LEI RELATIVA AO COMBATE À FRAUDE E À CONTRAFAÇÃO DE MEIOS DE PAGAMENTO QUE NÃO EM NUMERÁRIO - LEI N.º 79/2021
DE 24/11
CRIME DE ABUSO DE CARTÃO DE GARANTIA OU DE CARTÃO
DISPOSITIVO OU DADOS DE PAGAMENTO
SUCESSÃO DE REGIMES PUNITIVOS
Sumário


I- A Lei n.º 79/2021, de 24/11, transpõe a Diretiva (UE) 2019/713 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa ao combate à fraude e à contrafação de meios de pagamento que não em numerário, alterando o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que aprova a Lei do Cibercrime, e outros atos legislativos, tal como se lê no respetivo preâmbulo.
II- As condutas previstas no art.º 3.º, n.º s 1 e 2, da Lei n.º 109/2009, de 15/09, relativas a dados registados ou incorporados em cartão bancário de pagamento (…) que permita o acesso a (…) sistema ou meio de pagamento foram retiradas desta previsão legal.
III- Concomitantemente, e por força da dita Lei n.º 79/2021, de 24/11, esse segmento da norma passou a integrar a previsão do art.º 225.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, que além do mais, alargou significativamente o seu âmbito.
IV- Assim, a ação típica abusiva pode recair agora, claramente, sobre o uso dos dados de um cartão, ainda que não se esteja na sua posse ou presença. É o que resulta da nova alínea d) do artigo 225º, nº 1, que contém inovação que prevê o uso ilegítimo e não autorizado de dados (verdadeiros) de cartões de pagamento.
V- As condutas típicas relativas ao uso fraudulento de dados de cartões bancários de pagamento que antes eram punidas, em concurso real, pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, da Lei do Cibercrime, e pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, passaram a estar unificadas no tipo de crime previsto no novo artigo 225.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal.
VI- Da interpretação conjugada das disposições constantes do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 109/2009, de 15/09, nas versões original e atual, e dos artigos 221.º, n.º 1, e 225.º, n.º 1, alínea d), ambos do Código Penal, também nas versões originais e atuais, conclui-se que estamos perante uma sucessão de regimes punitivos, regulada pelo art.º 2.º, n.º 4, do Código Penal.

Texto Integral


I RELATÓRIO

No processo n.º 625/20.... do Juízo Local Criminal ... – J... do Tribunal Judicial da Comarca ... teve lugar a audiência de julgamento durante a qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“a) Condenar a arguida AA, pela prática de um crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, na pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de prisão, suspensa por 01 (um) ano e 06 (seis) meses, condicionada ao dever de entregar a quantia global de 500,00€ (QUINHENTOS EUROS) à Santa Casa da Misericórdia ..., em 10 (DEZ) prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de 50,00€ (CINQUENTA EUROS) cada uma, sendo a primeira no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença e as restantes em igual dia dos meses seguintes, disso devendo a arguida fazer prova nos presentes autos mediante a junção dos respetivos recibos;”


2 Não se tendo conformado com a decisão, a arguida AA            interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. A Arguida vinha acusada em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsidade informática e um crime de Burla Informática;

2. A Queixosa desistiu do crime de burla informática;

3. Após a realização de audiência e julgamento a Recorrente, foi condenada pela prática de um crime de Falsidade Informática, previsto e punido pelo artigo 3º da Lei do Cibercrime, na pena de 1 (um) ano e 6 (meses) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

4. Entende a ora Recorrente que o Tribunal Recorrido não fez um adequado enquadramento da legislação aplicável aos factos dados como provados.

5. Sendo certo que, na data da prática dos factos, realmente, os factos dados como provados e praticados pela Recorrente subsumiam-se à previsão legal aplicada pelo sr. juiz quo;

6. Sucede que, com a entrada em vigor da lei 79/2021, de 24-11, entendemos que os factos infra indiciados são punidos, apenas, pelo artigo 225 n.º 1 alínea d) do Código Penal ou por via da burla informática;

7. Na verdade, este diploma legal veio trazer alterações na área dos chamados crimes de Mbway;

8. Assim sendo, deverá ser aplicado o estatuído no artigo 2.º n.º 4, do Código Penal, aplicando-se, em consequência o regime mais favorável à Recorrente.

