MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
MEDIDAS DE COACÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Sumário


I- Acerca da manutenção em detenção de pessoa procurada no Estado-Membro de execução (MDE) a autoridade judiciária de execução deve decidir se a continua ou opta pela libertação, enquanto se aguarda a decisão sobre a execução do MDE. Consequentemente, a detenção não é necessariamente exigida e a libertação provisória é possível a qualquer momento, em conformidade com o direito interno do Estado-Membro de execução (artigo 12.º da Decisão-Quadro MDE).

II- Quando a pessoa procurada não é mantida detida, a autoridade competente do Estado-Membro de execução é, no entanto, obrigada a tomar todas as medidas que considere necessárias para impedir a fuga da pessoa procurada (artigo 12.º da decisão-quadro relativa ao MDE)- cfr. o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 28 de julho de 2016, JZ, C-294/16 PPU, ECLI:EU:C:2016:610. 53) e processo C-237/15 PPU, Lanigan (Acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de julho de 2015- ECLI:EU:C:2015:474.) Estas medidas poderão assumir a forma de uma proibição de viajar, de um requisito de registo regular ou de vigilância eletrónica.

III- Tendo sido emitido MDE pela República Checa contra cidadão checo residente em Portugal e, antes disso, em Espanha, para cumprimento de remanescente (11 anos, 03 meses e 28 dias) da pena concreta de 12 anos de prisão efetiva por prática de crime de tráfico de estupefacientes, e determinada prisão preventiva, após interrogatório judicial nos termos do artº 18º nº3 da lei 65/03, por indícios de elevado risco de fuga ( não deixando de pertencer ao estado emissor grande parte da fundamentação originária desse receio- por isso que emitiu o pedido de captura internacional), tal medida de coacção mostrava-se, perante os dados, à data, disponíveis nos autos, em consonância com os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade (cfr, o arts. 191º, 193º, 202º/1-f) e 204º-a) do Código de Processo Penal e 18º/3 da L-65/2003, de 23/08.

IV- A natureza do MDE e a conduta do arguido, nomeadamente a indiciada especial mobilidade do mesmo e a facilidade em frustrar o cumprimento do MDE faziam crer, como indiciado, que o mesmo fugira à justiça checa para evitar cumprir aquela pena de prisão, sendo elevado o comprovado perigo de fuga do arguido, o qual apenas foi capturado decorrido mais de um ano sobre a inserção do MDE no sistema S.I.S.

V- legando, porém, grave condição de saúde e sociofamiliar que poderiam eventualmente implicar posterior substituição da medida de prisão preventiva por OPHVE, a determinação, sem mais, da inalteração da medida, mostrou-se demasiado restringente, apesar dos curtos prazos de decisão previstos na Lei de MDE não sendo, por isso, despicienda a solicitação pela defesa da averiguação das condições de vida, da estabilidade de residência em Portugal, da possibilidade de eventual cumprimento de pena e melhor acompanhamento médico domiciliário, e que não se afiguravam em si uma inutilidade, ainda que apenas para posterior reanálise de uma possível base de aplicação (ou não) de OPHVE.

Texto Integral





Recurso (MDE- 320/23.6YRPRT-A.S1)

5ª Secção Criminal

Relator: Agostinho Torres

Adjuntos: Albertina Pereira (1ª); João Rato(2ª)

Tribunal recorrido: Relação do Porto- 4ª Secção

Recorrente (s): AA Requerido para entrega ao Tribunal Judicial da Comarca de Praga, República Checa

Sumário: Mandado de detenção europeu; Medidas de coacção; substituição por OPHVE;

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 5ª SECÇÃO CRIMINAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I-RELATÓRIO

1. No âmbito da cooperação judiciária penal em processo de entrega internacional – mandado de detenção europeu (doravante MDE) 320/23.6YRPRT que corre termos no Tribunal da Relação do Porto, emitido pelas autoridades judiciais da República Checa contra o cidadão checo AA já identificado nos autos, foi este ouvido em interrogatório judicial no TRP a 17/10/23 e, nessa sequência, fixada ao mesmo a medida de coacção de prisão preventiva. No dia seguinte, após requerimento suscitado pela defesa, foi proferido despacho, agora em recurso para este Supremo Tribunal, com o seguinte teor:


“ (…)


Detenção -Medida de coação


Após validação e manutenção da detenção do arguido AA, o Ministério Público e o arguido vieram requerer, nos termos do art.18º, nº3, e art.30º, nº1, da Lei 65/2003, de 23 de agosto, a substituição daquela detenção, respetivamente pela medida de coação de prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (abreviadamente designada como de OPHVE).


Para tanto, o Ministério Público fundamenta a necessidade e proporcionalidade da prisão preventiva em face do elevado perigo de fuga, alarme social e intranquilidade pública, conjugados com a acentuada gravidade dos factos imputados ao agente.


Já o arguido evidência razões de vínculo pessoal ao nosso território designadamente motivos familiares e profissionais para mitigar aquelas exigências cautelares, considerando adequada e suficiente a OPHVE, a qual deverá ser priorizada em nome do princípio da subsidiariedade em relação à prisão preventiva.


Dos elementos de prova recolhidos resulta fortemente indiciada a seguinte factualidade:


1º Pelo Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Praga, República Checa, foi emitido, para efeitos de cumprimento de pena de carácter institucionalizada, um Mandado de detenção europeu – M.D.E. (European Arrest Warrant – E.A.W.) com a data de 22/08/2022, relativo ao cidadão de nacionalidade checa ora requerido;


2.º Este mandado tem por base e fundamento uma Decisão Judicial datada de 31/01/2020 do Tribunal da Comarca de Praga, proferida no âmbito do processo criminal checo, com força executiva no dia 17/06/2021, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível na Secção ...8.../1 do Código Penal – C.P. Checo, que aplicou ao requerido a pena concreta de 12 anos de prisão efetiva, restando por cumprir a pena remanescente de 11 anos, 03 meses e 28 dias de prisão, pelo cometimento de factos que se passam a descrever;


«O requerido juntamente com outros participou na distribuição ilegal e venda de canábis seca durante o período de 02/06/2015 a 06/06/20215; de 09/07/2015 a 11/07/2015, de 05/08/2015 a 08/08/2015 e juntamente com os seus coautores organizaram o transporte de canábis seca de modo a vendê-la na Áustria a um comprador desconhecido. O indivíduo juntamente com outros participou pelo menos desde 2013 até 26/09/2016 em seis instalações para cultivo e fabricam ilegal de modo a obterem canábis seca com elevado teor de THC. Para isso utilizaram um sistema de cultivo altamente sofisticado incluindo lâmpadas artificiais, substâncias para crescimento e ventiladores de modo a obterem uma elevada quantidade de canábis. O indivíduo referido juntamente com outros no período de 15/10/2015 a 26/09/2016, participou no transporte de rebentos de canábis para outras instalações de cultivo situadas na Republica Checa. Estabeleceram também armazéns para canábis na Republica Checa de modo a puderem distribuir o produto na Alemanha. O indivíduo referido juntamente com outros participou, pelo menos em quatro processos no período de 27/01/2016 a 15/06/2016 para a distribuição de canábis seca a consumidores finais na cidade de Praga».


4.º O mandado de detenção europeu, inserido no Sistema S.I.S. – Sistema de Informação SHENGAN, foi cumprido por elementos da Policia Judiciária – P.J. do ..., que detiveram o requerido pelas 15 horas do dia 15/10/2023, nesta cidade do ..., encontrando-se atualmente sob detenção oportunamente validada e mantida.


5.º Para evitar ser privado da liberdade à ordem daquele processo, o arguido, após abandonar a Chéquia em data não apurada, mas situada entre finais de 2021 e inícios de 2022, passou a residir na Espanha durante cerca de três semanas e após veio para Portugal, aqui residindo com a companheira BB na morada identificada no TIR, sita em ..., ....


6.º Com data de 2.12.2022 foi emitida declaração clínica de CC, conforme documento junto pelo arguido que aqui se dá por inteiramente reproduzido, nos termos da qual o mesmo padece de demência neurodegenerativa em estádio ligeiro/moderado, carecendo de cuidados, apoio e supervisão pessoais ali referidos.


7.º Com data de 15.12.2021 foi emitido relatório médico, conforme documento junto pelo arguido que aqui se dá por inteiramente reproduzido, nos termos da qual o mesmo padece de défice cognitivo progressivo desde 2016, bem assim de diabetes, sob regime intensivo de insulina.


8.º O arguido consentiu na sujeição a vigilância eletrónica no caso de lhe ser aplicada a obrigação de permanência na habitação.


