FÉRIAS
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário


Se a trabalhadora, em resposta a uma solicitação do empregador, reagendou as férias, sem que o empregador tenha manifestado qualquer discordância, como a boa fé impunha se efetivamente discordasse da proposta de reagendamento, não cometeu quaisquer falta ou infração disciplinar quando gozou as férias no período marcado, sendo, por conseguinte, ilícito o despedimento de que foi alvo.

Texto Integral



Processo n.º 1017/22.0T8VNF.G1.S1


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


AA intentou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, prevista nos artigos 98.º-B e ss. do Código de Processo de Trabalho contra Casa do Pessoal do Hospital de ....


Não tendo sido possível a conciliação, a Entidade Empregadora apresentou articulado a fundamentar o despedimento.


A Trabalhadora contestou e deduziu reconvenção, formulando os seguintes pedidos:


“Nestes termos, e nos mais de direito aplicável, sempre com o douto suprimento de V.ª Ex.ª, deve declarar-se a ilicitude do despedimento da Autora e, em consequência:


a) Deve condenar-se a Ré no pagamento à Autora das retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, no montante, neste momento, de € 3.275,42;


b) Deve condenar-se a Ré a pagar à Autora uma indemnização, no montante de 45 dias de base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no art.º 381.º do Cód. Trabalho, contando-se todo o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final; indemnização essa que, no momento, alcança já a quantia de € 67.194,36;


c) Deve condenar-se a Ré no pagamento à Autora da remuneração correspondente a um mês de férias, vencidas em 1 de janeiro de 2022, e respetivo subsídio, na importância de € 2.890,08;


d) Deve condenar-se a Ré no pagamento ao Autor da remuneração correspondente a um período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano de 2022, no montante de € 626,19;


e) Deve condenar-se a Ré no pagamento à Autora, a título de retribuição em falta do mês de fevereiro, do dia 12 ao dia 22, dado que apenas lhe foi pago o vencimento correspondente a 12 dias no montante de € 481,68;


f) Deve condenar-se a Ré no pagamento da retribuição em falta correspondente a 4 dias de férias vencidas em 1 de janeiro de 2021, na importância de € 578,01;


g) Deve condenar-se a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 337,18 correspondente a alegadas 7 faltas injustificadas;


h) Deve condenar-se a Ré no pagamento à Autora do crédito de horas para formação na importância de € 4 565,60;


i) Deve condenar-se a Ré no pagamento à Autora de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por esta sofridos e emergentes do despedimento ilícito, em montante nunca inferior a € 10.022,97;


j) Deve condenar-se a Ré no pagamento à Autora dos juros de mora sobre todas as quantias aqui peticionadas, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma delas e até efetivo e integral pagamento;


l) Deve condenar-se a Ré no pagamento à Autora da sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 829.º-A., n.º 4 do Cód. Civil, a taxa anual de 5%, sobre o montante pecuniário em que a Ré for condenada, desde o trânsito em julgado da douta sentença que vier a ser proferida e até efetivo e integral pagamento; e,


m) Deve, por fim, condenar-se a Ré em custas e procuradoria condigna.”


Realizado o julgamento, foi proferida, a 21-10-2022, sentença com o seguinte dispositivo:


“Face ao exposto, julga-se a ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que AA move contra “Casa do Pessoal do Hospital Distrital de ...”, parcialmente procedente e, em consequência:


a) declarando-se lícito o despedimento da Autora, absolve-se a Ré dos pedidos contra si formulados e reportados ao pagamento da indemnização pela ilicitude do despedimento e ao pagamento das retribuições vencidas e vincendas;


b) condena-se a Ré a pagar à Autora as seguintes quantias:


a. € 2.890,08 a título de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de janeiro de 2022;


b. € 394,10 a título de proporcionais de férias e subsídio de férias respeitantes ao ano da cessação do contrato (2022);


c. € 262,73 relativamente aos 4 dias de férias vencidas em 1 de janeiro de 2021;


d. € 205,87 a título de proporcional de subsídio de Natal respeitante ao ano da cessação do contrato;


e. € 481,70 referente à retribuição dos dias 12 a 21 de fevereiro de 2022;


f. € 967,44 a título de crédito de formação profissional não ministrada;


g. quantias a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da data do respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento (artigo 559.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil);


c) absolve-se a Ré do demais peticionado”.