9. O que implica a absolvição da Recorrente.

Nestes termos, e nos mais de Direito, que V. Excelências, Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, determinando V. Excelências a substituição da douta Sentença recorrida.

3 O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnado pela sua procedência, embora com fundamentação jurídica não inteiramente coincidente, designadamente propondo a homologação da desistência de queixa oportunamente apresentada e aceite, bem como a inerente extinção do procedimento criminal e o consequente arquivamento dos autos.

4 Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer propondo o provimento do recurso, aderindo aos fundamentos invocados na resposta apresentada.

5 Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.

6 Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

II FUNDAMENTAÇÃO


1 Objeto do recurso:

A
Com a entrada em vigor da Lei n.º 79/2021, de 24/11, que alterou a redação do art.º 3.º da Lei n.º 109/2009, de 15/09, os factos objeto do presente processo deixaram de estar abrangidos pela previsão desta norma legal?

B
Em caso de resposta afirmativa à anterior questão, tal vicissitude determina a absolvição da arguida, por essa previsão ter sido eliminada do elenco das infrações, ou a extinção do procedimento criminal, por desistência de queixa, por a aludida previsão constar agora do artigo 225.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, que faz depender o procedimento criminal da apresentação de queixa?

2 Decisão recorrida (excertos relevantes):

(…)
--------A arguida e a ofendida chegaram a um entendimento quanto ao pagamento do valor do prejuízo sofrido em duas prestações mensais, tendo a ofendida declarado desistir da queixa e a arguida declarado nada opor à desistência da queixa. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------Tal desistência foi homologada apenas quanto ao crime de burla informática, atenta a sua natureza semipública (cfr. o artigo 221.º, n.º 4, do C.P.), prosseguindo os presentes autos para apuramento da responsabilidade jurídico-penal da arguida pela prática de um crime de falsidade informática, atenta a sua natureza pública.------

* *
--------Em sede de audiência de julgamento procedeu-se à seguinte comunicação da alteração da qualificação jurídica:-----------------------------------------------------------------------------
“DA ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA -------------------------------------------
Em obediência à jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2013, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 138, de 19 de julho de 2013, tendo em conta que já foi produzida toda a prova, impõe-se proceder à seguinte comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, nos termos do artigo 358.º, n.ºs 3 e 1, do Código de Processo Penal.-----------
O Ministério Público deduziu acusação, em processo comum e perante tribunal singular, nos termos do artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, contra a arguida AA, imputando-lhe a prática, em coautoria material e em concurso real, de:------------------------------------------
1) um crime de burla informática, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal – adiante designado pela sigla C.P.;-----------------------------
2) e um crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro.-----------------------------------------------
A arguida e a ofendida chegaram a um entendimento quanto ao pagamento do valor do prejuízo sofrido em duas prestações mensais, tendo a ofendida declarado desistir da queixa e a arguida declarado nada opor à desistência da queixa. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Tal desistência foi homologada apenas quanto ao crime de burla informática, atenta a sua natureza semipública (cfr. o artigo 221.º, n.º 4, do C.P.), prosseguindo os presentes autos para apuramento da responsabilidade jurídico-penal da arguida pela prática de um crime de falsidade informática, atenta a sua natureza pública.--------------
Ora, os factos descritos na acusação consubstanciam a prática de um crime de falsidade informática previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro.---------------------------------------------------------------------
--------No seguimento do entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de maio de 2021, relatado pelo Senhor Desembargador Martinho Cardoso, disponível        na internet      no        endereço http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/f490f15b8cbb90b78  2586ea004dcac8, no que se refere ao MB WAY e por ser um serviço de acesso condicionado, com a introdução de um número de telemóvel que não corresponde ao titular do cartão e a inserção de uma palavra passe que não foi escolhida pelo titular do cartão, mas por alguém atuando contra a sua vontade, está a ser produzido um documento de autenticação eletrónica/digital falso, o que preenche o tipo legal do crime de falsidade informática previsto e punido pelo artigo 3.º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro.---------------------------------------------------------------------
--------Procede-se neste momento à comunicação da alteração da qualificação jurídica nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358.º, n.ºs 3 e 1, do Código de Processo Penal.”. ---------------------------------------------------------------------------*
--------Após o despacho que designou dia para a audiência de julgamento, não ocorreram nulidades, exceções ou questões prévias de que cumpra conhecer.---------
*-------* *