-


O tribunal baseou-se no teor do MDE junto com o formulário A traduzido de fls.7-15, conjugado com o teor das declarações do arguido em interrogatório, atestado de residência de 24.02.2022 e documentos clínicos por si apresentados com data de 15.12.2021 e 2.12.2022.


Tendo o arguido referido em interrogatório que assistiu ao julgamento e leitura da sentença no processo objeto da sua condenação, no qual sempre foi representado por advogado na Chéquia, ali interpondo recurso daquela decisão, é de crer que o arguido fugiu desse país para evitar ser preso nessa demanda penal.


Esta razão é corroborada pelo seu comportamento posterior, já que segundo o próprio, após abandonar a Chéquia, jamais ali voltou, pese embora a sua companheira o tenha feito por três vezes.


Nem o arguido deixou perceber outro motivo quando aludiu à injustiça da sua condenação, não sendo por certo a lentidão desta que o afugentava, num sistema por si apupado de corrupto, mas que a tanto não obrigaria um cidadão checo, que ali sempre viveu, após ter nascido em ........1960, onde (só) a companheira regressa.


Na sequência do não consentimento do arguido em relação à sua entrega à autoridade judiciária da emissão do MDE, após validação e manutenção da detenção daquele, o Ministério Público e o arguido vieram requerer, nos termos do art.18º, nº3, e art.30º, nº1, da Lei 65/2003, de 23 de agosto, a substituição daquela pela medida de coação de prisão preventiva e OPHVE respetivamente.


Vale isto dizer que o Ministério Público e o arguido concordam com a insuficiência ou precariedade da detenção em que este se encontra para assegurar o cumprimento do MDE pendente, pese embora a prevalência legal desta modalidade de tutela penal de urgência.


Na verdade, tendo o arguido manifestado intenção de apresentar oposição à execução do MDE e correspondentes meios de prova, é de crer com o Ministério Público e o arguido que o prazo legal máximo da detenção previsto no art. 30º, nº1, da cit. Lei 65/2003, não seja suficiente para garantir o pretendido cumprimento daquele até prolação da decisão sobre a sua execução.


Concordando o Ministério Público e o arguido ser necessária e proporcional a aplicação de uma medida coativa privativa da liberdade do detido, resta saber se é bastante para assegurar as exigências cautelares a OPHVE, como pretende o arguido, ou é indispensável a aplicação da prisão preventiva, como requerido pelo Ministério Público.


O arguido foi condenado por sentença de 31/01/2020 do Tribunal da Comarca de Praga, com força executiva no dia 17/06/2021, pela prática de um crime de trafico de estupefacientes, previsto e punível na Secção ...8.../1 do Código Penal – C.P. Checo, que aplicou ao requerido a pena concreta de 12 anos de prisão efetiva, restando por cumprir a pena remanescente de 11 anos, 03 meses e 28 dias de prisão.


A natureza do MDE e a conduta do arguido fazem crer, como indiciado, que o mesmo fugiu à justiça checa para evitar cumprir pesada pena de prisão aplicada no sobredito processo pela prática de crime de tráfico de estupefacientes.


As circunstâncias objetivas em que o mandado foi emitido pressupõem o perigo de fuga da pessoa visada, desde logo em face da gravidade do crime e da sanção aplicada, bem assim da deambulação do arguido, em face da sua naturalidade e residência, após aquela sua penosa condenação.


Sendo elevado o comprovado perigo de fuga do arguido, o qual apenas foi capturado decorrido mais de um ano sobre a inserção do MDE no sistema S.I.S. – Sistema de Informação Shengan, não é de reconhecer que a OPHVE seja suficiente para acautelar tão elevado perigo de fuga.


O abandono da Chéquia e a residência familiar em Portugal, com passagem pela Espanha, revelam especial mobilidade do arguido e facilidade em frustrar o cumprimento do MDE para continuar a esquivar-se à reclusão no seu país de origem.


Ora, como refere o ac RE 24.05.2018 (António João Latas, processo 26/17.5JASTB-B.E1), www.dgsi.pt, em regra, “a medida de OPH mediante fiscalização eletrónica não previne suficientemente o perigo de fuga, uma vez que não representa um obstáculo físico à sua efetivação e só permite detetar a fuga depois de esta se ter verificado, para além de não impedir a preparação da fuga através de contactos entre os arguidos e terceiros do mesmo modo que a prisão preventiva, pois aqueles contactos podem fazer-se telefonicamente ou presencialmente na própria habitação”.


Nem as ausências de casa do arguido, quer para o acompanhamento clínico de que diz necessitar, quer para desempenhar a sua atividade profissional, seriam compatíveis com a eliminação do risco de fuga pelo arguido, bem podendo dizer-se que a detenção atual, ao invés da OPHVE, oferece maiores e necessárias garantias para cumprimento da finalidade do MDE.


Com vista a assegurar a detenção e entrega de pessoa, determinada por uma autoridade judiciária de outro Estado, “o risco de fuga do detido constitui o fundamento específico da detenção ou outra medida cautelar que a substitua, pelo que o tribunal de execução apenas deve libertar provisoriamente o detido quando puder concluir que medida de coação prevista no CPP português menos gravosa que a detenção é adequada e suficiente para prevenir aquele mesmo risco, em conformidade com a regra estabelecida no artigo 12.º da Decisão-Quadro M.D.E.» - cfr. Ac RE 18/08/2017 in www.dgsi.pt.


Ora, no caso concreto, acautelados que devem ser em meio prisional os cuidados clínicos necessários ao estado de saúde do arguido, não se vislumbra que a OPHVE possa servir de tutela de urgência neste processo para conservar a situação atual de garantia de cumprimento do MDE, senão mesmo de antecipação do resultado que se espera deste.


-


Decisão


Por conseguinte, nos termos dos art.s 18º, nº3, e 30º, nº1, da cit. Lei 65/2003, conjugada com os art.a 193º, nº1 a 3, 202º, nº1, al.a), e 204º, nº1, al.a), do Código Processo Penal, ex vi art.34º, da cit. Lei 65/2003, e art.21º, nº1, da DL 15/93, de 22/01, determina-se que em substituição da detenção o arguido aguarde os ulteriores termos do processo, além do TIR já prestado, em prisão preventiva, medida esta que se mostra proporcionada à gravidade do crime que lhe é imputado e à pena correspondente.


Comunique o presente dispositivo ao Estabelecimento Prisional. Comunique nos termos do art.194º, nº10, do C. Proc. Penal.


Notifique, sendo-o o arguido por contacto pessoal a solicitar ao Estabelecimento Prisional.


(…)”


1.2- Foi deste despacho que o requerido, inconformado veio a recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), concluindo, em síntese, a sua pretensão à modificação da medida de coacção fixada:


“1º


A prisão preventiva é uma medida de excepção e só pode ser aplicada ou mantida se as finalidades, que se pretendem atingir com as mesmas, não puderem ser conseguidas com outras medidas mais favoráveis previstas na lei.





No sobredito despacho, enfatiza-se a questão da pena de longa duração que tem para cumprir e a saída do arguido da República Checa, o que leva a concluir que este tem grande mobilidade, pretendendo furtar-se à acção da justiça.





Salvo o devido respeito, nunca olvidando a evidente pena de longa duração que o arguido tem para cumprir, o enquadramento fáctico, que necessitaria do suporte de um relatório social, aconselhava a aplicação de uma outra medida de coacção, porque a mais adequada e perfeitamente suficiente para o que se pretende acautelar.





O tribunal a quo estabelece um raciocínio que se poderia aplicar a qualquer processo em que se aprecia um mandado de detenção europeu: como a pessoa visada está ausente do seu país, tem grande mobilidade, pelo que só a prisão preventiva acautela essa mobilidade, pensamento redutor, que se afasta das circunstâncias do caso concreto.





Na verdade, o arguido, que reside em Portugal há cerca de 2 anos e 6 meses, não pretende deslocar-se do país, tendo criado raízes sólidas, conforme o relatório social atestará, razão pela qual não faz sentido o requisito do perigo de fuga, a que se faz expressa menção no despacho em crise.


POR OUTRO LADO,





Consideramos poder ser equacionada a obrigação de permanência na habitação, com recurso a vigilância electrónica, pois constituiria medida suficiente para acautelar os perigos que possam estar em causa.





O Recorrente, obrigado a permanecer na habitação, teria residência fixa no imóvel de sua propriedade, adquirido recentemente, no mesmo concelho do imóvel anterior (...), cuja morada é a seguinte: RUA ..., ... ... - ....





