ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DE INCAPACIDADE
CÁLCULO
PENSÃO
PENSÃO POR INCAPACIDADE
SUBSÍDIO POR ELEVADA INCAPACIDADE PERMANENTE
Sumário


I- O incidente de revisão não dá lugar a uma nova pensão, mas apenas à alteração do montante anteriormente fixado, em consequência da revisão da incapacidade.

II- Em caso de agravamento, na fixação do valor da pensão devida pela revisão, deve deduzir-se o valor da pensão fixada pela anterior incapacidade permanente; o mesmo sucedendo com o subsídio por elevada incapacidade permanente.

Texto Integral



Processo n.º 2565/17.9T8PDL.4.L1.S1


Recurso de revista


Relator: Conselheiro Domingos Morais


Adjuntos: Conselheiro Ramalho Pinto


Conselheiro Mário Belo Morgado


Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.Relatório


1. - AA deduziu incidente de revisão da incapacidade, no processo especial de acidente de trabalho n.º 2565/17.9T8PDL.4.L1.S1, nos termos do artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), invocando agravamento da sua situação clínica, com afectação da sua capacidade de ganho.


2. - Realizado exame médico singular, o Tribunal da 1.ª instância proferiu despacho final, com o seguinte dispositivo:


“Pelo exposto, julga o Tribunal este incidente de revisão da incapacidade nos seguintes termos:


a) declara o sinistrado, AA, afectado, para além da desvalorização já anteriormente arbitrada, por uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 16,59% (com aplicação do factor 1,5), com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), tendo direito, a partir de 22 de Julho de 2022, a uma pensão anual no valor de € 4 365,62, a acrescer ao montante já anteriormente fixado (e a ser paga em 14 prestações mensais, com o subsídio de férias a ser pago em Junho e o subsídio de Natal a ser pago em Novembro de cada ano), e a um subsídio por situação de elevada incapacidade, no valor de € 4 386,29;


b) determina que o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), nos termos já definidos em decisão proferida neste processo, proceda ao pagamento ao sinistrado da pensão e do subsídio fixados na alínea anterior.


c) mais determina que o sinistrado beneficie de medicação analgésica e anti-inflamatória, assim como de acompanhamento clínico com consultas de medicina física e reabilitação e de cirurgia plástica e reconstrutiva.”.


3. - O Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) apelou e o Tribunal da Relação de Lisboa acordou:


Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso, pelo que se revoga a sentença recorrida, condenando-se o réu a pagar ao sinistrado a título de pensão a quantia de 4 505,79 € (quatro mil quinhentos e cinco euros e setenta e nove cêntimos) e a título de subsídio por elevada incapacidade permanente a importância de 336,61 € (trezentos e trinta e seis euros e sessenta e um cêntimos).”.


4. - O sinistrado apresentou recurso de revista, concluindo, em síntese:


deve ser concedido provimento ao presente recurso de revista, e, por via dela, ser declarado que o sinistrado está afectado, para além da desvalorização já anteriormente arbitrada, por uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 16,59% (com aplicação do factor 1,5), com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), tendo direito, a partir de 22 de Julho de 2022, a uma pensão anual no valor de € 4 365,62, a acrescer ao montante já anteriormente fixado (e a ser paga em 14 prestações mensais, com o subsídio de férias a ser pago em junho e o subsídio de Natal a ser pago em Novembro de cada ano), e a um subsídio por situação de elevada incapacidade, no valor de € 4 386,29, e que o Fundo de Acidentes de Trabalho (fat) proceda ao pagamento ao sinistrado da pensão e do subsidio em conformidade”.


5. - O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da revista.


6. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II. - Fundamentação


1. - De facto


1.1. – A 1.ª instância consignou:


Consideram-se provados os seguintes factos:


1. AA, à data dos factos já qualificados como ‘acidente de trabalho’, ocorridos em 29 de Maio de 2017, exercia funções de ‘trabalhador agrícola’ sob as ordens, direcção e fiscalização de BB, mediante uma retribuição anual que se fixou no valor de € 8187,90 (€ 584,85 x 14).