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO ------------------------------------------------------------------

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--------2.1. Matéria de facto provada ---------------------------------------------------------------

--------Resultou provada a seguinte matéria de facto:-------------------------------------------

a) Em data que concretamente não se logrou apurar mas anterior 09 de setembro de 2020, a ofendida/queixosa BB colocou na plataforma de vendas online “...”, um anúncio de venda de um colchão, ao qual associou o seu contacto de telemóvel n.º ...92;--------------------------------------------------------------------------------
b) No dia 09 de setembro de 2020, a arguida AA, em execução de plano anteriormente gizado com um indivíduo do sexo masculino cuja identidade não se logrou apurar, para se apropriarem de quantias monetárias que não lhes eram devidas, ao visualizarem o anúncio publicado pela ofendida, decidiram, em execução de tal plano, mostrar-se interessados em adquirir o bem supra identificado;
c) E fazer crer à ofendida que iriam efetuar o pagamento através da aplicação MB WAY, fornecendo-lhe orientações para que, ao invés, pudessem movimentar as quantias monetárias que aquela tivesse disponíveis na conta bancária associada à conta MB WAY por ambos criada; ----------------------------------------------------------------------------------------
d) Assim, e em execução de tal plano por ambos gizado e em conjugação de esforços, o individuo do sexo masculino cuja identidade não se logrou apurar, telefonou através do telemóvel com o n.º ...13 para o telemóvel de BB indicado no anúncio, dizendo que se chamava “CC” e que pretendia comprar o artigo publicitado no anúncio supra mencionado;-----------------------------------------------------------
e) O tal indivíduo, em comunhão de esforços e intentos com a arguida, disse à ofendida BB que pretendia efetuar o pagamento do colchão, no montante de 150,00€, mediante transferência, necessitando apenas do IBAN desta e do número do cartão bancário associado à conta bancária com aquele IBAN;----------------------------------------------------------------
f) Nesta senda, BB, convencida da boa fé do seu interlocutor, forneceu-lhe o número do seu cartão bancário n.º ...38 associado à conta bancária da sua titularidade com o IBAN  ...80, do banco Banco 1...; ----------------------------------------------------------------------------------------
g) Na posse destes elementos, a arguida, juntamente com o indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, em conjugação de esforços e intentos, criou uma conta na plataforma MB WAY, associando à mesma o cartão bancário da ofendida, de modo a ter acesso à conta bancária da mesma através dessa plataforma;------------------------------------------------------------------
h) Assim, a arguida associou ao número de telemóvel ...50, da sua disponibilidade, o cartão bancário n.º ...38, do banco Banco 1..., cuja legítima possuidora e titular é BB, podendo movimentar o dinheiro existente na conta a ele associado;------------------------------------------------------------------------
i) BB pensou que, ao fornecer os dados que lhe foram solicitados pela arguida e individuo cuja identidade não se logrou apurar, iria receber a quantia acordada pela venda supra mencionada, o que não sucedeu; ----------------------------------------------------------------------------------------
j) Posteriormente, com acesso ao dinheiro existente na conta bancária de BB, a arguida, juntamente com o indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, em conjugação de esforços e intentos, emitiu, nesse mesmo dia, através da aplicação MB WAY, as seguintes quatro ordens de transferência:---------------------------------------------------------------------
a) a primeira no montante de 250,00€ (duzentos e cinquenta Euros);----------------------------------------------------------------------------b) a segunda no montante de 50,00€ (cinquenta Euros);----------c) a terceira no montante de 10,00€ (dez Euros);--------------------d) a quarta no montante de 10,00€ (dez Euros); ---------------------
k) As transferências supramencionadas foram efetuadas para o NIB  ...19, pertencente a uma conta uni titulada pela arguida AA, da Banco 2...; --------------------------------------------------------------------------------------
l) O valor total das quantias transferidas, no dia 09 de setembro de 2020, é de 320,00€ (trezentos e vinte Euros), quantia que a arguida fez suas;--------
m) A arguida, conjuntamente com o individuo do sexo masculino cuja identidade não se logrou apurar e em conjugação e esforços e intentos, agiu da forma descrita com o propósito, que concretizou, de ter acesso ao cartão de débito de BB e, por conseguinte, à conta bancária da qual esta era titular na Banco 1...; --------------------