Vive em união de facto, desde 2002, com a cidadã igualmente checa, BB, de cuja união resultou um filho menor, a completar 12 anos em Novembro próximo, DD.





Por via de decisão ponderada, este agregado familiar veio para Portugal residir de forma definitiva e permanente, pois o Recorrente, juntamente com a sua mulher e filho reside e permanece em Portugal, de forma exclusiva, permanente e reiterada, mantendo todos os laços de um cidadão português, como infra se demonstrará.


10º


No decurso do interrogatório, quer o tribunal, quer o aqui mandatário subscritor, não estavam na posse de elementos e factualidade relevante, sobre a personalidade e comportamento do aquirequerido, fundamentada por pronúncia e opinião das próprias autoridades Checas que o condenaram.


11º


O Recorrente está reformado, pois hoje com 63 anos de idade, sofre de várias doenças incapacitantes, nomeadamente, de doença degenerativa major, desde 2016, de doença inflamatória intestinal (chron), bem como tem diabetes grave, sendo insulino-dependente.


12º


Desde há cerca de 4 anos, padece das sobreditas patologias, pelo que, entretanto, se reformou, dedicando o seu tempo a intervenções mecânicas e construindo motores, a título de hobbies, tendo mantido os investimentos imobiliários, apesar de limitado pelas sobreditas doenças, conforme relatórios médicos que se juntam como docs. 4, 5, 6 e 7 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.


13º


Foi no âmbito de decisão familiar, que o Recorrente e a companheira venderam a sociedade que detinhamna República Checa, para investir em Portugal, nomeadamente num apartamento que adquiriram inicialmente, com vista investimento e outro que adquiriram posteriormente, o qual atualmente em obras e em período de mudança, para uma residência definitiva do agregado. 14º


Tais investimentos, foram precedidos por constituição de sociedade imobiliária, que ambos constituíram aquiem Portugal, em 2021, na qual detêm 50% respetivamente das participações sociais e cuja gerência fora por si exercida, numa fase inicial, mas face à doença de que padece, renunciou à mesma, nomeando-se a companheiranova gerente.


15º


Releva igualmente que é através dessa sociedade que o Recorrente aufere o seu salário, com os devidos descontos e IRS que liquida, nomeadamente em 2021 e 2022 e a apurar em 2023.


16º


Mais relevam factos que detalhadamente se passam a explicar e que bem demonstram que o Recorrente e a sua companheira estavam a avaliar há algum tempo apossibilidade de viver em Portugal, pois cá estiveram por várias vezes de visita, nomeadamente Portugal e Espanha, em Julho de 2020, para aferir, avaliar e materializar a possibilidade de passar a viver permanentemente ali, tudo ANTES DE QUALQUER DECISÃO DE CONDENAÇÃO.


17º


Não será de acolher a tese de que alguém que queira fugir à justiça e ANTES de saber se ia ser ou não condenado, tome a decisão “rápida” de viver em Portugal, aqui se inscreva na AT, obtenha NISS por conta de contrato de trabalho, seja detentor de participações sociais, inscreva o seu filho menor em estabelecimento de ensino português, criando laços inequívocos com Portugal, administrativos-formais relevantes que facilmente levariam à sua “descoberta”.


18º


O seu agregado familiar é composto por este, pela sua companheira de há quase 20


anos, e pelo filho menor, conforme certidões de nascimento e documento de identificação, que se anexam, como docs. 19 e 20;


O filho menor estuda no Colégio N... .. ...., onde se encontra inscrito desde 2021 com bom aproveitamento escolar, sito na Rua ..., na cidade da ...conforme recibos e comprovativo de matrícula, como docs. 21, 22 e 23;


O Recorrente e companheira, bem como a sociedade que ambos detêm, são titulares e intervenientes em diversos contratos com entidades portuguesas, nomeadamente MEO, EDP e Águas do Norte, conforme docs. 24, 25 e 26;


O agregado familiar tem seguro de saúde, concretamente Advance Care, cfr. docs. 27 e 28.


O Requerido e sua companheira são detentores de participações sociais em entidade portuguesa, com, respetivamente, 50% cada, cfr. docs. 29, 30 e 31.


Com esta entidade, o Requerido tem contrato de trabalho, com um rendimento anual de cerca de € 13.000,00, conforme doc. 32.


O requerido, filho e companheira, são titulares de NIF, sendo o NIF daquele .......75, conforme docs. 33 e 34.


O agregado familiar liquida os seus impostos em Portugal, tendo o requerido liquidado o seu IRS nos anos de 2021 e 2022, conforme os docs. 35, 36, 37, 38 e 39.


Bem como está em completa ligação com a AT, nos termos dos docs. 40 e 41.


O Requerido e sua companheira são detentores de participações sociais em entidade portuguesa, com, respetivamente, 50% cada, cfr. docs. 29, 30 e 31.


Com esta entidade, o Requerido tem contrato de trabalho, com um rendimento anual de cerca de € 13.000,00, conforme doc. 32.


O requerido, filho e companheira, são titulares de NIF, sendo o NIF daquele .......75, conforme docs. 33 e 34.


O agregado familiar liquida os seus impostos em Portugal, tendo o requerido liquidado o seu IRS nos anos de 2021 e 2022, conforme os docs. 35, 36, 37, 38 e 39.


Bem como está em completa ligação com a AT, nos termos dos docs. 40 e 41.


Está inscrito na Segurança Social, e é titular de NISS e paga as suas contribuições inerentes.


Está inscrito como residente na Rua ...,..., conforme declarações emitidas pela União das freguesias de ..., onde habita todo o agregado familiar supra descrito, ou seja, companheira e filho menor, conforme docs. 42 e 43;


Tal casa de morada de família onde reside o agregado familiar, ou seja, o Recorrente juntamente com a mulher e filho menor, é bem próprio dos mesmos, pois pertence à sobredita sociedade familiar cujas quotas são detidas também pelo requerido, bem como novo imóvel que recentemente adquiriram e em fase de mudança, conforme cadernetas prediais, que se anexam como documentos n.ºs 44 e 45.


Tendo feito assim um investimento global no nosso país de cerca de € 640.000,00, de acordo com o carater permanente que assume a sua residência em Portugal;


Está inscrito no centro de saúde e tem por isso médico de família adstrito ao agregado familiar, conforme documento nº 46;


Sofre de doença incapacitante e necessita, por isso, de acompanhamento médico regular e que o obriga por vezes a ficar com baixa médica e é acompanhado por enfermeiro permanentemente, conforme relatórios médicos que se juntam como docs. 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 54;


O requerido sobre de doença degenerativa, vulgo Alzheimer, desde 2016, em conformidade com os relatórios supra e por isso é associado também aqui em Portugal de associação dos doentes que sofrem deste tipo de patologia, cfr. doc. nº 55.


O requerido tem inúmeras despesas de índole medicamentosa, bem como consultas reiteradas, com um gasto substancial de acordo com os documentos 56, 57, 58 e 60;


O filho menor é piloto/atleta federado da competição internacional de Karting e por isso representa a federação portuguesa de automobilismo e karting (FPAK), conforme documento n.º 61, pois vive permanentemente em Portugal na companhia dos seus pais;


19º


Para o arguido, trata-se de argumentos e elementos de facto adicionais suscetíveis de adequada ponderação que, devidamente equacionados, levarão o tribunal certamente a dar justificada prevalência à medida substitutiva que será requerida a final.


20º


Colocado sob permanência na habitação, nada parece indiciar que incumprisse a medida decretada e o controlo da sua liberdade poderia ser feito através da Obrigação de Permanência na Habitação, com recurso a vigilância electrónica (art.º 201º do Código de Processo Penal e Lei n.º 122/99 de 20 de Agosto), uma vez que o controlo desta medida é estabelecido de forma rigorosa.


21º


Assim, e porque a prisão preventiva só pode ser aplicada, como se disse, quando se revelam inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção e garantia patrimonial, a aplicar em concreto, devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente vierem a ser aplicadas (art.º 193º/1 e 2 do Código de Processo Penal), o arguido deverá aguardara ulterior tramitação processual sob a obrigação depermanência na habitação, com recurso à vigilância eléctrónica, após resultado favorável dos relatórios requeridos e demais diligências que o tribunal considere pertinentes realizar.


22º


A vigilância electrónica permite a fiscalização permanente do cumprimento pelos arguidos de obrigações judiciais que impliquem a sua permanência em determinado local, nos períodos fixados pelo tribunal, detectando imediatamente os incumprimentos e permitindo desencadear os procedimentos necessários para os corrigir.


23º


Trata-se, portanto de uma solução rigorosa que permite identificar problemas e reagir a eles de modo imediato.