A trabalhadora interpôs recurso de apelação.


Por Acórdão de 02-03-2023, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.


Novamente inconformada, a trabalhadora interpôs recurso de revista.


O empregador não contra-alegou.


Por despacho do Relator neste Supremo Tribunal de Justiça o recurso foi admitido, por não existir, em rigor, “dupla conformidade”.


Com efeito, a 1.ª instância afirmou que também na responsabilidade disciplinar se poderia presumir a existência de culpa da trabalhadora.


O Tribunal da Relação afastou que a referida presunção pudesse operar na responsabilidade disciplinar, mormente face a uma decisão de despedimento, mas considerou que no caso concreto a culpa da trabalhadora era grave.


Ora, apesar de terem chegado à mesma conclusão, as instâncias divergiram em um aspeto significativo da argumentação, já que defenderam uma diferente distribuição do ónus da prova. A sentença considerou que em rigor era desnecessária a prova de culpa grave da trabalhadora, enquanto o Acórdão afirmou que era necessária a demonstração e prova pelo empregador da culpa da trabalhadora.


Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso da Autora.


Fundamentação


De facto


Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias:

1. A Ré é uma IPSS- Instituição Particular de Solidariedade Social.

2. A Autora foi admitida pela Ré a prestar trabalho, exercendo a sua atividade profissional, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, em 01/05/1991, mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de chefe de serviços administrativos.

3. Em 2 de Março de 2021, a Ré enviou para a Autora um e-mail com o seguinte teor: “Solicita-se o envio da proposta das suas férias a serem gozadas este ano 2021 até à próxima sexta-feira dia 5 de março. Informamos que deverá marcar 22 dias referentes às férias que deveria ter gozado em 2020 e 8 dias deste ano uma vez que a Instituição se encontra encerrada para férias nos dias: 5 de abril, 16 a 30 de agosto, 24 e 31 de dezembro num total de 14 dias.”.

4. Em 12 de Março de 2021, a Ré enviou, para além do mais, à Autora um e-mail com o seguinte teor:

“Tendo em conta a alteração do Calendário Escolar, a Direção decidiu proceder à alteração do encerramento da Instituição no dia 5 de abril de 2021 (segunda-feira de Páscoa), mantendo-se assim em atividade.

Desta forma, vimos solicitar a marcação de mais um dia de férias em substituição do referido dia 5 de abril que deverá ser marcado de acordo com o regulamento de férias enviado a todos. A indicação deste dia deverá ser dada até à próxima segunda-feira dia 15 de março.”

5. Em 18 de Maio de 2021, a Autora enviou para a Ré um e-mail nos seguintes termos: “Reportando-me ao emails enviados em 2 e 12 de março do corrente ano, cujo teor solicitava o envio da proposta das férias não gozadas em 2020, por motivo de baixa médica, e, no dia 12, a alteração de férias do dia 5 de abril, venho propor que as férias não gozadas em 2020 sejam gozadas no período de: 01/06/2021 a 02/07/2021, e remarcar as férias 2021 por alteração do dia 5 de abril:- 16/08/2021 a 30/08/2021 - 04/10/2021 a 08/10/2021 - 02/11/2021 -24/12/2021 a 31/12/2021.”

6. Em 12 de Agosto de 2021, a Ré enviou à Autora um e-mail com o seguinte teor: “Solicito que altere o plano de férias uma vez que no mesmo está explanado dois dias a mais do ano 2021. Este facto deve-se a ter o contrato suspenso a 1 de janeiro de 2021, pelo motivo de ter estado de baixa médica, segundo o Código do Trabalho tem direito a 20 dias de férias.”