n) A arguida sabia que, ao solicitar o número de cartão bancário e IBAN da conta associada ao mesmo à ofendida, e ao criar uma conta MB WAY com estes dados, levaria a que à conta bancária da ofendida ficasse associada ao número de telemóvel da sua disponibilidade; ------------------------------------
o) Desta forma, a arguida, juntamente com o individuo cuja identidade não se logrou apurar, conseguiu ter acesso à conta bancária pertencente à ofendida, sem estar autorizada e sem consentimento para tal;------------------
p) A arguida, juntamente com o individuo cuja identidade não se logrou apurar, atuou com o propósito, que logrou concretizar, de obter para si um benefício patrimonial ilegítimo, causando, direta e consequentemente, um prejuízo de igual montante à legítima titular da conta bancária, no valor de 320,00€ (trezentos e vinte Euros);-------------------------------------------------------
q) Ao agir do modo descrito, a arguida fez crer ao sistema bancário online que a conta bancária mencionada estava a ser movimentada pela sua legítima proprietária, introduzindo dados erróneos no sistema bancário que regula a movimentação das contas através da internet, induzindo em erro a entidade bancária que validou as operações bancárias em causa, acreditando que se tratavam de ordens legítimas do titular da conta;---------
r) A arguida sabia que, ao associar o número de telemóvel da sua disponibilidade à conta bancária da ofendida, criava, informaticamente, dados informáticos de caracter não genuíno, através do acesso à conta bancária daquela e dos respetivos dados que, simulando serem próprios, introduziu no sistema bancário para gerar operações bancárias que não correspondiam à verdade, com a intenção de serem consideradas genuínas e, através de tal operação, ser considerada a titular daquela conta; --------------------------------------------------------------------------------------------
s) A arguida, juntamente com o individuo cuja identidade não se logrou apurar, agiu também com a intenção de que fossem tomadas por verdadeiras e reais aquelas operações bancárias, induzindo em erro a
entidade bancária responsável e causando prejuízo à ofendida, o que quis e conseguiu; -----------------------------------------------------------------------------------
t) A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;---------------------------------------------
u) Nada consta do certificado de registo criminal da arguida. -----------------------
(…)

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO----------------------------------------------------------------
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3.1. DA RESPONSABILIDADE JURÍDICO-PENAL------------------------------------
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3.1.1. Enquadramento jurídico-penal-------------------------------------------------------------A arguida AA encontra-se acusada da prática de um crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro. ------------------------------------------------------------Estatui o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que “quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias.”.-----------------------------------------------------------------------------------Estatui o n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, na versão vigente aquando da prática dos factos, que “quando as ações descritas no número anterior incidirem sobre os dados registados ou incorporados em cartão bancário de pagamento ou em qualquer outro dispositivo que permita o acesso a sistema ou meio de pagamento, a sistema de comunicações ou a serviço de acesso condicionado, a pena é de 1 a 5 anos de prisão.”. -------------------------------------------------------Ora, o MB WAY é uma aplicação destinada primordialmente ao pagamento de quantias com origem e destino em duas contas bancárias diferentes, sobre as quais tenham sido emitidos cartões bancários, utilizando para o efeito os números telefónicos dos titulares dos respetivos cartões (de origem e de destino da quantia em causa). ----------------------------------------------------------------------------------------------------------Na aplicação MB WAY, a movimentação de quantias efetua-se mediante a autenticação por via do número de telefone do titular do cartão e de um PIN, definido pelo próprio, aquando da adesão ao serviço.--------------------------------------------------------------Por outro lado, os dados informáticos mencionados no artigo 3.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, são expressões gerais que descrevem características das entidades sobre as quais operam algoritmos. A palavra tem origem no latim datum (aquilo que se dá), uma informação que permite chegar ao conhecimento de algo ou deduzir as consequências legítimas de um facto, que serve de apoio. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Estas expressões devem ser apresentadas de maneira a que possam ser tratadas por computador. Os dados por si só não constituem informação, a menos que esta surja do adequado processamento de dados. ------------------------------------------------A Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, define dados informáticos, para efeitos jurídico-penais no seu artigo 2.º, alínea b), como qualquer representação de factos, informações ou conceitos sob uma forma suscetível de processamento num sistema informático, incluindo os programas aptos a fazerem um sistema informático executar uma função.---------------------------------------------------------------------------------------------Posto isto, temos que a arguida e o seu coautor convenceram/determinaram a ofendida a revelar o seu IBAN e o número do cartão bancário associado, sendo já conhecedores do número de telemóvel da ofendida, o que a mesma fez, porque completamente alheia ao esquema pensado e de que estava a ser vítima.-----------------------Ao ser usada a APP com o correto código PIN de seis dígitos para efetuar um levantamento de dinheiro/pagamento/transferência, o sistema informático da SIBS reconhece a APP como associada a um determinado cartão de débito e comunica ao sistema informático do banco onde está sedeada a conta associada ao cartão a quantia que se pretende levantar e este sistema há-de, ou não, possibilitar o levantamento e/ou montante, após confirmação do respetivo saldo.--------------------------------Todas estas operações são informáticas e entre sistemas informáticos de diferentes instituições, mas com vista ao mesmo fim – possibilitar a movimentação de dinheiro ou as transações comerciais de forma rápida e segura. --------------------------------Quando alguém associa uma APP a um cartão, ao associar-lhe um telemóvel e escolher um PIN, está a criar um documento de «autenticação» no sistema informático do prestador de serviço. Quando o PIN é criado, ele estabelece uma relação de confiança com o prestador do serviço e o utilizador e cria um par de chaves assimétricas usado na autenticação. De modo que, posteriormente, quando se insere o PIN, este tem como função desbloquear a chave de autenticação e usa a chave para assinar a solicitação enviada ao servidor de autenticação.---------------------

