LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário


Não cabe recurso do acórdão do STJ que tenha decidido em 1ª instância condenar uma das partes como litigante de má-fé.

Texto Integral



Processo 2930/18.4T8BRG.G1.S2-A


Recurso para Uniformização de Jurisprudência


Recorrente: PAINEL 2000 – SOCIEDADE INDUSTRIAL DE PAINÉIS, SA


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


Proferido o acórdão que deliberou indeferir o pedido de reforma do anterior acórdão, e condenar a Ré- Recorrente, como litigante de má-fé, na multa de 10 UC, bem como em taxa sancionatória excepcional, veio a mesma, argumentando que “é sempre admitido recurso em um grau da decisão que condene por litigância de má-fé”, interpor “recurso, para o pleno da secção (53º,b), da LOSJ) ou, atendendo tratar-se de uma secção inteiramente composta pela mesma formação recorrida, para o plenário (52º,B),da LOSJ)”


A parte contrária não respondeu.


x


Cumpre decidir.


Não são admissíveis quer o recurso para o pleno quer para o plenário, pretendidos pela Ré.


Segue-se, aqui com as devidas adaptações e por merecer a nossa inteira concordância, a argumentação expendida no Ac. deste STJ de 5/11/2019, proc. 2167/10.0YYPRT-A.L1.S1, in www.dgsi.pt.


Diz o n.º 3 do artº 542º do CPC o seguinte:


3 — Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé”.


Da leitura do preceito parece deduzir-se existir sempre uma forma recursória para reagir contra uma condenação como litigante de má-fé, mesmo que a condenação tenha sido proferida por um tribunal superior, de última instância, não existindo na hierarquia dos tribunais nenhum que se lhe sobreponha.


Contudo, tal norma não pode assim ser interpretada. É que o legislador não instituiu nenhum mecanismo, nem nenhum tribunal acima do STJ para o qual se possa recorrer, como sucede com as decisões da 1ª instância e dos Tribunais da Relação. Nem mesmo na organização interna do STJ foi criada qualquer via de recurso da conferência de uma secção para o pleno das secções. Nem mesmo o Tribunal Constitucional se pode afirmar ser um tribunal de recurso das decisões do STJ, uma vez que lhe está cometida apenas o controlo da constitucionalidade das leis e não das decisões judiciais.


E não há que argumentar com o disposto no artº 53.º, al. b), da LOFTJ, já que a decisão em causa não é uma “decisão de primeira instância”, para efeitos de tal disposição, que se aplica, por exemplo, a decisões instrutórias ou julgamentos criminais relativos a juízes dos tribunais superiores.


Quer isto dizer que, em caso de condenação por litigância de má-fé proferida pela primeira vez pelo STJ, não há recurso da decisão.


A solução indicada já foi expressamente apreciada na jurisprudência portuguesa, nomeadamente no STA, nas seguintes decisões, todas disponíveis em www.dgsi.pt:


- Acórdão do STA de 15 de Março de 2001, recurso n.º 24 971 (processo 024971);


- Acórdão do STA de 23 de Junho de 1998, Recurso n.º 36 151 (processo 036151).


No acórdão primeiro citado disse-se (normas citadas – art.º 456.º, n.º3 do CPC - carecem de ser actualizadas, face ao actual CPC onde o preceito correspondente é o art.º 542.º, n.º3):


“6 — É do seguinte teor o despacho reclamado:


«Pretende a requerente de fl. 359 interpor recurso do acórdão do Tribunal Pleno que a condenou como litigante de má-fé, afirmando que será sempre admissível tal recurso por força do disposto no artigo 456.º, n.º 3, do C. P. Civil.


É certo que este normativo legal prescreve a existência do direito de recorrer duma decisão condenatória por litigância de má-fé. A verdade, porém, é que subjacente à expressão literal do citado artigo (456.º, n.º 3) está a ideia de que exista um órgão judiciário superior àquele em que a condenação foi proferida. A não ser assim interpretado o comando legal em causa, chegar-se-ia à conclusão que, por força da proclamação da existência do direito de recorrer, se teria de proceder à formação de um tribunal «ad hoc» para assegurar tal direito, quando a condenação ocorra no órgão judiciário de cúpula. Assim, p. ex., ainda no âmbito do processo civil, quando a instância nasce, se desenvolve e termina em última e única instância, ter-se-ia de admitir uma nova formação do tribunal ou a concepção de outro para apreciar o referido recurso.