7. Em 13 de Agosto de 2021, a Autora enviou à Ré um email com o seguinte teor: “Alteração ao plano Férias/21:

-16/08 a 30/08 -11 dias

-21/12 a 31/12 – 9 dias.”

8. A Ré não autorizou a Autora a gozar férias entre os dias 21 a 31 de dezembro invocando que esse período coincidia com as férias da Assistente Administrativa BB, devendo reagendar as férias até ao dia 2 de setembro.

9. Em 1 de Setembro de 2021, a Autora enviou um e-mail dirigido à diretora técnica da Ré com o seguinte teor: “Serve o propósito para reagendar plano de férias/21: -15/12 a 23/12.”

10. A Autora não obteve qualquer resposta ao e-mail referido em 9.

11. Em 8 de Outubro de 2021 a Autora enviou um e-mail dirigido à diretora técnica da Ré com o seguinte teor: “Reportando-se ao email datado de 12/08/2021, cujo teor me informava os dias de férias a gozar em 2021 e a fazer a correção do plano de férias/21, solicito o pagamento dos dias não pagos.

12. Em 21 de Outubro de 2021, a diretora técnica da Ré respondeu à Autora, através de email, com o seguinte teor: “De acordo com as informações dadas pelos serviços administrativos (Dr, CC), terá no ano 2021 direito a 20 dias de férias desde que esteja no ativo até ao mês de dezembro.

Em relação ao pagamento do subsídio de férias do ano 2021, já foram liquidadas na primeira quinzena do mês de julho 12 dias conforme recibo que lhe foi enviado e também ao ACT. Os restantes 8 dias serão liquidados antes do período de férias a gozar conforme plano de férias aprovado.”.

13. De acordo com o plano de férias inicialmente aprovado, a Autora gozaria férias entre 1 de junho e 2 de julho de 2021, 16 e 30 de agosto de 2021, 13 e 17 de setembro, 27 a 30 de dezembro de 2021 e 24 e 31 de dezembro de 2021.

14. De acordo com a instrução de trabalho n.º 3 emitida pela Ré em 07.01.2021, relativamente à marcação de férias “Caso o colaborador pretenda alteração ao plano de férias aprovado deve preencher nos Serviços Administrativos o impresso para esse efeito. O Plano de férias só pode ser alterado caso a direção autorize.”.

15. A Autora não compareceu no seu local de trabalho, nas instalações da Ré, entre os dias 15 e os dias 23 de dezembro.

16. A Autora não comunicou a sua ausência, por escrito ou qualquer outro meio.

17. Com o comportamento descrito, a Autora demonstrou desinteresse pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho.

18. A Ré, no mês de dezembro de 2021, descontou à Autora a quantia de € 337,18 correspondente a 7 faltas injustificadas.

19. Em 12 de Janeiro de 2022, a Autora enviou à diretora técnica da Ré o email com o seguinte teor: “venho solicitar esclarecimento sobre a perda de remuneração de 7 dias mencionados como faltas injustificadas e 6 dias de subsídio de férias/21, na folha de vencimento datada de 30/12/2021, dado que, de 15 de dezembro a 23 de dezembro de 2021 era o período de férias a gozar conforme email enviado em 01/09/2021, do qual, não obtive parecer desfavorável dando como aprovado o referido reagendamento do plano de férias.”, que não obteve qualquer resposta.

20. Em 17 de Janeiro de 2022, a Ré notificou a Autora da nota de culpa proferida no processo disciplinar em que esta era arguida, e para, no prazo de 10 dias úteis, querendo, consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considerar relevantes para o esclarecimento dos factos alegados e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.

21. Na nota de culpa, a Ré alegava os seguintes factos:

“1. A arguente é uma IPSS- Instituição Particular de Solidariedade Social.

2. A arguida é trabalhadora da arguente desempenhado as funções de Chefe dos Serviços Administrativos.

3. A arguida não compareceu no seu local de trabalho nas instalações da arguente no dia 15 de dezembro sem que, contudo, tivesse comunicado a sua ausência, seja por escrito ou qualquer outro meio.

