NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário


I- A omissão de pronúncia só é causa de nulidade da sentença/acórdão quando o Juiz não conhece questão que devia conhecer, e não quando apenas não tem em conta alguns dos argumentos aduzidos pela parte.

II- Nas causas de nulidades da sentença/acórdão, enumeradas no n.º 1 do artigo 615.º do Código Processo Civil, não se inclui o denominado erro de julgamento.

Texto Integral



Processo n.º 779/20.3T8VFR.P1.S1


Recurso revista


Relator: Conselheiro Domingos Morais


Adjuntos: Conselheiro Ramalho Pinto


Conselheiro Mário Belo Morgado


Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.Relatório


1. - AA intentou acção emergente de contrato individual de trabalho com processo declarativo comum, contra


Restaurante O Quim da Rampinha, Unipessoal, Lda., pedindo a condenação da Ré:


A) A pagar á Autora a quantia de € 35.331,91 a título de créditos salariais.


B) A pagar à Autora a quantia de € 20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.


C) A entregar as Contribuições à Segurança Social em falta desde junho de 2011.


2. – O Tribunal da 1.ª Instância decidiu:


“(J)ulgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:


a) - julgo improcedente a exceção da prescrição a que alude o artigo 337º, nº1, do CT.


b) - condeno a Ré a pagar à A. a quantia global ilíquida de €17.138,60 (dezassete mil, cento e trinta e oito euros e sessenta cêntimos), respeitante a créditos salariais dos anos de 2015 (neste apenas os devidos a título de férias e subsídio de férias), 2016, 2017 e 2018.


c) - condeno a Ré a pagar à A. A quantia ilíquida de €1.106,80 (mil, cento e seis euros e oitenta cêntimos), pelas diferenças salariais devidas, respeitantes aos anos de 2016, 2017 e 2018.


d) - condeno a Ré a pagar à A. quantia ilíquida de €415,20 (quatrocentos e quinze euros e quinze cêntimos), a título de formação obrigatória não ministrada pela R., desde setembro de 2018 a julho de 2020.


e) - Sobre tais quantias são devidos juros de mora, contados desde a data do respectivo vencimento e até integral e efectivo pagamento, à taxa legal de 4% (artºs. 804.º, 805.º/2/a) e 3, 806.º/1 e 2, todos do C. Civil).


f) - condeno a Ré a pagar à Autora, a quantia de €2.500 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros a contar do trânsito em julgado da presente decisão, até integral pagamento.


g) - No mais, absolver a Ré dos pedidos.”.


3. - O Tribunal da Relação acordou:


Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes:


i) Rejeitar parcialmente a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.


ii) Julgar improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto na parte admitida;


iii) Julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.”.


4. - A Ré interpôs recurso de revista, concluindo, em síntese:


a) O recorrente interpôs recurso da decisão proferida em primeira instância para o Tribunal da Relação do Porto, e por considerar que os factos, e o consequente enquadramento jurídico, na sua opinião eram distintos.


b) Apreciado tal recurso, no acórdão proferido, constata-se que foi rejeitada, parcialmente a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, julgou improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto na parte admitida, e julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.


c) O recorrente, entende que relativamente à impugnação sobre a matéria de facto, e concretamente, aos factos dados como provados em 7,8,10,11,13,14,27 e 28 da douta sentença, nos termos da respetiva motivação, no nosso entender, deveria motivar a pretendida alteração;


d) Contudo, o entendimento vertido no acórdão recorrido, apenas considerou que as conclusões apenas reuniam os necessários requisitos para apreciação relativamente aos factos dados como provados em 10) da douta sentença.


e) Nesse facto, o tribunal a quo deu como provado “10 - O trabalho prestado pela Autora para além das 4 horas diárias, não foi remunerado” e o Tribunal da Relação considerou “rejeitamos a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto a que se refere a conclusão V), ou seja, onde a recorrente expressou “discordar relativamente aos factos considerados provados nos nºs 7º,8º,10º,11º,13º,14º,27º e28º”, ou seja salvo melhor entendimento não apreciou as conclusões, mormente as relativas ao alegado quanto ao facto dado como provado em 10 da decisão (cfr alíneas v)w)x)y)z).


f) Crê-se, pois assim que existe uma nulidade, e ou omissão de pronúncia porquanto, tendo em conta a apreciação global do Tribunal quanto à matéria de facto, pois considera-se que do recurso apresentado o recorrente indicou e explicitou devidamente o que lhe era possível, e, pois, assim, não subsiste qualquer razão ou justificação processual para a não apreciação, e para uma correta aplicação do direito.


