VENDA DE COISA DEFEITUOSA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DIREITO GERAL DE PERSONALIDADE
Sumário

I - O construtor/vendedor responde perante o comprador pela falta de conformidade que exista no bem que for entregue, pelo que, não o substituindo em prazo razoável, deve arcar com o custo que o comprador suportou ao promover ele próprio pela substituição.
II - Se na fração que fica por baixo da casa das máquinas dos elevadores, colocada na cobertura, o ruído que os elevadores produzem é audível na sala e na suite principal dessa fração a ponto de perturbar o descanso dos moradores, existindo uma desconformidade relevante quanto ao isolamento acústico da fração garantido pela construtora/vendedora, compete-lhe providenciar pelo reforço do isolamento sonoro das paredes envolventes daquela específica habitação.
III - No artº 70º do CC reconhece-se o direito geral de personalidade onde se integram o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono, que são aspectos do direito à integridade pessoal, estando também assegurado no art. 66º nº 1 da CRP o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado.
IV - A violação desse tipo de direitos poderá ocorrer ainda que eventualmente o ruído se mantenha dentro dos limites consagrados no Regulamento Acústico dos Edifícios.

Texto Integral

Processo n.º 9832/17.0T8PRT.P1- APELAÇÃO

**

Sumário (elaborado pela Relatora):
……………………………………..
……………………………………..
……………………………………..
**


I. RELATÓRIO:
1. AA e BB intentaram acção declarativa de condenação, a correr termos sob processo comum, contra A..., SA, tendo peticionado o seguinte:
A) Ao abrigo do disposto no nr 3 do artigo nr 5º-A do Decreto-Lei 67/2003 e dos artigos 1221º e 1222º, ambos do Código Civil, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e por via disso, ser condenada a Ré:
a. no pagamento do valor despendido pelos AA. na compra da nova caldeira (€2.698,26) e à eliminação dos defeitos existentes na fracção, nomeadamente:
b. a promover as obras necessárias para permitir uma conveniente utilização da divisão de arrumos dos AA;
c. a realizar as obras necessárias na zona do lugar de garagem e na divisão das cisternas, bem como na parede de divisão entre a divisão das cisternas e o lugar de garagem dos AA., de forma a impedir que este último fique alagado;
d. a promover as vistorias, reparações e obras necessárias para permitir uma correcta e completa utilização da sanita da casa de banho “de apoio” aos dois quartos da fracção;
e. a realizar as reparações necessárias para resolver o problema do isolamento acústico e térmico das janelas e portadas;
f. a realizar as reparações necessárias para que o ruído de água a pingar na casa de banho da suite principal cesse;
g. a encontrar uma solução para a colocação das máquinas dos elevadores nos pisos da cave, conforme sempre indicou que o faria aos AA, ou não sendo esta possível, a promover todas as obras que se mostrem necessárias para impedir que o ruído do funcionamento dos elevadores chegue à fracção dos AA.;
h. a proceder às reparações do sistema de iluminação dos closets;
i. a realizar as obras necessárias para eliminar a acumulação de água na cobertura do edifício, retirando a tela asfáltica existente, corrigindo a pendente da laje da cobertura e recolocando nova tela asfáltica
B) Verificando-se a impossibilidade de reparação e/ou eliminação dos defeitos acima elencados nomeadamente os referidos nos pedidos A) b.; A) d. e A) g., deverá ser determinada uma redução do preço da fracção, porquanto a sua utilização, o seu valor e o valor da sua futura venda ficam inegavelmente prejudicados, relegando-se o cálculo dessa redução para execução da sentença;
C) Deve, ainda, a Ré ser condenada no pagamento de um valor indemnizatório por violação dos direitos ao descanso, ao sossego, ao repouso e à saúde do agregado familiar dos AA. o que também se relega para execução de sentença, no caso de impossibilidade de resolução do defeito identificado no pedido A) g;
D) Por fim, deve a Ré ser condenada no pagamento da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) por violação dos direitos ao descanso, ao sossego, ao repouso e à saúde do agregado familiar dos AA., pelos prejuízos existentes até à data e decorrentes dos defeitos referidos nos pedidos A) d e A) g, e na quantia de €10.000,00 (dez mil euros) pela impossibilidade de resolução do defeito identificado no pedido A) d;”
Como fundamento da referida pretensão, os Autores alegaram, em síntese que, são proprietários da fração autónoma identificada nos autos que adquiriram à Ré em Fevereiro de 2011, padecendo de variados defeitos que descreveram, que foram oportunamente denunciados à Ré, sem que esta tenha realizado as obras necessárias à sua eliminação.

2. A Ré deduziu contestação, suscitando a excepção do caso julgado, impugnando também os factos alegados pelos Autores.

3. Os Autores exerceram o contraditório, por escrito, relativamente à matéria de excepção, concluindo como na PI e peticionaram a condenação da Ré como litigante de má-fé.

4. Realizada tentativa de conciliação, a ré desistiu da invocação do caso julgado e, os autores desistiram do pedido de condenação da ré como litigante de má fé, que foi admitido por despacho proferido em acta.

5. Tendo sido proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, os autores apresentaram PI aperfeiçoada.

6. Dispensada a realização da audiência prévia, veio a ser proferido despacho saneador, que procedeu à fixação do objecto do litígio e temas de prova, que não mereceu reclamação.

7. Pelos Autores foi apresentado requerimento de ampliação do pedido, reformulando o pedido que haviam formulado na PI sob a alínea e), nos seguintes termos:
e) a realizar as reparações necessárias para resolver o problema do isolamento acústico e térmico das janelas e portadas, ou a substituição das mesmas caso se verifique necessário para resolver o problema referido.

8. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e condeno a ré: - A pagar aos autores a quantia de 2.698,26€;
- A proceder: - à realização de obras de reparação da divisão dos arrumos por forma a eliminar a humidade no grau que inviabiliza a utilização para o fim a que se destina; - ao entupimento da sanita da casa de banho de apoio aos dois quartos da fracção; - a reparar as janelas e as portadas da fracção eliminando as folgas que comprometem o isolamento acústico e térmico; e – à realização das obras para minorar até um grau de comodidade o ruído provocado pelos elevadores.
- A pagar a cada um dos autores a quantia de 2.000,00€, no total de 4.000,00€.
Absolvo, o mais, a ré dos pedidos.
Custas a cargo dos autores e da ré, na proporção de 2/7 e de 5/7, respectivamente.
Registe e notifique.”

9. Posteriormente esse dispositivo foi objecto de despacho de rectificação com o seguinte teor:
“Ref. 35114933:
Assiste inteira razão aos autores, tratando-se de um evidente lapso de escrita.
Na medida em que o admite o art. 613.º, n.º2, do nCPC, rectifico o dispositivo da sentença por forma a que onde se lê:
- A proceder: (…); - ao entupimento da sanita da casa de banho de apoio aos dois quartos da fracção; (…);
Se passe a ler:
- A proceder: (…); - ao desentupimento da sanita da casa de banho de apoio aos dois quartos da fracção; (…);
Notifique.”

