APRECIAÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA UTILIDADE
NÃO CUMPRIMENTO DOS ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
RETRIBUIÇÃO VARIÁVEL
COMISSÕES
SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL
ÓNUS DA PROVA
ARTIGO 74.º DO CPT APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO
Sumário

I - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto, objecto da impugnação, não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, sob pena de se proceder à prática de um acto inútil, proibido por lei, art. 130º do CPC e de, se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.
II – Assim, vigorando no processo civil o princípio da utilidade dos atos processuais, não deve conhecer-se da impugnação da matéria de facto se o ponto de facto impugnado não sustentou a decisão cuja modificação se pretende.
III - Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames previstos no art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do CPC, designadamente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda.
IV - Deve ser rejeitado pela Relação o recurso sobre a matéria de facto por falta de cumprimento pelo recorrente dos ónus estabelecidos no art. 640º do CPC, caso aquele não identifique, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida.
V - Em caso de inexistência de base instrutória ou identificação dos temas de prova, como é a situação dos autos, aquela identificação deverá fazer-se por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados, em cumprimento do ónus imposto pela al. a) do nº 1, do art. 640º do mesmo código, sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto.
VI – A exigência, imposta por aquele art. 640º, nº1, al. b), de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados, com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
VII – No entanto, quando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos, a impugnação dos mesmos em bloco não obstaculiza a percepção da matéria que se pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação.
VIII - As comissões constituem uma modalidade de retribuição variável que se traduz na atribuição ao trabalhador de uma parte, normalmente definida em percentagem, do valor das transações por ele realizadas, em nome e proveito do empregador.
IX – Não pode considerar-se como sendo devida a comissões, a parcela da retribuição fixa, denominada nos recibos de “comissões”, acordada entre as partes e paga mensalmente, sempre nesse valor, independentemente do valor de transações que fosse ou não realizado.
X – Assim, o montante daquela parcela, pese embora a designação que lhe é dada nos recibos, deve considerar-se como integrando a retribuição acordada para a prestação da atividade no período normal de trabalho, isto é, a retribuição base e, como tal, incluída nos subsídios de Férias e de Natal, em face do nº 2 do artigo 258º do C. do Trabalho.
XI - O ónus de prova da falta de formação profissional por parte da empregadora impende sobre o trabalhador, nos termos do disposto no art. 342º, nº 1, do Código Civil.
XII – Cessado o contrato de trabalho, desaparece o vínculo de subordinação do trabalhador, que adquire plena autonomia podendo sem qualquer pressão dispor livremente dos seus direitos de natureza pecuniária, sendo de afastar, nesses casos, a aplicação do artº 74º do CPT.

Texto Integral

Proc. nº 8554/19.1T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de V.N. Gaia - Juiz 2

Recorrente: AA
Recorrida: A. A..., Lda.




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO
O A., AA, casado, residente na Rua ..., ... ..., ..., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A. A..., Lda, com sede na Rua ..., ... ..., ..., pedindo que: “deve a presente ação ser julgada procedente e provada, e consequentemente:
A) Declarar-se que:
1. Entre a R. e o A. foi celebrado o contrato de trabalho referido na p. i., que vigorou desde o dia 01 de janeiro de 2001 até 01 de dezembro de 2018.
2. A R. não pagou ao A., em cada ano, os subsídios de Férias e de Natal referentes a comissões, durante a vigência do contrato.
3. A R. não pagou ao A. a retribuição mensal especial devida por isenção do horário de trabalho a partir de 02 de abril de 2008.
4. A R. não pagou ao A. os subsídios de Férias e de Natal correspondentes à isenção do horário de trabalho.
5. A R. não pagou ao A. a retribuição por créditos de formação não proporcionada ao trabalhador durante a vigência do contrato.
B) Se condene a R.:
1. A reconhecer a existência do referido contrato de trabalho.
2. A pagar ao A. todas as correspondentes importâncias referidas em A), pontos 2 a 5, no valor total de 45.572,10€ (quarenta e cinco mil quinhentos e setenta e dois euros e dez cêntimos).
Fundamentou o seu pedido alegando, em síntese, que manteve um contrato de trabalho com a Ré desde 01.01.2003 até 01.12.2018, data em que se reformou, que a R. obrigou-se a pagar-lhe o salário mensal de 769,00 €, acrescido de subsídio de alimentação no montante de 4.85€ por cada dia de trabalho e o valor fixo relativo a comissões de vendas no valor de 440,00€ mensais, que declararam corresponder em média a 1% do valor mensal das vendas e que aditaram, no dia 02 de abril de 2008, a este contrato de trabalho, acordo de isenção de horário de trabalho, que celebraram entre si, tendo por este aditamento ao contrato de trabalho, a R. se obrigado a pagar-lhe, a título de retribuição especial pela isenção de horário de trabalho, a importância mensal de 146,08 €, que acrescia ao salário, subsídio de alimentação e ao valor fixo das comissões de venda.
Assim, alega que a R. não lhe pagou quaisquer subsídios de Férias e de Natal referentes aos valores da retribuição devida correspondente às comissões de vendas, nem lhe pagou, como eram devidas a partir de 02 de abril de 2008, as retribuições mensais devidas pela isenção do horário de trabalho, nem os respetivos subsídios de Férias e de Natal e, além disso, a R. deve-lhe retribuições por créditos de formação, dado que não lhe proporcionou qualquer formação ao longo da vigência do contrato.
Mais, alega que a R. fez constar dos recibos dos meses de outubro e novembro de 2007, o acordado valor referente a comissões de 440,00€ mensais, e nos demais recibos, com datas a partir de março de 2013, não fez deles constar os valores das comissões devidas ao trabalhador, de 440,00€, nem os valores referentes à retribuição especial mensal devida por isenção de horário de trabalho de 146,08€., fazendo deles constar valores de comissões de 290,00 € e horas suplementares de 150,00€ e esses ditos valores, 290,00€ e 150,00€, referidos nos recibos, constituíam o valor das comissões de 440,00€.
Por fim alega que desses recibos não fez constar a R. os valores referentes à devida retribuição mensal especial por isenção do horário de trabalho, de 146,08€, porque nunca lhe pagou essa retribuição, apesar de ter celebrado com ele o referido contrato de isenção de horário de trabalho.
Conclui alegando que, lhe deve a R. os seguintes valores:
-Subsídios de Férias e de Natal referentes a comissões, em cada ano, durante a vigência do contato: (440,00€+440€)x16=14.080,00€, acrescendo a este valor juros de mora vencidos de 4.639,90€.
-Retribuição mensal especial devida por isenção do horário de trabalho a partir de 02 de abril de 2008: 146,08€x9+(146,08x12x10) = 18.843,68€, acrescendo a este valor juros de mora vencidos de 1.260,16 €.
-Subsídios de Férias e de Natal referentes à isenção do horário de trabalho: 121,73 €+(146,08€+146,08€) x 10=3.043,33€, acrescendo a este valor juros de mora vencidos de €626,87.
-Retribuição por créditos de formação não proporcionada ao trabalhador: €4,00x35x15=2.100,00€, acrescendo a este valor juros de mora vencidos no montante de 738,16€.

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Realizada a audiência de partes, nela, não foi possível a sua conciliação, tendo sido ordenada a notificação da Ré para contestar, o que fez, invocando, em síntese, que tinha ficado acordado, em fevereiro de 2005, que os seus vendedores passariam a auferir mensalmente, a título de comissões de vendas, o montante de 424€, que em 2007 foi aumentado para 440€.
Alega que, em reunião com os vendedores, nos quais se incluía o Autor, ficou acordado que a Ré a partir de Junho de 2008 deixaria de pagar comissões pela venda de papel de fotocópia, tendo-se então ajustado, de comum acordo, que o valor mensal das comissões passaria para 290€, e que os vendedores, incluindo o Autor, passariam a trabalhar em regime de isenção de horário de trabalho, passando a receber, a esse título, a quantia mensal de 150€, podendo assim no final do dia levar os automóveis comerciais da Ré para as suas residências, sem correrem o risco de serem autuados pelas autoridades.
Mais, alega que deu a necessária formação ao Autor.
Por fim, reconhece ser devedora apenas do valor das comissões e subsídio de isenção de horário de trabalho que não foi integrado nos subsídios de férias por desconhecimento, no valor global de 6.321,11€.
Conclui que “deve a presente acção ser julgada improcedente, por não provada, em tudo quanto não foi reconhecido pela Ré.”.
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Respondeu o A., nos termos dos requerimentos juntos em 06.12.2019, concluindo como na petição inicial.
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Nos termos que constam no despacho, de 11.12.2019, foi proferido saneador tabelar, fixado o valor da causa em €45.572,10 e considerando a simplicidade da causa, dispensou-se a enunciação de quaisquer temas de prova e foi ordenado o prosseguimento dos autos para julgamento.
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Realizado aquele, nos termos documentados nas actas, datadas de 14.09 e 15.10.2021, foram os autos conclusos e proferida sentença que terminou com a seguinte Decisão:
Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente provada e procedente e, em consequência:
a) Declara-se que entre a Ré A. A..., Lda e o Autor, AA, foi celebrado o contrato de trabalho supra referido nos factos dados como provados, que vigorou desde o dia 01 de janeiro de 2003 até 01 de dezembro de 2018.
b) Condena-se a Ré A. A..., Lda a pagar ao Autor AA, a quantia de 1.787,50€, correspondente ao valor do subsídio de isenção do horário de trabalho que não foi incluído nos subsídios de férias pagos ao Autor entre 2008 e a data da cessação do seu contrato de trabalho, 01.12.2018.
c) Condena-se a Ré A. A..., Lda a pagar ao Autor AA, a quantia de 403,33€ correspondente ao valor das comissões e do subsídio de isenção do horário de trabalho que não foi incluído na remuneração das férias não gozadas proporcionais ao tempo de serviço prestado em 2018.
d) Absolve-se a Ré do restante pedido.
As custas serão suportadas pelo Autor e Ré na proporção do respetivo decaímento – art. 527º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”.
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Inconformado o A. veio interpor recurso, cujas alegações, após despacho que o convida a sintetizá-las, dada a complexidade e extensão das inicialmente apresentadas, terminou com as seguintes:
“CONCLUSÕES
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…………………………..
…………………………..
NESTES TERMOS e nos demais de direito, que mui doutamente serão supridos, deve o presente recurso obter provimento, e, consequentemente, condenar-se a R./Recorrida a pagar ao A./Recorrente os valores retributivos relativos a comissões, subsídios de isenção de horário de trabalho e retribuição por créditos de formação não proporcionada ao A., tal como vem alegado, que a este são devidos.
Farão, assim, Vªs Exªs, Venerandos Desembargadores, a sempre esperada JUSTIÇA!”.
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A Ré apresentou contra-alegações que terminou com as seguintes “Conclusões
……………………………………….
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Nestes Termos e no Mais que for Doutamente suprido por V.Exas,
Deve ser proferido Douto Acórdão que julgue improcedente o presente recurso.
Assim se fazendo JUSTIÇA”.
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Admitido o recurso como apelação e efeito meramente devolutivo, foi ordenada a remessa dos autos a esta Relação.
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Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do art. 87º, nº 3, do CPT, no sentido do provimento parcial do recurso, por considerar que no particular do direito ao diferencial do número de horas de formação a que tinha direito e o que lhe foi pago assistir razão ao Recorrente.
Notificadas deste, ambas as partes vieram responder.
A Ré defendendo que “não deve ser atendido o sustentado no Douto Parecer do Ministério Público, devendo, a final, tal como sustentado nas contra-alegações apresentadas, ser o presente recurso julgado improcedente”.
E, o A./recorrente defendendo que, inexiste “fundamento para a rejeição do conhecimento do recurso, tal como não há necessidade de convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões.”.
E, também em relação à retribuição por créditos de formação, diverge daquele parecer, concluindo que, “devem os presentes autos prosseguir os seus termos, para conhecimento do objeto do recurso quanto à matéria de facto e de direito, devendo o recurso ser integralmente procedente”.
*
Após, foi proferido douto despacho a notificar o A. para apresentar conclusões sintetizadas, na sequência do qual vieram a ser apresentadas as supra transcritas, nos termos que constam do requerimento junto em 23.03.2022.
Notificada destas, a Ré pronunciou-se nos termos do requerimento junto em 29.03.2022, onde conclui que, “as conclusões ora apresentadas, além de continuarem extensas e complexas, continuam a fazer referência a depoimentos prestados em audiência (vd. designadamente conclusões 6ª, 8ª, 9ª, 11ª, 15ª, 16ª, 17ª, 18ª, 22ª, 36ª, 37ª entre outras) em manifesto incumprimento do que foi determinado no douto despacho de convite ao aperfeiçoamento,
Tendo aí sido expressamente referido que “Nas conclusões não cabe, pois, qualquer tipo de transcrições: (ii) de depoimentos prestados em audiência (apenas é obrigatória a indicação nas conclusões dos concretos pontos da matéria de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre os mesmos).”
Em face da análise das conclusões ora apresentadas pelo recorrente, forçoso é concluir que o mesmo desperdiçou a oportunidade que lhe foi concedida e, consequentemente, sempre salvaguardando o devido respeito por opinião diversa, não deve ser tomado conhecimento do recurso.”.
Termina, assim, dando por integralmente reproduzidas as contra-alegações apresentadas e conclui pela improcedência do recurso.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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Questões Prévias:
- Saber se não deve tomar-se conhecimento do recurso, como defende a recorrida, agora, por desperdício da oportunidade concedida pelo ordenado no douto despacho de 18.03.2022
Como decorre das contra-alegações, veio a recorrida pugnar pelo indeferimento do recurso, nos termos da al. b), do nº 2, do art. 641º do CPC, alegando inexistirem conclusões e não dever ser aplicado, no caso, o disposto no nº 3, do art. 639º, do mesmo código.
No entanto, não foi esse o entendimento deste Tribunal, tendo sido proferido aquele referido despacho que concluiu do seguinte modo: “Assim, dada a complexidade e a extensão das conclusões apresentadas pelo recorrente, nos termos dos citados artigos 652.º, n.º 1, alínea a), e 639.º, n.º 3, ambos do CPC, notifique-o para, em 5 dias, as apresentar sintetizadas, nos termos supra expostos.”
Agora, em resposta ao requerimento apresentado pelo recorrente contendo, as conclusões supra transcritas, vem a recorrida defender, em síntese, que “apesar de se reconhecer o esforço do recorrente em tentar sintetizar as conclusões de recurso,…”, “O certo é que não deu cabal cumprimento ao determinado no despacho de convite ao aperfeiçoamento.”.
Por via disso, termina que, “Em face da análise das conclusões ora apresentadas pelo recorrente, forçoso é concluir que o mesmo desperdiçou a oportunidade que lhe foi concedida e, consequentemente, sempre salvaguardando o devido respeito por opinião diversa, não deve ser tomado conhecimento do recurso.”.
Que dizer?
Desde logo que, não concordamos com a conclusão da recorrida, após, a resposta do recorrente ao convite que lhe foi efectuado, nos termos do nº 3, do art. 639º, do CPC, que dispõe: “Quando as conclusões sejam..., ou nelas se não tenha procedido à especificação a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, ... (...)”.
Pois, apesar de concordarmos que, as conclusões inicialmente apresentadas, eram tão só a reprodução da motivação, nada conformes com o disposto no nº 1, do referido art. 639º que determina que, “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, agora, após as novas conclusões apresentadas, não podemos concordar, que não seja de conhecer do recurso, por incumprimento do convite que lhe foi efectuado.