(…).


y) Face aos factos, trechos e provas carreadas pelo Recorrente, conclui-se que o Tribunal de 1.ª instância incorre numa errada apreciação da matéria de Direito;


z) O recurso da matéria de facto não visa a obtenção de um segundo julgamento sobre aquela matéria, sendo antes uma forma de obviar a eventuais erros, ou incorreções, cometidos na decisão recorrida;


aa) Do douto acórdão recorrido não se percebe a sua conclusão, e óbvio é que no entender da recorrente, existem erros ou incorreções que afetam a matéria de facto que foi impugnada, pois é incontroverso que a A. recorrida e as suas testemunhas que depuseram sobre a questão das retribuições para além do horário, são inequívocas em referir que no final do dia a A. recebia as horas de trabalho prestadas.


(…).


ff) O acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre questão de que era obrigado a conhecer, razão pela qual é nulo, nos termos dos arts. 608.º, n.º 2. e 615.º, n.º 1, alínea d), todos do CPC, violando igualmente os princípios da certeza e segurança jurídicas (emanações do princípio do Estado de Direito Democrático, artigo 2.º da CRP), o dever de fundamentação das decisões judiciais e o direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva na perspetiva do direito ao recurso, nos termos dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1, e o 205.º da CRP.


5. - O Sr. Desembargador relator proferiu, em 15 de junho de 2023, o seguinte despacho:


II. Pelo exposto decido:


i) Admitir o recurso de revista ordinária para o STJ, possível, tempestivo e dispondo a parte de legitimidade, delimitado à questão de saber se assiste razão à recorrente ao insurgir-se em razão desta Relação ter rejeitado parcialmente a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, ou seja, a linha de argumentação que se retira das conclusões a) a f).


ii) Previamente à subida dos autos ao STJ, cumprirá que esta Relação de pronuncie em conferência sobre a arguida nulidade do acórdão por alegada omissão de pronúncia.”. (negrito e sublinhado nossos).


6. - Deste despacho, a Ré não apresentou qualquer reclamação.


7. - O Acórdão da Conferência de 26.06.2023 decidiu: “julgar improcedente a arguida nulidade do acórdão por omissão de pronúncia”.


8. - O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


9. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II. - Fundamentação de direito


1. - Atento o teor do despacho do Sr. Desembargador relator de 15 de junho de 2023, o recurso de revista foi admitido apenas na parte em que incide sobre a rejeição parcial de conhecimento da impugnação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação. E não tendo a Ré reclamado desse despacho, o objecto do recurso de revista está limitado a tal questão.


2. - No Acórdão da Conferência de 26.06.2023, que apreciou a alegada nulidade por omissão de pronuncia, pode ler-se:


Dizemos de imediato não reconhecermos razão à recorrente. O acórdão resolveu todas as questões que a recorrente colocou.


Rejeitou parcialmente a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por se ter entendido que não foram observados os ónus de impugnação, pelas razões que se deixaram expressas na fundamentação e que a recorrente cita no recurso.


Não conhecemos da alegada caducidade do contrato de trabalho, questão apenas suscitada pela recorrente em sede de recurso, na consideração de que em matéria sujeita à disponibilidade das partes o Tribunal não pode conhecer oficiosamente da caducidade, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveita e no momento oportuno, ou seja, com a apresentação da respectiva defesa, através da contestação [art.º 573.º n.º1, do CPC]; como assim não procedeu a Ré - só a suscitando no recurso -, por se estar estamos perante uma questão nova, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência.


Em suma, foi devidamente cumprido o disposto no art.º 608.º do CPC, inexistindo a alegada nulidade por omissão de pronúncia. Poderá, eventualmente, haver erro de julgamento quanto a essas decisões, mas como se deixou explicado as nulidades da sentença não abrangem essa situação.”.


3. – No Acórdão recorrido pode ler-se:


Constata-se, pois, que apesar de anunciar a discordância relativamente àquele leque de factos, depois apenas indica a resposta alternativa quanto ao facto 10. Ou seja, as conclusões apenas cumprem as indicações necessárias quanto ao facto provado 10.


Porém, conforme passamos a evidenciar, sucede que já os demais ónus não foram observados.


No ponto provado 10, lê-se o seguinte:


“10 - O trabalho prestado pela Autora para além das 4 horas diárias, não foi remunerado”.