24º A acção de controlo é bem percepcionada e interiorizada pelos indivíduos vigiados, o que se torna, à partida, um factor inibitório de violações.


25º


A vigilância electrónica é uma solução muito vantajosa, já que permite ao arguido a preservação da manutenção dos seus laços familiares e sociais, matérias que poderão ser mais valias sociais importantes ajudando a modelar comportamentos e a prevenir reincidências.


26º


O que se exige é que o arguido não se ausente de Portugal, imposição essa que não é incompatível com medida diversa da prisão preventiva.


27º


A medida de prisão preventiva, sendo a medida de coacção mais gravosa que o Código de Processo Penal prevê, só poderia ser aplicada nesta situação se dos factos descritos resultassem, da liberdade do arguido, os perigos enunciados no despacho subsequente à audição de arguido detido.


- Conclui-se, desta forma, que não se encontram preenchidos os requisitos plasmados no art.º 204º do Código de Processo Penal e que a decisão recorrida violou os art.º 28º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, artigos 193º, 202º e 204º, todos do Código de Processo Penal e 24º n.º 1 a) da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, pelo que se deverá:


A- Verificar se o recurso se encontra instruído com os elementos documentais requeridos - para além do mais, relatório social que permita aferir da exequibilidade da medida a que alude o art.º 201º do Código de Processo Penal, com recurso a vigilância electrónica, a ser implementada na RUA ... ....


B- Concluir pela procedência do recurso, ordenando-se a revogação da medida de coacção decretada e determinar a sua substituição pela medida obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica (art.º 201º do Código de Processo Penal e Lei n.º 122/99 de 20 de Agosto).”

3. O MPº respondeu, defendendo a insubsistência argumentativa do recorrente e a manutenção da decisão.


1.4- O recurso foi admitido para este Supremo Tribunal nos termos seguintes:


“Por estar em tempo, ter legitimidade e verificar-se o preenchimento dos demais requisitos legais, admito o recurso interposto pelo detido AA, para o Supremo Tribunal de Justiça, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo – art.ºs 24º, nºs 1, al. a), e 2, da Lei nº 65/2003, de 23/08, 407º, nº 2, al. c), 406º, nº 2, e 408º, a contrario, do CPP.


Instrua os respectivos autos com o requerimento de interposição do recurso e documentação que o acompanha, e ainda com o requerimento inicial e documentação a ele anexa, a “Ata de audição de detido” de 17/10/2023, a decisão que substituiu a detenção pela medida de coacção de prisão preventiva e a sua notificação ao detido.


Cumpra-se depois o disposto no art.º 24º, nº 4, da Lei nº 65/2003, não se determinado por ora a elaboração do relatório social requerido pelo recorrente, dada a circunstância de com o mesmo se visar a determinação da possibilidade de utilização de meios técnicos de controlo à distância, que tem como pressuposto a existência de uma medida de coacção (obrigação de permanência na habitação) cuja aplicação foi negada no processo – cf. 201º, nº 3, do CPP e art. 7º da Lei nº 33/2010, de 02/09. (…)(sublinhado e itálico nosso)


1.5- Neste Supremo Tribunal de Justiça, o MºPº, em vista aberta directamente e de imediato, acabou por emitir parecer propondo a improcedência, dizendo, em síntese:


“(…) A decisão de substituir a detenção do arguido, em execução de MDE, emitido para cumprimento do remanescente de 11 anos, 03 meses e 28 dias da pena de 12 anos de prisão, por crime de “tráfico de estupefacientes”, pela medida de prisão preventiva, em que aguardará os ulteriores termos do processo, respeita os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade (cfr, o arts. 191º, 193º, 202º/1-f) e 204º-a) do Código de Processo Penal e 18º/3 da L-65/2003, de 23/08).


Em conclusão: Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:


Deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se os termos da decisão recorrida.”


*


Cumprido o artº 417º nº2 do CPP face à manifestação daquela posição, por respeito pelo princípio de igualdade de armas e do contraditório, o recorrente veio apresentar resposta contrária à posição do parecer neste STJ, convocando de novo o essencial dos argumentos que já apresentara no recurso interposto, salientando a necessidade de obviar o pedido de elaboração de relatório social - com vista a sua condição sócio-económica atual, bem como o aferir da exequibilidade da medida de obrigação de permanência na habitação, com recurso a vigilância eletrónica, a análíse e junção da documentação clínica - relativa ao estado de saúde do arguido -, sem prejuízo de qualquer prova pericial complementar que o tribunal considere necessário determinar, a crítica ao facto de o tribunal ter decidido manter a prisão preventiva sem apurar sequer se o mesmo reunia condições para cumprimento da medida em regime de permanência na habitação, com recurso a vigilância eletrónica e, concluindo, crer que a averiguação das condições de vida, para eventual aplicação da medida de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica, que mereceu a concordância do Digno Magistrado do Ministério Público, em sede de auto de audição de arguido, seria de grande pertinência para a análise do despacho em crise.


1.6 - Após exame preliminar foram remetidos os autos à Conferência (com dispensa de vistos) logo na 1ª sessão disponível, de onde resultou a presente deliberação.


II-O Direito


2.1- Sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades o âmbito do recurso delimita-se pelas questões sumariadas em face das conclusões extraídas da respectiva motivação, visando permitir e habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância da decisão recorrida. Este entendimento tem sido a posição pacífica da jurisprudência (1).


2.2-Está em discussão para apreciação e em síntese:


A medida aplicada ao requerido no âmbito do MDE podia ou devia ser modificada nomeadamente por alteração, através da imposição do regime de OPHVE devendo o tribunal ter desde logo determinado as averiguações de exequibilidade para esse efeito?


2.3- A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL


2.3.1- No despacho inicial que fixou medidas de coação ao arguido ( TIR e prisão preventiva) foi considerado o seguinte:


A detenção do detido mostra-se válida por ter sido efectuada de acordo com os requisitos exigidos para esse efeito e constante da Lei 65/2003, de 23 de agosto. Esclarecida a existência e conteúdo do MDE pelo detido foi dito não prestar o seu consentimento na sua entrega à autoridade judiciária Checa.


Consigna-se, no entanto, que o detido renunciou ao principio da especialidade, caso essa entrega venha a efectivar-se. O detido deverá manter-se detido à ordem dos presentes autos até decisão sobre a execução do MDE, sem prejuízo, sendo caso disso, da aplicação de medida de coacção, nos termos do artº 30, nº1 da Lei 65/2003, de 23.08.


Concede-se ao detido o prazo requerido de 10 dias para deduzir oposição e apresentar meios de prova atinentes.”


Por sua vez, o MPº tomara a seguinte posição:


“Por economia de meios e a imprimir ao processado a necessária celeridade, dão-se aqui por integralmente reproduzidos:


- O conteúdo fáctico, cartular e normativo-qualificativo operado pelo mandado de detenção europeu – M.D.E..


- Os factos, acontecimentos e ocorrências, bem como, a parte narrativa e descrita das diligências efectuadas pela Policia Judiciária – P.J..


Ora, sendo estes os factos, perante eles e com base neles, pode-se seguramente afirmar que com o esforço institucional e funcional desenvolvido pelas autoridades policiais portuguesas e diligencias praticadas pela Policia Judiciária – P.J., emerge do processado, de forma patente e ostensiva, creio, o perigo de fuga por parte do requerido, que poderá assim ausentar-se para local incerto e fugir à acção da justiça, frustando assim as finalidades e objectivos que estiveram na base e serviram de motivo propulsor ou odeia motriz à cooperação internacional entre os Estados membros no âmbito da União Europeia – U.E..


Face aos factos sumariamente descritos, o requerido terá actuado com dolo directo na prática dos crimes pelo que foi condenado, a forma mais intensa ou patamar mais grave da vontade criminosa.


Sabe igualmente o arguido que os factos si praticados são objecto de acentuada e especial censurabilidade pelo cidadão comum ou generalidade das pessoas e representam a negação de valores jurídicos e comunitários ínsitos ao convir em qualquer sociedade civilizada integrante de todos os países da União Europeia – U.E., que o crime de trafico de estupefacientes suscita.


Considerando ainda o alarme social provocado por este tipo de condutas ligadas à transacção de droga, que é transversal a todos os Estados membros, designadamente ao Estado de emissão, quer em Portugal, e aos valores que se pretende proteger, exige-se, creio, a adopção célere e aplicação urgente de medidas que, quer a nível da prevenção, quer ao nível da repressão cautelar, acautelem o objectivo de diluir o impacto deste fenómeno social no âmbito comunitário da U.E..