4. O mesmo acontecendo nos dias imediatamente a seguir até ao dia 23 de dezembro.

5. Ou seja, a arguida faltou injustificadamente ao trabalho durante 7 (sete) dias seguidos.

6. Com o comportamento descrito, a arguida demonstrou um claro e inequívoco desinteresse pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho, quais sejam as do exercício de um cargo de direção.

7. A descrita conduta viola o dever de assiduidade prevista e punida no disposto nos artigos 128, al. b) e 351º, al. g) do Código do Trabalho, pelo que é intenção da entidade patronal proceder ao despedimento da arguida por justa causa.”

22. Por carta registada com aviso de receção, datada de 27 de janeiro de 2022, subscrita pelo Ilustre Mandatário da trabalhadora, Dr. DD, a Autora respondeu à Nota de Culpa, nos termos que constam do processo disciplinar junto pela Ré em 11.04.2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

23. Em 9 de fevereiro de 2022, foi elaborada a decisão final tendo a Ré decidido aplicar à Autora a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação, nos termos que constam do processo disciplinar junto pela Ré em 11.04.2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

24. A decisão final foi notificada à Autora por carta registada com aviso de receção enviada em 17 de fevereiro, e recebida em 21 de fevereiro de 2022.

25. A Autora auferia, a data da cessação da relação de trabalho, a retribuição mensal de € 1.340,04, acrescida de € 105 de diuturnidades.

26. A Autora viu-se, de um momento para o outro, na condição de desempregada.

27. Ficou privada dos seus hábitos diários e de vida e de trabalho.

28. A Autora gastou, em medicamentos, a quantia de € 21,97.

De Direito

A única questão que se discute no presente recurso é a de saber se são justa causa de despedimento os factos 15 (“A Autora não compareceu no seu local de trabalho, nas instalações da Ré, entre os dias 15 e os dias 23 de dezembro [de 2021]”) e 16 (“A Autora não comunicou a sua ausência, por escrito ou qualquer outro meio”). Desde já se diga que deve considerar-se conclusivo o facto 17 (“Com o comportamento descrito, a Autora demonstrou desinteresse pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho”) – com efeito a tese da Recorrente é a de que não faltou ao trabalho nesses dias, mas limitou-se a gozar as férias como tinham sido marcadas por acordo. Ora se tal tese for correta ou mesmo, no limite, se a Autora pudesse legitimamente acreditar que as férias lhe tinham sido marcadas para tais dias, este comportamento não tem o significado atribuído pelo facto 17 o qual implicaria já a existência pelo menos de faltas injustificadas, quando não mesmo de culpa grave.

De acordo com o Código do Trabalho as férias são marcadas por acordo entre empregador e trabalhador e só na falta de acordo é que são unilateralmente marcadas pelo empregador, com os limites legais. No caso houve uma marcação por acordo, ainda que se deva, desde logo, sublinhar que a formação do acordo foi tendo avanços e recuos. No facto 3 consta que o empregador solicitou à trabalhadora uma proposta de marcação de férias, mas com uma modificação posterior constante do facto 4 (esclarecendo que no dia 5 de abril de 2021 não haveria encerramento da empresa), tendo a trabalhadora apresentado a sua proposta a 18 de maio de 2021 (facto 5: “Reportando-me ao emails enviados em 2 e 12 de março do corrente ano, cujo teor solicitava o envio da proposta das férias não gozadas em 2020, por motivo de baixa médica, e, no dia 12, a alteração de férias do dia 5 de abril, venho propor que as férias não gozadas em 2020 sejam gozadas no período de: 01/06/2021 a 02/07/2021, e remarcar as férias 2021 por alteração do dia 5 de abril:- 16/08/2021 a 30/08/2021 - 04/10/2021 a 08/10/2021 - 02/11/2021 -24/12/2021 a 31/12/2021.”). A 12 de agosto de 2021 o empregador solicitou uma alteração à marcação ao período de férias porque a proposta da trabalhadora teria dois dias de férias a mais, ao que a trabalhadora respondeu no dia imediato, ou seja, a 13 de agosto, tendo proposto no segmento que agora releva dos dias de férias a gozar em dezembro de 2021, os dias 21/12 a 31/12. Em resposta foi-lhe dito que não poderia gozar férias de 21 a 31 de dezembro porque “esse período coincidia com as férias da Assistente Administrativa BB, devendo reagendar as férias até ao dia 2 de setembro” (facto 8). Antes dessa data, mais precisamente a 1 de setembro, a trabalhadora reagendou as férias (facto 9), aparecendo aí pela primeira vez a referência ao período de 15/12 a 23/12.