(…)


Assim sendo, o fundamento legal que a recorrente invoca para exercer o seu direito de recorrer não prevê tal meio impugnatório senão quando haja formação superior à do tribunal recorrido com competência para apreciar o recurso. O Tribunal Plenário do STA não é constituído como órgão normal de hierarquia superior à do Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo e antes se destina apenas a conhecer dos recursos especificamente indicados no artigo 22.º do ETAF. Não nos restam dúvidas, pois, de que não é admissível recurso da decisão do Tribunal Pleno que condenou a recorrente como litigante de má-fé por o próprio artigo 456.º, n.º 3, do CPC o não prever, na interpretação que se perfilha. Não está em causa qualquer verificação de constitucionalidade do citado artigo 22.º do ETAF e muito menos com os artigos 13.º e 289.º, 34.º da CRP, pois não se vê em que tal artigo 22.º da Lei ordinária ofende o princípio da igualdade, ou negue, em processo criminal, qualquer garantia que o artigo 32.º da CRP proclame, pelo exposto não admito o recurso interposto no doutamente requerido a fl. 359. Notifique.»


(…)


Na verdade, com a nova redacção introduzida pela reforma de 1995/96 ao n.º 3 do artigo 456. do CPC, ao prescrever-se que: «Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé», o que o legislador teve em vista foi criar uma excepção à regra do n.º 1 do artigo 678.o do mesmo diploma legal, que só admite recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal.


Com aquela nova redacção veio-se a facultar sempre o recurso, em um grau, da decisão que condene como litigante de má-fé, independentemente do valor da causa e da sucumbência, assegurando- se, nesta sede, o integral respeito pela existência de um segundo grau de jurisdição, justificado pela relevância que a uma tal condenação, independentemente do montante da sanção cominada, sempre deverá atribuir-se.


Mas para que seja respeitado este duplo grau de jurisdição, como ressalta do despacho reclamado, é necessário que exista um órgão judiciário superior àquele em que a condenação foi proferida que tenha competência e possa apreciar tal recurso, o que se não verifica, in casu, visto que o Plenário deste STA não é constituído como órgão normal de hierarquia superior ao Pleno da Secção, apenas se destinando a conhecer dos recursos nos precisos termos do artigo 22.º do ETAF.


A tese defendida pela ora reclamante levaria ao absurdo — como também já o ressalta o despacho reclamado — de que se fosse admitido o recurso para o Plenário e este viesse, porventura, a condenar também em multa por litigância de má-fé, ter-se-ia de criar um novo Tribunal de hierarquia superior para julgar o recurso que de tal condenação viesse a ser interposto e assim sucessivamente, num nunca mais acabar.


A interpretar-se, assim, tal norma como é agora interpretada, diz a recorrente que tal interpretação viola o direito de acesso aos tribunais e o princípio da igualdade (artigos 20.º e 13.º da CRP).


Para que assim fosse, era necessário que a garantia do direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva consagrada no n.o1, traduzido no direito ao duplo grau de jurisdição.


Este direito, conforme escrevem os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, p. 164), apenas se encontra expressamente consagrado em matéria penal (artigo 32.º, n.º 1, da CRP) — e não são desta natureza as sanções processuais cominadas para ilícitos praticados no processo, cujo adequado desenvolvimento visam promover, isto é, com eles visa- se obter a cooperação dos particulares com os serviços judiciais e impor aos litigantes uma conduta que não prejudique a acção da justiça ou ainda assegurar o respeito pelos Tribunais (Ac. do TC n.º 315/92, Acórdãos TC, 23.º, 323)—e em relação às decisões judiciais que afectem direitos fundamentais mesmo fora do âmbito penal. Fora destes casos, o legislador dispõe de liberdade de conformação quanto à regulação dos requisitos e graus de recurso, embora não possa regulá-los de forma discriminatória, nem limitá-los de forma excessiva.
Nesta mesma linha de pensamento vão os Acórdãos do TC n.ºs 65/88, de 23.03.88 (in Acórdãos do TC, 11.º, pp. 653 e segs.), 209/90 (in Diário da República, 2.ª série, de 21.01.91) e 447/93 (in Diário da República, 2.ª série, de 23.04.94), para quem o direito de acesso aos tribunais do n.º1 do artigo 20.º da CRP apenas garantem duas linhas essenciais:


a) A tutela judicial mínima: a legislação ordinária terá de assegurar a todos, sem discriminações de ordem económica, a via judiciária correspondente a um grau de jurisdição;


b) Garante-se que, quando na legislação ordinária estiver prevista a defesa de direitos através de vários graus de jurisdição, a todos, sem prejuízo para os economicamente desfavorecidos, seja aberta a via judiciária efectiva.
Deste modo, o n.º 1 do artigo 20.º da CRP, imperativamente apenas garante um patamar de jurisdição, com excepção do direito de recorrer da decisão condenatória de natureza penal para outra instância e ainda em relação a decisões que afectem direitos fundamentais.


É nesta mesma linha argumentativa que se tem entendido que o artigo 103.º da LPTA, que considera determinadas decisões legalmente irrecorríveis, não está afectado de inconstitucionalidade. Não está, assim, o despacho reclamado, ao interpretar o artigo 22.º do ETAF nos termos restritivos em que o fez, inquinado de qualquer inconstitucionalidade derivada da violação dos artigos 20.º e 13.º da CRP, como pretende a ora reclamante.”


No mesmo sentido havia decidido o STA no segundo acórdão indicado, onde se lê o seguinte sumário:


“Não há lugar a recurso da condenação como litigante de má-fé se a decisão foi proferida em último grau de jurisdição como é o caso do acórdão do Pleno da 1ª Secção do STA não obstante o nº 3 do artigo 456º do Código de Processo Civil preceituar que “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé”, porquanto tal normativo apenas quis afastar de tal recurso o obstáculo das alçadas.”


E na fundamentação:


“A questão a decidir consiste em saber se o recorrente, condenado por acórdão do Pleno como litigante de má fé, pode interpor recurso de tal decisão, face ao disposto no no 3 do art. 456o do CPC, “ex vi” art. 1o da LPTA, segundo o qual “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé”. Simplesmente tal normativo deve entender-se “cum grano salis”, pois apenas pretendeu afastar de tal recurso o obstáculo das alçadas. Daí que, quando a decisão for proferida no último grau de jurisdição, é manifesto que não pode haver lugar a recurso, pois tudo se passa como se tal decisão colimasse o eventual julgamento das instâncias inferiores.”


Na jurisprudência do Tribunal Constitucional podem ainda indicar-se acórdãos mais recentes, que sufragam o entendimento indicado, na parte relativa à não inconstitucionalidade da falta de recurso – Ac. TC 302/05, de 8 Junho 2005; Ac. 174/2018, de 5 de Abril de 2018. Mas podem ainda citar-se, mais antigas decisões: Ac. 52/99 (MESSIAS BENTO), tendo o tribunal reiterado que “nada tem de chocante o facto de um tribunal (no caso o próprio TC) intervir simultaneamente em 1ª e última instância, i.e., sem possibilidade de recurso”.


No caso dos autos a situação é equivalente à que foi analisada pelo STA e pelo TC, valendo os argumentos apresentados, que aqui se dão por reproduzidos.


E os mesmos valem também para a não admissibilidade de recurso da decisão que condenou em taxa sancionatória excepcional.

x
Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em não se admitir o recurso, quer para o pleno quer para o plenário.


Custas do incidente pela Recorrente (3 UC).


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Notifique-se o presente acórdão pessoalmente às partes.


Lisboa, 23/11/2023


Ramalho Pinto (Relator)


Domingos Morais


Mário Belo Morgado





Sumário (elaborado pelo Relator).