10. Inconformada, a Ré/Apelante interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
A) A Ré/Recorrente invocou que antes da ocupação da fração pelos Autores, ou seja, aquando da entrada em funcionamento dos equipamentos de gás, sendo que os mesmos são vistoriados por entidades reguladoras que levam a cabo os respetivos testes de fuga na rede e as competentes análises de concentração de dióxido de carbono nos termos da lei.
B) Sendo certo que nessa altura não existia qualquer fuga, caso contrário o contador nunca teria sido instalado.
C) Assim os Autores não podem imputar a falta de estanquicidade do equipamento como falha do mesmo, uma vez que o equipamento instalado era atmosférico e não estanque.
D) Pelo que o equipamento em causa, fazia admissão de ar novo diretamente da parede exterior através das grelhas e os gases de combustão eram lançados através de uma conduta diretamente exterior.
E) E tanto assim é, que o relatório da DREN atribuiu o problema ao detetor interno do monóxido de carbono e não qualquer falta de estanquicidade.
F) Nesse sentido, e havendo um defeito na caldeira existente, a Ré/Recorrente promoveu a sua substituição, como resultou inequivocamente provado, dando assim cumprimento à sua obrigação de acordo com o disposto no art. 914º do Código Civil.
G) Sendo certo que a Ré/Recorrente fez por um equipamento de qualidade superior, sendo o novo equipamento estanque de valor de mercado superior ao inicialmente colocado.
H) Mais, e com o devido não pode o Tribunal a quo dar como provado que a segunda caldeira instalada pela Ré/Recorrente estava subdimensionada para área da fração, importando da rapidez do aquecimento, do consumo de gás, do desgaste do equipamento e custo da manutenção, uma vez que não existe qualquer prova documental sobre estes alegados factos a não ser as declarações prestadas pela Autora, que não podem ser valoradas na medida que a mesma tem interesse direto na causa.
I) Acresce que, se os Autores entenderam optar por um equipamento mais económico no ponto de vista de consumo energético, reduzindo assim o consumo de gás e mais rápido, já não se trata de uma substituição por defeito, mas sim apenas e simplesmente por opção dos Autores, pelo que a Ré/Recorrente não tem que proceder à restituição da quantia despendida por aqueles.
J) Quanto à questão das intervenções necessárias a minorar o ruído provocado pelos elevadores, a decisão começa por reconhecer expressamente que os Autores/Recorridos não lograram em provar o alegado quanto ao garantido pela Ré/Recorrente no que respeita à colocação dos elevadores na cave – uma vez que é impossível tecnicamente num prédio tão alto como este em crise.
K) Portanto quando os Autores adquiriram o imóvel bem sabiam que a casa das máquinas seria na cobertura do prédio, ou seja, por cima da fração em apreço.
L) Mais, aquando da vista do Perito Responsável do Laboratório de Acústica, resultou como provado que da análise de avaliação relativamente ao nível de avaliação dos equipamentos coletivos do edifício, constatou-se que cumprem os requisitos estabelecidos no DL n.º 129/2002 de 11 de maio, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 96/2008 de 09 de junho.
M) E de acordo com o disposto no artigo 5º, aliena h) do supra identificação Decreto Lei, refere que, “no interior dos quartos e zonas de estar dos fogos, o nível de avaliação, L(índice Ar, nT), do ruído particular de equipamentos coletivos do edifício, tais como ascensores, grupos hidropressores, sistemas centralizados de ventilação mecânica, automatismos de portas de garagem, postos de transformação de corrente eléctrica e instalações de escoamento de águas, deve satisfazer o seguinte:
i) L(índice Ar, nT) (igual ou menor que) 32 dB (A), se o funcionamento do equipamento for intermitente;
ii) L(índice Ar, nT) (igual ou menor que) 27 dB (A), se o funcionamento do equipamento for contínuo;
N) O que foi apurado pelo Perito, os elevadores são percetíveis/audíveis, particularmente nos momentos de arranque e de paragem, sendo o valor médio obtido de nível de avaliação foi L(índice Ar, nT) (igual ou menor que) 25 dB (A) e como tal bem inferiores ao valor máximo permitido, considerando o seu funcionamento intermitente.
O) Resultando como provado que da análise efetuada relativamente ao nível de avaliação de equipamentos coletivos – motores dos elevadores, constatou-se claramente que cumprem os requisitos estabelecidos no supra mencionado Decreto Lei.
P) Como é do conhecimento geral é de todo impossível construir um edifício que esteja 100% (cem por cento) isento de qualquer ruído, a razão pela qual, existe na nossa legislação o Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios, em que estabelece os parâmetros máximos e mínimos.
Q) No entanto, entendeu o Tribunal a quo, que deveria condenar a Ré/Recorrente a realizar as obras para minorar “até um grau de comodidade” (e salvo o devido respeito não se entende uma vez que estamos perante medição através de decibéis e não de graus), sendo que e volta-se a salientar o ruído provocado pelos elevadores, quando este está bem abaixo do valor máximo que é legalmente imposto é que nem sequer é igual ao valor máximo permitido.
R) Mais fica claro, que a Ré/Recorrente cumpriu com o anunciado e publicitado, para além do já exposto, utilizou todos os materiais existentes à época para que o prédio/a fração tivesse um bom isolamento acústico – cfr. consta da ficha técnica de habitação em crise “ parede dupla de tijolo vazado (15+11cm), com caixa de ar de 5 cm preenchida com lã de rocha de 4 cm de espessura com 70kg/m3 de densidade e estucada em cada lado com 2 cm de espessura.
S) Por outro lado, acresce que aquando da inspeção judicial de 12 de julho de 2022, foi notório e os Autores/Recorridos fizeram questão de mencionar que um dos elevadores estava sem funcionar desde o início da pandemia – o que é revelador de falta de manutenção daqueles por parte da entidade competente.
T) Mais é conhecimento dos Autores/Recorridos do que se está a passar com os elevadores, uma vez que em 05 de abril de 2021, houve uma assembleia geral de Condomínio, em que administração do prédio em crise, fez um enquadramento da situação, uma vez que tecnicamente os elevadores estão reprovados pela vistoria que se realiza anualmente pela Câmara Municipal do Porto, manifestando não conformidades do tipo C2 e C3, sendo que todas estas não conformidades são da responsabilidade da empresa B..., Lda..
U) Pelo que, a administração intentou uma ação judicial contra a B... Lda., para que entregassem toda a documentação dos elevadores e corrigissem os defeitos assinalados pela autoridade fiscalizadora, tendo a mesma sido condenada através de sentença judicial sob o processo n.º 9836/20.5T8PRT, no Juízo Local Cível do Porto –Juiz 5.
V) No entanto, em nova vistoria realizada após aludida sentença, os elevadores voltaram a ser reprovados, pelo que foi aprovado por unanimidade a substituição dos elevadores a ser efetuada pela empresa a C... – prova do supra referido é o Relatório do Perito, o Exmo. Sr. Arq. CC em resposta ao quesito na aliena G em que “informaram ainda que apresentaram proposta à administração do condomínio, para a substituição daqueles elevadores”.
W) Sendo assim, como parece evidente que é, e por força do que se invocou, a Ré/Recorrente não pode ser condenada a realizar as intervenções para minorar o ruído.
X) Mais a mais os elevadores apresentam anomalias provocadas pela empresa B... Lda.., pelo que os mesmos serão substituídos e de certeza por máquinas mais modernas e silenciosas.
Y) Por fim, quanto à fixação de indemnização relativa aos danos não patrimoniais no valor peticionado de € 2.000,00 para cada autor.
Z) A sentença recorrida condenou igualmente a Ré/Recorrente “no valor peticionado, ou seja, 2.000,00€ para cada autor”, a título de indemnização relativa aos danos patrimoniais sofridos.
AA)Com respeito na esta condenação, importa visitar os atinentes factos anteriormente dados como provados e correspondente motivação, pelo que deve conduzir à sua revogação, o se requer.
Concluiu, pedindo que a sentença recorrida proferida pelo tribunal a quo seja revogada e substituída por novo aresto que absolva a Ré/Recorrente dos pedidos contra si formulados nos autos.