Assim, salvo melhor entendimento ou opinião, do quadro de valores penalmente tutelado infere-se a conveniência e imposição legal de que o requerido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito a medidas de coacção suficientes e adequadamente gravosas ou intrusivas, adiante promovidas, face à manifesta inadequação, virtual inoperacionalidade e insuficiência do simples Termo de Identidade e Residência – cfr. artigo 196.º n.º 1 do Código de Processo Penal.


Por outro lado, sem pretender quebrar o devido respeito por opinião contrária, e que é muito, salta aos olhos vistos, que o arguido deverá ser sujeito a um conjunto de medidas de coacção de carácter detentivo ou institucionalizado, sob pena de se votar ao completo insucesso a execução efectiva do presente mandado de detenção europeu – M.D.E.


É assim sério e superlativo o perigo de fuga caso seja restituído à liberdade com a aplicação alternativa de qualquer outra medida de coação não detentiva prevista no catálogo fechado do Código de Processo Penal – C.P.P., o que é potenciado por um dos princípios estruturantes e caracterizadores da União Europeia – U.E., como a livre circulação de pessoas e bens e a abolição das fronteiras físicas terrestres.


Por outro lado, o significado e valoração das medidas de coacção em sede e na seara normativa de mandado de detenção europeu – M.D.E. adquirem uma outra tonalidade e coloração axiológica. Com efeito, uma das chaves de leitura do sistema de cooperação judiciária internacional acordado entre os Estados membros, impõe inexoravelmente, pela sua lógica intrínseca, que as necessidades cautelares de prevenir o perigo de fuga terão de ser elevadas ao seu expoente máximo compatível com a defesa intransigente e não timorata dos direitos fundamentais do requerido, sob pena de se estar a defraudar as finalidades e objectivos que se pretendem alcançar com o mandado de detenção europeu –


M.D.E.


Assim, a interpretação hermenêutica e casuística das exigências ou dos requisitos processuais para a aplicação de qualquer medida de coacção em sede de mandado de detenção europeu – M.D.E. terão de ter em atenção estas especificidades e particularidades, sob pena de se esvaziar a utilidade operativa deste instrumento legal através de uma insuportável weimerização e amolecimento da força cogente das normas legais pertinentes. Na verdade, neste areópago processual, a necessidade de manutenção da detenção não é apenas instrumental ou acessória para as finalidades do instituto, mas apresenta-se como genuinamente essencial e indispensável para a execução efectiva do mandado de detenção europeu – M.D.E. que os Estados membros se vincularam jurídica e reciprocamente a observar sob o principio reitor do reconhecimento mutuo das decisões judiciárias de cada um deles e da eficácia extraterritorial que lhes anda inexoravelmente associada. Desta forma, será legitimo concluir que no caso concreto em apreciação, a opção decisória que eventualmente acolhesse um regime coactivo amolecido e sem o vigor ou robustez cautelar que naturalmente se impõe pela virtual aplicação de medidas de coacção de caracter não detentivo ou institucionalizado, tornaria praticamente inexequível e numa miragem evanescente o êxito do presente mandado de detenção europeu – M.D.E., com o inadmissível defraudamento das expectativas jurídicas do Estado emitente e da ordem publica internacional da União Europeia – U.E..


Assim, atenta a prova reunida nos autos, à acentuada gravidade objectiva dos factos, ao alarme social deles decorrente e intranquilidade publica provocada, aos pressupostos cautelares que o caso requer, às necessidades básicas e preliminares de estabilização das expectativas comunitárias na validade das normas penais violadas e das necessidades primárias de prevenção geral positiva ou de integração e às exigências imediatas de prevenção especial de neutralização ou de segurança, atendendo que, ab initio, não se encontrar definitivamente afastada a probabilidade de repetição de comportamentos semelhantes em Portugal, verificando-se ainda no caso concreto os pressupostos tipificadores da necessidade de aplicação de medidas cautelares, nos legais termos do artigo 204.º do Código de Processo Penal, mostrando-se ainda insuficientes ou inadequadas as medidas não detentivas ou institucionalizadas, na convocação da citada disposição legal em articulação com a disciplina contida no preceituado dos artigos 191.º, 194.º e 202.º do mesmo compêndio legislativo, salvo melhor entendimento ou opinião, afigura-se-me, que se deverá sujeitar o requerido a prisão preventiva extradicional a cumular, com as injunções decorrentes do termo de identidade e residência (cfr. artigos 191.º e 196.º do mesmo livro de leis), já prestado, regime coactivo este, que se têm por conjuntamente adequado, proporcional (proibição do excesso – artigo 18.º da Constituição Política da Republica Portuguesa) e eficaz, o que se promove.


Caso assim se não entenda, que o requerido permaneça detido à ordem dos presentes autos nos termos do art.º 30.º n.º 1 da Lei do MDE. 2


Mais promovo:


a) Se extraia certidão de todo o processado e se a remeta à Procuradoria-Geral da República – P.G.R.


Uma vez que do mandado de detenção europeu – M.D.E. tem por finalidade o cumprimento de uma pena de prisão e não se encontrando ainda junto aos autos o formulário traduzido para a língua portuguesa, ao abrigo do disposto no artigo 12.º - A do Regime Jurídico ou Organização Quadro do mandado de detenção europeu aprovado pela Lei n.º 65/2003 de 23/08/2003 publicada no Diário da República n.º 194/2003, Serie I – A, em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI do Conselho de 13 de junho afigura-se-me que se deve oficiar o Estado emitente no sentido de esclarecer, com urgência:


a) Se o requerido foi notificado pessoalmente da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto e de que podia ser proferida uma decisão mesmo não estando presente no julgamento; ou


b) Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor por si designado ou pelo Estado para a sua defesa e foi efetivamente representado por esse defensor no julgamento; ou


c) Depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo de novas provas, que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, declarou expressamente que não contestava a decisão ou não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável; ou


d) Não foi notificada pessoalmente da decisão, mas na sequência da sua entrega ao Estado de emissão é expressamente informada de imediato do direito que lhe assiste a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo apreciação de novas provas, que podem conduzir a uma decisão distinta da inicial, bem como dos respetivos prazos.


O que também se promove”


-


A defesa do requerido, por seu lado, convocara a atenção do tribunal para a seguinte perspectiva:


“Nos termos do artº 18º, nº3 da Lei 65/2003, bem como no nº1 artº 30, vem o requerido dar nota do seguinte sobre a aplicação da prisão preventiva.


O requerido deu nota ao aqui mandatário, no dia de ontem, que sobre de perturbação cognitiva Alzeimer, desde 2016 e nos vários relatórios que foram entregues ontem, é manifesto e claro que o mesmo é acompanhado por médico aqui em Portugal, com consultas frequentes cujo relatório mais recente refere um real declínio da memória da função executiva, nomeadamente das funções do dia a dia, com clara incapacidade para gerir as tarefas mais básicas. É também diabético, insulino dependente, administrando insulina várias vezes ao dia e, por último, sofre de doença intestinal severa e grave. Pelas sobreditas doenças necessita o requerido de tomar enúmeros comprimidos por dia e fundamentalmente carece de supervisão para vestuario e cuidados pessoais e de higiene, conforme relatórios que prontamente se requer a V. Exa. e se pede que sejam entregues como base factual do presente documento.


Neste termos, tendo por base os principios da proporcionalidade, necessidade e subsidariedade do artº 193 do C. P. Penal , bem como a concordância com o requerimento precedente do Exmo. Ministério Público, vem requerer a V Exa, ao abrigo do artº 30, nº 3 da lei 65/2003, lhe seja substituida a medida de coacção para obrigação de permanência na habitação com meios técnicos de controlo à distancia, porquanto se afiguram acauteladas as exigências cautelares que o caso requer, bem como ao requerido poderem ser prestados os cuidados que este necessita.


Novamente o Exmo Procurador-Geral Adjunto, no uso da palavra , disse então:


“Nada a tem opor a junção dos documentos agora apresentados pelo detido, prescindindo de


prazo para exame.”


**


Seguidamente, pelo Excelentíssimo Juiz Desembargador Relator foi proferido o seguinte despacho:


“Atenta a sua pertinência probatória, examinados e rubricados, admite-se a junção aos autos dos documentos agora apresentados pelo requerido.


Novamente o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no uso da palavra, disse:


Face aos factos alegados pelo arguido, que agora tivemos conhecimento, sou sensível aos mesmos agora apresentados, razão pela qual quer o mesmo fique detido ao abrigo do artº 30, nº 1 da Lei do Mandado de Detenção Europeu, quer da medida de coação promovida, a subsistência pessoal e medicamentosa deverá ser devidamente acautelada pelos serviços prisionais. O requerido também arguiu um conjunto de factos que eram do nosso total desconhecimento, razão pela qual os mesmos precisam de ser esclarecidos.