2. O seu empregador não havia transferido a ‘responsabilidade por acidente de trabalho’ mediante ‘seguro’.


3. Por sentença proferida em 8 de Julho de 2020, foi atribuída a AA uma incapacidade permanente parcial (IPP) com o coeficiente de 28%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), fixada em 31 de Janeiro de 2020.


4. Ao abrigo da mesma decisão, o empregador foi condenado a pagar ao trabalhador, para além do mais, uma pensão anual, no valor de € 4552,47, um subsídio por situação de elevada incapacidade, no montante de € 4541,12, e uma prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, no valor mensal de € 200,00.


5. Por decisão proferida em 10 de Março de 2021, foi determinado que o pagamento destas prestações, indicadas no número anterior, fosse feito pelo Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT).


6. Entretanto, na sequência de exame médico realizado em 30 de Setembro de 2022, verifica-se:


a) haver agravamento das sequelas já determinadas na decisão anterior, com incidência sobre lesão parcial dos nervos medial e radial esquerdos;


b) corresponder este agravamento a uma IPP com o coeficiente arbitrado de 11,06%, para além do grau de desvalorização determinado na decisão anterior (com referência ao Capítulo I, 6.1.9.2, e ao Capítulo III, 6.1.7.2, da Tabela Nacional de Incapacidades);


c) fixar este agravamento no dia 22 de Julho de 2022;


d) necessitar o sinistrado de medicação analgésica e anti-inflamatória, assim como de acompanhamento clínico com consultas de medicina física e reabilitação e de cirurgia plástica e reconstrutiva.”


2. - De direito.


2.1. - Do objeto do recurso de revista.


Está em causa saber, face ao agravamento da IPP em 11,06 %, qual o valor a que o sinistrado tem direito a título de pensão e de subsídio por elevada incapacidade permanente.


2.2. - No acórdão recorrido pode ler-se:


«Com efeito, como resulta dos autos, requereu o sinistrado exame de revisão (fls. 343 a 345), por ter ocorrido um agravamento das sequelas do acidente sofrido em 29-05-2017.


Realizado tal exame, foi fixado ao sinistrado a IPP de 11,06%, para além do grau de desvalorização determinado na decisão anterior (fls. 358-360), o que se traduz numa IPP de 39,06% com IPATH - e, por aplicação do factor de bonificação de 1,5, na IPP de 44,59%, com IPATH.


Estando em causa a mesma pensão, por via do agravamento das sequelas do acidente em causa, a IPP a considerar é, pois, a de 44,59%, com IPATH, como refere o Recorrente.


Considerando o coeficiente global de incapacidade fixado e o salário do sinistrado, a pensão que lhe é devida apura-se do seguinte modo:


8197,90€ x 70% = 5 731,53€,


8197,90€ x 50% = 4 093,95€,


5 731,53€ - 4 093,95€ = 1 637,58€,


1 637,58€ x 44,59% = 730,20,


4 093,95 + 730,20€ = 4 824,15€.


Desse valor deve deduzir-se o valor correspondente à remição da pensão já efectuado, no montante de 362,97€.


Assim, a pensão global devida ao sinistrado, a partir de 22-07-2022, é de 4. 505,79€.


Idêntico raciocínio se deve fazer no concernente ao subsídio por elevada incapacidade.


Destarte,


5 850,24€ (487,52€ x 12) - 4 095,12 (487,52€ x 70% x 12) = 1 755,12€


1 755,12 x 44,59% = 782,61€


782,61€ + 4 095,12 = 4 877,73€


Considerando que o sinistrado já recebeu, a esse título, o montante de 4 541,12€, apenas lhe será devido, em consequência da revisão da incapacidade, o montante de 336,61€ (4 877,13€ - 4 541,12€), a título de subsídio por elevada incapacidade permanente.