11. Os Autores/Apelados não ofereceram contra-alegações.

12. Foram observados os vistos legais.
*
II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
*
As questões a decidir, no presente recurso, são as seguintes:
1ª Questão- Responsabilidade da Apelante pelo pagamento da caldeira;
2ª Questão- Realização de intervenções necessárias a minorar o ruído dos elevadores;
3ª Questão- Indemnização por danos não patrimoniais.
**

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1) A fração autónoma designada pelas letras “AU”, correspondente a uma habitação T4, no 6.º piso, com entrada pelo n.º...18 da rua ..., com um lugar de garagem e um compartimento para arrumos, estes no piso -5, com acesso pela n.º..., integrada no prédio constituído em propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º...08, encontra-se registada por compra a favor dos autores.
2) Os autores celebraram com a ré um contrato, por escritura pública outorgada em 14 de Fevereiro de 2011, pela qual declararam comprar pelo preço de 325.000,00€ e a ré declarou vender a fracção referida em 1).
3) A fracção identificada em 1) ocupa a metade do sexto andar do edifício.
4) É composta por hall, sala comum, cozinha, duas zonas de circulação, quatro quartos, quatro casas de banho, lavandaria, closet e uma ante-câmara, o que totaliza a área útil de 177,42 m2.
5) Dois dos quartos são suites, servidos por casa de banho privativa com entrada pelo próprio quarto.
6) Os outros dois quartos são servidos por uma casa de banho completa.
7) Existe uma quarta casa de banho de serviço.
8) Tem um terraço limitado por gradeamentos de 107,10 m2 que rodeia duas das três frentes do apartamento.
9) O piso superior ao da fracção corresponde à cobertura do edifício.
10) Na cobertura estão instaladas as máquinas de ventilação das casas de banho e cozinhas de todas as fracções.
11) A fracção tem um lugar de garagem para dois veículos automóveis no piso -5 com a área de 52,60 m2.
12) E um compartimento para arrumos com a área de 6,10 m2, também no piso -5.
13) O edifício identificado em 1) está integrado no complexo habitacional designado por “...”, composto por outros edifícios constituídos em propriedades horizontais autónomas entre si.
14) A ré construiu e vendeu as fracções do edifício identificado em 1). 15) No mapa de acabamentos entregue pela ré aos autores:
- É mencionado que a “qualidade dos materiais, o design e o requinte dos acabamentos que colocamos nos elementos exteriores do ... são bem o retrato dos apartamentos que concebemos”;
- São elencados os seguintes materiais: “portas de alta segurança, pavimento em soalho de afizélia, tectos falsos com sancas, cozinha equipada, móveis em carvalho, caldeira mural estanque, paredes e pavimentos em pedra natural – nas instalações sanitárias –, louças suspensas Roca, roupeiros iluminados”.
16) A ré publicitou as fracções em prospeto com as seguintes menções:
- “(…) forte aposta em soluções arquitectónicas que elevam os padrões de habitabilidade para níveis pouco vistos”;
- Garante “um excelente isolamento acústico e térmico”;
- Referindo-se, nas características, à colocação de “Tectos falsos com isolamento térmico-acústico” e a “Tela acústica entre pisos”.
17) Da ficha técnica de habitação constam os materiais e opções de construção.
18) Os autores remeteram à ré a carta datada de 22 de Maio de 2014 e recepcionada por esta em 22 de Maio de 2014 pela qual invocaram a fracção padecer das anomalias que elencaram da seguinte forma:
- “Vários problemas relativos à caldeira estanque instalada no apartamento em Janeiro de 2012, designadamente ser de inferior potência à inicialmente colocada o que se traduz num deficiente aquecimento dos espaços e verificar-se uma latente perda de pressão, com o equipamento a funcionar, o que de acordo com os vossos técnicos e picheleiros fica a dever-se à utilização sistemática do aparelho no máximo”;
- “Humidade na nossa garagem e arrecadação: com o mau tempo formam-se poças de água no chão da garagem; as infiltrações impossibilitam o uso dos arrumos”;
- “Sanita do wc comum aos dois quartos entupida, o que impede o seu uso total”;
- “Deficiente instalação de caixilharias de janelas e portadas em todo o apartamento que se traduz num mau isolamento térmico e sonoro com efeitos no consumo de energia e impedindo o nosso descanso”;
- “Ruído constante de água a pingar no WC da suite principal em dias de chuva impedindo o nosso descanso”;
- “Mau isolamento sonoro na suite principal e na sala em relação aos motores dos elevadores, usados por todos os moradores, que se encontram instalados junto às paredes das referidas divisões ao contrário do referido aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, impedindo o nosso descanso”;
- “Ruído produzido pelos radiadores quando em funcionamento, causando incómodo”;
- “Problemas na iluminação em alguns dos closets: com as portas correctamente fechadas as lâmpadas não se apagam, aumentando o consumo de energia”;
- “Deficiente isolamento sonoro entre habitações, impedindo o nosso descanso”;
- “Acumulação de água na cobertura do edifício, mesmo acima do apartamento, que levará a um desgaste precoce da cobertura e telas, com consequentes infiltrações, e que resulta que no local se juntem bandos de pássaros que constantemente sujam as varandas do apartamento”.
19) A fracção foi equipada com caldeira para aquecimento de águas sanitárias e para aquecimento central.
20) Da ficha técnica consta, quanto à ventilação e evacuação de fumos e gases, que “a evacuação de gases de aparelhos de queima através de condutas directas à fachada exterior através de conduta dupla para caldeiras estanques”.
21) Na vistoria promovida pelos autores à caldeira apurou-se a existência de uma fuga de monóxido de carbono.
22) E que a caldeira não era estanque.
23) Na sequência da vistoria, a DREN (Direcção Regional da Economia do Norte) solicitou a imediata interrupção do fornecimento de gás natural com fundamento no mau funcionamento do detector interno de monóxido de carbono da caldeira e da deficiente ventilação da zona da lavandaria onde se encontrava a caldeira.
24) A ré procedeu à troca da caldeira, instalando um equipamento estanque.
25) A caldeira instalada era subdimensionada para a área da fracção.
26) Por causa disso, a caldeira funcionava em esforço e tal implicava um maior consumo de gás, o desgaste mais rápido do equipamento, manutenções mais onerosas e o aquecimento mais lento.
27) Em Dezembro de 2015, os autores procederam à troca do equipamento referido em 24) por um novo equipamento.
28) Com o que suportaram o custo de 2.698,26€.
29) A divisão destinada a arrumos apresenta humidade.
30) No início do ano de 2014, os bens que os autores guardaram nos arrumos apresentavam marcas de humidade.
31) A humidade deve-se à falta de ventilação da divisão de arrumos e à deficiente impermeabilização das paredes e chão ao nível do piso -5.
32) Tal divisão não está dotada de grelhas que permitam uma circulação de ar e nem foi utilizada a tubagem de ventilação que passa dentro da divisão de arrumos para diminuir o teor de humidade no seu interior.
33) A sanita da casa-de-banho identificada na alínea 6) fica entupida.
34) Os roupeiros têm um sistema de iluminação que liga quando se abre uma porta e desliga quando se fecha a mesma.
35) Em data não determinada, o aparcamento da fracção ficou alagado com água.
36) Verifica-se a acumulação de água na zona periférica do lado sul da cobertura.
37) A presença de água atrai pássaros, nomeadamente gaivotas e pombos, acumulando-se, para além da água, dejectos de pássaros.
38) A acumulação de água tende a degradar a tela da cobertura.
39) As janelas e portadas da fracção são duplas.
40) As janelas e portadas apresentam folgas.
41) O que implica perdas térmicas.
42) E agrava o desconforto sonoro sentido no apartamento decorrente do vento, trânsito e afluência ao Estádio.
43) Existe risco de se soltarem.
44) Os motores dos elevadores foram fixados à parede que divide a sala e a suite principal das zonas comuns, dentro da caixa dos elevadores.
45) O ruído que os elevadores produzem é audível na sala e na suite principal da fracção.
46) E perturba o descanso dos autores.
47) É tecnicamente impossível a instalação dos motores dos elevadores na cave do edifício.
48) Na fracção sentem-se ruídos provenientes da fracção do 5.º piso.
49) O que se deve ao deficiente isolamento acústico entre as fracções.
50) O nível de ruído sentido na fracção têm tido influência negativa no descanso, sossego e repouso do agregado familiar dos autores.