Só que esse reagendamento não mereceu qualquer resposta pela diretora técnica (facto 10).

Afigura-se, por conseguinte, que o novo reagendamento foi tacitamente aceite pelo empregador.

Com efeito, resulta dos factos provados que o diálogo para este efeito sempre teve lugar com a diretora técnica, independentemente de esta ser ou não superiora hierárquica da Recorrente, a qual aliás face ao novo email da trabalhadora de 8 de outubro (facto 11) teve ocasião de esclarecer, como a boa fé impunha, que não aceitava o reagendamento, se tivesse sido esse o caso.

Assim, quando a trabalhadora não compareceu ao serviço a 15 de dezembro limitou-se a gozar o período de férias a que tinha direito.

Concorda-se assim, inteiramente, com o douto Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Tribunal quando afirma:

“Afigura-se que, em bom rigor, as faltas dadas pela recorrente deveriam ter sido consideradas como justificadas, por a mesma se encontrar em gozo de férias.

Com efeito, repare-se que, em primeiro lugar, não existe qualquer facto provado no sentido de a recorrida ter que autorizar expressamente o gozo das férias da recorrente, em concreto das que resultam das alterações ao plano aprovado. Pelo que se retira das comunicações existentes entre a recorrente e a recorrida, quando esta não aceitava a proposta efetuada por aquela é que respondia e lhe pedia alteração do período sugerido. Não existe qualquer comunicação quando são aceites, como foi o caso dos restantes períodos.

Por outro lado, a alteração ao plano de férias, em relação ao período entre 21.12 e 31.12, não foi da iniciativa da recorrente, mas sim a pedido da recorrida, pelo que o procedimento dado como provado no ponto 14) da factualidade provada nem é aplicável à situação.

Verifica-se, ainda, que a recorrente comunica, a pedido da recorrida, o reagendamento do período férias em 01.09.2021, sendo que não lhe indeferido o pedido, contrariamente ao que tinha acontecido anteriormente. Ora, se a recorrida pretendia indeferir esse reagendamento, teve três meses e meio para o fazer, pelo que não dando resposta a esse pedido é absolutamente credível que a recorrente tivesse pressuposto que a alteração tinha sido aceite.

Nem obsta a tal entendimento o facto do e-mail ter sido dirigido à Diretora Técnica da R., uma vez que esta tinha intervenção nessa matéria em representação da recorrida, desde logo conforme se verifica das comunicações trocadas em outubro de 2012 – pontos 11 e 12 da matéria de facto dada como provada. Se essa comunicação não chegou à Direção da recorrida não foi por facto imputável à recorrente, ou, pelo menos, exclusivamente imputável a si.

Por último, salienta-se que, não tendo existido qualquer resposta negativa à alteração comunicada, e perante o início daquelas faltas, não consta ter havido qualquer reação da recorrida no sentido de esclarecer a situação com a recorrente. Estranhamente, deixou-a não prestar trabalho entre 15.12 e 23.12 para depois proceder ao seu despedimento.

De resto, e como refere a recorrente, se aqueles dias de férias não tinham sido aprovados pela recorrida, então quando é que esta pretendia que os mesmos fossem gozados? A recorrente gozava-os no ano seguinte ou nem sequer os gozava?”