Agora, pese embora, se concorde que, a alegação do recorrente, na parte epigrafada de, “CONCLUSÕES”, de modo algum, se pode considerar as “proposições sintéticas” de que falou Alberto do Reis, cujo escopo deveria ser o de indicar de modo claro, objectivo e sucinto os fundamentos da discordância da decisão recorrida assim simplificando não só a tarefa do tribunal “ad quem” como dos recorridos. Ou na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…, nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos.
E se constate que, o A. continuou a alegar, motivar, referindo o que foi dito nos depoimentos, ao longo dos 55 pontos das conclusões, o certo é que, as mesmas enunciam com suficiente clareza, o âmbito do recurso e os seus fundamentos o que, nota-se foi entendido pela recorrida, conforme decorre das suas contra-alegações e do requerimento junto, em 29.03.2022, e entendido por este Tribunal “ad quem” que, assim, considera ter sido atendido o convite formulado com vista à sua correcção. Ou seja, o bastante para que não haja motivo para aplicação das consequências decorrentes de quando ocorre o incumprimento do ordenado no referido nº 3, do art. 639º.
Por via disso, improcede, a questão prévia suscitada.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC(aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho- diploma a que pertencerão todos os artigos a seguir citados, sem outra indicação de origem) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, as questões a decidir e apreciar consistem em saber:
- Se o Tribunal “a quo” errou na apreciação da prova quanto aos pontos impugnados da decisão de facto, devendo esta ser alterada e ampliada nos termos requeridos;
- Se o Tribunal “a quo” errou na aplicação do direito, ao não considerar as denominadas “comissões” como integrantes da retribuição-base, a partir de Fevereiro de 2005 e, consequentemente, ao não condenar a apelada, nos termos peticionados pelo recorrente, no que respeita, ao valor das comissões relativos aos subsídios de férias e de natal;
- Se o Tribunal “a quo” errou ao não condenar a apelada quanto:
- ao valor do subsídio de isenção de horário de trabalho a partir de abril de 2008;
- ao valor da remuneração por créditos de formação não proporcionada;
- aos valores devidos a férias, em conformidade com o disposto no art. 74º do CPT.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
A) - De FACTO
O Tribunal “a quo” considerou:
São estes os factos provados:
1. A Ré dedica-se à atividade de compra e venda de material escolar e papelaria, tendo celebrado, no âmbito da sua atividade comercial, como entidade patronal, com o Autor, contrato de trabalho, que teve o seu início no dia 01/01/2003 e terminou, no dia 01/12/2018, com a aposentação do trabalhador.
2. O A. obrigou-se por esse contrato a prestar à Ré os seus serviços/atividade de vendedor, sob as ordens, direção e autoridade desta.
3. No âmbito deste contrato de trabalho, em veículo automóvel propriedade da Ré, o Autor, todos os dias da semana, de segunda-feira à sexta-feira, deslocava-se a várias áreas/regiões comerciais do país, junto dos clientes da empresa, aí vendendo os bens por esta comercializados.
4. Aquando o início da relação laboral (2003) o vencimento base do Autor ascendia ao montante de 559,00€, acrescido de subsídio de alimentação, tendo ficado acordado que o mesmo receberia também o valor equivalente a 1% do valor das vendas que efetuasse, a título de comissão, que se vencia 60 dias após as respetivas vendas.
5. Com o decorrer da relação laboral o vencimento do Autor foi aumentando e, aquando da cessação do contrato de trabalho (2018), o seu vencimento mensal base ascendia a 885,00€.
6. No que diz respeito a comissões, entre 2003 e fevereiro de 2005 manteve-se o regime fixado no início da contratação,
7. O Autor recebeu a título de comissões o montante de 3.517,12€ no ano de 2003 e o montante de 4.080,25€ no ano de 2004 – cfr. documentos anexos à contestação sob os n.ºs 4 e 5.
8. Em fevereiro de 2005, a política de comissões foi alterada, tendo ficado ajustado em reunião entre a entidade patronal e os vendedores, entre os quais o Autor, que passaria a pagar-se um valor fixo a título de comissões.
9. Ficou então acordado que os vendedores da Ré passariam a auferir mensalmente, a título de comissões de vendas, o montante de 424€, sendo que, se as respetivas vendas ultrapassassem o valor anual de 440.000€, aufeririam ainda uma comissão correspondente a uma percentagem de 1,2% sobre o valor das vendas que ultrapassasse os referidos 440.000€.
10. O Autor nunca realizou vendas anuais acima daquele limite de 440.000€.
11. Posteriormente, em 2007, o valor mensal daquela comissão de 424€ mensais, foi aumentado para 440€ mensais.
12. Em 2008, a Ré adquiriu um novo programa informático que lhe permitiu passar a fazer uma análise económica e financeira mais rigorosa do volume de vendas por categoria de produtos, da qual resultou que a margem de lucro da venda do papel de fotocópia era muito reduzida, pelo que considerou que não lhe seria conveniente manter o pagamento das comissões pela venda de papel de fotocópia. (Eliminado)
13. Em reunião com os vendedores, nos quais se incluía o Autor, ficou acordado que a Ré a partir de junho de 2008 deixaria de pagar comissões pela venda de papel de fotocópia, tendo-se então ajustado, de comum acordo com os vendedores, onde se inclui o Autor, que o valor mensal da comissão pelas vendas dos outros produtos comercializados pela Ré passaria a ser de 290€.(Eliminado)
14. Concomitantemente, ficou ajustado que os vendedores, incluindo o Autor, passariam a trabalhar em regime de isenção de horário de trabalho, o que correspondeu a uma aspiração dos vendedores. (Eliminado)
15. Os vendedores, incluindo o Autor, na sua atividade profissional, deslocam-se em automóveis comerciais da Ré, sendo que, uma vez que estão autorizados pela Ré a poder, no final do dia de trabalho, levar os automóveis para as suas residências, utilizavam os automóveis fora do horário de trabalho e no seu próprio interesse, pelo que, a forma de regularizar a situação e não haver o risco de autuação por parte das autoridades policiais era trabalharem em regime de isenção do horário de trabalho. (Eliminado)
“16. Assim, em abril de 2008 foi celebrado com cada um dos vendedores, Autor incluído, um acordo de isenção de horário de trabalho, de acordo com as regras determinadas pela Autoridade da Condições de Trabalho, como consta do documento anexo à p. i. sob o n.º10, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (Eliminada a parte sublinhada e aditado o teor do documento)”
16. Em abril de 2008 foi celebrado com cada um dos vendedores, Autor incluído, um acordo de isenção de horário de trabalho, nos seguintes termos:



17. Embora no acordo de isenção de horário de trabalho o valor a pagar a cada um dos vendedores, onde se inclui o Autor, fosse de 146,08€ mensais, a Ré pagava mensalmente, a esse título de isenção de horário de trabalho, o montante de 150€, a fim de o Autor e restantes vendedores, não sofrerem uma diminuição do montante global da sua retribuição…(Eliminado)
18. … Regime este de comissões e isenção de horário de trabalho que passou a vigorar para os vendedores da Ré, onde se inclui o Autor, desde junho de 2008 até à cessação do contrato de trabalho do Autor. (Eliminado)
“19. O Autor a partir de junho de 2008, para além do vencimento base e subsídio de alimentação, auferia assim o montante mensal de 290€ a título de comissões e o montante de 150€ a título de isenção de horário de trabalho. (Eliminada a parte sublinhada)”
19. O Autor a partir de junho de 2008, auferia o montante mensal de 290€ a título de comissões.
20. A Ré nunca incluiu no valor dos subsídios de férias e de natal que pagou ao Autor durante a vigência do contrato de trabalho, o valor das comissões, nem do subsídio de isenção de horário de trabalho.
21. A Ré, uma vez por mês, às sextas-feiras, com exceção do mês em que gozavam de férias e do mês em que decorria uma feira em Lisboa, ministrava formação sobre os novos produtos e catálogos e sobre os novos catálogos, os novos produtos e a melhor forma de os apresentar e vender aos vendedores, onde se incluía o Autor, durante pelo menos 2 horas, que era dada por um dos seus gerentes.
22. A Ré também facultava aos vendedores, onde se inclui o Autor, formação informática ministrada pela empresa B..., Lda, desde 2008, à razão de 14 horas anuais, sendo as dúvidas dos vendedores esclarecidas pelo telefone ou email durante todo o ano - cfr. documento n. 22 anexo à contestação.
23. Anualmente, durante a Feira Papergift realizada na Fil em Lisboa e também no Porto, com a duração de 4 dias, onde a Ré e os seus vendedores estiveram presentes, desde 2016 a 2019, as empresas fornecedoras da Ré, designadamente, a C... Portugal, D..., E... e F... Srl, estavam representadas no stand com pessoal próprio que fazia demonstração e formação sobre os novos produtos aos vendedores da Ré durante, pelo menos, 4 hora por dia (1 hora por cada fornecedora).
24. Durante 2 anos, o Autor não esteve presente na feira da Fil, porque pediu autorização à Ré para ali não se deslocar por motivos pessoais.
“25. A partir de junho de 2008, a Ré fez constar nos recibos o valor de 290€ sob a rubrica “comissões” e o valor de 150€ sob a rubrica “horas suplementares”, sendo que esta rubrica refere-se efetivamente ao subsídio de isenção de horário de trabalho, que por lapso ou erro dos serviços de contabilidade contratados pela Ré, foi lançado nos recibos de vencimento como “trabalho suplementar”. (Eliminada a parte sublinhada)”
25. A partir de junho de 2008, a Ré fez constar nos recibos o valor de 290€ sob a rubrica “comissões” e o valor de 150€ sob a rubrica “horas suplementares”.
26. Aquando da cessação do contrato de trabalho a Ré pagou ao Autor a quantia de 811,50€ a título de férias não gozadas e 811,21€ a título de subsídio de férias não gozadas – cfr. documentos n.ºs 2 e 3 anexos à contestação cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Factos não provados:
Não se provaram os factos alegados nos artigos 9º da p. i. e 30º e 31º da contestação.
Quanto aos factos alegados no artigo 4º da p. i., provou-se apenas o que consta no ponto 4) dos factos provados.
Quanto aos factos alegados no artigo 13º da p. i., provou-se apenas o que consta nos pontos 13) a 17) dos factos provados.
Não se respondeu à restante matéria, por se tratar de matéria sem interesse para a boa decisão da causa, conclusiva ou de direito, mera impugnação ou ter ficado prejudicada pela resposta aos restantes factos.”.
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Por se revelar de interesse à decisão do presente recurso, oficiosamente, ao abrigo dos poderes contemplados no artigo 662º, nº1 do CPC, adita-se ao ponto 16 da factualidade que antecede, cópia do teor do documento, dado por reproduzido pela 1ª instância, completando-se assim o que consta daquele ponto com o teor do referido documento, como se deixou exposto acima.
Mais, porque é evidente a falta de numeração quanto ao facto constante do último parágrafo do elenco da factualidade provada, após o facto 25, o que é óbvio só pode ser devido a lapso, numera-se aquele com o número de ordem correspondente, ou seja, 26.
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B) – DIREITO
- Da impugnação da decisão da matéria de facto:
A este propósito, o recorrente impugna, alegadamente, “por terem sido incorretamente dados como provados”, os pontos, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23 e 25 da matéria de facto e, “porque deviam ser dados como provados, e não foram,” os factos que identifica nas al.s a) a g), da al. B), da conclusão 1ª da sua alegação.
Alega que, “os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados são os seguintes:
-Todos os dizeres, conteúdos e provas decorrentes dos documentos juntos aos autos, designadamente, petição inicial, contestação e resposta, cópias dos recibos juntos aos autos pelo A. e pela R., contrato de isenção de horário de trabalho junto pelo A. com a p.i, documentos emitidos pelas empresas que pretensamente deram formação ao A.;
-O registo e gravação da prova, tanto com a indicação exata das passaagens da gravação em que se funda o recurso, como com a transcrição de excertos considerados relevantes, das declarações de parte do sócio da R., dos depoimentos das testemunhas arroladas, quer pelo A., quer pela R., e das declarações de parte do A.”.
Por sua vez, a recorrida defende nas contra-alegações que o recurso, sobre a decisão da matéria de facto, não está em condições de ser admitido por falta de cumprimento pelo recorrente dos ónus legais, que se lhe impunham.
Que dizer?
O nº 1 do art. 662º dispõe que, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Neste se abrangendo, também, naturalmente, sem prejuízo dos casos em que se justifica intervenção oficiosa do Tribunal de recurso, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada pelo recorrente por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, caso em que se lhe impõe a observação dos ónus previstos no art. 640º.
Assim, antes de entrarmos, propriamente, na análise da impugnação cumpre relembrar, de forma breve, os ónus exigíveis e os critérios que devem presidir à reapreciação factual por parte deste Tribunal da Relação.
A apreciação desta questão, da impugnação da decisão proferida, pelo Tribunal “a quo” relativa à matéria de facto, por este Tribunal “ad quem” pressupõe que o recorrente cumpra determinados ónus, conforme decorre do art. 640º do CPC “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho, que a este respeito dispõe que:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. (…)”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretizou a forma como se processa a impugnação da decisão, sobre a matéria de facto, tendo reforçado, neste novo regime, os ónus de alegação a cargo do recorrente, impondo-lhe que deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação após a reapreciação dos concretos meios de prova que, considera, impõem decisão diversa da recorrida.
Nas palavras de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág.s 132 e 133), “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
-em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
-quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- O recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço dos ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Cumpridos que se mostrem aqueles, socorrendo-nos, novamente das palavras de Abrantes Geraldes, (na obra citada, pág.230), “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Todavia, como também sublinha, (pág. 245), “... a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Atentos os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal da relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, conforme neste sentido o (Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt – sitio da internet onde se encontrarão todos os demais a seguir citados sem outra indicação), muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPCivil, conforme (Ac. STJ de 28.05.2009).
Refira-se que, em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo Tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas, apenas e só a reapreciação pelo Tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o Tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo Tribunal recorrido.
De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus.
Donde, pese embora e sem prejuízo, da possibilidade da modificação da decisão da matéria de facto poder ocorrer se a Relação acabar, como diz, (Abrantes Geraldes na obra citada, pág. 247), por “formar uma diversa convicção sobre os pontos de facto impugnados deve reflectir em nova decisão esse resultado”, ou seja, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre a apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência, em princípio, só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1ª instância é que deve este Tribunal “ad quem” alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento.
Assim, resulta do referido art. 640º, que o cumprimento do ónus de impugnação aí estabelecido, não se satisfazendo com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe antes que o recorrente concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Sendo, ainda, de dizer que a impugnação da matéria de facto não se basta com a simples transcrição dos depoimentos das testemunhas e com a indicação do início e o fim das passagens constantes da gravação. E exige, por parte do impugnante, uma análise crítica da prova de maneira a justificar as alterações ou o porquê da pretendida alteração, pese embora, como se lê, no (Acórdão do STJ de 22.02.2018, proferido no processo 8948/15.1T8CBR.C1.S1), “A omissão, a insuficiência ou a suficiência da análise crítica, pelo recorrente, das provas a reapreciar é questão que tem a ver com o mérito da impugnação, com a procedência ou improcedência do recurso, mas não com a sua liminar rejeição ou aceitação.”.