2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a.- As áreas da fracção, a sua distribuição interna e as garantias de isolamento térmico-acústico foram determinantes para a decisão dos autores de procederem à sua compra.
b.- No que também pesou a garantia de acabamentos acima da média e a localização do edifício.
c.- Nas visitas ao imóvel e nas reuniões para acordarem alterações a efectuar à fracção, os autores demonstraram preocupação com a localização das máquinas dos elevadores do edifício.
d.- Perguntaram aos representantes da ré onde iriam ser instalados os elevadores.
e.- A ré referiu aos autores que as máquinas dos elevadores ficariam num dos pisos da cave, mais garantindo que nenhuma fracção sentiria qualquer ruído devido ao seu funcionamento.
f.- A caldeira instalada era de gama e qualidade inferior à colocada originariamente.
g.- E quando estava em funcionamento, os radiadores faziam ruído.
h.- Com a troca da caldeira desapareceram os ruídos provenientes do funcionamento dos radiadores.
i.- Para além do referido na carta mencionada na alínea 18), os autores insistiram junto da ré pela alteração da caldeira.
j.- Sem que o referido em 31) seja passível de ser solucionado. k.- Sem que o referido em 33) seja passível de ser solucionado.
l.- O entupimento da sanita da casa-de-banho deve-se à falta de manutenção.
m.- Por vezes, mesmo com as portas fechadas as luzes dos roupeiros ficam ligadas.
n.- Nos pisos de cave do edifício formam-se lençóis de água.
o.- O alagamento do aparcamento da fracção referido na alínea 35) resultou de água que transbordava das cisternas do edifício.
p.- As cisternas ficam numa divisão contígua ao lugar de aparcamento da fracção.
q.- A passagem dessa água pôs em perigo a estabilidade da parede que divide as duas divisões.
r.- Tal situação ocorre quando se verificam problemas nas cisternas decorrente do desnível do chão do lugar de garagem e da zona das cisternas.
s.- A água que alaga o aparcamento acumula-se dentro de uma caixa de electricidade que se localiza no pavimento.
t.- O transbordo das águas das cisternas ficou a dever-se à falta de manutenção das mesmas.
u.- A limpeza da cobertura será bastante para obstar aos danos na mesma. v.- Em dias de maior pluviosidade, sente-se na suite principal o constante
pingar de água proveniente da cobertura imediatamente por cima da casa de banho dessa suite.
w.- Tal ruído é susceptível de perturbar o descanso.
x.- A execução dos trabalhos necessários à reparação das deficiências e avarias elencadas demora 45 dias.
**

IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Questão prévia:
Primeiramente, impõe-se salientar que a Apelante cingiu o objecto do presente recurso a determinados segmentos decisórios, uma vez que a condenação que decorre da sentença recorrida é bem mais abrangente que os segmentos cuja reaprecição é solicitada a este Tribunal e, em suas palavras, cingiu-o a “três questões de direito:
1. Pagamento do valor despendido pelos AA na compra da nova caldeira (€2698,26)- condenação ínsita no segmento final da sentença proferida pelo tribunal a quo sob I) Da Caldeira;
2. Realizar intervenções necessárias a minorar o ruído provocado pelos elevadores- condenação vertida na parte final da referida sentença sob o IV);
3. Fixação de indemnização relativa aos danos não patrimoniais no valor peticionado de €2.000,00 para cada autor.
Acontece que, como veremos, os argumentos recursivos apresentados relativamente a cada uma daquelas questões confrontam-se com factos dados como provados ou como não provados, não tendo a Apelante incluído no presente recurso impugnação da decisão da matéria de facto, como admitiu desde logo.
Ainda que porventura não o tivesse dito expressamente e, persistissem eventuais dúvidas, resulta das conclusões de recurso, que balizam o objecto do conhecimento do Tribunal de 2ª Instância, que nenhum dos ónus de impugnação da decisão da matéria de facto exigidos pelo art. 640º do CPC foi cumprido, o que determinaria, sem mais, a rejeição do recurso nessa parte.
Para que fique claro, perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[2]
São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que, na impugnação da matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados e a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados, admitindo-se, tal como alguma jurisprudência e doutrina, que a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios possam constar apenas do corpo das alegações propriamente ditas, tal como as passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorre.
Neste sentido Ac STJ de 24/3/2021, em cujo sumário se pode ler: “Para efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC, de acordo com a abundante jurisprudência do STJ, importa distinguir, de um lado, entre as exigências da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados (art.º 640.º, n.º 1, al. a)), da especificação dos concretos meios probatórios convocados (art.º 640.º, n.º 1, al. b)) e da indicação da decisão a proferir (art.º 640.º, n.º 1, al. c)) - que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto - e, de outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados (art.º 640.º, n.º 2, al. a)) - que visa facilitar o acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação.
Enquanto a inobservância das primeiras (art.º 640.º, n.º 1, als. a), b) e c)) implica a rejeição imediata do recurso na parte infirmada, o incumprimento ou o cumprimento deficiente da segunda (art.º 640.º, n.º 2, al. a)) apenas acarreta a rejeição nos casos em que dificultem, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte.”[3]
No caso sub judice a Apelante não fez constar das conclusões de recurso qualquer concreto ponto de facto que considere incorrectamente julgado.
Tal como exemplarmente sintetiza o recente Ac STJ de 19/1/2023, “Entre os corolários do ónus de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consagrado no nº 1 do art. 640ºdo Código de processo Civil, está o de que o recorrente deve sempre indicar nas conclusões de recurso de apelação os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados.
(…)Em decisões sobre o modo de exercício dos poderes previstos no art. 640.º do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça tem distinguido um ónus primário e um ónus secundário — o ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, e o ónus secundário de facilitação do acesso “aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida”, consagrado no n.º 2 [4].
(…) o ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, analisa-se ou decompõe-se em três:
Em primeiro lugar, “[o] recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” [5]. Em segundo lugar, “deve […] especificar, na motivação, os meios de prova que constam do processo ou que nele tenham sido registados que […] determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos” [6]. Em terceiro lugar, deve indicar, na motivação, “a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [7].
Se as conclusões de recurso balizam o conhecimento do tribunal ad quem, compreende-se a exigência de nelas constarem os concretos pontos de facto impugnados, sob pena de poder ser apreciado algum ponto de facto com o qual a parte recorrente se conformou, desvirtuando-se o principio da auto-responsabilidade das partes.”[4]
Por conseguinte, a especificação dos concretos pontos de facto cuja impugnação pretende o recorrente, deve constar das conclusões recursórias, sob pena de rejeição imediata do recurso da impugnação da matéria de facto, por incumprimento do ónus previsto no art. 640º do CPC (omissão absoluta).[5]
Essa omissão resulta evidente no presente recurso, não constando em nenhuma das conclusões de recurso impugnados qualquer um dos concretos pontos dos factos provados, ou dos factos não provados elencados na sentença recorrida.
A Apelante apesar de nalgumas conclusões fazer referência a alguns factos dados como adquiridos na sentença recorrida, com os quais aparentemente não concorda, fazendo menção, designadamente na conclusão H) “que o tribunal não pode dar como provado”, alegados factos sobre a caldeira, “por não existir qualquer prova documental sobre eles e as declarações prestadas pela Autora não poderem ser valoradas na medida em que tem interesse direto na causa”, revelando um inconformismo com parte dos factos ponderados pelo tribunal a quo que determinaram a sua condenação no pagamento da nova caldeira, acaba por não impugnar nenhum dos factos dados como provados ou como não provados sobre essa matéria da caldeira ( vertidos nos pontos 19 a 28 dos factos provados e nos pontos f. a i. dos factos não provados), não fazendo uma única referência a esses ou outros pontos de facto, não alegando qual deveria ter sido a decisão alternativa, ou que meios de prova impunham decisão diferente da proferida, reduzindo-se a pôr em causa, de forma inconsequente, a livre convicção do tribunal.
Perante as conclusões de recurso em apreço este Tribunal vê-se perante uma alusão vaga, genérica e de mero inconformismo por parte da Apelante atinente ao julgamento da matéria de facto, delas não constando, desde logo, quais os concretos pontos de facto impugnados, núcleo mínimo cuja alegação nas conclusões era indispensável para que se pudesse conhecer, se fosse essa a pretensão da Apelante, da decisão sobre a matéria de facto subjacente à condenação determinada a final.
Já Abrantes Geraldes ensina, de forma lapidar, “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.
Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”[6]
Em suma, analisadas as conclusões de recurso da Apelante, para além de ter alegado que cingia o recurso a três “questões de direito”, efectivamente nelas revela inconformismo com a valoração da prova efectuada pelo tribunal a quo, sem, contudo, ter cumprido o elementar ónus primário de especificação dos concretos pontos de facto que eventualmente considere incorrectamente julgados, não tendo observado os ónus impostos pelo referido art. 640º nº 1 al. a) a c) do CPC.
E, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, contrariamente ao recurso da matéria de direito ( art. 639º nº 3 do CPC), não existe a faculdade de ser prolatado despacho de aperfeiçoamento, não podendo o efeito da rejeição previsto no art. 640º do CPC ser precedido de convite ao aperfeiçoamento.[7]
Deste modo, anda que se pudesse suscitar a dúvida sobre se a Apelante pretendia contemplar neste recurso, face aos termos que utiliza nalgumas das conclusões, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, dela nem sequer se poderia conhecer, por não ter sido dado cumprimento aos ónus consagrados no art. 640º nº 1 do CPC.
Tudo isto para concluir, previamente à apreciação de cada uma das questões que nos foram colocadas, que a decisão terá como pressuposto que toda a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida está estabilizada e, será com base nela que a decisão recorrida será reapreciada.