Resulta da conclusão g, que a Recorrente defende que ao invés do que consta assente, deve passar a constar provado que “O trabalho prestado pela Autora para além das 4 horas diárias foi sempre pago”.


Mas importando recorrer às alegações para indagar sobre o cumprimento dos ónus de impugnação, verifica-se que após ter terminado a alegação relativa à impugnação dos pontos 3 e 6, a recorrente prossegue dizendo que “Também e ainda se não demonstra dos factos alegados na sua longa p.i. que a pretendida prestação de trabalho suplementar foi prévia e expressamente determinada pela entidade patronal, e porque a esse propósito compete ao trabalhador o ónus de prova, nos termos do disposto no art.º 342 n.º 1 do C.C.,[..]”, para depois prosseguir, no essencial, como segue:


(…).


Nos termos do art.º 639.º 1, do CPC, “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Significa isto, como cremos ser de elementar compreensão, que as conclusões têm que ter respaldo nas alegações, ou seja, não pode o recorrente colocar nas conclusões argumentos ou questões que não suscitou expressamente nas alegações.


Ora, atentando nessa parte das alegações, mas à cautela lidas e relidas no seu todo, não encontramos qualquer alusão expressa e concreta de onde decorra o propósito da recorrente impugnar o facto provado 10, para que seja alterado para os termos indicados na conclusão z, assim como não consta a indicação de meios de prova que a recorrente refira destinarem-se a pôr em causa o que nele consta provado, nem tão pouco qualquer argumento que seja dirigido a esse ponto.


Assim, para além de não serem cumpridos os ónus de impugnação, o que só por si determina a rejeição da impugnação, verifica-se que ainda que recorrente coloca nas conclusões uma pretensão sem que a mesma tenha correspondência nas alegações, em termos expressos, minimamente claros e concretos, o que sempre implica dever-se considerar a mesma como não escrita.


Por conseguinte, rejeita-se a apreciação da impugnação a que se refere a conclusão v), dizendo a recorrente “discordar relativamente aos factos considerados provados nos 7º; 8º; 10º; 11º; 13º; 14º; 27º e 28º”.


5. - O artigo 608.º, n.º 2, do CPC, preceitua que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”.


O artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, determina que é nula a sentença quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.


Ora, basta ler o Acórdão recorrido para se concluir que apreciou e decidiu sobre a impugnação da matéria de facto deduzida pela Ré nas alíneas v) a z) das conclusões do recurso de apelação, em particular, o ponto 10. da matéria de facto dada como provada, o ponto que se encontrava em causa na referida impugnação.


Se apreciou bem ou mal é outra questão, que não cabe no objecto da presente revista.


Vem sendo entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que a nulidade por omissão de pronúncia respeitante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto “só ocorre quando o Tribunal não conhece, de todo, a questão suscitada pela parte, não desencadeando tal nulidade o facto de o Tribunal não ter conhecido e respondido a todos os argumentos invocados pela mesma.” – cfr. Acórdão do STJ de 10 de maio de 2023 proc. 2424/21.0T8CBR.C1.S1 Júlio Gomes (Relator).


[cfr. ainda o Acórdão do STJ de 1 de fevereiro de 2023, proc. 252/19.2T8OAZ.P1.S1 Júlio Gomes (Relator); e Acórdão do STJ de 08.03.2023 proc. 625/21.0T8CSC.L1.S1 Mário Belo Morgado (Relator), todos in www.dgsi.pt].


Por outro lado, o eventual erro de julgamento não está incluído na previsão do artigo 615.º do CPC.


Como concluem, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Edição Revista e Actualizada, pág. 686), entre as causas de nulidades da sentença enumeradas, taxativamente, no n.º 1, do artigo 615.º, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.


6. – Inexistindo a alegada nulidade, por omissão, do Acórdão recorrido, inexiste a invocada violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas - artigo 2.º da CRP -; do artigo 20.º, n.º 1 - acesso ao direito e à tutela jurisdicional - e do artigo 205.º - dever de fundamentação das decisões judiciais - todos da Constituição da República Portuguesa.


Improcede, assim, o recurso de revista apresentado pela Ré.


III. - Decisão


Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social julgar improcedente o recurso de revista.


Custas a cargo da Ré.


Lisboa 23 de novembro de 2023


Domingos José de Morais (Relator)


Ramalho Pinto


Mário Belo Morgado