A este propósito, veja-se o (Ac. do STJ de 27.10.2016) onde se lê: “Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.” Como, também, se observa no (Acórdão do mesmo Tribunal de 07.07.2016, Proc. nº 220/13.8TTBCL.G1.S1), “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Sendo, entendimento pacífico da jurisprudência, sobretudo do STJ e dos Tribunais Superiores, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art. 640º, nº 1, al. b), quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, (acompanhando o entendimento afirmado nos Acórdãos do STJ de 20.12.2017, Proc. nº 299/13.2TTVRL.C1.S2 e de 05.09.2018, Proc. nº 15787/15.8T8PRT.P1.S2) veja-se, daquela mesma instância, o (Acórdão de 20.02.2019, Proc. nº 1338/15.8T8PNF.P1.S2) em cujo sumário se lê, o seguinte:
“- I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.”.
Ainda a este propósito, após enunciar a “jurisprudência do STJ, norteada por critérios de proporcionalidade e de razoabilidade e rejeitando abordagens desta problemática de raiz essencialmente formal”, como nele se refere, consolidada, entre outros, nos - acórdãos de 13.01.2022, Proc. nº 417/18.4T8PNF.P1.S1, de 27.10.2021, Proc. nº 1372/19.9T8VFR.P1-A.S1, de 14.07.2021, Proc. nº 19035/17.8T8PRT.P1.S1, de 19-05-2021, Proc. nº 4925/17.6T8OAZ.P1.S1 e de 14.01.2021, Proc. nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1 - veja-se o (Ac. do STJ de 06.07.2022, Proc. nº 3683/20.1T8VNG.P1.S1), que no sumário, assentou o seguinte o entendimento:
I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente.
II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”).
III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo.”.
Veja-se, ainda, o que aquele Venerando Tribunal, em (Acórdão de 27.10.2016, Proc. nº 110/08.6TTGDM.P2.S1), – proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada – fazendo referência, em apoio do decidido, à posição também já afirmada nos (Acórdãos do STJ de 01/10/2015 (p.824/11.3TTLRS.L1.S1), 11.02.2016 (p. 157/12.8 TUGMR.G1.S1), 22.09.2015 (p. 29/12.6TBFAF.G1.S1) e 4.03.2015 (p. 2180/09.0TTLSB.L1.S2), 26.11.2015 (p. 291/12.4TTLRA.C1.S1), 3.12.2015 (p. 3217/12.1TTLSB.L1.S1), 3.03.2016 (p. 861/13.3TTVIS.C1.S1), concluiu que, o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.”. Nele se concluindo, também, em conformidade com esse entendimento, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.”.
E é, também, entendimento pacífico, quanto ao que respeita se deve exigir nas conclusões de recurso, quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas, atendendo sobretudo à sua função definidora do objecto daquele e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração, conforme, entre outros (Acórdão do STJ de 03.11.2016, Proc. nº 342/14.8TTLSB.L1.S1).
Importa referir, ainda, que deve, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “… vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo, como refere (Abrantes Geraldes “in” obra antes citado, pág. 135).
Mais, ainda, é também relevante salientar que quanto ao recurso da decisão da matéria de facto não existe a possibilidade de despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito. Conforme tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, vejam-se os (Acórdãos de 07.07.2016, Proc. nº 220/13.8TTBCL.G1.S1 e de 27.10.2016, Proc. nº 110/08.6TTGDM.P2.S1).
No entanto, cumpridos que se mostrem esses ónus por parte do recorrente, nada obsta a que o Tribunal da Relação proceda à peticionada reapreciação e, eventual modificabilidade da decisão de facto, nos termos do disposto no art. 662º.
Apreciando.
Transpondo o exposto para o caso, importa verificar se algo obsta à apreciação da impugnação.
Verifica-se que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência e o apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto provados, que considera incorrectamente julgados e os que considera deviam e não foram dados como provados, prova a reapreciar e decisão que sugere e pretende seja dada àqueles.
No entanto, importa desde já dizer que, no que concerne às conclusões, verifica-se que o recorrente, apenas em parte, cumpre o que se entende ser-lhe exigível, enunciando os factos impugnados e indicando o sentido e termos das alterações pretendidas, mas, isso não acontece quanto a todos os factos impugnados.
Melhor explicando, na conclusão 1ª o recorrente indica impugnar, em A), “por terem sido incorretamente julgados, os pontos 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23 e 25 e em B), indica as al.s a) a g) que considera “deviam ser dados como provados e não foram”.
Quanto aos pontos, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 na conclusão 35ª e quanto ao ponto 10, na conclusão 36ª, conclui o recorrente que devem ser dados como não provados.
Já relativamente aos pontos 21, 22, 23 e 25 da matéria de facto dada como provada, (sem prejuízo do que, adiante, se dirá quanto a este último) o recorrente na conclusão 39º, conclui dizendo, “…, pelo que esta matéria de facto também foi incorretamente dada como provada.”.
Dessas conclusões resulta, pois, que o recorrente pretende sejam dados como não provados e nessa medida eliminados, do elenco da factualidade provada, os factos provados 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 e 10 e sejam aditados, àquele, novos factos, mas, não resulta qual a alteração pretendida para os pontos 21, 22, 23 e 25, pois, do que consta das conclusões, nada mais se pode concluir que não seja que foram incorrectamente dados como provados.
Manifestamente, insuficiente, para que se mostre cumprido o que se lhe impunha.
Nas palavras, novamente, de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”.
Assim, sem necessidade de outras considerações, na parte respeitante aos factos provados 21, 22 e 23, rejeita-se a apreciação da impugnação por falta de indicação precisa do sentido da alteração pretendida, (cfr. al. c) do nº 1, do art. 640º).
Pese embora isso, diga-se que, da apreciação que se fez das provas (documentais e testemunhais) produzidas nos autos, nada indicia que o recorrente tivesse razão que, tenham aqueles sido incorrectamente dados como provados.
Quanto ao facto 25, como já antes dissemos, adiante nos pronunciaremos.
*
E, desde já, importa, também, apreciar sobre aqueles factos que, na conclusão 40ª, o recorrente diz: “No que concerne à matéria de facto que deve ser dada como provada e que foi acima indicada na parte B da 1ª conclusão, flui dos autos, da matéria controvertida e de tudo quanto foi dito, que a factualidade constante das referidas alíneas a) a g) deve ser dada como provada.”.
Pois, transpondo o regime, supra exposto, para o caso verifica-se, desde logo, que o recorrente não deu, quanto àquelas indicadas alíneas, cumprimento ao ónus que se lhe impunha, nos termos da al. a), nº 1, do art. 640º.
Pese embora, indicar os pontos da decisão de facto que foram considerados provados e as alíneas que foram consideradas não provadas que, em seu entender, se mostram incorrectamente julgadas, o mesmo não se mostra suficiente para que se considere, no caso, cumprido aquele referido ónus.
O recorrente entende que aquela factualidade que impugna deve ser alterada e ser-lhe dada a redacção que, considera, resultou provada alegando, genericamente, conclusão 2ª que, “-Os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, que foram incorretamente dados como provados e os que não foram dados como provados, são os seguintes:
a)-Todos os dizeres, conteúdos e provas decorrentes dos documentos juntos aos autos, designadamente, petição inicial, contestação e resposta, cópias dos recibos juntos aos autos pelo A. e pela R., contrato de isenção de horário de trabalho junto pelo A. com a p.i, documentos emitidos pelas empresas que pretensamente deram formação ao A.;
b)-O registo e gravação da prova, tanto com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso, como com a transcrição de excertos considerados relevantes, das declarações de parte do sócio da R., dos depoimentos das testemunhas arroladas, quer pelo A., quer pela R., e das declarações de parte do A..”.
E, na conclusão 1ª, alega a redacção que, em seu entender, deverão ter aquelas alíneas que impugna, ou seja, que deverão passar a constar da matéria de facto provada “estes outros factos:
a) R. e A. aditaram, no dia 2 de abril de 2008, ao contrato de trabalho entre eles existente acordo/contrato de isenção de horário de trabalho, que celebraram entre si.
b) Pelo referido aditamento ao contrato de trabalho, a R. obrigou-se a pagar ao A., a título de retribuição especial pela isenção de horário de trabalho, a importância de € 146,08, que acrescia ao salário, subsídio de alimentação e ao valor fixo das comissões de venda.
c) A R. não pagou ao A. quaisquer subsídios de férias e de natal referentes aos valores da retribuição devida correspondente às comissões de venda.
d)A R. não lhe pagou ao A., a partir de 2 de abril de 2008, as retribuições mensais devidas pela isenção de horário de trabalho, nem os respetivos subsídios de férias e de natal.
e) A R. não pagou ao A. férias relativas a comissões.
f) A R. não pagou ao A. férias relativas à retribuição por isenção de horário de trabalho.
g) A R. não proporcionou ao A. qualquer formação ao longo da vigência do contrato.”, alegadamente, como já dissemos, por considerar que deviam ser dados como provados e não foram.
Factualidade cuja alteração requer sem, no entanto, identificar, menos ainda, com clareza e precisão os artigos, dos seus articulados, onde foram alegados aqueles factos, que considera resultaram provados, o que lhe era exigível fazer.
Pois, sempre que o recurso respeite à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, como se observa no (Ac. do STJ de 07.07.2016), “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto, que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Neste mesmo sentido, lê-se no (Ac. desta Relação de 15.04.2013, relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho) que, “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”, (sublinhado nosso).
Como se decidiu neste douto acórdão desta sessão, dada a inexistência, no caso, de base instrutória, era exigível ao recorrente que requeresse a alteração com reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados, ou seja, em concreto os factos por si alegados na petição. Não bastando, a alusão genérica aos factos que decorrem dos autos, como consta da conclusão 2ª.
Ao atentarmos nas alegações e conclusões do recorrente, verifica-se que quando aos factos que defende devem passar a constar do elenco dos factos provados, não menciona nem indica a que pontos, em concreto, do seu articulado respeitam. Ou seja, não indica com reporte à matéria de facto que consta dos articulados, os concretos pontos em que se mostram alegados aqueles factos que, considera, não foram mas deverão ser dados como provados.
Em suma, analisadas quer as alegações quer as conclusões do recorrente, verificamos que em relação a toda a factualidade objecto de impugnação, que descreve nas alíneas da parte B) da conclusão 1ª, que pugna devem ser aditados aos factos dados como provados, o mesmo não cumpre os ónus a seu cargo para que neste Tribunal se admita a reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, conforme decorre do que alega na conclusão 40ª, onde genericamente diz, que: “.flui dos autos, da matéria controvertida e de tudo quanto foi dito, que a factualidade constante das referidas alíneas a) a g) deve ser dada como provada...”. Afirmação que profere, como já dissemos, desacompanhada da indicação, em concreto, de qualquer dos factos alegados naqueles.
Sendo deste modo, em consequência do que se disse, resulta que este Tribunal vê-se afinal confrontado com uma pretensão do recorrente para que seja reapreciada toda a factualidade por si alegada, como se de um novo julgamento se tratasse, neste caso em 2ª instância, em relação a todo um articulado, a demonstrá-lo basta atender na sua alegação como já referido, especificamente, na conclusão 40ª.
Ora, não é esta a solução estabelecida na lei, nem defendida na doutrina e acolhida na jurisprudência, como se deixou exposto anteriormente, em que o entendimento é no sentido de que a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º, não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida, indique a resposta alternativa que pretende obter e, com particular relevo no caso, como refere (Abrantes Geraldes, na obra citada, pág. 132), “em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” sempre, como foi o caso, sendo dispensada a fixação da matéria de facto, na fase instrutória, com reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados.
O que não ocorreu no caso.
Daí que, não possamos dizer que o apelante, como era seu ónus e se lhe impunha, tenha cumprido o que dispõe o art. 640º, nº 1, al a), quanto às concretas alíneas que impugna e considera incorrectamente julgadas.
Em consequência, rejeita-se, também, este segmento do recurso da impugnação da decisão de facto, por inobservância do disposto no art. 640º, nº 1, al. a).
*
Passemos, agora, à apreciação dos demais factos impugnados, em relação aos quais, nas conclusões, o recorrente cumpre o que lhe é exigido, os pontos 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19, dos factos dados como provados que defende devem ser dados como não provados.
Quanto a estes factos, indica os elementos probatórios, depoimentos e documentos, constantes do processo que, em seu entender, justificam a alteração daqueles nos termos que peticiona. Sendo que, mesmo, quanto aos pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19, que impugna “em bloco”, cremos que, em função das circunstâncias do caso, como bem os enquadra o recorrente, por os mesmos respeitarem, “ao pretenso acordo quanto à redução do valor das comissões e à isenção do horário de trabalho”, ao contrário do que defende a recorrida que, satisfatoriamente, se mostram cumpridos os ónus impostos ao recorrente para que se proceda à sua reapreciação.
A este propósito, reveja-se o que vem sendo o entendimento do STJ, conforme supra deixámos exposto, (Ac. do STJ de 06.07.2022, Proc. nº 3683/20.1T8VNG.P1.S1) citando jurisprudência daquele, norteada por critérios de proporcionalidade e de razoabilidade e rejeitando abordagens desta problemática de raiz essencialmente formal, como nele se refere, I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente.”.
Consideramos, assim, que dada a conexão existente entre eles e a clareza da pretensão do recorrente, mesmo quanto a este conjunto de factos, as falhas de cumprimento dos ónus previstos no art. 640º não são, no caso, relevantes de modo a considerarem-se incumpridos aqueles, mas sim, estarem reunidas as condições para que este Tribunal “ad quem”, proceda à apreciação das, alegadas, incorreções da matéria de facto, constante daqueles, eventualmente, alterando a decisão proferida sobre a mesma, ao abrigo do disposto no nº1 do art. 662º.
Vejamos.
Por uma questão de ordem, comecemos, pelo ponto 10, onde se deu como provado que “O Autor nunca realizou vendas que ultrapassassem 440.000€”.
Corresponde aquela matéria ao alegado pela Ré, no art. 34 da sua contestação.
O A. vem dizer que, “impõe-se dá-la como não provada, pois que não se provou que o A. nunca realizou vendas que ultrapassassem anualmente o valor de €440 000,00, antes se provou que alcançou vendas anuais de valor superior a € 440 000,00, como decorre do depoimento da testemunha da R., BB”.
No entanto, previamente, à apreciação desta questão de saber se foi ou não assim e deve aquele ponto da matéria de facto ser dado como não provado, nos termos referidos pelo recorrente, impõe-se-nos proceder à análise da decisão recorrida, em concreto, sobre os fundamentos que determinaram a parcial absolvição da ré dos pedidos, nos termos em que ocorreu, e analisar se a pretendida alteração daquele implicaria alterar o que foi decidido relativamente ao valor e qualificação, em termos de retribuição, das comissões e consequências daí decorrentes, aspecto da decisão de que o recorrente discorda.
E, desde já, podemos adiantar que a resposta é negativa.
Como se verifica o A., assenta o seu pedido na alegação de um acordado valor fixo referente a comissões de 440,00 € mensais.
A Ré na contestação, após a alegação de que, “em Fevereiro de 2005, foram reorganizadas as zonas de vendas e a política de comissões foi alterada. Assim, em reunião entre a entidade patronal e os vendedores, entre os quais o Autor, ficou ajustado que passaria a pagar-se um valor fixo a título de comissões. A razão desta alteração radicou no facto de a venda dos artigos comercializados pela Ré ser muito sazonal, – principalmente no que diz respeito à secção de papelaria, onde se insere o material escolar. – Ficou então acordado que os vendedores da Ré passariam a auferir mensalmente, a título de comissões de vendas, o montante de 424€, - sendo que, se as respectivas vendas ultrapassassem o valor anual de 440.000€, aufeririam ainda uma comissão correspondente a uma percentagem de 1,2% sobre o valor das vendas que ultrapassassem os referidos 440.000€ e que - Posteriormente, em 2007, o valor mensal daquela comissão de 424€ mensais, foi aumentado para 440€ mensais.”, terminou com a alegação de que, “34 – Nunca o A. realizou vendas anuais acima daquele limite de 440.000€.”, correspondente como já dissemos ao teor do facto 10.