Até agora podemos dizer que não passarão de meras alegações e que precisam da necessária confirmação nessa conformidade, até porque se ignora se a casa em que vive o arguido possa ser objecto de vigilância eletrónica. Deve-se oficiar a Segurança Social para que, com a maior brevidade possível, efectue a necessária avaliação pessoal e familiar do requerido, constituindo-se os factos a apurar uma base factual mínima que permita conhecer da medida coacção requerida pelo requerente.”


Por fim , o Exmº Sr Juiz Desembargador determinou:


“Abra conclusão nos autos a fim de conhecer da requerida substituição da detenção em que o arguido se encontra pelas medidas de coacção requeridas pelo Ministério Público (prisão preventiva) ou pelo detido (OPHVE)”


E foi então proferido no dia seguinte o despacho ora recorrido e já supra transcrito.


2.3.2- No quadro legislativo fundamental que este caso de MDE suscita, a Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho é a referência de nota:


“O artigo 12.º dispõe que – (Manutenção da pessoa em detenção)


“Quando uma pessoa for detida com base num mandado de detenção europeu, a autoridade judiciária de execução decide se deve mantê-la em detenção em conformidade com o direito do Estado-Membro de execução. A libertação provisória é possível a qualquer momento de acordo com o direito nacional do Estado-Membro de execução, na condição de a autoridade competente deste Estado-Membro tomar todas as medidas que considerar necessárias a fim de evitar a fuga da pessoa procurada.”


Por sua vez, o quadro legal interno que implementou aquela DQ, através do DL 65/03 (doravante Lei de MDE) no seu artº 18, nº3 dispõe, a propósito:


“(…) 2- O juiz relator procede à audição do detido, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, e decide sobre a validade e manutenção desta, podendo aplicar-lhe medida de coacção prevista no Código de Processo Penal.”


A temática da natureza e latitude de aplicação de medidas de coação e sua substituição no âmbito do MDE bem como o grau e poderes de intervenção nesse âmbito por parte da autoridade judiciária de execução não é caso novel e tem sido tema de alguma relevante abordagem3, sobretudo jurisprudencial. Sublinhando aqui as linhas de argumentação e análise que temos por mais adequadas e relevantes, recordamos por exemplo, a feita no Ac do TRE de 18.8.2027 no procº 120/17.2YREVR (em que foi então relator António Latas, actualmente, juiz conselheiro nesta 5ª Secção criminal do STJ)4:


“É, pois, admissível o pedido de substituição da detenção mantida por despacho judicial aquando da audição do detido (art. 18º da Lei 65/2003), (…) uma vez que (…) o art. 18º atribui competência para decidir da manutenção da detenção ou a sua substituição por medida de coação.


Os pressupostos da substituição da detenção por medida de coação são os que resultam da especial natureza, finalidade e regime do MDE, com especial destaque para a condição imposta ao Estado de execução pelo art. 12º da Decisão-Quadro MDE de tomar todas as medidas que considerar necessárias a fim de evitar a fuga da pessoa procurada ao libertar provisoriamente o detido, que é conforme com o dever geral previsto no art. 17º nº 5 da citada Decisão-quadro, cujo teor é o seguinte:


- “5. Enquanto não for tomada uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária de execução, o Estado-Membro de execução deve zelar por que continuem a estar reunidas as condições materiais necessárias para uma entrega efectiva da pessoa.”


E, citando ali:


“Conforme se diz no Ac STJ de 02-02-2005, relator, Henriques Gaspar, « I - A possibilidade de aplicação de medida de coacção de entre as previstas no CPP prevista no art. 18.º, n.º 3, da Lei 65/03, de 23-08, pressupõe um juízo que, embora autónomo na competência da autoridade de execução do mandado de detenção europeu, não pode deixar de estar mutuamente intercondicionado pela natureza do mandado e pelos fundamentos que determinaram a sua emissão - para procedimento penal ou para execução de uma pena após a condenação no Estado da emissão (…) II - E o procedimento de execução do mandado tem de decorrer de modo a que o Estado da execução possa entregar a pessoa procurada, e detida, ao Estado da emissão; para tanto, a entidade de execução deve acautelar o cumprimento efectivo de tal obrigação. (….)».


Ou ainda:


“Também no acórdão do STJ de 9-08-2013 (parcialmente transcrito do site da PGD de Lisboa) se diz que:


“ (…) III. A detenção, para efeitos de MDE (…) como categoria jurídico-processual autónoma, de âmbito internacional para efeitos de extradição, não equivale, não tem a mesma natureza, fundamento e finalidade que a figura da detenção em processo penal português e não corresponde à medida de coacção prisão preventiva. IV. A detenção, para efeitos de execução de MDE, é menos exigente quanto aos requisitos que a prisão preventiva, até pelos prazos mais curtos previstos no art. 30.º da Lei 65/2003, de 23-08. A sua aplicação é de aferir nas circunstâncias objectivas em que o mandado foi emitido, o qual pressupõe o perigo de fuga da pessoa visada, desde logo em face da gravidade do crime, e da sua naturalidade e residência”.
Concluindo que:


“(…) Resulta, pois, das disposições normativas e da jurisprudência, citadas, que não estamos perante verdadeiras medidas de coação mas antes perante medidas especificamente destinadas a assegurar a detenção e entrega de pessoa, determinada por uma autoridade judiciária de outro Estado, donde pode afirmar-se que o risco de fuga do detido constitui o fundamento específico da detenção ou outra medida cautelar que a substitua, pelo que o tribunal de execução apenas deve libertar provisoriamente o detido quando puder concluir que medida de coação prevista no CPP português menos gravosa que a detenção é adequada e suficiente para prevenir aquele mesmo risco, em conformidade com a regra estabelecida no artigo 12.º da Decisão-Quadro MDE.”


E, também, com acerto:


“ Ora, embora a Lei 65/2003 não se refira expressamente à modificação da situação cautelar do detido em momento posterior à sua audição preliminar (art. 18º), a admissibilidade da pretendida modificação resulta do artigo 12º da Decisão Quadro MDE, segundo o qual “ … A libertação provisória é possível a qualquer momento de acordo com o direito nacional do Estado-Membro de execução, na condição de a autoridade competente deste Estado-Membro tomar todas as medidas que considerar necessárias a fim de evitar a fuga da pessoa procurada”. Para além disso, sempre é o que resulta da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal ao processo de execução do mandado de detenção europeu (art. 34.º da Lei 65/2003), pois a revogação e substituição das medidas de coação encontra-se prevista no art. 212º do CPP.”
Assim, dito isto:


O certo é que as exigências de acautelamento das garantias de efectiva entrega são elevadas sobretudo estando em causa um processo de celeridade evidente, dados os curtos prazos definidos em lei e a própria gravidade do crime em causa, cuja pena por cumprir se revela já impressivamente elevada.


Como bem o salientou, relembramos esta exigência como foi aludido, por exemplo, no Acórdão do STJ de 02-02-2005 : ( Pires Salpico)


“ (…) Estando em causa a execução de um mandado para cumprimento do remanescente de uma pena de 10 anos de prisão por crime de tráfico de estupefacientes (8 anos, 8 meses e 6 dias), tendo por referência essencial os motivos e a finalidade que determinou a emissão do mandado, apenas a manutenção da detenção durante o período (curto - 60 dias - previsto no art. 26.º, n.º 2, da Lei n.º 65/03) para a decisão sobre a execução permite assegurar, segura e eficazmente, o cumprimento das obrigações do Estado Português como Estado da execução, quer pela entrega da pessoa procurada e detida (que pressupõe a apreensão física), quer nas situações do art. 12.º, n.º 2, al. g), do referido diploma, e, se for o caso, para o cumprimento da pena em Portugal (…)”


Também com maior actualidade e dentro da temática em causa, salientamos em concordância, o decidido também no AC STJ de 28-03-2018 [Proc. n.º 37/18.3YREVR-A.S1 - 3.ª Secção Lopes da Mota (relator) ]:


- Diversamente do que sucede com a extradição, a privação da liberdade com base e em execução de um MDE é determinada por decisão de uma autoridade judiciária de outro Estado-Membro, devendo, em rigor, a pessoa ser considerada detida à ordem dessa autoridade (“autoridade de emissão” do MDE), sob controlo da autoridade judiciária de execução, que deve evitar a fuga da pessoa detida e garantir a sua entrega, na verificação da inexistência de motivos de não execução.


