem direito à restituição dos bens e não lhe assistia o direito de proceder ao cancelamento do registo da locação financeira junto da Conservatória do Registo Predial de Lisboa. 49- E, consequentemente, não estão preenchidos os requisitos exigidos para que a presente providência cautelar fosse decretada pelo Tribunal, em conformidade com o disposto no art. 21 DL 149/95. 50- O Recorrido, não tem legitimidade, por não se verificar a resolução dos contratos de Locação Financeira. 51- E, neste contexto, deveria ter sido declarada a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, atendendo que, a pretensão do Recorrido deixou de fazer sentido e a sua apreciação inútil. 52- No requerimento de 17 de Maio de 2023, o Senhor Administrador de Insolvência explanou os motivos pelos quais é do interesse da Massa Insolvente o cumprimento dos contratos de locação financeira. 53- Neste requerimento, o Senhor Administrador Judicial começa, precisamente, por referir as conclusões retiradas da análise dos Contratos de Locação Financeira Imobiliário n.º 45.....13, 45.....15 e 45.....54 (docs. 1, 3 e 5 p.i.) 54- O contrato de locação financeira n.º 45.....13 referente à fracção autónoma designada pelas letras “KQ”, foi financiado à insolvente pelo valor global de € 186.375,00, tendo a mesma liquidado o valor total de € 123.286,84, faltando liquidar à data, de 03/05/2022 o valor de € 63.088,16, pelo que a insolvente liquidou cerca de 66% do financiamento. 55- O contrato de locação financeira n.º 45.....15 referente à fracção autónoma designada pelas letras “KL”, foi financiado à insolvente pelo valor global de € 255.600,00, tendo a mesma liquidado o valor de € 185.833,90, faltando liquidar em, 3/05/2022 o valor de € 69.766,10, pelo que a insolvente liquidou cerca de 72% do financiamento. 56- O contrato de locação financeira n.º 45.....54, referente à fracção autónoma designada pela letra “KJ”, foi financiado à insolvente pelo valor global de € 265.000,00, tendo a mesma liquidado o valor total de € 194.576,51, faltando liquidar, em 03/05/2022 o valor de € 70.423,49, pelo que a insolvente liquidou cerca de 73 % do financiamento. 57-No seguimento, o Senhor Administrador Judicial concluiu o que ora se transcreve: “...é do entendimento do AJ..... que o cumprimento dos referidos contratos de locação é bastante benéfico para a massa insolvente e é, seguramente, uma forma de satisfação dos credores. Assim, nos termos do art. 102 CIRE, a massa insolvente pretende cumprir os mencionados contratos. 4– Por fim, importa esclarecer tanto o credor como os autos que, o atraso na resposta ao requerimento apresentado se ficou a dever ao facto de só recentemente (no passado mês de Abril) foi possível ter acesso aos bens devolutos de pessoas e bens, tendo sido efectuadas diversas diligências para que os mesmos fossem entregues, contudo, a falta de colaboração atrasou a sua entrega. Termos em que se dá cumprimento ao despacho de fls. dos autos e da respectiva notificação.” 58- No contexto, do processo de insolvência, há que atender ao interesse colectivo e não ao interesse individual de um credor, para mais, quando do cumprimento dos contratos de locação financeira não advém qualquer prejuízo para a Recorrida, dado que o seu crédito será ressarcido na totalidade, possibilita é o ressarcimento de outros créditos da massa, nomeadamente, da Fazenda Nacional (declarações de parte do Senhor Administrador da Insolvência minutos 9:00 a 11:40). 59- Todos os credores no processo de insolvência beneficiam do cumprimento dos Contratos de Locação Financeira. 60- O Recorrido não informou o processo de insolvência, nem da resolução dos contratos de locação financeira, nem tão pouco, da entrada da presente providência cautelar, de modo, a obter um caso julgado mais rápido. 61- Como a Providência Cautelar Especial tem uma tramitação mais célere, ainda que, a verificação de dois casos julgados contraditórios fosse uma possibilidade, o Recorrido correu o risco, pois nos termos do art. 625 CPC, havendo duas decisões contraditórias, cumpre-se a primeira que transite em julgado e a segunda decisão é ineficaz. 62- Assim, deverá ser concedido provimento ao recurso, decretando-se a improcedência da presente providência cautelar. O Banco apelado contra-alegou formulando as conclusões que se transcrevem: 1.– Deve ser mantida a matéria de facto dada como provada nos pontos U), Z), AA) e BB) porque a “livre apreciação da prova” vertida na sentença recorrida está apenas sujeita ao escrutínio da razão, das regras da lógica e da experiência que a vida vai proporcionando a Lei não permite um julgamento ex novo em 2ª instância. 2.– A sentença encontra-se bem fundamentada na matéria de facto dada como provada, e analisado os depoimentos com a audição integral dos testemunhos, nenhum dos depoimentos invocados nas Alegações da Apelante pode contrariar os factos dados como provados pelo Tribunal. 3.