Ora, face ao que antecede, o que ficou assente e não foi objecto de impugnação, nos pontos 8 e 9 dos factos provados, tendo em consideração as específicas regras do ónus da prova que nesta matéria vigoram, a conclusão que se impõe é que este facto é absolutamente espúrio para a decisão da causa e do recurso.
Expliquemos, começando por um breve enquadramento.
Pois, como é sabido, em acções, como é o caso, em que se pretendem ver reconhecidos créditos retributivos e de subsídios emergentes de contrato de trabalho, deve o trabalhador alegar e provar os factos constitutivos do seu direito (nº 1 do art. 342º do CC), ou seja, a celebração e vigência do contrato de trabalho, a prestação de trabalho em determinado período, relativamente ao qual formula o seu pedido de pagamento destes créditos e os factos necessários a que se confira relevo retributivo às prestações que pretende lhe sejam pagas.
Assim, demonstrada a vigência do contrato de trabalho (como facto jurídico genético de direitos e obrigações para as partes) e, também, demonstrado que o trabalhador realizou a prestação a que se obrigou pelo mesmo e que se verificam os factos necessários à qualificação das prestações que peticiona como parte integrante da retribuição que lhe é devida pelo empregador, haverá que concluir que nasceu na sua esfera jurídica o direito à contraprestação.
Convém referir e lembrar, que a disciplina legal do direito a férias e ao pagamento da respectiva retribuição e subsídio de férias e de Natal aplicável ao caso sub judice é, sucessivamente, a que consta do anterior regime jurídico das férias, feriados e faltas, previsto no Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações conferidas pelo Decreto-Lei nº 397/91, de 16 de Outubro, e pela Lei nº 118/99, de 11 de Agosto, e ainda na lei do subsídio de Natal, aprovada pelo Decreto-Lei nº 88/96, de 3 de Julho, no Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto (entrado em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 — nº 1 do art. 3º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto) e a que consta do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro (entrado em vigor no dia 17 de Fevereiro de 2009 — art. 2º da Lei nº 74/1998, de 11 de Novembro), pois que estão em causa os anos de 2003 a 2018.
Assim, a contraprestação, supra referida, consubstanciada na obrigação retributiva que recai sobre a Ré/empregadora, por força do disposto nos art.s 1º e 82º da LCT, 10º e 249º e ss. do CT/2003 e 11º e 258º e ss. do CT/2009.
Sendo que, quanto à retribuição de férias e respectivo subsídio e ao subsídio de Natal, igual raciocínio deve formular-se. Uma vez vigente o contrato, o direito ao subsídio de Natal vence-se nesse mesmo ano – cfr. o art. 2º do referido Decreto-Lei nº 88/96, art. 254º do CT/2003 e o art. 263º do CT/2009 e o direito ao gozo de férias e à respectiva retribuição e subsídio vence-se no ano seguinte – cfr. os art.s 2º, 3º e 6º da referida LFFF e os art.s 211º, nº 4, 212º e 255º do CT/2003 e 237º, 239º e 264.º do CT/2009.
Retira-se dos dispositivos legais citados que o direito ao gozo de férias e à retribuição de férias e correspondente subsídio, bem como ao subsídio de Natal, pressupõe a vigência em determinado período de uma relação jurídico-laboral, incumbindo ao trabalhador, apenas, o ónus de alegar e provar, por um lado, a vigência do contrato no período que determina o vencimento do direito a férias e ao subsídio de Natal e, por outro lado, os factos necessários à qualificação retributiva das parcelas que pretende ver reflectidas na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal que peticiona e à imputação daquelas no cômputo destas prestações.
Regressando ao caso, o que se verifica é que o A. demonstrou a vigência do contrato de trabalho entre 01.01.2003 e 01.12.2018 (facto 1.), pelo que é de lhe reconhecer o direito a gozar nos anos de 2003 a 2018, férias retribuídas e a auferir o correspondente subsídio, bem como o subsídio de Natal, nos termos dos enunciados regimes jurídicos.
E demonstrou, também, que auferiu comissões nos termos assinalados na matéria de facto (factos 4. a 7.) e que a partir de Fevereiro de 2005, passou a auferir a título daquelas um valor fixo (factos 8, 9, 11 e 25 (1ª parte).
Ora, independentemente da qualificação das “comissões” como retribuição e da sua aptidão para integrar as prestações peticionadas, o que pressupõe considerações que extrapolam o mundo dos factos e se prendem, apenas, com a sua qualificação jurídica, tanto bastava ao A. alegar e provar, face aos pedidos que formula.
E, efectivamente, nada mais alegou. Nomeadamente, de modo, a conferir relevo ao facto (10.) impugnado, ou seja, que tenha em algum momento realizado vendas acima daquele limite de 440.000€.
Pois, só se desse modo tivesse acontecido é que a ré, para obstar à sua condenação em montante superior ao valor de 440,00€, teria que alegar factos impeditivos daquela realidade (ar. 342º, nº do CC), como fez, que o A. nunca realizou vendas anuais acima daquele limite de 440.000€.
Donde, considerarmos que, não tem qualquer relevo a descrição que ficou feita no ponto 10. da matéria de facto elencada na sentença de que “O Autor nunca realizou vendas que ultrapassassem 440.000€”.
Não estando em causa o modo como foi fixado aquele valor de 440,00€, a título de comissões e não peticionando o A., a este propósito, que se condene a R. a pagar-lhe um valor de comissões superior àquele, a alegação e demonstração pela Ré daquele facto e, consequentemente, a sua impugnação, nesta sede, é juridicamente irrelevante, qualquer que seja a decisão que sobre a mesma venha a ser proferida à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito a solucionar.
Vendas efectuadas acima daquele limite, teria que ser alegado e provado na afirmativa, o que o recorrente não fez, nem poderia pedir nesta instância, pois que, como já dissemos, não alegou na sede própria o pertinente facto.
Daí a irrelevância de saber se realizou ou não vendas acima daquele limite, já que o A. não demonstrou ter realizado vendas acima daquele limite, nem através do presente recurso pretende que a R., seja condenada, a pagar-lhe as importâncias peticionadas, a título de comissões que, alegadamente, nunca lhe foi pago, acima do valor fixo que se apurou de 440,00€.
Sendo desse modo e sendo sabido que, à reapreciação da matéria de facto impugnada só há que proceder, caso estejam em causa factos essenciais a fundamentarem solução jurídica do caso, pois, não sendo desse modo, deve ser indeferida a reapreciação.
Conforme, neste sentido, veja-se o douto (Acórdão desta Relação de 19.5.2014 in www.dgsi.pt), onde se decidiu, “atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão”.
Do teor daquele ponto 10., objecto de impugnação, é claro que o mesmo não contêm matéria susceptível de fundamentar a pretensão do recorrente, que soçobrou nos termos da decisão recorrida e contra, agora, se insurge, sendo totalmente inócuo.
E, desse modo, surge-nos evidente a inutilidade da pretendida reapreciação da matéria de facto e, como resulta do disposto no art. 130º, a lei proíbe a prática de actos inúteis.
Entendemos, assim, que não há que proceder à reapreciação daquela matéria de facto impugnada, neste sentido, veja-se ainda, o douto (Ac. da RC de 6.3.2012 in www.dgsi.pt), onde se decidiu, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”.
Atento o exposto, indefere-se a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente, quanto ao ponto 10.
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Passemos, agora, à apreciação dos pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19, dados como provados e como diz o recorrente, respeitantes “ao pretenso acordo quanto à redução do valor das comissões e à isenção do horário de trabalho,…”, o qual sob a alegação de que estão incorretamente dados como provados, pretende que sejam dados como não provados.
Antes, previamente, de entrarmos neste aspecto da impugnação da decisão de facto, atenta a razão invocada pelo recorrente para em conjunto impugnar aqueles factos, com o qual concordamos, dado o elo de ligação entre eles e como supra explicámos, não obstante, o que se decidiu, quanto aos demais, do conjunto de factos que refere na conclusão 38ª, pelas razões que acima deixámos expostas, importa que se englobe e aprecie, no conjunto de factos a que se alude na conclusão 3ª, o facto 25., uma vez que é manifesto, atentos os conjuntos de factos que elaborou, que só por lapso, aquele ficou a pertencer ao conjunto em causa. Pois que, o mesmo, respeita “ao pretenso acordo quanto à redução do valor das comissões e à isenção do horário de trabalho,…”.
Assim e salvaguardando, eventuais, contradições, entre os factos provados, importa que, oficiosamente, se supra o verificado lapso e, consequentemente, se proceda, também, à reapreciação do facto 25, que não temos qualquer dúvida, face aos termos da impugnação deduzida, o A. defende devia ter sido dado como não provado e devia fazer parte do conjunto de factos que, agora, há que apreciar.
Assim, passemos, então, à análise da impugnação deduzida quanto aos pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 25, dos factos provados que, na opinião do apelante deveriam dar-se como não provados.
Como prova indica, “-Todos os dizeres, conteúdos e provas decorrentes dos documentos juntos aos autos, designadamente, petição inicial, contestação e resposta, cópias dos recibos juntos aos autos pelo A. e pela R., contrato de isenção de horário de trabalho junto pelo A. com a p.i, documentos emitidos pelas empresas que pretensamente deram formação ao A.; - O registo e gravação da prova, tanto com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso, como com a transcrição de excertos considerados relevantes, das declarações de parte do sócio da R., dos depoimentos das testemunhas arroladas, quer pelo A., quer pela R., e das declarações de parte do A.”.
Quanto aos pontos, agora, em apreciação, satisfatoriamente, o recorrente procede à indicação e identificação da prova gravada, alegando que, “A R. alegou na sua contestação que acordou com o A. e os outros trabalhadores que a partir de 2008 deixaria de pagar comissões pela venda de papel de fotocópia, porque a margem de lucro da venda de papel era muito reduzida e, por isso, não podia manter as comissões pela venda de papel de fotocópia, e que em simultâneo passariam a trabalhar em regime de isenção de horário de trabalho” e prossegue, “O sócio da R. CC prestou declarações de parte, com gravação H@bilus: 00:00:00 a 00:54:39, na sessão de audiência de julgamento do dia14/09/2021: gravação 20210914094117_15585508_2871615 14-09-2021 10:35.
E não foi isto que referiu este sócio, que sempre esteve à frente da empresa, agora como gerente, e no passado, enquanto vivo foi o seu pai. O que disse é que nunca houve comissões pela venda de papel de fotocópias.
Referiu que entre a empresa e os trabalhadores foi acordado reduzir o valor das comissões de €440,00 para €290,00 e celebrar o contrato de isenção de horário de trabalho, passando os trabalhadores a receber o respetivo subsídio arredondado para €150,00.”.
E transcreve: “Disse: “Nós, em 2008, adqjuirimos um programa informático de…informático, que é o Primavera, que ainda é hoje o programa com o qual trabalhamos, depois de variadíssimas atualizações, e anteriormente tinhamos um programa infologia, que em MS-DOS, que não nos permitia fazer análises muito concretas dos tipos de vendas…E o papel de fotocópias não estava incluído nas comissões de vendas” (minutos 8:28 a 9:46).
A isso questionou a M.ma Juiz: “O papel de fotocópia já não estava incluído anteriormente?” (minutos 9:46 a 9:49).
Respondeu o declarante: “Já não estava incluído anteriormente…no acordo nunca esteve incluído, só que o programa dava-nos totais por clientes e não nos permitia fazer a separação do que era papel de fotocópia…já estava excluído…E no início não tinha grande relevância as vendas de papel fotocópia…aos poucos, depois, em 2008, verificámos que o papel fotocópia começava já a ter alguma relevância” (minutos 9:46 a 10:26).”.
Continua, alegando que, “Apesar deste representante legal da R. assim ter declarado, o Tribunal deu como provados os sobreditos impugnados factos dos quais resulta que o valor das fotocópias era tido em conta nas comissões.
E na fundamentação da matéria de facto, vem dito que os factos referentes ao acordo sobre a redução dos valores de comissões e ao contrato de isenção do horário de trabalho têm por fundamento as declarações do sócio da R. CC, que foram corroboradas pelas Testemunhas DD e EE e “que por esse motivo também foram valoradas”.
Contudo, não é assim.
Estas testemunhas disseram algo bem diferente.
A testemunha DD referiu que o valor do papel de fotocópias até à data do pretenso acordo sempre integrou o valor das comissões. E a testemunha EE nada disse sobre o papel de fotocópia como fazendo parte dos valores das comissões e esteve em total dissonância com o que disse o sócio da R. e a testemunha DD, sendo mesmo o seu depoimento contraditório e em nada credível.”.
Mais, adiante, continua, alegando que a testemunha DD “contrariamente ao que disse o sócio da R. CC, referiu que houve uma redução das comissões de €440,00 para €190,00 por ter sido acordado com a R. que a partir de junho de 2008 esta deixava de pagar comissões referentes à venda de papel de fotocópia, mas pagaria de subsídio por isenção de horário de trabalho €150,00.
Esta testemunha revelou falta de isenção, o seu depoimento foi inconsistente, incoerente e contraditório em si e no confronto com as declarações do referido sócio da R. e depoimento das demais testemunhas.
Referiu que do pretenso acordo sobre a redução do valor das comissões a R. “…Deixou de pagar comissões de papel de fotocópia…” (minutos 7:10-17_20), o que, obviamente, contradiz o que disse o sócio da R., contrariamente ao que consta da fundamentação da matéria de facto onde se diz que esta testemunha e a testemunha FF corroboraram o que disse o declarante sócio da R.
Em relação ao referido acordo da redução do valor das comissões, foi-lhe perguntado: “Sabe se também isto foi acordado com o Sr. AA?”: tendo respondido: “Eu acho que sim.” (minutos 10:51 a 11:57)
E continuando a inquirição: “Mas não sabe, mas não sabe se também foi acordado com ele, do mesmo modo que foi acordado com o Sr.?” (minutos 11:58 a 12:05).
Respondeu: “Como lhe digo, eu acho, que foi o que eu acho; eu acho, eu, concordámos, eu falo que concordámos” (minutos 11:58 a 12:05).
Assim disse a testemunha, porque tal acordo nunca existiu, como resulta de uma correta análise da prova, toda ela contraditória quanto às declarações do sócio da R. CC e das testemunhas em que diz estribar-se a fundamentação da decisão de matéria de facto.
Esta testemunha referiu, também, que o A. era um excelente profissional “Acho que é um autêntico profissional” (minuto 13:13).
E disse que, até 2015, o A. faturava muito mais do que ele, passando, no entanto, a haver uma inversão a partir deste ano (minutos 15:00 a 15:25).
Questionado se alguma vez ouviu o A. reclamar sobre se faltava o pagamento de comissões ou que lhe faltava algum tipo de pagamento, a testemunha revelou embaraço e evasão, referindo, entre outras coisas não percetíveis na gravação: “…Não era conversa normal…Não era corrente” (minutos 29:25 a 29:53).
Admitiu, assim, que sim, embora tenha dito, depois, que não ouviu o A. reclamar sobre quaisquer pagamentos da R.