- Validada a detenção efectuada por entidade policial, deve, em princípio, ser a detenção mantida (art.º 18.º, n.º 3, da LMDE) para assegurar a realização da finalidade deste, que é a entrega da pessoa procurada à autoridade judiciária de emissão, sem prejuízo de a pessoa poder ser provisoriamente libertada e sujeita a medida de coacção não detentiva, desde que se mostrem asseguradas as condições materiais necessárias para a entrega efectiva da pessoa procurada enquanto não for tomada uma decisão definitiva sobre a execução do MDE.


- A lógica do regime do MDE requer que a avaliação do perigo de fuga deva ser efectuada pela autoridade de emissão, que ordena a detenção, em função de critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, que se lhe impõem por força de equivalente sistema de protecção de direitos fundamentais (Convenção de protecção dos direitos humanos, do Conselho da Europa, e CDFUE, vigentes no Estado de emissão) que constituem a base da confiança mútua em que assenta, tendo ainda em conta a possibilidade de recurso a medidas alternativas à prisão preventiva (Decisão-Quadro 2009/829/JAI do Conselho, de 23-10-2009, transposta para o direito interno pela Lei n.º 36/2015, de 04-05).


(…) A possibilidade de substituição da detenção por uma medida de coacção não detentiva emerge como “válvula de segurança” do funcionamento do sistema de protecção de direitos fundamentais nas relações entre os Estados-Membros, que permite a “libertação provisória” sempre que se mostre assegurada a entrega da pessoa, como finalidade do MDE, que a detenção visa realizar.


Desta perspectiva, dado o regime próprio da detenção em execução do MDE, justificado pelas suas finalidades, a apreciação que se impõe à autoridade de execução não diz respeito à verificação do perigo de fuga para determinar a manutenção da detenção, mas antes à verificação de condições que permitam assegurar a realização da finalidade da detenção (a entrega), por meios menos restritivos do direito à liberdade.


- No momento em que foi proferido o despacho recorrido, o tribunal não dispunha, nem se lhe impunha que então dispusesse, de qualquer elemento relevante que pudesse justificar, por excepção à regra de manutenção da detenção, a “colocação provisória” do recorrente em liberdade, mediante a aplicação de medida de coacção não detentiva, por permitir concluir, com a segurança devida, que se encontravam asseguradas as condições materiais para efectivação da entrega. O que, no respeito pelos princípios, não invalida, antes exige, dado o carácter excepcional da privação da liberdade legalmente permitida, o reexame da situação sempre que devam ser considerados novos elementos, nomeadamente a requerimento do detido. (…)”


Acompanhando, também, a melhor síntese sobre a matéria encontrada no recentemente publicado documento da Comissão Europeia ” “Communication de la Commission manuel concernant l'émission et l'exécution d'un mandat d’arrêt européen,”, Bruxelas, 17.11.2023 C(2023) 7782 final, in file:///C:/ C_2023_7782_1_FR_ACT_part1_v4.pdf -Manual do MDE editado pela Comissão Europeia (DG Justice, 17.11.2023), que, substituindo a versão de 2017 (publicada no Jornal Oficial), recolhe a experiência de cerca de 20 anos na aplicação deste instrumento de cooperação judiciária e refletindo a jurisprudência do TJUE produzida ao longo dessas duas décadas, caberá aqui referir, em tradução livre do texto em Francês:


“Quanto à manutenção em detenção da pessoa procurada no Estado-Membro de execução a autoridade judiciária de execução deve decidir se a continua ou opta pela libertação, enquanto se aguarda a decisão sobre a execução do MDE. Consequentemente, a detenção não é necessariamente exigida e a libertação provisória é possível a qualquer momento, em conformidade com o direito interno do Estado-Membro de execução (artigo 12.º da Decisão-Quadro MDE).


Quando a pessoa não é mantida detida, a autoridade competente do Estado-Membro de execução é, no entanto, obrigada a tomar todas as medidas que considere necessárias para impedir a fuga da pessoa procurada (artigo 12.º da decisão-quadro relativa ao MDE)- cfr ainda o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 28 de julho de 2016, JZ, C-294/16 PPU, ECLI:EU:C:2016:610. 53)


Estas medidas poderão assumir a forma de uma proibição de viajar, de um requisito de registo regular ou de vigilância eletrónica.


No acórdão publicado no processo C-492/18, TC109, o Tribunal de Justiça decidiu que a decisão-quadro relativa ao MDE se opõe a uma disposição nacional que prevê uma obrigação geral e incondicional de libertar uma pessoa procurada e detida ao abrigo de um MDE o mais rapidamente desde que tenha decorrido um período de 90 dias desde a sua detenção, quando existe um risco muito grave de fuga e quando esse risco não pode ser reduzido a um nível aceitável através da imposição de medidas adequadas.


Por sua vez, no acórdão prolatado no processo C-237/15 PPU, Lanigan (Acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de julho de 2015- ECLI:EU:C:2015:474.) o Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:


"(...) Artigo 12.º da Decisão-Quadro, lido em conjugação com o artigo 17.º desta e à luz do artigo 6.º da Carta, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em tal situação, à manutenção da pessoa procurada em detenção, em conformidade com a legislação do Estado-Membro de execução, mesmo que a duração total do período de a detenção dessa pessoa ultrapasse esses prazos, desde que essa duração não seja excessiva tendo em conta as características do procedimento seguido no processo principal, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.


Se a autoridade judiciária de execução decidir pôr termo à detenção da referida pessoa, esta autoridade é obrigada a combinar a libertação provisória da referida pessoa com qualquer medida que considere necessária para impedir a sua fuga e garantir que sejam reunidas as condições materiais necessárias para a sua entrega efetiva permanecerá em vigor enquanto não for tomada uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu.»


A decisão de continuar a detenção deve, no entanto, ser tomada em conformidade com a legislação nacional e o artigo 6.º da Carta dos Direitos Fundamentais, que estabelece que todas as pessoas têm direito à liberdade e à segurança. Este artigo exige a existência de uma base jurídica que justifique esta detenção continuada e deve cumprir os requisitos de clareza, previsibilidade e acessibilidade, a fim de evitar qualquer risco de arbitrariedade.


No processo ...9.../18 de 12 fev de 2019- ECLI:EU:C:2019:108. 54, o Tribunal decidiu ainda o seguinte:


«O artigo 6.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que se opõe à jurisprudência nacional que permite a continuação da detenção da pessoa procurada para além deste período, (prazo de 90 dias), com base numa interpretação desta disposição nacional segundo a qual o referido prazo é suspenso quando a autoridade judiciária de execução decide suspender um pedido de decisão prejudicial, quer para aguardar a resposta a um pedido de decisão prejudicial apresentado por outra autoridade judiciária de execução, quer para adiar a decisão sobre a entrega com o fundamento de que poderia existir , no Estado-Membro de emissão, um risco real de condições de detenção desumanas ou degradantes, na medida em que esta jurisprudência não garante a conformidade da referida disposição nacional com a Decisão-Quadro 2002/584 e apresenta discrepâncias susceptíveis de resultar em diferentes durações de detenção.”


2.3.3- Feito este enquadramento geral e voltando de novo ao caso concreto que nos ocupa:


Como referido, foi decidido manter a detenção do detido aquando da sua audição nos termos do citado artª. 18º da Lei 65/03, mas pretende agora o recorrente- sem que, porém, haja posto em causa (neste recurso) os fundamentos formais e substanciais da emissão do MDE-, que se substitua, após averiguações que indica e concretiza, aquela, por medida de coação menos gravosa (OPHVE) em atenção a factos relativos, nomeadamente, à sua situação pessoal e familiar no nosso país, à diminuição ou esbatimento do risco de fuga e ao seu estado clínico, e que só foi possível documentar ( em parte) logo na sequência da aplicação da medida ou , no restante pretendido, após determinação (que foi negada) de averiguações complementares (vg relatório social e adequação de condições habitacionais, etc)


De todo o modo, tendo em atenção o embasamento elucidativo do enquadramento anterior sob o âmbito de aplicação, avaliação e implementação de medidas de garantia para entrega efectiva no âmbito do MDE, e as circunstâncias existentes ou conhecidas à data da detenção e da aplicação da medida, agora contestada na pressuposição de aplicabilidade de uma alternativa ( OPHVE) , a forte exigência de garantia de entrega evitando a fuga do arguido, o certo é que o MDE foi emitido, valendo incontestavelmente o princípio do reconhecimento mútuo que subjaz à validade do mesmo.