– A Requerida/Apelante não só não produziu qualquer prova de pagamento das rendas como confessou não ter liquidez para o fazer. 4.– Ficou provado que todas as cartas remetidas para o Dr. AM..... na morada Rua de São ..... ....., nº ... - ..., Sala ..., -....-... Vila ..... F____, incluindo a citação para os presente autos, foram recebidas e os A/R’sassinados pela mesma pessoa, a Sra. CC....., pessoa que o Sr. Dr. AM..... confessou conhecer e ser sua funcionária, pelo que são plenamente eficazes nos termos do art. 224 CC. 5.– Não estava em tempo o Senhor Dr. AM......, em 17 de Maio de 2023, após ter tomado conhecimento de que corria termos este procedimento cautelar (cfr. Requerimento, de 17 Abril de 2023), para vir declarar optar pelo cumprimento dos contratos que se encontram resolvidos desde Dezembro de 2022 e após o cancelamento das locações no registo predial. 6.–A recorrente apresenta sessenta e uma conclusões num recurso de providência cautelar em reprodução integral do anteriormente vertido no corpo das alegações, em violação art. 639/1 CPC equivalendo essa reprodução à falta de conclusões com rejeição do recurso nos termos estatuídos no artigo 641/2 b) CPC, não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento. 7.– Nestes termos a sentença deve ser mantida. Factos que a 1ª instância considerou provados: A)- No exercício da sua actividade, o requerente celebrou com a requerida, em 14 de Julho de 2009, um contrato de locação financeira imobiliário a que foi atribuído o nº 45.....13, pelo qual o requerente deu em locação financeira o seguinte IMÓVEL, do qual o Banco é dono e legítimo proprietário: Fracção autónoma designada pela letra KQ, correspondente à loja nº 9, destinado a comércio no 1º andar do corpo 3, do prédio urbano sito na Rua Dr. B..... G.....- nº..., freguesia de São ..... ..... , concelho de L____, descrito na Conservatória do Registo Predial de L____ sob o nº 1..9, e inscrito na matriz predial urbana sob o Artigo 2..7 da freguesia de São D..... B..... (Doc. 1) B)-Tendo-se procedido ao seu averbamento junto da Conservatória pela Ap. 3481 de 2009/07/17 (Doc. 2). C)-O valor global da locação financeira foi de € 186.375,00 (Doc. 1 – cláusula 3ª). D)- O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 15 anos, com 180 rendas mensais e sucessivas, a primeira com vencimento, em 25 de Julho de 2009, a primeira no valor de € 46.280,00 e as seguintes no montante de € 1.063,81 com vencimento a 25 de cada mês. (Doc. – cláusula 4ª e 5ª). E)-Foi ainda fixado o valor residual de € 3.500,00 (Doc. 1 – cláusula 8ª) F)-Acresce que, na mesma data, de 14 de Julho de 2009, requerente e requerida celebraram ainda outro contrato de locação financeira imobiliário a que foi atribuído o nº 45....15, pelo qual o requerente deu em locação financeira o seguinte IMÓVEL, do qual o Banco é dono e legítimo proprietário: Fracção autónoma designada pela letra KL, correspondente à loja nº 5, destinado a comércio no 1º andar do corpo 2, do prédio urbano sito na Rua Dr. B..... G..... n.º..., freguesia de São ..... ....., concelho de L____, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 1..9, e inscrito na matriz predial urbana sob o Artigo 2..7 da freguesia de São D..... B.....(Doc. 3) G)-Tendo-se procedido ao seu averbamento junto da Conservatória pela Ap. 3711de 2009/07/17 (Doc. nº 4). H)-O valor global da locação financeira foi de € 255.600,00 (Doc. 3 – cláusula 3ª). I)- O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 15 anos, com 180 rendas mensais e sucessivas, a primeira com vencimento, em 25 de Julho de 2009, a primeira no valor de € 103.600,00 e as seguintes no montante de € 1.149,07 com vencimento a 25 de cada mês. (Doc. 3 – cláusula 4ª e 5ª). J)- Foi ainda fixado o valor residual de € 5.112,00 (Doc. 3 – cláusula 8ª) L)- Finalmente, em 24 de Agosto de 2010, no exercício da sua actividade, o requerente celebrou com NCD.....,um contrato de locação financeira imobiliário a que foi atribuído o nº 45.....54, pelo qual o requerente deu em locação financeira o seguinte IMÓVEL, do qual o Banco é dono e legítimo proprietário: Fracção autónoma designada pela letra KJ, correspondente à loja nº 3, destinado a comércio no 1º andar do corpo 2, do prédio urbano sito na Rua Dr. B..... G..... nº..., freguesia de São ..... ....., concelho de L____, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 1..9, e inscrito na matriz predial urbana sob o Artigo 2..7 da freguesia de São D..... B.....