O embaraço e evasão da testemunha justifica-se pelas conversas tidas com o A. e o trabalhador FF em relação ao cumprimento em falta das obrigações da R. e, como esclareceu o A. nas declarações de parte, aos confrontos que a testemunha aos gritos tinha com o sócio CC da R. tinha, nas reuniões, em relação a este assunto.”.
Com relevo para este aspecto da impugnação, refere, ainda o depoimento da testemunha FF, dizendo que esta, “Diverge das declarações do sócio da R. e do depoimento da testemunha DD, e é, manifestamente, calculista e defensivo, de modo a favorecer a R.
Nada de relevante e credível disse, quer quanto ao pretenso acordo sobre a redução do valor das comissões, quer sobre as ações de formação.
Sobre as comissões, referiu que foi acordado entre os trabalhadores, ele, o A. e DD, e a R. “baixar a comissão para quem não atingisse (dado valor), para quem atingisse iria receber na mesma” (minutos 11:03 a 11:27).
Disse que o trabalhador da R. que sempre vendeu mais foi o A., até 2012 a 2013, e que sempre vendeu mais do que ele (minutos 18:00 a 18:40).”.
Por último, após as referências que tece e a transcrição, dos trechos que considera relevantes, das suas próprias declarações, alega, ainda que, “A R. alegou nos artigos 42º e 43º da sua contestação que não podia manter o pagamento de comissões pela venda de papel fotocópia, tendo sido acordado, em reunião com os vendedores que a partir de junho de 2008 deixaria de pagar comissões pela venda de papel fotocópia.
Estes factos alegados pela R. na sua contestação foram contrariados, como já se demonstrou, pelas declarações do sócio declarante da R.
Apesar disso, o Tribunal a quo deu como provados os factos alegados na petição inicial relativos do acordo sobre a redução das comissões e isenção do horário de trabalho, com a seguinte fundamentação: “… atendeu-se ao depoimento das testemunhas DD e EE, que eram os 2 vendedores que prestavam serviço à Ré, sendo aqueles que revelaram melhor conhecimento direto dos factos a que depuseram. Os seus depoimentos corroboraram o teor das declarações de parte a esse respeito prestadas pelo legal representante da Ré, CC, que por esse motivo também foram valoradas” (sublinhado nosso).
Mas não é assim, pois como se constatou anteriormente, da prova gravada o sócio declarante e representante legal da R.. em nada corroborou o que disseram estas testemunhas. Bem pelo contrário, ele disse uma coisa e estas disseram outras, podendo-se concluir que cada um disse à sua maneira, cada qual para seu lado.”.
Ainda, no que à prova documental respeita, alega que, “Decorre do contrato de isenção do horário de trabalho que foi celebrado entre a R. e o A. em 2 de Abril de 2008 que este, por virtude dele, receberia a retribuição especial de €146,08.
E de alguns recibos juntos aos autos, quer pelo A., quer pela R., constam pagamentos com a rubrica “HORAS SUPLEMENTARES” que esta fez àquele.
Essas “HORAS SUPLEMENTARES” correspondem a comissões (comissões que passaram a ser fixas): € 150,00, valor que adicionado a €290,00 que perfaz o montante de € 440,00, valor fixo de comissões acordado em 2007 entre a R. e o A.
Esse valor das comissões, contrariamente ao alegado pela R. não sofreu qualquer redução, manteve-se até ao fim do contrato da trabalho entre esta e o A.
Em recibo algum consta que a R. pagou ao A. o subsídio de isenção do horário de trabalho, que é de €146,08, e não de €150,00.
Os recibos dos quais consta um valor de “horas suplementares” de €150,00 não provam o pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho ao A.. As ditas “HORAS SUPLEMENTARES” correspondem, como é bem de ver, à indevida redução do valor das comissões de €440,00 mensais para €290,00 mensais.
E é certo e verdade que os recibos juntos aos autos pelo A. e pela R. fazem “prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (a R.)”, dado o disposto no artigo 376º, nº 1 do C. Civil ex vi dos artigos 373º, nº 2 e 368º deste mesmo diploma legal.
De facto, a R. reconhece ser a sua autora, e, como tal, não arguiu a falsidade dos mesmos.
Provam, pois, os referidos recibos, no seu confronto com aqueles outros recibos donde constam os valores de comissões de €440,00, que a R. não efetuou ao A. quaisquer pagamentos referentes a subsídio de isenção de horário de trabalho, mas sim que o valor das “horas suplementares”, corresponde, isso sim, à redução do valor das comissões de €440,00 mensais para €290,00 mensais.”.
Vejamos, então, se assiste ou não razão ao apelante, quanto a esta questão, nos termos por ele pretendidos.
Procedemos a uma análise critica de todas as provas, de modo a formar a nossa convicção, inclusive, com audição de todos os registos gravados, pese embora, a parcial transcrição junta aos autos, uma vez que, também, com base neles a Mª Juíza “a quo” formou a sua convicção. Ou seja, procedeu-se à audição integral de toda a prova gravada e não apenas nas partes invocadas pelo recorrente, por se entender útil, para contextualizar essas partes, também antes ou depois das mesmas.
E, antecipando, podemos dizer que o nosso entendimento não diverge, no essencial, daquele que tem o recorrente, revendo-nos e concordando com o referido pelo mesmo, na sua alegação e considerações ali expostas, razão porque procedemos à sua transcrição naqueles termos.
Os pontos impugnados, dados como “Factos provados” e que, aquele, defende devem ser dados como “Factos não provados” têm o seguinte teor:
“12. Em 2008, a Ré adquiriu um novo programa informático que lhe permitiu passar a fazer uma análise económica e financeira mais rigorosa do volume de vendas por categoria de produtos, da qual resultou que a margem de lucro da venda do papel de fotocópia era muito reduzida, pelo que considerou que não lhe seria conveniente manter o pagamento das comissões pela venda de papel de fotocópia.
13. Em reunião com os vendedores, nos quais se incluía o Autor, ficou acordado que a Ré a partir de junho de 2008 deixaria de pagar comissões pela venda de papel de fotocópia, tendo-se então ajustado, de comum acordo com os vendedores, onde se inclui o Autor, que o valor mensal da comissão pelas vendas dos outros produtos comercializados pela Ré passaria a ser de 290€.
14. Concomitantemente, ficou ajustado que os vendedores, incluindo o Autor, passariam a trabalhar em regime de isenção de horário de trabalho, o que correspondeu a uma aspiração dos vendedores.
15. Os vendedores, incluindo o Autor, na sua atividade profissional, deslocam-se em automóveis comerciais da Ré, sendo que, uma vez que estão autorizados pela Ré a poder, no final do dia de trabalho, levar os automóveis para as suas residências, utilizavam os automóveis fora do horário de trabalho e no seu próprio interesse, pelo que, a forma de regularizar a situação e não haver o risco de autuação por parte das autoridades policiais era trabalharem em regime de isenção do horário de trabalho.
16. Assim, em abril de 2008 foi celebrado com cada um dos vendedores, Autor incluído, um acordo de isenção de horário de trabalho, de acordo com as regras determinadas pela Autoridade da Condições de Trabalho, como consta do documento anexo à p. i. sob o n.º 10, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
17. Embora no acordo de isenção de horário de trabalho o valor a pagar a cada um dos vendedores, onde se inclui o Autor, fosse de 146,08€ mensais, a Ré pagava mensalmente, a esse título de isenção de horário de trabalho, o montante de 150€, a fim de o Autor e restantes vendedores, não sofrerem uma diminuição do montante global da sua retribuição…
18. … Regime este de comissões e isenção de horário de trabalho que passou a vigorar para os vendedores da Ré, onde se inclui o Autor, desde junho de 2008 até à cessação do contrato de trabalho do Autor.
19. O Autor a partir de junho de 2008, para além do vencimento base e subsídio de alimentação, auferia assim o montante mensal de 290€ a título de comissões e o montante de 150€ a título de isenção de horário de trabalho.
25. A partir de junho de 2008, a Ré fez constar nos recibos o valor de 290€ sob a rubrica “comissões” e o valor de 150€ sob a rubrica “horas suplementares”, sendo que esta rubrica refere-se efetivamente ao subsídio de isenção de horário de trabalho, que por lapso ou erro dos serviços de contabilidade contratados pela Ré, foi lançado nos recibos de vencimento como “trabalho suplementar”.”.
Analisando, verifica-se que, correspondem os mesmos à alegação da Ré, nos artigos 36 a 54 e 83 e 84 da contestação.
A Mª Juíza “a quo” fundamentou a sua convicção, quanto a toda a factualidade e, em concreto, as respostas dadas de provados àqueles factos que constam daqueles pontos, nos seguintes termos que, em síntese, transcrevemos:
«Para além da posição vertida pelas partes nos respetivos articulados (factos admitidos por acordo), na formação da sua convicção o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objetivos fornecidos pelos documentos dos autos, e fazendo uma análise dos depoimentos prestados. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas.
Atendeu-se ao teor dos documentos supra referenciados na decisão da matéria de facto, bem como dos restantes juntos pelas partes nos respetivos articulados (comunicações, acordo de isenção de horário de trabalho, recibos de vencimento), bem como as comunicações que constam nos autos de 27.01.2020 da C..., 28.01.2020 da F..., 31.0.12020 da E..., de 27.02.2020 da D... e ainda de 27.01.2020 da B... e o extrato das remunerações do Autor comunicadas à Segurança Social pela Ré de 29.01.2020, conjugado com o depoimento das testemunhas inquiridas e o depoimento de parte do legal representante da Ré e as declarações de parte do Autor.
O legal representante da Ré, CC, prestou depoimento de parte e referiu ser gerente desde 2018, pois antes dessa data era o seu pai quem era o gerente, mas delegava nele próprio os contactos com os funcionários. Relatou as circunstâncias que envolveram a contratação do Autor, referindo, que no início recebia de comissão 1% sobre o valor das vendas que fazia, tendo sido o primeiro vendedor a trabalhar nessa modalidade. Em fevereiro de 2005, foi contratado o vendedor DD por indicação do Autor e em 2007 veio o Sr. EE. Havia muitas oscilações nas vendas e o Autor ia perder clientes, pois prescindia de vendas ao aconselhar outro vendedor, pelo que ficou acordado entre os dois que receberiam 424€ de comissão: era a média.
Posteriormente em 2007, esse valor aumentou para 440€, sendo que caso anualmente fosse ultrapassado o valor de 440.000€, o vendedor receberia 1,2% sobre o excedente, o que aconteceu apenas uma vez com o vendedor DD em 2018. O papel de fotocópia não estava incluído no acordo e em 2008, quando a Ré adquiriu o programa informático Primavera, verificaram que o valor das comissões estava muito longe de atingir o seu valor real. Por parte dos vendedores havia interesse em beneficiar de isenção do horário de trabalho e como o valor das comissões estava muito acima do que o que seria devido, para que os vendedores não ficassem prejudicados, propuseram conceder-lhes isenção de horário de trabalho, pagando-lhes a esse título, 150€, reduzindo as comissões para 290€. Essa necessidade surgiu porque um vendedor tinha sido abordado pela polícia que o advertiu de ter que beneficiar da isenção do horário de trabalho para que pudesse utilizar o carro da empresa durante 24 horas por dia. Todos concordaram, incluindo o Autor.
Quanto à formação, referiu que ministrava mensalmente aos vendedores formação: 2 horas antes da hora de almoço, sobre os novos catálogos, os novos produtos e a melhor forma de os vender. A partir de 2008, a Ré fez contrato com a B... que vinha dar formação em informática aos vendedores. Faziam formação de 14 horas por ano em sala e tiravam as dúvidas pelo telefone durante o ano inteiro. Foram debitada à empresa pela B... muito mais que as 14 horas. Na feira de Lisboa, os vendedores incluindo o autor, tinham 4 dias de formação. Desde 2010 a 2015 a firma F... estava presente durante a feira e dava formação aos vendedores durante 4 horas por dia sobre as qualidades dos novos produtos e a forma de os apresentar. Entre 2016 e 2019, as firmas G..., D..., H... e C... estiveram presentes na feira, durante 4 dias, e deram formação aos vendedores durante 2 horas por dia. O Autor esteve sempre presente, com exceção de 2 anos que julga terem sido os anos de 2015 e 2017, em que pediu dispensa por motivos pessoais. O Autor teve formação quanto ao programa Primavera, mas recusou-se a trabalhar informaticamente, não tendo feito uso do programa. Não possui documentos da formação.
A testemunha DD é vendedor e trabalha para a Ré desde 2005. É amigo do Autor de quem foi colega até 2018. O Autor perdeu zona para que ele pudesse entrar.
Quando entrou as comissões era fixas: cerca de 420€. A partir de 2008, a empresa adquiriu um programa informático e podiam ver as vendas. O papel de fotocópia não entrava para o valor das comissões e, além disso, surgiu uma situação nova porque foi abordado pela polícia. Acordaram com a empresa reduzir as comissões para 290€ e receber 150€ de isenção de horário de trabalho, pelo que não ficaram prejudicados. Foi tudo combinado e acha que também foi feito acordo com o Autor no mesmo sentido. Quando entrou, em 2015, o Autor faturava mais do que ele, mas a partir de 2015 houve uma inversão. Até 2018, ninguém atingiu os objetivos. Quando entrou para a empresa, ganhava mais no global. O objetivo era atingirem 440.000€ por ano. Recebiam um valor fixo quer recebesse 200 ou 300 e só receberiam um valor superior de comissão se ultrapassassem os 440.000€, correspondente a 1,2%. Em 2008 esse valor foi reduzido. A partir do momento em que foi autuado pela polícia, deu desse facto conhecimento à empresa e foi por isso que o regime remuneratório foi alterado. Esclarece ainda que todos os acordos foram feitos em reunião e o Autor esteve sempre presente nas reuniões. Referiu a firma B... na formação sobre informática e a F..., a D... e a E... nas feiras. A formação nas feiras era no 1º dia e nos outros dias, os colegas mantinham-se lá disponíveis. Podia ser 2 horas de formação.
Quanto à formação, referiu que teve formação nas feiras de Lisboa, uma vez por mês na empresa sobre apresentação de produtos novos e catálogos e para saber lidar com o programa informático Primavera. Nas feiras de Lisboa eram os colegas das empresas das marcas que eles representavam que davam formação aos vendedores. Não há documentos sobre isso. Quanto à informática, foram dadas muitas horas de formação.
A testemunha FF, que também é técnico de vendas e trabalha para a Ré desde 1 der abril de 2007 referiu que quando entrou, o valor das comissões era de cerca de 400€ mensais. Em 2008, houve uma reunião entre a entidade patronal e os vendedores e chegaram a acordo em ficarem com a isenção do horário de trabalho, pela qual receberiam 150€ e receberem 290€ por mês de comissões. No total ficariam com os 440€ por mês que recebiam até ali. Preferiram assim e poderem ficar com o carro sempre. Quem ultrapassasse os objetivos receberia ainda uma percentagem. Concordaram os 3: o Autor incluído. Dantes o Autor vendia mais e depois passou a ser o DD, sendo que o Autor vendia mais que a testemunha. Tiveram formação das feiras, em Lisboa e na empresa. Nas feiras, eram os colegas das marcas que lhes davam formação. Referiu as empresas H..., D..., F... e C.... Tiveram também os técnicos de informática na empresa, que lhes deram formação sobre informática e o Sr. CC que lhes dava formação sobre os novos produtos.
(…).