--------Ou seja, quando é escolhido o PIN para a aplicação, o utilizador está a produzir um documento de autenticação eletrónica com vista a uma finalidade jurídica relevante – o reconhecimento pela SIBS, no seu sistema informático, como pertencendo verdadeiramente ao utilizador do cartão contratado e, em substituição do cartão, a possibilidade de realizar – sendo reconhecido pelo sistema como legítimo – todas as funções que a aplicação permite. ---------------------------------------------------Logo, se for introduzido um número de telemóvel que não corresponde ao titular do cartão e inserida uma palavra passe que não foi escolhida pelo titular do cartão, mas por alguém atuando sobre a sua vontade, está a ser produzido um documento de autenticação eletrónica/digital falso, o que preenche o tipo legal do crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.°, n.°s 1 e 2, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, por estar em causa um serviço de acesso condicionado (neste preciso sentido, conferir o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de maio de 2021, relatado pelo Senhor Desembargador Martinho Cardoso,               disponível               na               internet               no               endereço
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/f490f15b8cbb90b78 02586ea004dcac8). ---------------------------------------------------------------------------------------
--------Ao nível subjetivo, o tipo legal em causa exige o dolo (cfr. o artigo 14.º do C.P.), exigindo ainda um elemento subjetivo especial – a intenção de provocar engano nas relações jurídicas.---------------------------------------------------------------------------------O dolo é uma entidade complexa portadora de sentidos diversos, consoante a sua valoração é objeto da ilicitude ou da culpa:---------------------------------------------------como forma de realização do tipo de ilícito, traduz-se no “conhecimento e vontade de realização daquele tipo de crime” (cfr. o Professor Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal – Sumários das Lições do Prof. Doutor
Jorge de Figueiredo Dias à 2.ª turma do 2.º ano da Faculdade de Direito, página 187);------------------------------------------------------------------------------------
como forma de culpa, enquanto modo de formação da vontade que conduz ao facto, o dolo é portador do desvalor de uma atitude pessoal contrária ou indiferente ao dever-ser jurídico-penal.--------------------------------
--------Tendo em conta a matéria de facto provada, inequívoco se torna que a arguida agiu com a intenção de provocar engano nas operações jurídicas e agiu com dolo na sua forma direta (cfr. o artigo 14.º, n.º 1, do C.P.).---------------------------------------------Deverá a arguida AA ser condenada pela prática, em coautoria material, de um crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 109/2009, de 19 de setembro.----

3 O direito.

Os presentes autos versam sobre uma situação de corrente verificação nos tempos mais recentes nos meios eletrónicos, informáticos e de telecomunicações, qual seja, a de alguém que, fazendo crer a outrem que vai efetuar o pagamento do preço de uma compra, lhe solicita determinados elementos e dados bancários, que, de boa fé, lhe são assim fornecidos, os quais servem e se destinam, na verdade, a subtrair dinheiro da conta a que aqueles elementos e dados estão associados. É uma das variantes das muitas manobras ilícitas cogitadas por criativos amigos do alheio, que, no dizer do Padre DD, “furtam com unhas pacíficas”, e que elegeram como azimute a velha máxima, igualmente citada, agora em castelhano, por aquele insigne autor “com arte, y con engano, vivo la mitad del ano; e con engano y arte, vivo la otra parte” – cfr.  Arte de Furtar, Fronteira do Caos Editores, pag. 117 e 28, respetivamente.