(Doc. 5) M)-Tendo-se procedido ao seu averbamento junto da Conservatória pela Ap. 2086 de 2010/08/25 (Doc. 6). N)-O valor global da locação financeira foi de € 265.000,00(Doc. 5 – cláusula 3ª). O)- O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 15 anos, com 180 rendas mensais e sucessivas, a primeira com vencimento, em 15 de Setembro de 2010, a primeira no valor de € 145.000,00 e as seguintes no montante de € 960,84 com vencimento a 15 de cada mês. (Doc. 5 – cláusula 4ª e 5ª). P)- Foi ainda fixado o valor residual de € 5.300,00 (Doc. 5 – cláusula 8ª) Q)- Em 12 de Novembro de 2015, o requerente, a então locatária e a requerida celebraram um contrato de cessão da posição contratual, pelo qual a locatária cedeu a sua posição contratual no aludido contrato de locação financeira à requerida, com autorização do banco locador. (Doc. 7). R)-Tendo-se procedido ao seu averbamento junto da Conservatória pela Ap. 690 de 2015/11/12 (Doc. 6). S)- Na mesma data de 12 de Novembro de 2015, requerente e requerida celebraram um aditamento ao contrato de locação financeira, através do qual alteraram as cláusulas 6ª, relativa ao indexante e taxa de juro nominal, e aditaram ainda duas cláusulas ao contrato inicial. (Doc. 8) T)- A requerida e locatária dos referidos contratos veio a ser declarada insolvente por sentença proferida, em 15 de Março de 2021 nos autos de processo com o nº 24057/20.9T8LSB, pendente no Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 2. U)- A requerida deixou de proceder ao pagamento das rendas devidas. V)- Foi nomeado Administrador de Insolvência o Dr. AM....., inscrito na lista oficial de administradores de insolvência e conhecido desta Comarca (Doc. 9). X)-Os imóveis objecto da presente providência cautelar não foram apreendidos a favor da massa insolvente, por não integrarem os bens pertencentes à insolvente, mas antes ao Banco locador. Z)- Por carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Abril de 2022, e recebida, a 19 de Abril do mesmo ano, num domicilio profissional do Sr. AI, o requerente interpelou o Senhor Administrador de Insolvência, nos termos do art. 102 CIRE para se pronunciar sobre o cumprimento (ou não) dos contratos de locação financeira, tendo-lhe assinalado para o efeito um prazo máximo de 30 dias, tudo como melhor consta do documento junto como documento nº 10. AA)–O Senhor Administrador de Insolvência não informou o requerente se pretendia cumprir não os mencionados contratos de locação financeira. BB)–Pelo que o requerente, nos termos da cláusula 11ª das condições gerais dos contratos, resolveu os referidos contratos, em 15 de Dezembro de 2022, exigindo a restituição das fracções no prazo de 8 dias, por cartas registadas com aviso de recepção, efectivamente recebidas, enviadas para uma das várias moradas do legal Administrador Judicial da requerida, nos termos e com os fundamentos que melhor constam daquelas e juntas como (Docs. 11, 12 e 13). CC)–O requerente procedeu ao cancelamento dos ónus de locação financeira (docs. 14, 15 e 16) DD)–O Senhor AI nem optou pelo cumprimento dos contratos, nem as 3 fracções em causa foram restituídas ao requerente até à propositura deste procedimento cautelar. EE)–Em 02 de Agosto de 2022, a requerente deu entrada de um requerimento nos autos de insolvência, a requerer a notificação do Senhor Administrador Judicial para junto dos autos de insolvência: “(i) justificar a falta de resposta às inúmeras interpelações do ora requerente; (ii) esclarecer a opção pelo cumprimento ou não dos contratos de locação financeira e, se for caso disso, (iii) agendar a entrega urgente, nomeadamente atento o hiato temporal entretanto decorrido, dos imóveis propriedade do BCP, livres de pessoas e quaisquer bens.” (doc. 1 da oposição). FF)–No dia 27 de Setembro de 2022, foi proferido despacho a notificar o Senhor Administrador Judicial para se pronunciar sobre o requerimento da requerente (doc. 2 da oposição). GG)–O Sr. AI não respondeu a tal notificação. HH)– Por requerimento, de 02 de Dezembro de 2022, a requerente reitera o requerido em 02 de Agosto de 2022 (doc. 3 da oposição). II)– No dia 02 de Maio de 2023, é proferido despacho a renovar o despacho, de 27 de Setembro de 2022 ao Senhor Administrador Judicial, (doc. 4 da oposição). JJ)–No dia 17 Maio de 2023, em cumprimento do despacho, dá entrada o requerimento do Senhor Administrador Judicial, junto como documento nº 5 da oposição e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido. LL)–O requerente apresentou a reclamação de créditos no Processo de Insolvência de PSMC Imobiliária, Lda., no dia 07 de Abril de 2021 no valor total de €196.096,64, (doc. 6 da oposição). MM)–O requerente reclama o valor total de € 195.607,20, referente aos mencionados Contratos de Locação Financeira Imobiliário. NN)–Os créditos apresentados na reclamação de créditos foram reconhecidos nos termos do art. 129 CIRE. (doc. 7 da oposição). Colhidos os vistos, cumpre decidir. Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra, o objecto de recurso - arts. 639 e 640 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se há ou não lugar à nulidade da sentença, alteração da decisão de facto, inexistência da resolução dos contratos de locação financeira imobiliária, falta de pressupostos do procedimento cautelar, ilegitimidade do Banco, questão prejudicial e extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Vejamos, então.