A testemunha BB é técnico de vendas e trabalha para a Ré desde dezembro de 2018. Foi substituir o Autor, quando ele se reformou. Contactou com o Autor durante 3 semanas, período durante o qual o Autor fez a “passagem” do serviço para a testemunha.
Nada comentaram sobre a vida pessoal, nem sobre retribuições. Recebeu para além do seu ordenado uma comissão fixa de 290€, 150€ de subsídio pela isenção do horário de trabalho e subsídio de alimentação. Se ultrapassar os 440.000€ de vendas anualmente recebe ainda 1,2% sobre o valor que excedente. Costuma ter formação às sextas feiras, uma vez por mês. É dada pelo sócio gerente da Ré. Também recebe formação sobre informática, podendo tirar dúvidas e sobre as atualizações. Nas feiras de 2019, em Lisboa e 2020, no Porto, recebeu formação dos fornecedores. Já chegou a atingir 440.000€. Nunca recebeu documentação sobre as formações que fez.
A testemunha GG é contabilista e TOC, prestando serviços à Ré desde sempre, há cerca de 40 anos. Explicou que no recibo consta a retribuição base, o valor das comissões (290€) e a referência que é feita a “horas suplementares” foi um lapso, pois o código foi inserido incorretamente. A importância de 150€ diz respeito ao subsídio pela isenção do horário de trabalho. Houve um acordo com a ACT nesse sentido. Inicialmente os vendedores não recebiam esse subsídio. Foi só a partir de julho de 2008.
A testemunha HH é caixeira no armazém da Ré, onde trabalha há cerca de 47 anos. Conhece o Autor desde que ele foi trabalhar para a Ré em 2003. Dava-se bem com ele. Às vezes “dá uma mãozinha no escritório”. Sabe que no início, tudo dependia das vendas. Recebiam 1% sobre o valor das vendas. A partir de 2007, a comissão passou a ser fixa. Não sabe se houve mais alterações e se tinham isenção de horário de trabalho. A formação era dada na Fil, em Lisboa, e aos fins de semana. Os vendedores tiravam as dúvidas e, para além das vendas, também eram feitas pelos técnicos das outras empresas, demonstrações de produtos. Também havia formação de informática: os técnicos vão à empresa dar formação. O Autor recebia as formações, mas fazia tudo à mão. Não gostava de usar computador.
Por seu turno, o Autor, AA, em declarações de parte, confirmou a data a sua admissão, bem como o valor do vencimento inicial e das comissões (1% sobre as vendas), bem como que a partir de certa altura passou a haver valores fixos (440€ e posteriormente 290€) para serem acertados no fim do ano, o que nunca aconteceu. As vendas oscilavam. Nunca lhe disseram que iriam baixar o valor as comissões, pois nunca aceitaria. A Ré, para não ter que pagar a isenção do horário de trabalho, tirou do valor das comissões para o subsídio da isenção. Nunca lhe foram pagos os valores das comissões, nem da isenção do horário de trabalho nos subsídios de férias e de natal. Sempre reclamou e o legal representante da Ré dizia-lhe que acertariam. Nunca teve formação, porque não tinha computador. O que possuía era o da I.... Todos se queixavam que não tinham ações de formação. Na Fil apenas apresentavam clientes e vendiam.
Sobre os factos relativos ao acordo invocado pela Ré, redução do valor das comissões e atribuição do subsídio de isenção do horário de trabalho, atendeu-se ao depoimento das testemunhas DD e EE, que eram os 2 vendedores que prestavam serviço à Ré, sendo aqueles que revelaram melhor conhecimento direto dos factos a que depuseram. Os seus depoimentos corroboraram o teor das declarações de parte a esse respeito prestadas pelo legal representante da Ré, CC, que por esse motivo também foram valoradas. O vendedor que veio substituir o Autor, BB, pouco soube esclarecer sobre o passado, limitando-se a referir a situação com que se deparou aquando da sua contratação, sendo que a testemunha HH, que trabalha no armazém, não conhecia os factos com pormenor, confirmando contudo que o Autor receba formação.
Atendeu-se ainda ao depoimento do TOC da Ré, GG que explicou que nos recibos, a verba referente ao subsídio de isenção de horário de trabalho ficou inscrita, por erro, na rubrica correspondente a “trabalho suplementar”, o que não é difícil de perceber, pois quem recebe isenção de horário de trabalho, não pode receber remuneração por trabalho suplementar.
A única pessoa que apresentou uma versão diferente foi o Autor, AA, quando prestou declarações de parte, pelo que tais declarações, desacompanhadas de qualquer outro elemento de prova que as confirme, não podem ser valoradas, exceto se tiverem valor confessório, o que sucedeu relativamente à quantia de 150€ que consta nos recibos de vencimento como “trabalho suplementar” que o Autor admitiu tratar-se do subsídio de isenção de horário de trabalho que referiu ter sido retirado do valor das comissões.
Quanto aos factos relativos à formação, atendeu-se aos depoimentos dos referidos 2 vendedores da Ré, DD e EE, da testemunha HH e do legal representante da Ré, conjugadamente com as comunicações que constam nos autos de 27.01.2020 da C..., 28.01.2020 da F..., 31.0.12020 da E..., de 27.02.2020 da D... e ainda de 27.01.2020 da B.... Todos confirmaram as formações e tipos de formação que a Ré proporcionava aos seus trabalhadores, ainda que não tivessem sido emitidos certificados de participação.
As testemunhas II, JJ, KK e LL nada de concreto souberam esclarecer, pois não tinham conhecimento direto dos factos.» (sublinhados nossos).
Como já referimos supra e decorre das suas alegações, o A. discorda desta fundamentação, no essencial, por considerar que não era possível das provas produzidas, com particular destaque para o depoimento das testemunhas, seus colegas de trabalho (que considera não corroboraram o teor das declarações de parte do legal representante da Ré) e as suas declarações de parte, ter-se concluído que o mesmo, deu o seu acordo à redução do valor das comissões, afirmando ainda que, tal entendimento é contrário à prova documental junta aos autos como também contrário à prova testemunhal e declarações de parte prestadas.
Pugna assim, pela alteração da factualidade, supra indicada.
E, adiantamos desde já que, no essencial, assiste-lhe razão.
Previamente, a melhor justificarmos o nosso entendimento, permita-se-nos dizer o seguinte.
Como é sabido, a liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente subjectiva ou emocional e voluntarista, mas sim uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros.
O processo para definir os factos sobre os quais o tribunal deve construir a sua decisão não é puramente cognitivo, o que explica a inevitável relatividade da certeza histórica de um facto que a prova disponibiliza.
Num sistema de prova livre, como é no caso, a valoração dos depoimentos das testemunhas é muito importante, deixando ao juiz a determinação da máxima de experiência que deve aplicar em cada caso em concreto.
Apesar de, em ambos os casos, o da prova livre e legal, o método de valoração da prova não deve ser contrário à lógica, devendo antes ser pautado de harmonia com um critério de normalidade jurídica, consoante aquilo que normalmente sucede, sabendo-se que as provas não têm forçosamente que criar no espirito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza, essa, que seria impossível ou geralmente impossível, devendo elas é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida.
No decurso do julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, diversos meios susceptíveis de induzir em erro, quer porque se trata de conhecimento de factos passados, alguns deles há muito tempo, quer porque assenta, na maioria das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis, como todos sabemos é o caso da prova testemunhal.
Sabendo-se, ainda, quer do que resulta da doutrina quer da jurisprudência, que a valoração das provas, reportada à credibilidade dos depoimentos, é eminentemente subjectiva, depende, essencial e substancialmente, da imediação, princípio que, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas de índole testemunhal, permite, num quadro de emissão e recepção de sinais de comunicação, que não sendo, apenas, de palavras, mas também de simples gestos, posturas ou outras formas de acção ou omissão, como o próprio silêncio, podem valer mais que mil palavras, determinando a adequada apreciação dos depoimentos. Tal não significa que a apreciação, eminentemente subjectiva, conducente a conferir maior ou menor credibilidade de um depoimento, é insindicável, pois ao julgador é imposto o dever de explicitar as razões da sua convicção pessoal, na fundamentação da decisão, isto é, que revele não só os motivos por que certo depoimento mereceu maior credibilidade do que outro, mas também que explicite o raciocínio lógico que utilizou na apreciação global e lógica de toda a prova.
E, é por isso que cabe a esta Relação sindicar a apreciação feita pela Mª Juíza “a quo”, no que respeita aos factos impugnados, cuja apreciação o recorrente defende não foi a correcta, pugnando que sobre aqueles factos não foi feita prova cabal para se decidir do modo que foi feito.
E, sem dúvidas, com o devido respeito, essa não é apenas a convicção daquele, já que, também, é a nossa.
Regressando ao caso, da análise de todas as provas produzidas, em concreto, os trechos dos depoimentos que o recorrente identifica e considera impunham a alteração daqueles, a nossa convicção é, sem dúvida, diversa daquela que firmou a Mª Juíza “a quo”.
A nós, na apreciação global que fizemos de todas as provas que, quanto a estes pontos foram produzidas e na comparação, com os demais factos que se mostram provados, tal como considera o recorrente, suscitaram-se-nos dúvidas sobre a existência de prova convincente, quanto àqueles factos que, no essencial, como bem refere o recorrente, se resumem a saber se o A. deu ou não o seu acordo à redução do valor das comissões, não firmando convicção segura de que o mesmo tenha acontecido, contrariamente ao que se deu por provado na decisão recorrida.
Aliás, é óbvio das alegações do recorrente e tivemos a oportunidade de o verificar, aquando da apreciação que fizemos, conjugadamente, de todas as provas, que a discordância do mesmo, com aquela, tem fundamento.
As provas produzidas nos autos, quanto à alegada concordância por parte do A., quanto à redução do valor das comissões, só nos permitem firmar a convicção de que o mesmo, nunca concordou, não apenas, com base no que o próprio declarou, - quando questionado se a empresa nunca lhe disse que o valor das comissões ia baixar, “Nunca…nunca, nunca. Como era possível baixar? Como é que eu podia aceitar uma coisa dessas reduzir o ordenado que já era…para quem fazia 1000 Km por semana, ainda ganhar menos de €1000,00?! Mas eu algum dia aceitava uma coisa dessas?!”(minutos18:25 a 18:50 do seu depoimento). Acrescentando, no que se refere a esse alegado acordo, “Nunca, nunca se passou, nunca teve alteração nenhuma ao contrato…completamente falso…Se alguém disser o contrário, é mentira…não é verdade!” (minutos 19:00 a 19:46 do seu depoimento) - mas, também, no que foi dito pelos seus colegas de trabalho, cujos depoimentos, sempre com o devido respeito, por se nos revelarem “acomodados” aos interesses da recorrida, não lograram convencer-nos, nos termos que se assentou na decisão recorrida, nem apreciados em conjunto com a resposta “singela” do legal representante da Ré, ao dizer que “todos concordaram”, sem se perceber a que se refere, nomeadamente, se ao acordo de redução do valor fixo das comissões, ou ao acordado regime de IHT, que não se discute, o A. assinou.
Obviamente, o ter estado nas, alegadas, reuniões onde, eventualmente, se tomou aquela decisão é coisa bem diversa de ter dado o seu acordo. E, quanto a isso ter acontecido, o depoimento daquelas testemunhas, seus colegas, nem o que foi declarado pelo legal representante da Ré, como dissemos, foi suficiente para firmar convicção diversa daquela que o recorrente defende. Nenhuma das testemunhas logrou esclarecer ou dizer saber, que o A. tenha dado o seu acordo, não sendo para isso convincentes as respostas a dizer, “achar” que também foi feito acordo com o A., nesse sentido, nem a resposta da testemunha, FF, quando diz, sem mais, que concordaram os 3, o A. incluído.
Foi essencial para a convicção negativa que firmámos quanto a este acordo ter existido, além da factualidade que se mostra assente, sobre a forma como foi fixado o valor e o que o A. recebeu, desde o início do contrato, a título das denominadas comissões, vejam-se pontos 4., 6., 7., 8., 9. e 11., contrariamente, ao que seria expectável, o que declarou o legal representante, sobre o objectivo subjacente à existência de um valor fixo a título de comissões, como disse, “no sentido de lhes dar estabilidade e eles irem à procura de novos clientes (à procura de mercado), sem estarem à procura de um valor”.
Ora, sendo desse modo e, sendo aquele valor médio acordado em 2007, no valor de 440,00€, que terá sido fixado, com o objectivo anual de vendas de 440,000,00€ que, segundo aquele, “nunca foi atingido”, “o Sr. AA nunca ultrapassou os 440,000€ nem se aproximou”, mas que, como se apurou mesmo, assim, foi sendo pago, “no sentido de lhe garantir alguma estabilidade” como é, reiteradamente, frisado pelo legal representante da Ré, não é credível que o A. concordasse com a diminuição daquele valor, nem de modo algum, que tal tivesse acontecido, por a Ré, ter adquirido um novo programa informático ou por acordarem entre eles que a mesma deixaria de pagar comissões pela venda de papel de fotocópia. Pois, por tudo o que se deixou exposto e face ao que se apurou, é segura a convicção que, o volume de vendas de qualquer produto isoladamente, nem o papel de fotocópia, foi determinante para apuramento do valor fixo das denominadas comissões. Como o diz, por diversas vezes, o legal representante da Ré, “o papel de fotocópia nunca esteve incluído no acordo”, referindo-se ao acordo que esteve na base do valor fixo das denominadas comissões. Aliás, à pergunta se aquele papel foi excluído do acordo, o mesmo respondeu que já estava excluído.
Por outro lado, ao contrário do que foi o convencimento do Tribunal “a quo”, não nos convencemos nós que o montante de 150€ denominado nos recibos de “horas suplementares” se refira ao pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho, a infirmar que, assim fosse, temos desde logo, o que decorre do contrato junto aos autos, cujo teor se aditou, nesta sede, ao ponto 16, dos factos provados, de onde decorre que o valor a pagar àquele título é inferior, acrescendo que nada foi dito de convincente pelas testemunhas a esse respeito, nomeadamente, pela testemunha GG, de modo a permitir firmar qualquer convencimento.
Não só, não nos convenceu a explicação dada pelo mesmo, para aquele valor aparecer denominado nos recibos como “horas suplementares”, ao dizer, “É o subsídio de isenção do horário de trabalho…Saiu com esse código, mas na verdade devia sair com o código de subsídio de isenção do horário de trabalho”, como não convenceu a explicação que deu, sobre porque constava dos recibos “horas suplementares”, dizendo “foi um lapso”, mais, “foi um lapso da nossa parte, assumo”. Pois, ao contrário, do que considerou a Mª Juíza “a quo”, não só não é percetível o erro, como não é credível que fosse por erro ou lapso que se mostra inscrito nos recibos aquele valor, com a designação de “horas suplementares”. Basta, ter em atenção, o tempo que aquela situação perdurou, ou seja, o alegado erro se manteve. Ter acontecido, uma ou outra vez, por lapso, ainda se percebe e é credível. Não se verificar o erro e corrigi-lo ao longo de tantos anos, não convence nem é compreensível.
De modo que, sem dúvida, podemos dizer que a convicção que firmámos, quanto àqueles pontos, é bem diversa da constante da decisão recorrida. A nossa convicção segura, é que as provas produzidas não tiveram a virtualidade de convencer e demonstrar o constante daqueles. Não tendo eles, qualquer respaldo nas provas produzidas, à excepção do que da prova documental decorre.