Procede, assim, a presente questão.».


2.3. - Nos termos do artigo 70.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, “Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, …, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.”.


Por sua vez, o artigo 145.º, n.º 6, do CPT, prescreve: “(…), o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de a pagar.”.


Dos citados normativos resulta que a alteração do grau de incapacidade, por via do incidente de revisão, não dá origem a uma nova pensão, mas apenas ao aumento, redução ou extinção da pensão inicialmente fixada, conforme a situação resultante da revisão da incapacidade do sinistrado.


Este tem sido o entendimento da doutrina e da jurisprudência desde a Lei n.º 2127, de 03 de agosto de 1965 – cfr. Base XXII n.º 1 Revisão das pensões - até à actual Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, passando pelo artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro.


Alberto Leite Ferreira, in Código de Processo do Trabalho, Anotado, 1989, p. 553, escreveu em anotação aos artigos 147.º e 148.º do CPT de 1981:


A modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recaída ou melhoria da lesão ou doença não dá origem a uma incapacidade nova: opera, apenas, uma alteração da incapacidade preexistente pelo reconhecimento dum novo grau de incapacidade na incapacidade existente.


Quer dizer: a incapacidade mantém-se a mesma embora diferente na sua intensidade ou dimensão pela atribuição ou fixação de um novo grau ou índice de desvalorização.


Ora se a incapacidade se mantém, a pensão a estabelecer após a revisão não é também uma pensão nova.


Isto mesmo resulta, aliás, da base XXII da Lei n.º 2 127 [actual artigo 70.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro] e do art. 147, n.º 4, em nota, [actual 145.º, n.º 6, do CPT], pois ambos os textos se referem, não a uma nova pensão, mas ao aumento ou redução da pensão existente ou ainda à extinção da obrigação de a pagar.


A revisão de pensão apresenta-se, assim, com a natureza jurídica dum acto modificativo do valor duma pensão já anteriormente fixada. Apenas actualiza o seu quantum.”. (negritos nossos)


No sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.03.1983, processo n.º 000459, in www.dgsi,pt, pode ler-se: “I - Com o agravamento da incapacidade não surge uma incapacidade nova, mas apenas um novo grau de incapacidade já existente. Por isso, no cálculo de uma pensão consequente de alteração da incapacidade, deve usar-se a mesma fórmula que se usou para o cálculo da pensão inicial.”.


No mesmo sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.03.1992 proc. n.º 0075254; de 24.01.2018, proc. n.º 26101/09.4T2SNT.1.L1-4; e de 18.05.2016, proc. n.º 82/10.7TTSTB.L1-4, todos in www.dgsi.pt, em cujo sumário deste último se pode ler: “1. O incidente de revisão não dá lugar a uma nova pensão, mas apenas à alteração do montante anteriormente fixado, em consequência da revisão da incapacidade.


Assim, no cálculo da pensão revista deve usar-se a mesma fórmula usada para o cálculo da pensão inicial.”.


E o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 24.02.2022, proc. n.º 544/09.9TTTMR.1.E1, com o seguinte sumário: “Se no incidente de revisão, em ação especial emergente de acidente de trabalho, vier a agravar-se o grau de desvalorização funcional do sinistrado, na fixação do valor da pensão devida pela revisão, deve deduzir-se o valor da pensão fixada pela anterior incapacidade permanente, ainda que remida.”.


Ora, tendo o Acórdão recorrido seguido o entendimento supra exposto para o cálculo da pensão revista, bem como para o cálculo do subsídio por elevada incapacidade permanente, nada mais há a acrescentar, improcedendo, assim, o recurso de revista apresentado pelo sinistrado.


IV - Decisão


Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social julgar a revista improcedente e confirmar o acórdão recorrido.


Custas a cargo do Recorrente.


Lisboa 23 de novembro de 2023


Domingos José de Morais (Relator)


Ramalho Pinto


Mário Belo Morgado