Estamos perante um pedido de cooperação internacional de uma autoridade judicial de Estado Membro da EU (República Checa) para efeitos de cumprimento de remanescente de pena de carácter institucionalizada (prisão), pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível na Secção 282/1; 2C do Código Penal – C.P. Checo, que aplicou ao requerido a pena concreta de 12 anos de prisão efetiva, restando por cumprir a pena remanescente de 11 anos, 03 meses e 28 dias de prisão, pelo cometimento de factos que foram descritos no processo em curso de MDE.


Foi constatado em sede de aplicação da medida e na circunstância da apreciação do pedido de alteração que, além daquela infracção e da sua evidente gravidade, tendo em conta os dados disponíveis, havia fortes sinais de que o requerido , para evitar ser privado da liberdade à ordem daquele processo, após abandonar o Estado emissor do MDE em data não apurada, mas situada entre finais de 2021 e inícios de 2022, passou a residir na Espanha durante cerca de três semanas e após veio para Portugal, aqui residindo com a companheira BB na morada identificada no TIR, sita em ..., ....


Também foi anotado que foi emitida declaração clínica de CC, conforme documento junto pelo arguido que se deu por inteiramente reproduzido, nos termos da qual o mesmo padece de demência neurodegenerativa em estádio ligeiro/moderado, carecendo de cuidados, apoio e supervisão pessoais ali referidos e que , com data de 15.12.2021 foi emitido relatório médico, conforme documento junto pelo arguido também dado por inteiramente reproduzido, nos termos da qual o mesmo padece de défice cognitivo progressivo desde 2016, bem assim de diabetes, sob regime intensivo de insulina.


O arguido consentiu na sujeição a vigilância eletrónica no caso de lhe ser aplicada a obrigação de permanência na habitação mas à data desconhecia-se também em que condições ela poderia ser aplicada, se fosse de deferir ou viável.


Entendemos, prima facie, correcta, avisada e de bom senso a afirmação do tribunal a quo no sentido de que, com vista a assegurar a detenção e entrega de pessoa, determinada por uma autoridade judiciária de outro Estado, “o risco de fuga do detido constitui o fundamento específico da detenção ou outra medida cautelar que a substitua, pelo que o tribunal de execução apenas deve libertar provisoriamente o detido quando puder concluir que medida de coação prevista no CPP português menos gravosa que a detenção é adequada e suficiente para prevenir aquele mesmo risco, em conformidade com a regra estabelecida no artigo 12.º da Decisão-Quadro M.D.E”


Concluíu-se, porém, no caso dos autos, que essa substituição por OPHVE era insuficiente, não ficando acautelado aquele perigo de fuga em caso de violação da medida, facilmente possível e difícil de evitar a rápida localização do arguido, nomeadamente se apoiado por terceiros na fuga e , no entanto, que eram possíveis em meio prisional os cuidados clínicos necessários ao assegurar da estabilidade do seu estado de saúde, por isso que não se vislumbrava que a OPHVE pudesse servir de tutela de urgência neste processo para conservar a situação atual de garantia de cumprimento do MDE .


Foi salientado por ocasião da circunstância da aplicação da prisão preventiva, aliás com alguma concordância do próprio MPº que “ (…)o requerido também arguiu um conjunto de factos que eram do nosso total desconhecimento, razão pela qual os mesmos precisam de ser esclarecidos. Até agora podemos dizer que não passarão de meras alegações e que precisam da necessária confirmação nessa conformidade, até porque se ignora se a casa em que vive o arguido (…)


O requerido deu nota ao mandatário(…) que sobre de perturbação cognitiva Alzheimer, desde 2016 e nos vários relatórios que foram entregues ontem, é manifesto e claro que o mesmo é acompanhado por médico aqui em Portugal, com consultas frequentes cujo relatório mais recente refere um real declínio da memória da função executiva, nomeadamente das funções do dia a dia, com clara incapacidade para gerir as tarefas mais básicas. É também diabético, insulino dependente, administrando insulina várias vezes ao dia e, por último, sofre de doença intestinal severa e grave. Pelas sobreditas doenças necessita o requerido de tomar inúmeros comprimidos por dia e fundamentalmente carece de supervisão para vestuário e cuidados pessoais e de higiene, conforme relatórios que prontamente requer e se pede que sejam entregues como base factual do presente documento(…)”


Contrapôs-se a esta narrativa a grande mobilidade do arguido, pretendendo furtar-se à acção da justiça. Ele mesmo, no recurso, admite a sua facilidade em viajar (Espanha, Maldivas)


O Recorrente relatou, conforme consta das declarações prestadas, em sede de interrogatório judicial, que escolheu Portugal para viver, com o seu agregado familiar, estando plenamente integrado na sociedade portuguesa e entende que , ao que parece, não estão esgotados todos os meios processuais de defesa, nomeadamente a possibilidade de ainda recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional Checo, cfr. parecer/informação do Ilustre Advogado do Requerido na República Checa, que juntou.


Entendendo-se que a prioridade do tribunal a quo é evitar o perigo de fuga, propôs o recorrente que fosse efectuada averiguação das condições de vida, para eventual aplicação da medida de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica.


Quanto às vicissitudes processuais, a matéria substancial da exequibilidade do MDE seria ou será de apurar no desenvolvimento do processo de entrega ou execução respectivo e sobretudo com a cooperação informativa também com as autoridades checas, no desenvolvimento do plano da oposição à execução e até decisão final pelo Tribunal da Relação, podendo a sua eventual veracidade determinar ou não a inexecução do mandado, porventura até por poder não estar transitada a decisão que subjaz ao pedido de entrega mas, in vero, não é na presente fase recursiva de avaliação das medidas de detenção elemento disponível nos autos.


Já a averiguação das condições de vida, estabilidade de residência em Portugal, possibilidade de eventual cumprimento de pena e melhor acompanhamento médico domiciliário não se afiguram em si uma inutilidade para uma possível base de aplicação de medida menos institucional como a pretendida OPHVE.


O certo é que, mesmo a ser verdade o que alega o arguido na sua motivação de recurso, à data da aplicação da prisão preventiva e dados os evidentes fortes sinais de receio de fuga, o tribunal, perante a natureza do MDE e não deixando de pertencer ao estado emissor grande parte da fundamentação originária desse receio, por isso que emitiu o pedido de captura internacional, tais afirmações do requerente carecem de comprovação e análise e justificarão os pedidos de relatórios suscitados.


Não se confere por agora uma comprovada possibilidade de aplicação da pretendida medida de OPHVE mas aceita-se que o Tribunal da Relação devesse e deva determinar as medidas complementares de averiguação suscitadas e, nomeadamente, a elaboração de relatório social, bem como, após análise dos resultados obtidos, se determine então se existem ou não condições para a sua aplicação.


Nestes termos, e com essa “nuance”, procede em parte o recurso, mantendo-se o requerido em prisão preventiva mas sem prejuízo das averiguações requeridas, não obstante as apertadas restrições dos curtos prazos em curso, tendo em vista a possibilidade de uma futura, se viável ou exequível, aplicação de OPHVE com efectiva garantia de se evitar adequadamente eventual perigo de fuga e a inexequibilidade do MDE por via dessa possibilidade de ocorrência.


II- DECISÃO


3.1 - Pelo exposto, julga-se o recurso provido parcialmente nos termos supra descritos, mantendo-se o requerido em prisão preventiva mas sem prejuízo das averiguações requeridas, tendo em vista a possibilidade de uma futura, se viável ou exequível, aplicação de OPHVE com efectiva garantia de se evitar adequadamente eventual perigo de fuga e a inexequibilidade do MDE por via dessa possibilidade de ocorrência.

Lisboa, STJ, 23 de Novembro de 2023

Os Juízes Conselheiros

(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator e assinado pelos restantes Exmºs Conselheiros adjuntos– (artº 94º do CPP)

Agostinho Torres- (relator)

Albertina Pereira- (adjunta)

João Rato (adjunto)




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1. vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95↩︎

2. O nº1 do artº 30º da LMDE ( L 65/03) dispõe que:

“ 1 - A detenção da pessoa procurada cessa quando, desde o seu início, tiverem decorrido 60 dias sem que seja proferida pelo tribunal da relação decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu, podendo ser substituída por medida de coacção prevista no Código de Processo Penal.↩︎

3. Com interesse na dogmática, vide Valente, Manuel Guedes Monteiro, in Do Mandado de Detenção Europeu, pags 174 , 210 a 212, Ed Almedina, 2006.↩︎

4. Consultável na página da DGSI: http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/502ead78fab13953802581990035431a?OpenDocument↩︎