a)- Nulidade da sentença Defende a apelante a nulidade da sentença com fundamento na oposição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que ao considerar que o terceiro entregou efectivamente a carta ao AI, teria que ter dado como provado tal facto. É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão e ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão inintelegível – art. 615/1 c) CPC. Esta nulidade ocorre quando os fundamentos quando os fundamentos estão em contradição com a decisão. Esta contradição é real, assenta numa construção viciosa da sentença, os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto – vício de raciocínio. A ambiguidade pressupõe que possam ser atribuídos razoavelmente, pelos destinatários, dois sentidos díspares/opostos, sem que seja possível identificar qual dos dois prevalece, i. é, quando se preste a interpretações diferentes . Por seu turno, a obscuridade subsume-se à ininteligibilidade, ou seja, o sentido da decisão é impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido. A sentença tem de ser entendida pelos seus destinatários, por conseguinte, deve ser clara, inteligível, por forma a que se conheça/entenda o seu alcance e fundamentos. In casu, esta situação/contradição não se verifica na sentença impugnada, porquanto está fundamentada nos aspectos factuais e jurídico e o segmento dispositivo não se mostra em contradição com o desenvolvimento do raciocínio lógico/jurídico expendido no mesmo, nem está ferida de ambiguidade e obscuridade. Destarte, falece a pretensão.
b)- Modificabilidade da decisão de facto O Tribunal da Relação pode alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. art. 640 CPC, a decisão com base neles proferida – art. art. 662 CPC. Importa, desde já, referir que a garantia do duplo grau de jurisdição, no que concerne à matéria de facto, não desvirtua, nem subverte, o princípio da liberdade de julgamento, ou seja, o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – art. 607 CPC. No entanto, esta liberdade de julgamento não se traduz num poder arbitrário do juiz, encontra-se vinculada a uma análise crítica das provas, bem como à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção. Por isso, os acrescidos poderes do Tribunal da Relação sobre a modificabilidade da matéria de facto, em resultado da gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento, não atentam contra a liberdade de julgamento do juiz da 1ª instância, permitindo apenas sindicar a correcção da análise das provas, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, prevenindo o erro do julgador e corrigindo-o, se for caso disso. Sobre o recorrente impende o ónus de, nas alegações, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – art. 639 CPC. Na verdade, as conclusões da alegação de recurso são a única peça processual onde, por obrigação legal, o recorrente deve expor de forma concisa mas rigorosa e suficiente, todas as questões que quer submeter à apreciação do tribunal superior. Versando o recurso sob a matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – art. 640 CPC. In casu, a apelante impugna a decisão de facto no que tange aos factos apurados sob as letras U), Z), AA) e BB), propondo alteração da redacção quanto a uns e Não provado no respeitante aos factos sob as letras U) e AA), com base nos documentos juntos aos autos e depoimento das testemunhas (JM..... e AF.....) e declarações de parte do AI (AM.....). Apurado ficou: U)–A requerida deixou de proceder ao pagamento das rendas devidas. Defende a apelanteque este facto deve serNão Provado. Z)–Por carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Abril de 2022, e recebida, a 19 de Abril do mesmo ano, num domicilio profissional do Sr. AI, o requerente interpelou o Senhor Administrador de Insolvência, nos termos do art. 102 CIRE para se pronunciar sobre o cumprimento (ou não) dos contratos de locação financeira, tendo-lhe assinalado para o efeito um prazo máximo de 30 dias, tudo como melhor consta do documento junto como documento nº 10. Defende a apelanteque a redacção deste facto deve seralteradanos seguintes termos: Z)–Por carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Abril de 2022, e recebida por terceiro a 19 de Abril do mesmo ano, num domicílio profissional do Sr. AI, sito na Rua São ..... ....., nº...- ... Sala ..., -....