I- As nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como este Supremo Tribunal tem reiteradamente declarado
II- Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º, do CPC], questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o ... não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma).
III- Assim, a nulidade por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d)], sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer “questões temáticas centrais”, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções; e, reciprocamente, o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conheça de matéria diversa desta.
IV- A oposição entre os fundamentos e a decisão consiste numa contradição intrínseca da decisão, qual seja a de os fundamentos invocados pelo tribunal, em si mesmo considerados, conduzirem, em termos logicamente inequívocos, a uma conclusão oposta ou diferente da adotada.
V- A decisão é ambígua/obscura quando contém segmento(s) com sentido ininteligível ou ambíguo, prestando-se a leituras diversas.
Revista n.º 1097/18.2T8VNF.G1.S1
MBM/DM/JG
Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
I.
1. O A., AA, veio arguir a nulidade do acórdão proferido no âmbito do recurso de revista, invocando excesso e omissão de pronúncia, oposição entre os fundamentos e a decisão e ambiguidade.
Para tanto, em termos que não primam pela maior clareza, alega, fundamentalmente:
– A aceitação, pela Seguradora, na tentativa de conciliação do nexo de causalidade “entre o acidente e a lesão” reporta-se e tem subjacente a aceitação do resultado do exame médico efetuado pelo INML, não podendo, essa declaração de aceitação, ser apagada e interpretada à margem desse resultado.
– O acórdão padece de nulidade, por excesso de pronúncia, «pois defendeu que a aceitação do nexo causal “nada obsta que esse nexo não se verifique sobre outras lesões (anca) (…)”, quando na verdade, o que se referia era também à aceitação do nexo da lesão na região lombar […]».
– Por outro lado, o acórdão padece de nulidade por omissão de pronúncia “pois não fundamentou e analisou a questão do nexo causal estar aceite e consolidado nos autos”.
– A fundamentação do acórdão padece de oposição com a decisão e ambiguidade «pois refere “que a aceitação do nexo causal entre o acidente e determinadas lesões que o recorrente apresentava (na região lombar) (…) não interfere (…) lesões em discussão nos autos que provocaram IT e IPP (…)”, pois a incapacidade padecida pelo sinistrado foi fixada em razão do traumatismo padecido ao nível lombar que foi aceite na fase conciliatória dos autos […]».
2. A parte contrária não respondeu.
Cumpre decidir.
II.
3. Entre as causas de nulidades da sentença, enumeradas taxativamente no artigo 615.º, n.º 1, do CPC1, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 686).
Na verdade, como se sabe, as nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como este Supremo Tribunal tem reiteradamente declarado (v.g. Ac. do STJ de 10.12.2020, proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, 7.ª Secção).
Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º], questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3).
Vale dizer que o tribunal não tem o dever de responder a todos os argumentos, tal como não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes.
Assim, a nulidade por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d)], sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer “questões temáticas centrais”2, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções; e, reciprocamente, o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conheça de matéria diversa desta.
Especificamente em sede de recurso, o tribunal deve conhecer de todas e apenas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo(s) recorrente(s) – arts. 663.º, n.º 2, e 679º.
4. In casu, na parte que ora releva, a única questão a decidir consistia em aferir da (não) existência de ofensa de caso julgado “formal e material”, questão que se mostra cabalmente abordada no acórdão reclamado, que, no fundamental, assenta no seguinte raciocínio:
– Em sentido amplo, o conceito de caso julgado compreende três situações distintas: i) a exceção de caso julgado (material), essencialmente prevista e regulada nos arts. 577.º, alínea i), 580º, 581º, 595º, nº 3, 2ª parte, 619º e 621º, do CPC; ii) o caso julgado formal (art. 620º); iii) e a autoridade de caso julgado, que “tem a ver com a existência de prejudicialidade entre objetos processuais, tendo como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, como se depreende dos arts. 619.º e 621.º, ambos do CPC, e implica o acatamento da decisão proferida em ação anterior, cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa” (Ac. do STJ de 12.01.2021, Proc. nº 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1, 1ª Secção).
– A primeira e terceira situações pressupõem a repetição de uma causa, ao contrário do caso julgado formal, que opera “dentro do processo”.
– O caso julgado formal restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjetivo.
– Proferido despacho a fixar a matéria de facto considerada assente, e mesmo depois de decididas as reclamações contra ele eventualmente apresentadas, não se forma caso julgado formal sobre o mesmo, podendo os factos dados como assentes ser alterados pelo juiz do julgamento e/ou pelo juiz do tribunal de recurso.
– Os acidentes de trabalho suscitam um duplo nexo de causalidade.
– A aceitação pela seguradora do nexo causal existente entre o acidente e determinadas lesões que o recorrente apresentava (na região lombar), em nada obsta a que esse nexo não se verifique relativamente a outras lesões (na anca), tal como em nada interfere com a questão de saber quais das lesões em discussão nos autos provocaram a IT e IPP do autor, sendo certo que as lesões se distinguem das sequelas (que são o resultado das lesões) e não se confundem com estas.
5. No caso vertente, o acórdão reclamado circunscreveu-se, estritamente, ao objeto do processo: não conheceu de matéria não alegada pelas partes; e, reciprocamente, conheceu de todas as questões suscitadas nos autos, sendo irrelevante, para efeitos de omissão de pronúncia, que não tenha sido analisado algum argumento que o reclamante, no seu juízo valorativo, tenha por pertinente.
6. Quanto às invocadas contradição e ambiguidade, relembra-se que a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, c), consiste numa contradição intrínseca da decisão, qual seja a de os fundamentos (de facto e/ou de direito) invocados pelo tribunal (em si mesmo considerados) conduzirem, em termos logicamente inequívocos, a uma conclusão oposta ou diferente da adotada.
Assim, por exemplo, “quando, embora indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas, já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, verifica-se a apontada nulidade (Ac. do STJ de 30.11.2021, Proc. 760/19.5T8PVZ.P1.S1, 2.ª Secção).
In casu, não se vislumbra qualquer contradição desta natureza, nem qualquer segmento da decisão com sentido ininteligível ou ambíguo, passível de leituras diversas (ambiguidade/obscuridade), nunca sendo de mais reafirmar que a matéria das nulidades da sentença se situa em plano diverso do da problemática do erro na aplicação do direito, realidades que não se confundem.
7. Não se configurando qualquer das invocadas nulidades, improcede, manifestamente, o requerido, sendo certo que, “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa” (art. 613º, nº 1), pelo que a arguição de nulidades não pode ser usada como instrumento apenas dirigido à alteração do julgado.
III.
8. Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedentes as arguidas nulidades.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
Lisboa, 23 de Novembro de 2023
Mário Belo Morgado (Relator)
Domingos Morais
Júlio Manuel Vieira Gomes
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1. Como todas as demais disposições legais citadas sem menção em contrário↩︎
2. Nas palavras de Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, 2015, p. 371.↩︎