Em consequência, é nossa convicção, que não resultaram provados os pontos 12, 13, 14, 15, 17 e 18 e os pontos 16, 19 e 25 resultaram apenas provados e, por via disso, eliminam-se, de todo, aqueles primeiros pontos e eliminam-se dos pontos 16, 19 e 25, os segmentos sublinhados, supra, do elenco dos factos provados.
Procede, assim, parcialmente este segmento da apelação e, em consequência, altera-se a factualidade dada por assente, no Tribunal “a quo” e supra transcrita, nos termos que se deixaram anotados.
*****
Aqui chegados, passemos à apreciação da questão de saber:
- Se o Tribunal “a quo” errou na aplicação do direito, ao não considerar as denominadas “comissões” como integrantes da retribuição-base, a partir de Fevereiro de 2005 e, consequentemente, ao não condenar a apelada, nos termos peticionados pelo recorrente, no que respeita, ao valor das comissões relativo aos subsídios de férias e de natal.
É primordial quanto a esta questão que nos debrucemos, sobre a análise da qualificação retributiva das denominadas comissões, ou seja, como considera o recorrente, saber se as prestações recebidas pelo mesmo e descritas na matéria de facto provada, com aquela designação, devem ser integradas no conceito de retribuição e sujeitas ao princípio de irredutibilidade da retribuição.
Discorda, assim, do segmento da decisão recorrida que não o considerou desse modo. Comecemos, então, por transcrever o que a este propósito se considerou naquela, que a Mª Juíza “a quo” apreciou, sob o título, “Da irredutibilidade da retribuição e da alteração das componentes remuneratórias”, nos seguintes termos: «Se bem se pensa, o Autor reclama o pagamento das remunerações relativas ao subsídio de isenção de horário do trabalho, por entender que não lhe foram pagas, invocando que o valor de 150€ que conta nos recibos de vencimento foi retirado das comissões indevidamente.
A questão centra-se no confronto do princípio da irredutibilidade salarial contido no art. 129.º n.º 1 al. d) do Código do Trabalho, com a redução do valor das comissões ocorrida em junho de 2008, que a Ré argumenta ter merecido a aceitação do trabalhador e se ter inserido no acordo realizado com todos os seus vendedores, aos quais concedeu o regime de isenção de horário de trabalho, para que pudessem continuar a utilizar os veículos comerciais da empresa em permanência, mesmo para a sua vida pessoal – o que se provou.
Mais se provou que o valor do subsídio de isenção de horário de trabalho, foi fixado em 150€ (em vez de 146,08€) para que não houvesse uma redução da retribuição global paga aos seus vendedores, sendo essa a verba que consta nos recibos de vencimento sob a rubrica de “trabalho suplementar”, por erro dos serviços da contabilidade.
Convém, a este propósito, referir que o princípio da irredutibilidade da retribuição constitui uma das garantias do trabalhador no contexto da relação laboral, dele decorrendo a impossibilidade de redução da retribuição auferida, ressalvando-se apenas os casos previstos no Código ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
O Código prevê alguns casos de diminuição da retribuição: redução do tempo de trabalho ou da suspensão do contrato de trabalho em situação de crise da empresa – art. 305.º n.º 1 al. a) – passagem do trabalhador do regime de trabalho a tempo integral para o regime do trabalho a tempo parcial – art. 154.º n.º 3 – ou a descida de categoria, nos casos em que é admitida e com autorização dos serviços inspetivos do ministério responsável pela área laboral – art. 119.º
Fora destas situações, a diminuição da retribuição, nomeadamente por mero acordo com o trabalhador, não é admitida por lei e constitui, de resto, contraordenação muito grave – art. 129.º n.º 2 do Código do Trabalho.
Será que a entidade patronal podia, de todo o modo, alterar a composição remuneratória auferida pelo trabalhador?
Note-se que o princípio da irredutibilidade salarial “não obsta à alteração, por parte do empregador, do modo de cálculo da retribuição, na relação entre a remuneração de base e os respetivos complementos, desde que, evidentemente, tal alteração não redunde na diminuição da retribuição.” – Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., Setembro de 2016, pág. 526.
Com efeito, o que a lei ressalva é a impossibilidade de redução do valor global da retribuição, nada impedindo que, sendo esta constituída por diversas parcelas ou elementos, o empregador altere o quantitativo de algumas delas ou até os suprima, desde que o quantitativo da retribuição global resultante da alteração não se mostre inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração – cfr. neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 01.04.2009 (Proc. 08S3051), e da Relação do Porto de 07.12.2018 (Proc. 1938/17.1T8VLG.P1) e de 29.04.2019 (Proc. 2756/17.2T8MTS.P1), todos publicados em www.dgsi.pt.
Resulta dos autos que, a partir de junho de 2008, a Ré reduziu o valor das comissões de 440€ para 290€, e para compensar essa redução atribuiu outras prestações que o trabalhador não auferia: o subsídio de isenção de horário de trabalho para que o Autor pudesse continuar a usufruir, em proveito próprio, do veículo comercial da Ré de forma permanente, em termos de também poder ser usado na sua vida pessoal e familiar.
Analisando as prestações que assim foram pagas ao Autor, o que se observa é que entre setembro de 2008 e dezembro de 2018 não se verificou uma diminuição da sua retribuição. Pelo contrário, a retribuição anual do Autor aumentou – conforme infra se irá demonstrar -, razão pela qual a alteração da retribuição do Autor é lícita, não sendo devido ao Autor o pagamento dos subsídios de isenção de horário de trabalho entre junho de 2008 e dezembro de 2018, por se encontrarem já pagos.
Improcede consequentemente esta parte do pedido.»(fim de citação).
Como dissemos, discorda o recorrente, na consideração, em síntese, de que, “No caso vertente, tem-se como particularidade relevante, o facto de o que se diz ser “comissões” se ter convertido num acordo de prestações certas, de cariz regular e períodico.
Pensamos que nestas circunstâncias aquilo que se chama de “comissões”, se já não o fosse, converteu-se numa parcela integrante da retribuição-base.
E assim aconteceu, como está provado, desde fevereiro de 2005 até ter cessado o contrato de trabalho, isto é, durante mais de 13 anos; embora aqui se dirima nos presentes autos o valor da prestação fixa dita referente a comissões.
Deste modo, sendo os valores ditos referentes a comissões prestações certas, de cariz regular e período, mantidos por mais de 13 anos, não podem deixar de integrar a retribuição-base, pelo que, em relação aos respetivos valores, o A. tem direito a subsídio de férias e de natal.”.
Vejamos, então.
Começando por determinar qual o regime legal que deverá aplicar-se, tendo em atenção que o contrato em análise no presente recurso, vigorou entre 01.01.2003 e 01.12.2018. Logo, estando em causa um período anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto e do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, cumprirá aplicar tanto os regimes anteriores à entrada em vigor de tais diplomas, como o regime instituído pelo actual Código do Trabalho (cfr. o art. 8º nº 1 daquela Lei nº 99/2003 e o art. 7º nº 1 da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro).
Quanto à proibição de diminuição da retribuição do trabalhador estava, a mesma, já prevista no art. 21º nº 1 c) do Decreto-lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (denominada de L.C.T.), em vigor à data da celebração do contrato de trabalho entre as partes), foi mantida no art. 122º d) do CT/2003 e mantém-se actualmente consagrada no art. 129º nº 1 d) do CT/2009, com idêntica redacção, àquela do anterior código (aplicável ao caso, uma vez que a redução da prestação em apreço ocorreu no ano de 2008, quando aquele diploma, ainda, se encontrava em vigor).
Estas últimas normas, quer do CT/03, quer do CT/09 dispõem que é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos no próprio Código do Trabalho ou em instrumento de regulação coletiva de trabalho. Regimes diferentes do anteriormente previsto na LCT, que admitia que a diminuição da retribuição pudesse ocorrer em três situações distintas – nos casos previstos na lei, nas portarias de regulamentação de trabalho e nas convenções colectivas, ou quando, precedendo acordo da administração do trabalho, houvesse acordo do trabalhador, no actual regime e naquele que o antecedeu, aquela possibilidade cinge-se às hipóteses, supra referidas. Nas palavras usadas por (Pedro Romano Martinez/Pedro Madeira Brito/Guilherme Dray in “Código do Trabalho Anotado, 2017, 11ª Ed., pág. 367), “deixou de ser lícita a diminuição de retribuição, que não resulte de modificações contratuais, por mero acordo entre as partes”.
A análise do caso, impõe, assim, em primeiro lugar, saber exatamente o que se deve entender por retribuição.
No seu início, preceituava a propósito da retribuição o art. 82º do Decreto-Lei nº 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) que: “1- Só se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2- A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3- Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.”.
A este propósito, (Pedro Romano Martinez in “Direito do Trabalho”, 1994/95, págs. 419 a 423), ensinava, em comentário àquela norma, serem três os elementos constitutivos da noção de retribuição ali plasmada:
i) a retribuição corresponde à contrapartida da atividade do trabalhador (sendo o contrato de trabalho bilateral, a retribuição encontra-se sinalagmaticamente ligada à atividade prestada pelo trabalhador);
ii) a retribuição pressupõe o pagamento de prestações de forma regular e periódica (a atribuição de carácter retributivo a determinada prestação do empregador exige a verificação de periodicidade e regularidade no seu pagamento), o que não se confunde com uma absoluta igualdade das prestações;
iii) a prestação tem de ser feita em dinheiro ou em espécie, ou seja, tem de ter valor patrimonial.
Já o art. 84º da L.C.T., no seu nº 2, definia a figura da retribuição variável, estabelecendo que na determinação do seu valor deveria ter-se em conta a média dos valores que o trabalhador recebia ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo de execução do contrato, caso este tivesse durado por um período inferior a doze meses.
Por sua vez, os art.s 249º e 252º nº 2, ambos do CT/03, mantiveram a redação daqueles art.s 82º nº 1 e 84º nº 2, L.C.T., o mesmo acontecendo com os art.s 258º e seguintes do actual CT.
Aquele art. 249º estabelecia sob a epígrafe, “princípios gerais” que, “1 — Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 — Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 — Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 — (…).”
Como se disse, de modo idêntico, sobre a epígrafe, “Princípios gerais sobre a retribuição” dispõe o art. 258º do CT/09, que, “1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.”.
Como se deduz destes dispositivos, a noção legal de retribuição, será a seguinte: o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida), neste sentido, vejam-se (Jorge Leite e Coutinho de Almeida in “Colectânea de Leis do Trabalho”, Coimbra, 1985, pág. 89 e Monteiro Fernandes in “Direito do Trabalho”, 13ª Edição, 2006, pág.s 438 e ss.).
No (Acórdão do STJ de 01.04.2009, Proc. 08S3051, onde, entre outros autores, se cita Monteiro Fernandes, na obra já citada, pág.s 456 e 458), lê-se: “deduz-se do referido preceito que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida.
Constituindo critério legal da determinação da retribuição a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da atividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho – mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.
No que respeita à característica de periodicidade e regularidade da retribuição, significa, por um lado, a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por outro, corresponde à medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo, dessa forma, relevância ao nexo existente entre as retribuições e as necessidades pessoais e familiares daquele”.
A retribuição representa, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exige regularidade (no sentido de constância) e periodicidade (no sentido de ser satisfeita em períodos aproximadamente certos) no seu pagamento, o que tem um duplo sentido: por um lado apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador; por outro lado assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo relevância à íntima conexão existente entre a retribuição e a satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador, conforme o (Acórdão do STJ de 16.12.2010, Proc. nº 2065/07.5TTLSB.L1.S1).
Ou seja, do conceito legal apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, por instrumento de regulamentação colectiva, por contrato individual ou pelos usos da profissão e da empresa e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador ou uma situação de disponibilidade deste para essa prestação, prestações que tenham, pois, uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho, conforme refere (Monteiro Fernandes, in ob. citada, pág. 458).
Ainda, em idêntico sentido, veja-se (Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Tratado do Direito do Trabalho, Dogmática Geral”, 4º Ed., Almedina 2015, pág.s 571 e 574), reportando-se, também, ao CT/09, sobre o conceito de retribuição escreve o seguinte: “Reportando-nos agora especificamente ao conceito de retribuição a sua noção legal, (…) permite isolar os seguintes elementos essenciais: a retribuição constituiu um direito do trabalhador; (…) que decorre do próprio contrato; (…) é a contrapartida da actividade laboral; (…) é regular e periódica; (…) é uma prestação patrimonial”.
Mais adiante, prossegue observando que, “Para além da retribuição base, o trabalhador pode ter direito a determinados complementos remuneratórios, os quais integram ou não o conceito de retribuição, consoante partilhem os respectivos elementos essenciais. No caso afirmativo, estes complementos beneficiam da tutela da irredutibilidade e do regime de tutela dos créditos retributivos; no caso negativo poderão ser retirados ao trabalhador, se a razão pela qual foram atribuídos deixar de existir. A multiplicidade e diversidade dos complementos remuneratórios auferidos pelo trabalhador em execução do contrato de trabalho, tornam difícil a sua enumeração e, sobretudo a sua qualificação, que só pode ser feita no caso concreto, aferindo da presença, em cada um deles das características que permitem a sua recondução ao conceito de retribuição”.
Ou seja, a retribuição pode dividir-se em dois tipos de diferentes prestações: a retribuição base – que corresponde ao exercício da atividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido no contrato de trabalho ou em convenção coletiva – e as prestações complementares ou acessórias, por vezes também apelidadas de “aditivos” – são os vulgarmente denominados subsídios, prémios, gratificações, etc. –, que se considerarão como consubstanciando retribuição desde que assumam as características acima enunciadas.
De destacar, ainda que, em todos os regimes – art.s 82º, nº 3, da LCT, 249º, nº 3, do CT/03 e 258º, nº 3 do CT/09 –, a lei presume participar da natureza de retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. Ao trabalhador incumbe alegar e provar a satisfação, pelo empregador, de determinada atribuição patrimonial, seus quantitativos e respectiva cadência, cabendo depois, ao empregador, a demonstração de que a mesma não constitui contrapartida da actividade do trabalhador ou não tem natureza periódica e regular, para afastar a sua natureza retributiva (art.s 344º, nº 1, e 350º, nºs 1 e 2, do CC).
Definido assim, genericamente, o conceito de retribuição, importa que voltemos ao início, ou seja, ao princípio da irredutibilidade da retribuição, com consagração, actualmente, no já referido art. 129º n.º 1 d) do CT, determinando a proibição de o empregador diminuir a retribuição ao trabalhador.
Como se decidiu, no já citado (Acórdão do STJ de 01.04.2009), aquela proibição engloba quer a remuneração base, quer todas as outras prestações regulares e periódicas, feitas como contrapartida do trabalho.
No entanto, importa ter em consideração que tal proibição, embora consubstancie um princípio estruturante da posição jurídica do trabalhador, não pode ser encarada como absoluta. Desde logo, porque o próprio texto da lei consagra expressamente duas excepções à mesma, permitindo a diminuição da retribuição nos casos expressamente permitidos na lei e em instrumentos de regulação coletiva. Depois, porque como tem vindo a ser decidido de forma praticamente uniforme pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a retribuição é constituída por diversas parcelas ou elementos, é lícito ao empregador diminuir o valor de algumas delas (ou até suprimi-la integralmente), desde que o quantitativo da retribuição global (apurado pelo somatório das diversas parcelas retributivas) resultante da alteração não se mostre inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração, neste sentido, vejam-se, entre outros, os (Acórdãos do STJ de 16.01.2008, de 26.03.2008, 04.06.2008 e de 10.07.2008).