-..., -Vila ..... F____, o requerente interpelou o Senhor Administrador de Insolvência, nos termos do art. 102 CIRE para se pronunciar sobre o cumprimento (ou não) dos contratos de locação financeira, tendo-lhe assinalado para o efeito um prazo máximo de 30 dias, tudo como melhor consta do documento junto como documento nº 10. AA)–O Senhor Administrador de Insolvência não informou o requerente se pretendia cumprir não os mencionados contratos de locação financeira. Defende a apelanteque este facto deve ser dado como Não Provado BB)–Pelo que o requerente, nos termos da cláusula 11ª das condições gerais dos contratos, resolveu os referidos contratos, em 15 de Dezembro de 2022, exigindo a restituição das fracções no prazo de 8 dias, por cartas registadas com aviso de recepção, efectivamente recebidas, enviadas para uma das várias moradas do legal Administrador Judicial da requerida, nos termos e com os fundamentos que melhor constam daquelas e juntas como (docs. 11, 12 e 13). Defende a apelanteque a redacção deste facto deveser alteradanos seguintes termos: O requerente, nos termos da cláusula 11ª das condições gerais dos contratos, resolveu os referidos contratos, em 15 de Dezembro de 2022, exigindo a restituição das fracções no prazo de 8 dias, por cartas registadas com aviso de recepção, efectivamente recebidas por terceiro, enviadas para a Rua São ..... .....- nº ...- ...- Sala ..., -....-...,- Vila ..... F____, morada do legal Administrador Judicial da requerida, nos termos e com os fundamentos que melhor constam daquelas e juntas como (Docs. 11, 12 e 13). Procedeu-se à audição, na íntegra, dos depoimentos das testemunhas indicadas e declarações prestadas, transcrevendo-se o essencial: JM.....(testemunha arrolada pelo Banco requerente), funcionário do BCP há cerca de 35 anos, referiu que o processo teve início, em Março de 2021, o seu seguimento foi efectuado pelo departamento de insolvência, tendo transitado para o Porto (seu departamento), em Novembro/22. O Banco interpelou, diversas vezes o AI para se pronunciar sobre se ele pretendia ou não cumprir os contratos. Em Julho de 22, o Banco remeteu carta ao AI (apesar de já ter sido interpelado) para se pronunciar sobre a questão do cumprimento ou não dos contratos. Silêncio do AI. O valor da dívida consta das cartas (no que tange ao 3º contrato a dívida era de € 92.584,00. Em Dezembro de 2022, o Banco resolveu os contratos e cancelou os registos. As cartas de resolução foram enviadas para a massa insolvente/AI – Rua São ..... .....,-Vila ...... F_____. Receberam o a/r, assinado por umaSra. CC..... . Esta situação já se arrastava há muito, daí que, face ao silêncio/não feed back do AI, resolveram os contratos. A providência entra, algures, em Março de 2023, sendo que nessa data o AI nada tinha dito/respondido. Os imóveis não foram entregues ao Banco. Nunca falou com o AI. AF..... (testemunha arrolada pelo Banco), funcionário do BCP, exerce funções de técnico de recuperação de crédito, acompanhou o desenrolar do processo de insolvência no exercício das suas funções, referiu que: O seu conhecimento sobre este processo inicia-se com o processo de insolvência da requerida/empresa, em Março de 2021. Os contratos estavam em vigor e o Banco necessitava de obter pronúncia sobre o cumprimento ou não dos contratos. Contactou o AI (uma vez) através do telefone (Janeiro de 2022), no sentido de saber se os contratos seriam ou não cumpridos obtendo como resposta do AI: “Escreva-me e eu responderei”. Nessa data forneceu ao AI o seu contacto de e-mail. Face ao silêncio do AI enviaram cartas de interpelação com os valores em dívida solicitando-lhe pronúncia sobre se pretendia ou não cumprir os contratos. Cfr. com a carta junta aos autos (doc. 10), referiu que não foi ele que a escreveu, mas que a tinha assinado. Sabe que foram efectuados contactos com o AI através do escritório de advogados. Todas as comunicações são efectuadas através de sistema informático de suporte duradouro, onde ficam registados todos os passos que são efectuados – sistema operativo CIRC, criado pelo Banco (neste sistema todas as informações e documentos/escritórios de advogados ficam registadas). A informação (s) constante (s) da carta foi retiradas do CIRC. Os valores da dívida são calculados pelo Banco, constam da carta de 13/4/22. Após a carta, de 