A decisão recorrida efetuou a subsunção dos factos dados com provados ao disposto no art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, com base, entre outros argumentos, no decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/05/2021, acima mencionado.

A referida norma tinha a seguinte redação:

Artigo 3.º

Falsidade informática

1 - Quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias.
2 - Quando as acções descritas no número anterior incidirem sobre os dados registados ou incorporados em cartão bancário de pagamento ou em qualquer outro dispositivo que permita o acesso a sistema ou meio de pagamento, a sistema de comunicações ou a serviço de acesso condicionado, a pena é de 1 a 5 anos de prisão.
(…)

Todavia, após a prática dos atos que constituem o objeto do presente processo foi publicada a Lei n.º 79/2021, de 24/11, que alterou a redação do n.º 2 do art.º 3.º da Lei n.º 109/2009, de 15/09, acima referido, cujo atual teor é o seguinte:

Artigo 3.º
Falsidade informática
 (…)
2 - Quando as ações descritas no número anterior incidirem sobre os dados registados, incorporados ou respeitantes a qualquer dispositivo que permita o acesso a sistema de comunicações ou a serviço de acesso condicionado, a pena é de 1 a 5 anos de prisão.
(…)

A Lei n.º 79/2021, de 24/11, transpõe a Diretiva (UE) 2019/713 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa ao combate à fraude e à contrafação de meios de pagamento que não em numerário, alterando o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que aprova a Lei do Cibercrime, e outros atos legislativos, tal como se lê no respetivo preâmbulo.

Resulta, portanto, claro que as condutas relativas a dados registados ou incorporados em cartão bancário de pagamento (…) que permita o acesso a (…) sistema ou meio de pagamento foram retiradas desta previsão criminal.

Concomitantemente, e por força da dita Lei n.º 79/2021, de 24/11, esse segmento da norma passou a integrar a previsão do art.º 225.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, preceito cujo relevante teor é o seguinte:

Abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento

1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, usar:
(…)
d) Dados registados, incorporados ou respeitantes a cartão de pagamento ou a qualquer outro dispositivo, corpóreo ou incorpóreo, que permita o acesso a sistema ou a meio de pagamento;
determinando o depósito, a transferência, o levantamento ou, por qualquer outra forma, o pagamento de moeda, incluindo a escritural, a eletrónica ou a virtual, e causar, desse modo, prejuízo patrimonial a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
(…)

Verifica-se, assim, que a previsão criminal da conduta se mantém nos seus precisos termos no que concerne à tipicidade objetiva do comportamento, mas que ocorreram alterações de enquadramento no que concerne ao nomen iuris do tipo de crime, ao elemento subjetivo especial da ilicitude, ao conjunto de operações resultantes da ação que são abrangidas, importando-se, assim, igualmente, elementos previstos no art.º 221.º, n.º 1, do Código Penal, também alterado pela aludida Lei n.º 79/2021, de 24/11, bem como ao regime jurídico que lhe é globalmente aplicável, designadamente, e para o que aqui interessa, no que diz respeito à natureza semipública do crime, já que o n.º 3 da norma acima transcrita estatui que o procedimento criminal depende de queixa.
Assim, a ação típica abusiva pode recair agora, claramente, sobre o uso dos dados de um cartão, ainda que não se esteja na sua posse ou presença. É o que resulta da nova alínea d) do artigo 225º, nº 1, que contém inovação que prevê o uso ilegítimo e não autorizado de dados (verdadeiros) de cartões de pagamento.
Na anterior versão desta norma, apenas se previa e punia o abuso de cartão que conduzisse a pagamentos ilegítimos. Na atual versão do preceito passou a prever-se e punir-se também o abuso que venha a dar origem a depósito, transferência, levantamento ou, por qualquer forma, pagamento de moeda.