1ª Questão - Responsabilidade da Apelante pelo pagamento da caldeira.
Consta dos autos (pontos 1, 2 e 14 dos factos provados) que foi a Apelante quem construiu e vendeu as frações do edifício identificado nos autos, inclusivamente a fração autónoma designada pelas letras AU adquirida pelos Apelados à Apelante por escritura pública de compra e venda outorgada em Fevereiro de 2011.
Em Maio de 2014 os Apelados denunciaram, por carta, à Apelante uma série de anomalias de que padecia a fração por eles adquirida, dela constando, designadamente, “vários problemas relativos à caldeira estanque instalada no apartamento em Janeiro de 2012, designadamente ser de inferior potência à inicialmente colocada o que se traduz num deficiente aquecimento dos espaços e verificar-se uma latente perda de pressão, com o equipamento a funcionar, o que de acordo com os vossos técnicos e picheleiros fica a dever-se à utilização sistemática do aparelho no máximo” ( ponto 18 dos factos provados).
Conforme se extrai dos pontos 19 a 24 dos factos provados, a fração fora equipada com uma caldeira para aquecimento de águas sanitárias e para aquecimento central, constando da ficha técnica a menção a caldeiras estanques, contudo, após vistoria à caldeira, promovida pelos Apelados, apurou-se a existência de uma fuga de monóxido de carbono e que a caldeira não era estanque (ponto 22 dos factos provados), contrariamente ao alegado pela Apelante, o que determinou que, na sequência da vistoria, a DREN tenha solicitado a imediata interrupção do fornecimento de gás natural com fundamento no mau funcionamento do detector interno de monóxido de carbono da caldeira e da deficiente ventilação da zona da lavandaria onde se encontrava a caldeira.
Não estando a caldeira em conformidade com as normas técnicas e com o que estava garantido na ficha técnica da fração, havendo um defeito nessa caldeira, como a própria Apelante admite na Conclusão F), a Apelante procedeu à troca da caldeira, instalando um equipamento estanque (ponto 24 dos factos provados).
Acontece que, está dado como provado que esta segunda caldeira que a Apelante lá instalou, em substituição da inicialmente instalada, era subdimensionada para a área da fração e, por causa disso, a caldeira funcionava em esforço e tal implicava um maior consumo de gás, o desgaste mais rápido do equipamento, manutenções mais onerosas e o aquecimento mais lento (pontos 25 e 26 dos factos provados).
Pese embora a troca da caldeira defeituosa efectuada pela Apelante, a caldeira que lá instalou, apesar de já não padecer do defeito inicial de falta de estanquicidade, não era a adequada à dimensão da fração e ao fim a que se destinava, funcionando em esforço e implicando um aquecimento mais lento, apresentando desconformidade relevante, que foi oportunamente reportada à Apelante na carta de Maio de 2014, sem que a Apelante tenha procedido à sua substituição, até que os Apelados procederam à troca dessa caldeira por uma nova, cujo custo de €2.698,26 suportaram, dele pretendendo ser reembolsados pela Apelante por estar obrigada à referida substituição, sem que o tenha feito durante mais de 1 ano, apesar de terem sido interpelados para o fazer.
O tribunal a quo enquadrou, correctamente, a questão no âmbito da compra e venda de coisa defeituosa, assinalando ainda que a Apelante assumiu perante os Apelados simultaneamente a qualidade de vendedora e construtora (regime da empreitada), chamando também à colação o regime da compra e venda de bens de consumo, previsto no DL nº 67/2003 de 8/4, enquadramento esse que não foi questionado pela Apelante.
A propósito da questão da caldeira fez-se menção na sentença recorrida ao facto de “o direito que assiste ao consumidor é o de, perante o defeito, exigir que a coisa seja substituída sem encargos, sendo certo que, tratando-se de defeito apontado a coisa imóvel (o que vale para equipamento instalado na coisa imóvel vendida), a substituição deve ser realizada “dentro de um prazo razoável”, tal qual resulta do disposto no art. 4º nº 1 e 2 do DL nº 67/2003 de 8 de Abril.
Não é pois reconhecido ao consumidor o direito de, pretendendo proceder à eliminação dos defeitos, fazê-lo por si (ou pretender fazê-lo), em jeito de acto de autotutela, e exigir do vendedor o custo da reparação ou da substituição da coisa.
O que bem se compreende. Na verdade, a obrigação que se faz impender sobre o vendedor de eliminação dos defeitos, pela reparação ou substituição, assenta no justo equilíbrio decorrente do propósito de tutela dos interesses de ambos os contraentes, inclusive do próprio vendedor em controlar os seus custos e evitar os prejuízos causados pelo defeito (cfr. o explicado por Cura Mariano, em regime em tudo análogo e que é o da empreitada, em que também aí não é admitida como regra a auto-tutela. Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Livraria Almedina, Coimbra: 2005, p. 115).
Só assim não será, por exemplo, numa situação que se configure como de urgência, sob pena de dar guarida a uma actuação do vendedor em abuso do direito, mantendo o comprador numa situação de impasse à revelia da ratio legis ou do equilíbrio de interesses que o legislador teve em mente ao fazer impender sobre o vendedor a obrigação de eliminação dos defeitos (e simultaneamente lhe reconhecer o direito de o fazer por si) (hipótese há muito reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência, ainda que em regimes quanto a este aspectos paralelos como os de empreitada e empreitada de bens de consumo. cfr. Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 5.ª Edição, Livraria Almedina: Coimbra, 2008, p. 104, a propósito do regime do contrato de empreitada de bens de consumo, Cura Mariano, ob. cit., pps. 149 a 151, bem como, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 2004, proferido no proc. n.º04B11296, e de 24 de Maio de 2018, proferido no proc. n.º1516/15.0T8AVR, ambos publicados na base de dados da DGSI).
Dito isto,
Sendo certo que o deficiente funcionamento da caldeira com as repercussões que isso tinha mesmo ao nível do aquecimento insatisfatório e do agravamento dos custos, não redundasse num qualquer perigo iminente para os direitos pessoais dos autores ou mesmo para a integridade do imóvel, julga-se que, tendo os mesmos comprado a fracção com tal equipamento, é legítima a expectativa que a caldeira funcione e que funcione bem e de beneficiar do conforto na habitação que o mesmo proporciona.
Atenta o melhoramento dos parâmetros tidos actualmente como essenciais para reconhecer que um imóvel tem condições habitacionais, a urgência de reparação ou substituição não reside só ante a iminente queda de um telhado, a falta de electricidade ou abastecimento de água, a avaria do fogão ou o risco de incêndio… mas é também de afirmar perante o deficiente funcionamento de equipamentos de que o imóvel disponha e que permitem o conforto, como é o caso da caldeira que faz funcionar o aquecimento central ou os aparelhos de ar condicionado.
Acresce que o contexto no qual os autores procederam a tal substituição também legitima tal conclusão: de facto, já o primeiro equipamento apresentava defeito – porque não tinha as caraterísticas anunciadas e porque permitia a fuga de dióxido de carbono – e os autores aguardaram a substituição pela ré; ora, perante o defeito da segunda caldeira, deverá considerar-se que esta não logrou eliminar o defeito da coisa (ainda que o defeito manifestado seja diverso). Ora, sendo certo que compete ao vendedor proceder à substituição, o comprador não tem a obrigação de lhe conceder sucessivas oportunidades, pois tal extravasa o já supra referido equilíbrio de interesses que esteve subjacente à opção legal (cfr. idêntica argumentação, em regime paralelo mobilizada, por Cura Mariano a propósito do direito do dono da obra no âmbito da empreitada. ob. cit., pps. 152 e 153).
Assim, perante a denúncia do defeito da segunda caldeira em Maio de 2014 e a inércia da ré até Dezembro de 2015, ou seja, já em pleno segundo Inverno após a denúncia, julga-se que de todo não se impunha aos autores dar nova oportunidade à ré de proceder à substituição e que, inclusive, tendo-lho permitido, ante o tempo decorrido, estava ultrapassado o “prazo razoável” que a ré dispunha para corrigir o defeito.
Pelo exposto, julga-se que, tendo ficado provado que os autores substituíram a caldeira e suportaram o seu custo e o da instalação, se justifica reconhecer-lhes o direito a haver da ré tal valor, ou seja, 2.698,26€.”
Em sede do presente recurso a Apelante não alega que tivesse pretendido fazer nova substituição da caldeira e tenha sido impedida, ou que os Apelados tenham procedido à substituição sem lhe ter sido dada a oportunidade para ela própria a substituir, apenas sustenta que foram os Apelados que decidiram optar por um equipamento mais económico do ponto de vista de consumo energético e mais rápido, não se tratando de uma substituição por defeito, mas uma mera opção dos Apelados, concluindo que por isso não têm direito à restituição da quantia que despenderam.
Essa sua objecção não encontra um mínimo de respaldo na matéria de facto dada como provada, pelo contrário, como acima salientamos, a segunda caldeira também não servia para a sua função normal de acordo com a dimensão da fração e, sendo assim, essa desconformidade imputável à Apelante sempre daria direito aos Apelados a requerer novamente a sua substituição, pelo que, tendo-o feito sem que a Apelante se tenha disposto a substituir a segunda caldeira, o tribunal a quo admitiu, quanto a nós bem, que não era exigível aos Apelados que aguardassem indefinidamente que a Apelante se dispusesse a substituí-la atendendo à manifesta repercussão daquela falha no dia-a-dia quer no aquecimento da água, quer no aquecimento central, até porque se a Apelante pretendesse ser ela a substituir novamente a caldeira teve muito tempo para o fazer, não tendo dado qualquer sinal de que o pretendesse fazer.
Existindo desconformidade na caldeira instalada pela Apelante na fração por ela construída e vendida aos Apelados, que condiciona o seu pleno e correcto funcionamento, afectando o uso normal a que se destina, existe defeito e, por conseguinte, direito dos Apelados a requerer novamente a sua substituição num prazo razoável, prazo esse que assim que ultrapassado, lhes permite proceder à sua substituição exigindo da Apelante o reembolso dos custos respectivos para eliminação da caldeira defeituosa, que foi manifestamente o que ocorreu.
A propósito da venda de coisas defeituosas refere o art. 913º nº 1 CCivil que “se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.”
Como disposição interpretativa, manda o nº2 do art. 913º CCivil, atender para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria.
Já Pires de Lima e A. Varela alertavam que, “o regime estabelecido nos arts. 913º ss se refere apenas às coisas defeituosas ( às coisas com defeito ) e que, entre os defeitos da coisa, se aplica somente aos defeitos essenciais, seja porque impedem a realização do fim a que a coisa se destina, seja porque a desvalorizam na sua afectação normal, seja porque a privam das qualidades asseguradas pelo vendedor. São estas conotações de carácter objectivo- mais do que o erro do comprador ou o acordo negocial das partes- que servem de real fundamento aos direitos especiais concedidos pela lei ao comprador e que justificam, pela especial perturbação causada na economia do contrato, os desvios contidos nesta secção ao regime comum do erro sobre as qualidades da coisa.”[8]
A noção de defeito implica, assim, a existência de um vício que desvalorize ou impeça a realização do fim a que a coisa se destina, independentemente de esse vício se manifestar posteriormente à celebração do contrato, desde que, nessa altura, já existisse em potência.
“A coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme àquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo, enquanto que a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado. Os vícios e as desconformidades constituem o defeito da coisa.
(…) O facto de o defeito da coisa ser superveniente, isto é, de sobrevir após a celebração do contrato, não impede a aplicação destas regras sobre incumprimento, derivado do vício da coisa. Na realidade, o art. 918ºCC, relativamente às situações de defeito superveniente, remete para as regras gerais do não cumprimento, mas o facto de se remeter para o regime do não cumprimento não impede que, depois, nas particularidades próprias advenientes dos vícios, se apliquem os arts. 913º ss CC.
A falta de qualidade pode igualmente ser aferida em função do que foi assegurado(…)
Deste modo, também se estará perante uma coisa defeituosa se ela for de qualidade diversa da acordada.”[9]
Em face da matéria de facto apurada, resulta claro que mesmo a segunda caldeira, instalada pela Apelante cerca de um ano depois da venda da fração, porque a primeira não era estanque e tinha uma fuga de monóxido de carbono, padecia de vícios que, para além de necessariamente a desvalorizarem, dificultavam a realização do fim a que se destinava, não permitindo um rápido aquecimento e, como estava em esforço apresentava um maior desgaste e custo de manutenção, bem como acarretava maior consumo de gás.
Como defende Pedro Romano Martinez, “As consequências da compra e venda de coisas defeituosas determinam-se atentos três aspectos: em primeiro lugar, na medida em que se trata de um cumprimento defeituoso, encontram aplicação as regras gerais da responsabilidade contratual (arts. 798º ss CC); segundo, no art. 913º, nº 1 CC faz-se uma remissão para a secção anterior, que respeita à compra e venda de bens onerados; terceiro, nos arts. 914ºssCC, para a compra e venda de coisas defeituosas, estabeleceram-se algumas particularidades.” [10]
Os arts. 798º, 562º e 563º do CCivil estabelecem quais os pressupostos da responsabilidade civil contratual ou obrigacional: o incumprimento do contrato; por acto imputável ao devedor(culpa); do qual resultem danos; havendo nexo de causalidade entre o incumprimento e os danos.
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art. 798º CPC).
Na responsabilidade contratual incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º nº 1 do CPC).
“Positivamente, podemos partir de um conceito amplo, como o de Pessoa Jorge: a execução defeituosa será aquela em que o devedor «realiza a totalidade da prestação (ou parte dela, visto poder verificar-se uma execução parcial e defeituosa), mas cumpre mal, sem ser nas condições devidas». Também segundo Pedro Romano Martinez «sempre que o devedor realiza a prestação a que estava adstrito, mas esta não corresponde, totalmente, à que era devida, a violação contratual subsume-se ao cumprimento defetuoso». Podemos, assim, assentar que a prestação oferecida não reveste as características acordadas ou devidas, é imprópria.”(Catarina Monteiro Pires, Contratos, Perturbações na Execução, p. 123).
Provado o cumprimento contratual defeituoso decorrente da desconformidade do bem vendido (neste caso uma instalação integrada no imóvel vendido), cuja prova incumbia aos Apelados/compradores (art. 342º nº 1 do CCivil), presume-se que esse incumprimento é imputável à Apelante/vendedora (art. 799º nº 1 do CCivil).
Há, pois, uma presunção legal iuris tantum de culpa do devedor no incumprimento obrigacional. Ao credor basta provar a celebração de um contrato, o objecto do mesmo e o incumprimento da obrigação ou cumprimento defeituoso.
O vendedor responde perante o comprador pela falta de conformidade que exista no bem que lhe for entregue, pelo que, não o substituindo em prazo razoável deve arcar com o custo que o comprador suportou ao promover ele próprio pela substituição.
Soçobra, assim, a pretensão recursiva atinente ao reembolso do custo da nova caldeira, devendo a Apelante dele ressarcir os Apelados.