13/4/22, nada aconteceu, não houve resposta do AI. Em Outubro de 22 o processo transitou para o Porto. Em 15/12/22, são enviadas cartas de resolução, cartas que foram recebidas na morada para onde foram expedidas. Nas cartas de Dezembro é dado um prazo de 8 dias para ser efectuada a entrega dos bens (imóveis). Não tem conhecimento de que foram efectuados pagamentos. AM.....,administrador da insolvência da requerida, com escritório/residência profissional em F_____, conhece o BCP, tendo reconhecido o seu crédito (BCP) no processo de insolvência, em declarações de parte, declarou que: O Banco reclamou dois contratos de locação financeira imobiliária, de 2009, cerca de € 67.000,00/€ 66.000,00. A dívida seria de cerca de € 196.000,00, sobre os bens que foram adquiridos. Foi um processo complicado, nomeadamente, ter acesso à contabilidade da requerida e aos bens. No respeitante ao valor da dívida mencionou o constante do seu requerimento de 1/5/2023, junto aos autos. O cumprimento dos contratos é mais vantajoso para a massa e não prejudica o Banco. Os imóveis tinham sido arrendados e não teve acesso aos documentos que os titulavam (demorou cerca de um ano para conseguir ter acesso aos docs.). Só poderia cumprir os contratos de locação com a posse dos imóveis, sendo que só, em Março/Abril de 2023, é que tomou posse dos imóveis (bens). Tinha que tomar conhecimento do teor dos contratos de arrendamento para se pronunciar/aferir sobre o cumprimento ou não dos contratos de locação (poderiam ser um ónus para a massa insolvente). Houve contactos e e-mails do Banco enviados para si, tendo informado (dizia) que havia dificuldade em conhecer os bens, solicitando que o informassem por escrito. Ele foi comunicando, informalmente, à empresa mandatada pelo Banco (para falar com ele/AI) o desenrolar da situação. Ele não podia dizer, sem mais, ao Banco que iria cumprir porque a massa não tinha dinheiro para pagar. Informou o processo de insolvência que a massa pretende cumprir os contratos de locação, aguardando despacho sobre esta questão). Aponta para € 600.000,00 como sendo o valor dos imóveis no mercado (não em nenhuma avaliação feita). No que tange às cartas de resolução (Dezembro de 22) referiu que o registo das mesmas está assinado por CC....., nenhum dos registos tem aposta a sua assinatura. A morada aposta nas cartas é a do seu escritório em F_____ e CC..... é sua funcionária. Não se recorda se ela lhe entregou as cartas. Ora, tendo em atenção os documentos juntos, depoimentos, declarações de parte e fundamentação (motivação de facto) da sentença, dir-se-á:
-Nenhuma alteração a fazer quanto à alínea U) e AA) – tal resulta cristalino dos depoimentos, declarações e documentos, sendo certo que, no que concerne às dívidas/não pagamento de rendas, se estas inexistissem não haveria lugar a reclamação e reconhecimento dos créditos no processo de insolvência – cfr. alíneas LL) a NN) dos factos provados. No que tange à alteração da redacção dos factos apurados sob as alíneas Z) e BB), tendo em atenção os docs. juntos, depoimentos e declarações de parte, altera-se a sua redacção nos seguintes termos: Z-Por carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Abril de 2022, e recebida por CC.....,Funcionária do AI (Administrador de Insolvência), a 19 de Abril do mesmo ano, no domicílio profissional do Sr. AI, sito na Rua São ..... ....., Nº... - ...º Sala ..., -....-..., - Vila ..... F____,o requerente interpelou o Senhor Administrador de Insolvência, nos termos do art. 102 CIRE para se pronunciar sobre o cumprimento (ou não) dos contratos de locação financeira, tendo-lhe assinalado para o efeitoum prazo máximo de 30 dias, tudo como melhor consta do documento junto como documento nº 10. BB–O requerente, nos termos da cláusula 11ª das condições gerais dos contratos, resolveu os referidos contratos, em 15 de Dezembro de 2022, exigindo a restituição das fracções no prazo de 8 dias, por cartas registadas com aviso de recepção, efectivamente recebidas por CC..., funcionária do AI (Administrador de Insolvência), enviadas para a Rua São ..... ..... nº ... - ...º Sala ..., -....-..., -Vila ..... F_____, morada do legal do Administrador Judicial da requerida, nos termos e com os fundamentos que melhor constam daquelas e juntas como (docs. 11, 12 e 13). Destarte, procede parcialmente a pretensão.