Podemos, assim, afirmar que em relação a esta punição, a “(…) Lei n.º 79/2021, de 24 de novembro, veio alterar o artigo 225.º do Código Penal alargando significativamente o seu âmbito” – cfr. Pedro Dias Venâncio, Lições de Direito do Cibercrime, Editora d’Ideias, pag. 119.

Estas alterações resultam da opção do legislador em reservar para a Lei do Cibercrime as condutas relacionadas com a contrafação e incluir no Código Penal as condutas relativas à fraude.

Na verdade, tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/02/2022, disponível em www.dgsi.pt,

“Repare-se que a Directiva (UE) 2019/713 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019[transposta para a ordem jurídica portuguesa com aquela Lei n.º 79/2021, de 24/11], se diz e tem como objectivo o «combate à fraude  e   à     contrafação     de meios   de   pagamento que  não    em  numerário». Dos seus considerandos, consta, de entre outros pontos, o seguinte:
(1) A fraude e a contrafação de meios de pagamento que não em numerário constituem uma ameaça à segurança, uma vez que representam uma fonte de rendimento para a criminalidade organizada, sendo, por conseguinte, uma forma de facilitar outras atividades criminosas como o terrorismo, o tráfico de estupefacientes e o tráfico de seres humanos.
(2) A fraude e a contrafação de meios de pagamento que não em numerário constituem também um obstáculo ao mercado único digital, uma vez que minam a confiança dos consumidores e provocam perdas económicas diretas.
(3) A Decisão-Quadro 2001/413/JAI do Conselho (3) necessita de ser atualizada e complementada a fim de incluir disposições suplementares sobre infrações, designadamente em matéria de fraude informática, e sobre sanções, prevenção, assistência às vítimas e cooperação transfronteiriça.
(4) A existência de lacunas e diferenças significativas na legislação dos Estados-Membros nos domínios da fraude e da contrafação de meios de pagamento que não em numerário pode obstar à prevenção e à deteção desses tipos de infrações e de outras formas graves de criminalidade organizada com eles relacionadas ou por eles facilitadas, bem como a aplicação de sanções na matéria, e torna a cooperação policial e judiciária mais complicada e, por conseguinte, menos eficaz, com repercussões negativas na segurança.
(5) A fraude e a contrafação de meios de pagamento que não em numerário têm uma importante dimensão transfronteiriça, acentuada por uma componente digital cada vez maior, que realça a necessidade de medidas adicionais para aproximar a legislação penal nos domínios da fraude e da contrafação de meios de pagamento que não em numerário.
(…)
(11) O envio de faturas falsas para a obtenção de credenciais de pagamento deverá ser considerado uma tentativa de apropriação ilícita no âmbito de aplicação da presente diretiva.
(…)
(15) A presente diretiva faz referência a formas de conduta clássicas, como fraude, falsificação, furto e apropriação ilícita, que já foram delineadas pelo direito nacional antes da era digital. O âmbito alargado da presente diretiva no que diz respeito aos instrumentos de pagamento não corpóreos implica portanto a definição de formas de conduta equivalentes na esfera digital, que complementem e reforcem a Diretiva 2013/40/UE do Parlamento Europeu e do Conselho. A obtenção ilícita de um instrumento de pagamento não corpóreo que não em numerário deverá configurar uma infração penal, pelo menos quando envolva a prática de uma das infrações referidas nos artigos 3º a 6º da Diretiva 2013/40/UE, ou a apropriação ilegítima de um instrumento de pagamento não corpóreo que não em numerário. Por «apropriação ilegítima», deverá entender-se a utilização sem direito a tal, com conhecimento de causa, em benefício próprio ou de terceiro, de um instrumento de pagamento não corpóreo que não em numerário por uma pessoa a quem esse instrumento tenha sido confiado. A aquisição para utilização fraudulenta de um desses instrumentos obtido de forma ilícita deverá ser punível, sem ser necessário estabelecer todos os elementos factuais da obtenção ilícita, e sem exigir uma condenação anterior ou simultânea por uma infração subjacente que tenha dado origem à obtenção ilícita.
(…)