E, como o douto Parecer do Ministério Público também refere, a situação gerada pela falta de resposta expressa do empregador ao reagendamento das férias não poderia deixar de ser tida em conta, mesmo que se considerasse ter havido faltas injustificadas, porquanto atenuaria sensivelmente a culpa da trabalhadora. E mesmo no caso em que há cinco faltas injustificadas seguidas não há automaticamente justa causa de despedimento, havendo que provar a culpa grave do trabalhador.

Mas no caso vertente não existiu sequer infração disciplinar.

Há, pois, que concluir pela ilicitude do despedimento da Recorrente por não existir justa causa para o mesmo.

Tendo a Recorrente optado pela indemnização de substituição da reintegração fixa-se a mesma em 30 dias por cada ano de antiguidade e fração contados até ao trânsito em julgado desta decisão. A fixação do valor em 30 dias, dentro do intervalo legal dos 15 a 45 dias tem a ver, por um lado, com o valor que não é elevado da retribuição auferida, ainda que superior ao salário mínimo, e ao grau de ilicitude do despedimento, que se reputa de médio. A Recorrente foi contratada a 01/05/1991, mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado, pelo que tem presentemente 32 anos de antiguidade e uma fração de ano. Assim, a indemnização substitutiva da reintegração será de 33 (32 anos e uma fração) X € 1445,04, perfazendo € 47.686,32 (quarenta e sete mil seiscentos e oitenta e seis euros e trinta e dois cêntimos).

A Recorrente tem, ainda, direito a todas as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado do presente Acórdão, incluindo subsídios de férias e de Natal. Nessa condenação incluem-se os € 262,73 relativamente aos 4 dias de férias vencidas em 1 de janeiro de 2021 e não gozados.

Condena-se, igualmente, a Ré à restituição à Autora da quantia de € 337,18 correspondente a alegadas 7 faltas injustificadas que na realidade não ocorreram.

Mantém-se a condenação da Ré a pagar à Autora € 481,70 referente à retribuição dos dias 12 a 21 de fevereiro de 2022 e € 967,44 a título de crédito de formação profissional não ministrada.


Relativamente ao pedido de compensação por danos não patrimoniais, os factos dados como provados nas instâncias não permitem apurar a existência de danos não patrimoniais que mereçam qualquer compensação. A privação dos seus hábitos diários de vida e de trabalho não parece que, só por si, justifique a atribuição de uma tal compensação. E também não há factos provados que permitam imputar a despesa efetuada na aquisição de um medicamento (facto 28) com o despedimento ilícito ocorrido.


Decisão: Concedida a revista revogando-se o Acórdão recorrido.


Em conformidade, condena-se a Recorrida, Casa do Pessoal do Hospital de ..., a pagar à Recorrente, AA


- A quantia de € 47.686,32 (quarenta e sete mil seiscentos e oitenta e seis euros e trinta e dois cêntimos) como indemnização substitutiva da reintegração.


- Todas as retribuições que a Recorrente deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado do presente Acórdão, incluindo subsídios de férias e de Natal. Tal montante deverá incluir os € 262,73 relativamente aos 4 dias de férias vencidas em 1 de janeiro de 2021 e não gozados. A estas quantias deve ser deduzido o subsídio de desemprego, em conformidade com o disposto no artigo 390.º n.º 2 alínea c) do CT, devendo tal quantia ser entregue pelo empregador à Segurança Social.


- A quantia de € 337,18 (trezentos e trinta e sete euros e dezoito cêntimos) que indevidamente não pagou por faltas injustificadas que não existiram.


- A quantia de € 481,70 (quatrocentos e oitenta e um euros e setenta cêntimos) referente à retribuição dos dias 12 a 21 de fevereiro de 2022.


- A quantia de € 967,44 (novecentos e sessenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de crédito de formação profissional não ministrada.


A todas estas quantias acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da data do respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento, bem como a taxa prevista no art.º 829.º-A., n.º 4 do Cód. Civil.


Custas do processo pela Recorrida.


Lisboa, 23 de novembro de 2023


Júlio Gomes (Relator)


Mário Belo Morgado


Ramalho Pinto