2ª Questão- Realização de intervenções necessárias a minorar o ruído dos elevadores.
Os Apelados haviam formulado no final da petição inicial pedido sob o ponto A) g. de condenação da Apelante “a encontrar uma solução para a colocação das máquinas dos elevadores nos pisos da cave, conforme sempre indicou que o faria aos AA, ou, não sendo esta possível, a promover todas as obras que se mostrem necessárias para impedir que o ruído do funcionamento dos elevadores chegue à fração dos AA.”
Tem razão a Apelante quando alega que os Apelados não lograram provar o por si alegado quanto ao garantido pela Apelante no que respeita à colocação dos motores dos elevadores (pontos c., d. e e. dos factos não provados), porquanto foi dado como não provado que a Apelante tenha referido aos Apelados que as máquinas dos elevadores ficariam num dos pisos da cave, mais garantindo que nenhuma fração sentiria qualquer ruído devido ao seu funcionamento.
No entanto, desse facto não provado nada de positivo se extrai, não permitindo afirmar, contrariamente ao sustentado pela Apelante, que desse facto não provado se conclua que quando os Apelados adquiriram o imóvel bem sabiam que a casa das máquinas seria na cobertura do prédio, por cima da sua fração.
Relativamente à matéria dos elevadores está dado como provado que:
- na carta remetida à Apelante em Maio de 2014, os Apelados queixaram-se do “mau isolamento sonoro na suite principal e na sala em relação aos motores dos elevadores, usados por todos os moradores, que se encontram instalados junto ás paredes das referidas divisões ao contrário do referido aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, impedindo o nosso descanso” (ponto 18 dos factos provados);
- os motores dos elevadores foram fixados à parede que divide a sala e a suite principal das zonas comuns, dentro da caixa dos elevadores (ponto 44 dos factos provados),
- o ruído que os elevadores produzem é audível na sala e na suite principal da fração (ponto 45 dos factos provados);
- e perturba o descanso dos Apelados (ponto 46 dos factos provados);
- é tecnicamente impossível a instalação dos motores dos elevadores na cave do edifício (ponto 46 dos factos provados).
Perante esta factualidade, resulta evidente que a pretensão principal formulada pelos Apelados teria de improceder por ser tecnicamente impossível que a Apelante colocasse as máquinas dos elevadores nos pisos da cave, porém, os Apelados, acautelando tal hipótese, formularam pedido subsidiário de condenação da Apelante a promover todas as obras que se mostrem necessárias para impedir que o ruído do funcionamento dos elevadores chegue à sua fração.
É do mais elementar senso comum que o funcionamento dos elevadores produz ruído, com maior ou menor intensidade, é certo, consoante o modelo instalado, mas ainda assim passível de ser audível nas diversas frações do edifício, naturalmente de forma mais acentuada na fração que se localize por baixo da cobertura onde se instalou a casa das máquinas.
A escolha do tipo de elevador terá sido feita, como em regra acontece, pela construtora do edifício, porém, não está questionada essa escolha, nem os Apelados pedem da Apelante a alteração do tipo de elevador lá instalado, apenas que promova as obras necessárias a impedir que o ruído do funcionamento dos elevadores chegue à sua fração, de forma a deixar de ser audível na sala e na suite principal da fração, como se provou ser audível ao ponto de perturbar o descanso dos Apelados.
Esta questão reconduz-se também ao alegado deficiente isolamento acústico da fração, estando provado, com interesse para esta questão, que a Apelante publicitou as frações, em prospecto, garantindo “um excelente isolamento acústico” (ponto 16 dos factos provados).
Na sentença recorrida, quanto a esta pretensão, a Apelante foi condenada à realização das obras para minorar até um grau de comodidade o ruído provocado pelos elevadores.”
A Apelante teceu uma série de alegações de facto nas Conclusões K) a V) para obviar à referida condenação de realização de obras para minorar o ruído sentido na fração dos Apelados provocado pelo funcionamento dos elevadores que, mais uma vez, não encontram qualquer respaldo nos factos dados como provados na sentença recorrida.
Uma coisa são os meios de prova utilizados pelo tribunal a quo para dar como provada ou não provada a factualidade alegada pelas partes, outra coisa são os factos provados que alicerçam a sua decisão e, relativamente aos níveis de ruído sentido na fração dos Apelados decorrente do funcionamento dos elevadores, embora conste dos autos uma perícia, os factos mencionados pela Apelante naquelas conclusões de recurso não foram elencados nos factos provados ou não provados e, como tal, não podem ser atendidos.
De todo o modo sempre se dirá que, embora a Apelante tenha alegado que ficou apurado que os elevadores são percetíveis/audíveis, particularmente nos momentos de arranque e de paragem, sendo o valor médio obtido de nível bem inferior ao valor máximo legalmente permitido, considerando o seu funcionamento intermitente, cumprindo claramente os requisitos estabelecidos no DL nº 129/2002 de 11/5 com as alterações introduzidas pelo DL nº 96/2008 de 9/6, nada disso foi dado como provado.
Não obstante, o que resultou provado é que, independentemente de estar ou não dentro do limite máximo de ruído exigido pelo referido diploma legal, a Apelante havia publicitado a fração garantindo um excelente isolamento acústico, porém o ruído que os elevadores produzem é audível na sala e na suite principal da fração dos Apelados (ponto 45 dos factos provados) e perturba-lhes o descanso (ponto 46 dos factos provados).
Aquela objecção colocada pela Apelante já fora afastada na sentença recorrida, dela constando a seguinte menção:
“Sendo colocada relevante tónica no isolamento acústico e nos padrões de habitabilidade, anunciando tal caraterística como superior, mais do que ser legítima a expectativa do comprador, terá de se reconhecer que constitui obrigação do vendedor fornecer a coisa dotada de tais qualidades superiores.
De facto, fornecer a coisa com as caraterísticas comuns ou conformes com o legalmente exigido não basta, porque isso é um pressuposto, um liminar mínimo, quando o vendedor o anunciou “como mais”.
Por exemplo, a Lei n.º75/2009, de 12 de Agosto, prevê o teor máximo de sal no pão; se um comerciante anunciar “pão com baixo teor de sal”, só cumprirá a obrigação conforme ao anunciado se o pão que vender tiver valor inferior ao legalmente imposto.
Desta forma, o argumento de que a construção está dotada de caraterísticas que criam um nível de insonorização que se contem nos limites legais impostos pelo Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/2002, de 11 de Maio, com as alterações introduzidas pelo DL n.º96/2008, de 9 de Junho, não procede, pois que tais limites são impostos para todo o tipo de edifícios habitacionais, mesmo às construções mais modestas e construídas a custos controlados.
O edifício em causa, seja pelas caraterísticas com que foi anunciado, com apelo a elevados padrões de habitabilidade, à qualidade dos materiais e ao nível dos equipamentos, seja inclusive pelo preço, pressupõe ser um produto acima da média.
Assim, não se pode julgar conforme quando o nível de ruído, provocado pelo funcionamento dos elevadores, é audível na sala e no quarto principal, num grau incomodativo.”
Se aquela fração fica por baixo da casa das máquinas dos elevadores, colocada na cobertura e, se os motores dos elevadores foram fixados à parede que divide a sala e a suite principal das zonas comuns, dentro da caixa dos elevadores, sendo o ruído que os elevadores produzem audível na sala e na suite principal da fração dos Apelados, competia à Apelante, disso sabedora, ter providenciado pelo reforço do isolamento sonoro das paredes envolventes daquela específica habitação, sabendo que o nível de ruído nela seria necessariamente mais audível, como se apurou ser.
Não o tendo feito, temos de concluir que ficou demonstrada mais uma execução defeituosa prestada pela construtora/vendedora, desta vez quanto ao isolamento acústico da fração.
Sustenta a Apelante que cumpriu com o anunciado e publicitado (o que é contrariado pelos factos dados como provados), que utilizou todos os materiais existentes à época para que o prédio/fração tivesse um bom isolamento acústico (matéria que não consta dos factos dados como provados), mas mesmo que o tivesse feito e tal não foi dado como provado, prova essa que lhe competia, não surtiu efeito, existindo um nível de ruído emergente do funcionamento dos elevadores que é audível em zonas da fração dos Apelados onde não é suposto aquele tipo de ruído alcançar um nível a ponto de perturbar o descanso (admitimos como possível que se a parede que com ele confrontasse fosse a parede da cozinha provavelmente o ruído pouco ou nenhuma interferência teria com o descanso dos Apelados).
Se a Apelante não reforçou o isolamento sonoro das paredes envolventes da fração com as dos elevadores antes de vender a fração, deverá fazê-lo agora, por forma a minorar o ruído sentido na sala e na suite principal da fração dos Apelados, não lhe tendo sido exigido na sentença que o eliminasse.
Se um dos elevadores não funciona por falta de manutenção, se foram reprovados por não conformidades da responsabilidade de outra empresa, se a administração do condomínio tenciona substituir os elevadores (factos que não constam do elenco dos factos vertidos na sentença recorrida) são tudo afirmações irrelevantes em termos da responsabilidade assacada à Apelante e que não contendem com a condenação que lhe foi imposta- não foi determinado que a Apelante substituísse ou reparasse as desconformidades que eventualmente apresentem os elevadores, apenas lhe foi determinado que realize as obras para minorar até um grau de comodidade o ruído provocado pelos elevadores.
Foi esse o sentido da condenação vertida na sentença recorrida, a realização de obras dentro da fração dos Apelados, primordialmente nas paredes envolventes com as dos elevadores, de reforço do isolamento acústico, para minorar o ruído que chega à sala e à suite principal, de forma a não lhes perturbar o descanso, aludindo-se na sentença “a intervenção nas paredes meeiras das caixas dos elevadores para debelar o ruído e levá-lo a um grau aceitável”.
Deste modo, não estando a Apelante impossibilitada de realizar as obras que lhe foram determinadas para minorar o ruído que se faz sentir na sala e na suite principal da fração dos Apelados derivado do funcionamento dos elevadores, mantém-se também este segmento decisório.