Há, portanto, uma dupla perspectiva na Directiva: a Fraude e a Contrafacção.
O termo “contrafacção” exige uma vertente de “falsificação material” de um instrumento ou meio de pagamento.
E, não temos dúvida sobre o ponto, o termo “fraude” é usado aqui num sentido amplo que inclui modelos de tipos criminais clássicos, como ela própria refere, «formas de conduta clássicas, como fraude, falsificação, furto e apropriação ilícita, que já foram delineadas pelo direito nacional antes da era digital» e «o envio de faturas falsas». Assim, o termo “fraude” pode incluir qualquer tipo penal clássico que seja praticada com meios digitais, incluindo a burla, crime que aqui está em causa.
Mas, contrariamente ao que a própria Directiva sugeriu, o legislador nacional não seguiu o conselho quanto à “fraude”, limitou-se a seguir o conselho da Directiva apenas quanto à contrafacção, criando vários tipos penais de contrafacção que veio a incluir – de forma muito discutível – na Lei nº 109/2009, a Lei do Cibercrime, nos artigos 3º-A a 3º-F.
E, depois, viu-se na necessidade de alterar a al. g), do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 32/2008 para incluir a expressão «contrafação de cartões ou outros dispositivos de pagamento, uso de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, atos preparatórios da contrafação» apenas para conseguir incluir as novas “contrafacções da Lei do Cibercrime e alargar o objecto da “conservação” e o seu prazo.
Se a Directiva tem por objetivo acautelar, investigar e punir a «fraude e a contrafação de meios de pagamento que não em numerário», o legislador português apenas se preocupou com a «contrafação de meios de pagamento».
Olvidou um grande espaço de criminalidade digital, incluindo a dos autos. Esqueceu-se (?) das fraudes em sentido amplo – incluindo as burlas - a que a Directiva se referia. E esqueceu-se também (?) de seguir o conselho avisado da CNPD para rever adequadamente a Lei nº 32/2008. (…) Também nós pensamos que o sistema é incoerente, quer o processual penal e, agora, o penal.”

Perante esta evolução legislativa, e a sua repercussão em relação ao objeto do processo, colocam-se nos autos duas posições: a da recorrente que, embora de modo não inteiramente explícito, parece querer afirmar que o tipo de crime pelo qual foi condenada foi eliminado do número das infrações, reclamando, por isso, a sua absolvição, mas apoiando-se no art.º 2.º, n.º 4, do Código Penal, em vez de apelar ao n.º 2 do dito preceito; a do Ministério Público, que, considerando que o tipo de crime em causa está agora previsto no art.º 225.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, e que, portanto, o que ocorre é uma sucessão e regimes, entende que é atualmente operante a desistência de queixa oportunamente apresentada nos autos, por ter o aludido crime na nova versão da lei natureza semipública, defendendo a sua homologação, de acordo com o disposto, precisamente, no art.º 2.º, n.º 4, do Código Penal, daí resultando a extinção do procedimento criminal e o arquivamento dos autos.

Nesta conformidade, impõe-se ter em consideração o disposto no art.º 2.º, n.ºs 2 e 4, do Código Penal:

Artigo 2.º
Aplicação no tempo
(…)
2 - O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infracções; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais.
(…)
4 - Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior.

Analisadas as disposições legais acima transcritas, designadamente o artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, da lei n.º 109/2009, de 15/09, nas suas versões original e atual, e os artigos 221.º, n.º 1, e 225.º, n.º 1, alínea d), ambos do Código Penal, também nas suas versões original e atual, conclui-se que, tal como propõe o Ministério Público, a situação jurídica sub judice é caracterizável como tratando-se de sucessão de regimes punitivos, pelo que abrangida pelo disposto no art.º 2.º, n.º 4, do Código Penal,  sendo que o regime atual é mais favorável ao agente, dada a atual natureza semipública da infração e as processualmente documentadas desistência de queixa e respetiva aceitação, que impõem a decisão de homologação daquela, e a consequente extinção do procedimento criminal e arquivamento dos autos.

III DISPOSITIVO

Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto por AA, pelo que, em consequência, revogam a sentença recorrida, e, nos termos dos artigos 2.º, n.º 4, 116.º, n.º 2, e 225.º, n.º 1, alínea d), e 3, este com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2021, de 24/11, todos do Código Penal, e 51.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, homologam a desistência de queixa apresentada, declaram extinto o procedimento criminal e ordenam o arquivamento dos autos.

Sem tributação.