c)-Resolução dos contratos Defende a apelante que a resolução do contrato não foi lícita, uma vez que o incumprimento em que assenta a resolução dos contratos de locação financeira ocorreu em momento anterior à declaração de insolvência, estando abrangida pelo comando do art. 184/1 a) Cire: “O locador não pode requerer a resolução do contrato após a declaração de insolvência do locatário com algum dos seguintes fundamentos: a)- Falta de pagamento das rendas ou alugueres respeitantes ao período anterior à data da declaração de insolvência; b)- Deterioração da situação financeira do locatário”. Aquele que se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações encontra-se em situação de insolvência – cfr. Ac. RE de 26/2/2015, relator Mário Serrano, in CJ ano XL, Tomo I – 246. O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista no plano de insolvência baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores – art. 1 Cire (Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas – DL 53/2004 de 18/3). Constituindo o processo de insolvência uma execução universal, todos os créditos sobre o falido/insolvente são invocados e discutidos neste processo perante o insolvente e todos os credores, não o podendo ser em outro processo. Todos os bens do insolvente são apreendidos no processo de insolvência, com vista ao pagamento dos credores através deles. Em suma, quaisquer pretensões patrimoniais sobre o insolvente só podem ter lugar no âmbito deste processo (insolvência) – cfr. Ac. TRP, de 20/2/17, relator Alberto Ruço, in www.dgsi.pt. Todo o património do devedor (insolvente), à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos integram a massa insolvente – cfr. arts. 46, 36/1 g) e 149 Cire. In casu, o Banco requerente intentou um procedimento cautelar, ex vi art. 21 DL 149/95 de 24/6, a fim de obter a entrega dos imóveis, objecto da locação financeira. Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante aplicação dos critérios nele fixados – art. 1º DL 149/95 de 24/6. Os sujeitos da locação financeira são a entidade locadora e o locatário utilizador do bem. A locadora mantém, em princípio a propriedade dos bens locados, porquanto só no final do contrato (locação) e caso o locatário manifeste essa vontade, é que lhe será transmitida a a propriedade do bem locado (direito potestativo de aquisição futura). O contrato pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte e, ainda, com fundamento na dissolução ou liquidação da sociedade locatária e/ou verificação de qualquer dos fundamentos de declaração de falência do locatário – arts. 17 e 18 do DL 149/95 de 24/6. Assim, em caso de incumprimento definitivo pelo locatário financeiro, o locador pode resolver o contrato reavendo o bem locado e exigindo o pagamento das rendas vencidas e não pagas – arts. 434 e 801/2 CC. Daqui se extrai, que o escopo deste procedimento cautelar é a tutela dos interesse do locador financeiro, estatuindo que, em caso de cessação do contrato, por resolução ou decurso do prazo potestativo de aquisição, este pode requerer a entrega imediata do bem locado e o cancelamento do respectivo registo. Os imóveis (3), objecto da providência, não foram apreendidos a favor da massa insolvente, por não serem pertença do insolvente mas sim do Banco requerente/locador (cfr. facto provado - X). Quanto ao património do devedor não incluído na massa insolvente, o devedor pode deles dispor e administrar com total liberdade, sem prejuízo do regime estatuído no nº 8 e de eventuais acções judiciais levadas a cabo pelos credores – cfr. Luís Martins, in Processo de Insolvência, 2016, 4ª ed., Almedina - 297. Sem prejuízo do disposto nos arts. seguintes, em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento, nem pelo insolvente, nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da Insolvência (AI) declare optar pela execução ou recusar o cumprimento – art. 102/1 Cire. E o nº 2 dispõe que: A outra parte pode, contudo, fixar um prazo razoável ao AI para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa o seu cumprimento. O nº 3 enuncia as consequências da recusa. Estipula o art. 108 do Cire sob a epígrafe Locação em que o locatário é insolvente que: 1– A declaração de insolvência não suspende o contrato de locação em que o insolvente seja locatário, mas o AI pode sempre denunciá-lo com um pré-aviso de 60 dias, se nos termos da lei ou do contrato não for suficiente um pré-aviso inferior. 4–O locador não pode requerer a resolução do contrato após a declaração de insolvência do locatário com algum dos seguintes fundamentos: a)- Falta de pagamento das rendas ou alugueres respeitantes ao período anterior à data da declaração de insolvência; b)- Deterioração da situação financeira do locatário”. 5– Não tendo a coisa locada sido ainda entregue ao locatário à data da declaração de insolvência deste, tanto o AI como o locador podem resolver o contrato, sendo lícito a qualquer deles fixar ao outro um prazo razoável para o efeito, findo o qual cessa o direito de resolução. A jurisprudência divide-se no respeitante ao contrato de locação financeira e a sua execução. Há quem entenda, posição que sufragamos, que o regime aplicável aos contratos de locação financeira em caso de insolvência é constante dos arts. 102 e 104 do Cire e já não o art. 108 do mesmo código. “Se o insolvente for o futuro adquirente e a coisa estiver em seu poder, o alienante pode fixar um prazo razoável ao AI para este decidir se opta pelo cumprimento ou pelo não cumprimento… O cumprimento do contrato fica suspenso até que o AI declare optar pela execução ou recusa do cumprimento… “Considerado