3ª Questão- Indemnização por danos não patrimoniais.
Quanto a esta questão a Apelante pediu a revogação da sua condenação no pagamento de “€2.000,00 para cada autor a título de indemnização relativa aos danos patrimoniais sofridos”.
Admitindo que se trate de um lapso e a Apelante tenha querido referir-se à indemnização relativa aos danos não patrimoniais, ainda assim não vemos como “visitando os atinentes factos anteriormente dados como provados e correspondente motivação” deva conduzir à sua revogação, como sustenta nas Conclusões Z) e AA).
Tal como consta da sentença recorrida, a esse propósito, foi dado como provado no ponto 46 dos factos provados que o ruído provocado pelos elevadores na sala e na suite principal da fração dos Apelados, perturba o seu descanso, derivado do deficiente isolamento acústico aplicado pela Apelante (em desconformidade com o que havia publicitado e garantido aquando da venda das frações) causando aquele cumprimento contratual defeituoso a violação do direito à saúde, ao sono, ao sossego, ao repouso, um direito de personalidade constitucionalmente protegido (arts. 25º e 66º da CRP), cuja violação pela gravidade que assume na saúde e personalidade psicossomática dos Apelados merece proteção à luz do disposto no art. 496º do CC.
No artº 70º do CC reconhece-se o direito geral de personalidade onde se integram o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono, que são aspectos do direito à integridade pessoal, estando também assegurado no art. 66º nº 1 da CRP o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado.
Essa preocupação está espelhada na Lei de Bases da Política do Ambiente- 19/2014 de 14/4 - no art. 11º al. c) esclarece que “a política de ambiente tem, também, por objeto os componentes associados a comportamentos humanos, nomeadamente as alterações climáticas, os resíduos, o ruído e os produtos químicos, designadamente com os seguintes objetivos: a redução da exposição da população ao ruído é assegurada através da definição e aplicação de instrumentos que assegurem a sua prevenção e controlo, salvaguardando a qualidade de vida das populações e a saúde humana.
De igual modo o RGEU determina que “as edificações devem ser construídas e intervencionadas de modo a garantir a satisfação das exigências essenciais de resistência mecânica e estabilidade, de segurança na sua utilização e em caso de incêndio, de higiene, saúde e protecção do ambiente, de protecção contra o ruído(…).”
Também foi defendida na sentença, a nosso ver bem, que a violação desse tipo de direitos poderá ocorrer ainda que eventualmente o ruído se mantenha dentro dos limites consagrados no Regulamento Acústico dos Edifícios, como vem sendo defendido pela jurisprudência (neste sentido, p.ex. Ac STJ de 29.11.2016, Proc. 7613/09.3TBCSC.L1.S1 e Ac RG de 18.03.2021, Proc. Nº 2641/19, www.dgsi.pt).
Como defendeu Cecília Agante, referindo-se ao Regulamento Geral do Ruído (D.L. n.º 9/2007, de 17.01), “embora este Regulamento estabeleça limites para a poluição sonora, entende-se que ele apenas tem efeitos dentro da atividade administrativa e no seu âmbito, não podendo interferir com a salvaguarda dos direitos de personalidade, cuja proteção se não esgota no limite do ruído estabelecido no diploma.”[11]
Verificado que o ruído emergente do funcionamento dos elevadores perturba o descanso dos Apelados, o que não é de estranhar porque se faz sentir na suite principal da fração e na sala, locais de eleição para o merecido repouso, tranquilidade e descanso, contrariamente ao que lhes havia sido garantido pela Apelante quanto a um excelente isolamento acústico da fração, perturbação que ocorre há mais de 9 anos ( já havia sido reportado tal defeito em Maio de 2014), que afecta o dia-a-dia dos Apelados, pois não se trata de uma situação esporádica, mas que se repetirá de forma recorrente e intermitente atendendo ao número de habitações que o edifício tem, afigura-se-nos que pela sua gravidade merece a tutela do direito, considerando-se a importância da indemnização atribuída de €2.000,00 para cada Apelado, a compensação justa e adequada à perturbação causada no descanso dos Apelados, pelo que, também nenhuma censura nos merece este segmento decisório relativo à indemnização dos danos não patrimoniais.
**

V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pela Apelante/Ré, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da Apelante, que ficou vencida.

Notifique.



Porto, 24 de Outubro de 2023
Maria da Luz Seabra
Ana Lucinda
Rodrigues Pires

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
_____________
[1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
[3] Proc. Nº 7430/17.7T8LRS.L1.S1, www.dgsi.pt
[4] Proc. Nº 3160/16.5T8LRS-A.L1.S1, www.dgsi.pt
[5] Ac STJ de 6/7/2022, Proc. Nº 28533/15.7T8PRT.P1.S1; Ac STJ de 17/11/2020, Proc. Nº 846/19.6T8PNF.P1.S1; Ac STJ de 11/9/2019, Proc. Nº 42/18.0T8SRQ.L1.S1; Ac STJ de 7/7/2016, Proc. Nº 220/13.8TTBCL.G1.S1; Ac STJ de 8/10/2019, Proc. Nº 3138/10.2TJVNF.G1.S2; Ac STJ de 13/11/2019, Proc. Nº 4946/05.1TTLSB-C.L1.S1, www.dgsi.pt
[6] Recursos no Novo CPC, 2ª edição, pág. 135
[7] Neste sentido Abrantes Geraldes, Ob. Cit, pág. 134; Ac STJ de 19/12/2018, Proc. Nº 2364/11.1TBVCD.P2.S2; Ac STJ de 2/6/2016, Proc. Nº 781/07.0TYLSB.L1.S1, www.dgsi.pt
[8] CCivil anotado, vol.II, pág. 212
[9] Pedro Romano Martinez, Contratos em Especial, p. 127ss
[10] Ob. Cit., p. 128ss
[11] in Cadernos do CEJ, A tutela geral e especial da personalidade humana, págs. 54-55, acessível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_TutelaP2017.pdf,