recusado o cumprimento do contrato de locação financeira na pendência de insolvência do locatário, pelo silêncio do AI e resolvido o contrato pelo locador, não se mostrando apreendido para a massa insolvente o bem locado, o procedimento cautelar visando a restituição do bem locado é o meio processual próprio, não sendo de exigir a acção para separação de bens por apenso à insolvência (art. 146 Cire)” - cfr., entre outros, Acs. RP, de 15/6/2015, relator José Almeida, Ac. RL de 7/10/21, relator Carlos Castelo Branco e de 27/4/2017, relator Eduardo Petersen, in www.dgsi.pt. Outros defendem que os procedimentos cautelares não constituem meio processual adequado para o locador obter a restituição, ainda que provisória, de bens que se mostrem apreendidos (ou devam sê-lo) para a massa insolvente. O locador (bens) pode solicitar a separação da massa insolvente dos bens que lhe devam ser restituídos, independentemente de estarem ou não apreendidos à ordem dos autos de insolvência (arts. 141 e 146 Cire) – cfr., entre outros, Acs. RE de 22/9/2016, relator Francisco Matos, de 21/3/13, relator Arlindo Oliveira, RP, de 27/9/17, relatora Lina Baptista, in ww.dgsi.pt. No caso em apreço, os bens imóveis cuja restituição se requer são propriedade do Banco, não foram apreendidos para a massa insolvente, o AI foi interpelado (carta enviada, em 13/4/22 e recepcionada, em 19/4 – domicílio profissional - para se pronunciar, nos termos do art. 102 Cire, sobre o cumprimento ou não dos contratos, no prazo máximo de 30 dias), o AI remeteu-se ao silêncio (factos provados Z e AA), o Banco resolveu os contratos (15/12/22 – facto provado BB) e instaurou o procedimento cautelar em 3/4/23. Ressalve-se que o AI só veio responder à questão colocada, em 17/5/23, no processo de insolvência, informando que iria cumprir os contratos de locação. Daqui se extrai, que a resolução dos contratos e a instauração da providência foi posterior à declaração de insolvência que teve lugar, em 15/3/21. Sufragamos o entendimento explanado nos Acs. desta Relação de Lisboa, de 27/4/17 e de 7/10/21 (relatores Eduardo Petersen e Carlos Castelo Branco, respectivamente), ou seja, “Considerado recusado o cumprimento do contrato de locação financeira na pendência de insolvência do locatário pelo silêncio do AI, e resolvido o contrato pelo locador, não estando os bens (imóveis) aprendidos para a massa insolvente o procedimento cautelar de restituição dos imóveis locados é o meio processual próprio, não sendo de exigir a interposição de acção para a separação de bens por apenso à insolvência, nos termos do art. 146 Cire” – cfr. Lebre de Freitas, in “Apreensão, Separação Restituição e Venda”, Jurismat, Portimão, nº 5, 2014 -22). Em suma, entende-se que o regime a aplicar é o do art. 102 Cire e não já o do art. 108, conforme pugna a apelante, e que a providência cautelar de restituição dos bens (DL 149/21) é o meio processual adequado e próprio. No que tange à ilicitude da resolução defendida pela apelante – as cartas enviadas para o domicílio profissional do AI foram recepcionadas por outrem que não o AI – dir-se-á que não tem acolhimento. Tendo em atenção os factos provados Z) e BB), constata-se que as cartas foram enviadas para o domicílio profissional do AI e aí recepcionadas pela sua funcionária CC....., pelo que, ex vi art. 224 CC, as declarações de interpelação e resolução, independentemente do aviso de recepção ter sido ou não assinado pelo AI, tornaram-se eficazes. O facto de as cartas terem sido ou não entregues ao AI, tal não pode ser imputado ao Banco locador, não se olvidando que sobre a Sra. funcionária do AI incumbia a obrigação de delas dar conhecimento à sua entidade patronal/AI. Destarte, tal como referido na sentença impugnada, afastada está a ilicitude da resolução do contrato, uma vez que esta foi válida e eficaz, soçobrando a pretensão.
d)- Falta de pressupostos da providência cautelar Sustentando-se na ilicitude da resolução dos contratos de locação financeira, defende a apelante a falta de verificação dos pressupostos da providência cautelar. Face ao exarado, supra aquando da apreciação da questão colocada na alínea c), demonstrados ficaram os pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar instaurada, ex vi art. 21 DL 149/95, pelo que a pretensão falece.
e)- Ilegitimidade do Banco Defende a apelante a ilegitimidade do Banco para requerer a providência, pelo que a instância deveria ter sido declarada extinta por inutilidade superveniente da lide. Face ao explanado na apreciação da alínea c), resolução válida e eficaz dos contratos de locação, o Banco/apelado tem legitimidade substantiva para requerer a providência em questão (art. 30 CPC), não havendo lugar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, falecendo a pretensão.
f)-Questão prejudicial Defende a apelante que aquando da entrada da providência estava pendente no processo de insolvência uma questão prejudicial – cumprimento ou não dos contratos de locação financeira. Face ao explanado aquando da apreciação da alínea c), afastada está a questão prejudicial suscitada, falecendo a pretensão.
Concluindo:
– Considerado recusado o cumprimento do contrato de locação financeira na pendência de insolvência do locatário, pelo silêncio do AI e resolvido o contrato pelo locador, não se mostrando apreendido para a massa insolvente o bem locado, o procedimento cautelar visando a restituição do bem locado é o meio processual próprio, não sendo de exigir a acção para separação de bens por apenso à insolvência (art. 146 Cire) Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida. Custas pela apelante.