Ou seja, o que a lei salvaguarda é a impossibilidade de redução do valor global da retribuição, ainda que parcelas dessa retribuição possam ser alteradas ou até suprimidas.
Como escreve (Pedro Romano Martinez in “Direito do Trabalho, 4.ª ed., 2007, pág. 759), “quando estejam em causa reestruturações ou reformas na organização da empresa, como em quaisquer outros casos em que o ajustamento salarial seja engendrado dentro de uma lógica de gestão empresarial global e articulada, a modificação da forma de pagamento da retribuição, na medida em que não envolva a diminuição da “retribuição global” do trabalhador, é lícita. A licitude de tal modificação funda-se no facto de não acarretar a diminuição da retribuição real efetivamente auferida pelo trabalhador e, além disso, por ser promovida dentro dos limites da boa fé, segundo critérios de razoabilidade, de normalidade social e dentro de uma lógica empresarial séria e objetiva”.
No mesmo sentido, (Monteiro Fernandes in obra citada, pág. 475), conclui que “desde que não resulte diminuído o valor total da retribuição, a estrutura dela pode ser unilateralmente alterada pelo empregador, mediante a supressão de algum componente, a mudança de frequência de outro, ou, ainda, a criação de um terceiro. Todavia, a alteração unilateral só é admissível, a nosso ver, quando se refira a elementos fundados nas estipulações individuais ou nos usos, excluindo-se, por conseguinte, os que derivem da lei ou da regulamentação coletiva”.
Por último, também tem vindo a ser jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares. A este propósito, explicita o já citado (Acórdão de 01.04.2009), que “as prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho (subsídio noturno, isenção de horário e outros subsídios) apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir as mesmas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição - neste sentido, entre outros, os acórdãos deste Supremo de 25 de Setembro de 2002, 4 de Maio de 2005, e 17 de Janeiro de 2007 (…) em www.dgsi.pt. Isto é, embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação que lhe serve de fundamento, podendo o empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição (…). Do que fica dito, impõe-se concluir que é permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição”.
Efectuada esta breve introdução teórica, analisemos então o caso.
Atentos os ensinamentos que deixámos expostos, o primeiro ponto a assentar, traduz-se em saber se o valor recebido pelo A. designado de “comissões” é parte da sua retribuição base, desde Fevereiro de 2005 e, consequentemente, a ré estava proibida de a alterar, nos termos que o fez, a partir de Junho de 2008.
Com relevo para esta questão, provou-se o seguinte:
«1. A Ré dedica-se à atividade de compra e venda de material escolar e papelaria, tendo celebrado, no âmbito da sua atividade comercial, como entidade patronal, com o Autor, contrato de trabalho, que teve o seu início no dia 01/01/2003 e terminou, no dia 01/12/2018, com a aposentação do trabalhador.
(…)
4. Aquando o início da relação laboral (2003) o vencimento base do Autor ascendia ao montante de 559,00€, acrescido de subsídio de alimentação, tendo ficado acordado que o mesmo receberia também o valor equivalente a 1% do valor das vendas que efetuasse, a título de comissão, que se vencia 60 dias após as respetivas vendas.
5. Com o decorrer da relação laboral o vencimento do Autor foi aumentando e, aquando da cessação do contrato de trabalho (2018), o seu vencimento mensal base ascendia a 885,00€.
6. No que diz respeito a comissões, entre 2003 e fevereiro de 2005 manteve-se o regime fixado no início da contratação,
7. O Autor recebeu a título de comissões o montante de 3.517,12€ no ano de 2003 e o montante de 4.080,25€ no ano de 2004 – cfr. documentos anexos à contestação sob os n.ºs 4 e 5.
8. Em fevereiro de 2005, a política de comissões foi alterada, tendo ficado ajustado em reunião entre a entidade patronal e os vendedores, entre os quais o Autor, que passaria a pagar-se um valor fixo a título de comissões.
9. Ficou então acordado que os vendedores da Ré passariam a auferir mensalmente, a título de comissões de vendas, o montante de 424€, sendo que, se as respetivas vendas ultrapassassem o valor anual de 440.000€, aufeririam ainda uma comissão correspondente a uma percentagem de 1,2% sobre o valor das vendas que ultrapassasse os referidos 440.000€.
11. Posteriormente, em 2007, o valor mensal daquela comissão de 424€ mensais, foi aumentado para 440€ mensais.”.
19. O Autor a partir de junho de 2008, auferia o montante mensal de 290€ a título de comissões.
25. A partir de junho de 2008, a Ré fez constar nos recibos o valor de 290€ sob a rubrica “comissões” e o valor de 150€ sob a rubrica “horas suplementares”.».


Decorre da factualidade assente como provada, sem dúvida, que aquando da celebração do contrato individual de trabalho que vinculou o Autor à Ré, ficou acordado que o mesmo , além do vencimento base, receberia o valor equivalente a 1% do valor das vendas que efetuasse, a título de comissão, que se vencia 60 dias após as respetivas vendas, regime que se manteve, entre 2003 e fevereiro de 2005, de modo que o Autor recebeu a título de comissões o montante de 3.517,12€ no ano de 2003 e o montante de 4.080,25€ no ano de 2004.
Mais se provou que, em fevereiro de 2005, a política de comissões foi alterada, tendo ficado ajustado entre a entidade patronal e os vendedores, entre os quais o Autor, que passaria a pagar-se um valor fixo a título de comissões. Ficando acordado que os vendedores da Ré passariam a auferir mensalmente, a título de comissões de vendas, o montante de 424€, sendo que, se as respetivas vendas ultrapassassem o valor anual de 440.000€, aufeririam ainda uma comissão correspondente a uma percentagem de 1,2% sobre o valor das vendas que ultrapassasse os referidos 440.000€. Posteriormente, em 2007, o valor mensal daquela comissão de 424€ mensais, foi aumentado para 440€ mensais, o que aconteceu, até junho de 2008, momento a partir do qual o A. passou a auferir o montante mensal de 290€ a título de comissões.
Fazendo apelo aos ensinamentos supra expostos, cremos não haver dúvidas, relativamente à regularidade e periodicidade com que a Ré pagou ao Autor, desde o início do contrato, durante quase 16 anos, além do que designou de vencimento base, aquele complemento salarial/mensal denominado de comissões. Aliás, como é típico de muitos trabalhadores, nomeadamente, os vendedores, além da retribuição mensal certa, auferem um acréscimo remuneratório variável constituído por uma determinada percentagem sobre o valor das vendas efetuadas, ou seja, pelas chamadas comissões.
Será o que aconteceu, no caso?
E, tendo em conta o que ficou dito supra sobre o conceito de retribuição, será de considerar que as designadas “comissões” pagas ao trabalhador constituem uma prestação complementar e fazem parte da sua retribuição a par da retribuição base?
Ou, aquelas designadas “comissões” devem ser consideradas integrantes da retribuição base do A., a partir de Fevereiro de 2005, como ele defende?
Para responder àquelas, importa que se averigue o que se entende por comissões.
Segundo (Lobo Xavier in “Iniciação ao Direito do Trabalho”, 3ª edição, Verbo, Lisboa-São Paulo, 2005, pág.s 336 e 337), «as comissões ou percentagens referem-se a negócios realizados, representando uma fracção do custo desses mesmos negócios. Porque se não confundem com a participação nos lucros, antes representando encargos ou despesas com o pessoal com influência no apuramento dos lucros líquidos, as comissões são geralmente encaradas como integrando a retribuição, constituindo uma parte variável da mesma. Tratam-se, no fundo, de uma forma de retribuir o trabalho em função do desempenho: assim, nas comissões de vendas, o empregador, em vez de atribuir uma quantia fixa ao trabalhador, remunera o trabalho de acordo com o número ou o volume de negócios realizados pelo trabalhador».
Entendimento seguido na jurisprudência, nomeadamente, nesta secção, entre outros, vejam-se, o (Ac. desta Relação de 14.10.2013, Proc. nº 516/11.3TTVNG.P1) em cujo sumário se lê:
“I – As comissões constituem uma modalidade de retribuição variável que se traduz na atribuição ao trabalhador de uma parte, normalmente definida em percentagem, do valor das transacções por ele realizadas, em nome e proveito do empregador.
II - Desde que convencionadas no contrato ou prestadas com regularidade e periodicidade, a respectiva remuneração deve considerar-se retribuição.”.
Na fundamentação do mesmo, citando Acórdão da Relação de Lisboa de 2009.12.03, lê-se: “as comissões “têm o duplo significado de participação e incentivo: visam proporcionar a retribuição ao resultado da prestação e, simultaneamente, estimular o trabalhador a um desempenho mais diligente e empenhado das funções atribuídas com a promessa de um ganho proporcional à utilidade obtida para o empregador”.
Em idêntico sentido, cujo entendimento seguimos, aqui, de perto dada a similitude das situações, veja-se o (Ac. desta secção de 03.10.2022, Proc. nº 2810/20.3T8VLG.P1T, relatado pela, aqui, 1ª Adjunta e com intervenção como 1º Adjunto, do 2º Adjunto, nestes autos), em cujo sumário se concluiu:“I - As comissões pagas ao trabalhador constituem uma prestação complementar e fazem parte da sua retribuição a par da retribuição base.
II - Nada resultando dos factos provados quanto a metas ou objetivos a atingir que hajam sido fixados e dados a conhecer à Autora e que hajam sido atingidos, não há causa para o pagamento do chamado «adiantamento de comissões» pelo que este deve considerar-se, pese embora a sua designação, como integrando a retribuição acordada para a prestação da atividade no período normal de trabalho, isto é, a retribuição base e, como tal, incluída no subsídio de Natal, em face do nº 2 do artigo 258º do Código do Trabalho.”.
Ora, face ao que se deixa exposto e o que decorre da factualidade supra referida, (pontos 8., 9. E 11.) relativamente aos valores que a Ré pagou ao A., apelidadas de “Comissões”, desde Fevereiro de 2005, sem necessidade de mais delongas, só podemos dizer, o recorrente tem razão.
O valor fixo que a Ré lhe passou a pagar, naquela data, denominado de “Comissões” só pode ser considerado como integrando a retribuição base do mesmo.
O montante de 424€, pago até 2007 e o valor de 440€ que foram pagos, até Junho de 2008 e, de igual modo os 290€ que passaram a ser pagos até ao final do contrato, com aquela designação, não consubstanciam a atribuição ao trabalhador de qualquer valor correspondente a uma parte, normalmente definida em percentagem, do valor das transacções por ele realizadas, em nome e proveito do empregador. Como decorre do facto 9., a esse título ele iria receber sim, uma percentagem de 1,2% sobre o valor das vendas que ultrapassassem os 440.000€. Ou seja, o direito a receber comissões por parte do A., dependia de, ele, ultrapassar o valor de vendas de 440.000€ anuais.
O valor fixo acordado em Fevereiro de 2005, tinha um objectivo bem diverso, quer o inicialmente fixado de 424€, quer o valor de 440€ que foi pago, até Junho de 2008, quer os 290€ pagos até ao fim do contrato, não dependiam de qualquer valor de vendas. Como disseram as testemunhas, recebiam um valor fixo, realizassem 200 ou 300 e só receberiam um valor superior de comissão se ultrapassassem os 440.000€. E compreende-se que, desse modo, fosse, já que, o valor fixo que foi acordado, não dependia da realização de qualquer valor de vendas, realizado pelos vendedores, tinha um objectivo bem diverso, nas palavras do legal representante da Ré, “havia um valor fixo, no sentido de lhes dar estabilidade e eles irem à procura de novos clientes (à procura de mercado) sem estarem à procura de um valor.”.
Ora, a ser assim, aqueles valores fixos, pagos a partir de Fevereiro de 2005, apesar de apelidados de “comissões”, não consubstanciam quaisquer comissões. Nada consta da matéria de facto que sustente a existência daquelas, antes pelo contrário.
Como se assentou, no referido Acórdão, relatado e subscrito pelos, agora, Adjuntos, “Como ficou já dito, nada decorre da matéria de facto provada quanto a metas ou objetivos a atingir que hajam sido fixados e dados a conhecer à Autora e que hajam sido atingidos. E se não há causa para o pagamento do chamado «adiantamento de comissões», este deve considerar-se, pese embora a sua designação, como integrando a retribuição acordada para a prestação da atividade no período normal de trabalho, isto é, a retribuição base…”.
Assim, tendo de se considerar as denominadas “comissões” como integrantes da retribuição-base, (art. 262º nº 2 a) do CT/09), a partir de Fevereiro de 2005, subsequentemente, temos consubstanciada a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, nos termos dos dispositivos legais supra citados.
Consequentemente, a Ré não podia, como bem defende o recorrente, proceder à redução daquela, nos termos em que o fez, para o valor de €290,00 e sobre ela deveriam ter incidido os subsídios de férias e de Natal, o que se provou não ter sucedido (art.s 263º nº 1 e 264º nº 2, ambos do CT).
Efectivamente, o Decreto-lei nº 874/76, já referido, dispunha no seu art. 6º:
“1. A retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efetivo e deve ser paga antes do início daquele período.
2. Além da retribuição mencionada no número anterior, os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição.”.
O CT/2003, por sua vez, dispunha no seu art. 255º (correspondente ao actual art. 264º do CT/2009) que:
“1. A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo.
2. Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.”.
Por sua vez, o Decreto-lei nº 88/96, de 3 de julho, que instituiu o direito ao subsídio de Natal, preceituava no seu art. 2º nº que, “1: Os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.”.
O CT/03, por seu turno, estatuía no art. 254.º nº 1, correspondente ao art. 263º nº 1 do CT/09, que o trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.
Consequentemente e levados a cabo os necessários cálculos aritméticos, tem o A. a haver da R., de subsídios de férias e de Natal, a título retribuição em falta, o quantitativo global de € 12 182,52, calculado com base nos valores de 424€ x 2, (anos de 2005 e 2006) + 440€ x 11, (anos de 2007 a e 2017) + 403,26 (correspondente a 11/12 do ano de 2018) a multiplicar por dois (subsídio de férias e de Natal).
Procede, assim, nos termos que antecedem, esta questão da apelação.
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Vejamos, agora, a questão de saber se o Tribunal “a quo” errou ao não condenar a apelada quanto: - ao valor do subsídio de isenção de horário de trabalho a partir de abril de 2008.
Como se verifica da decisão recorrida, a Mª Juíza “a quo” absolveu a Ré do pagamento dos subsídios de isenção de horário de trabalho, com o argumento de se encontrarem já pagos.
O recorrente discorda e, assiste-lhe razão.
Explicando.
O A., como lhe competia (art. 342º, nº 1, do CC) provou ter celebrado, em Abril de 2008, com a R., um aditamento ao seu contrato de trabalho, por IHT, conforme decorre do ponto 16 dos factos provados, através do qual auferiria a importância mensal de €146,08 e ao contrário do que se disse na decisão recorrida, a Ré não logrou provar ter pago aquela importância. Não tendo essa virtualidade o que consta do facto 25, “A partir de junho de 2008, a Ré fez constar nos recibos o valor de 290€ sob a rubrica “comissões” e o valor de 150€ sob a rubrica “horas suplementares”.”.
Consequentemente e levados a cabo os necessários cálculos aritméticos, tem o A. a haver da R., a título de retribuição devida por IHT a partir de 2 Abril de 2008 a 1 de Dezembro de 2018, o quantitativo global de € 18 698,24, calculado com base no valor de 146,08€ x 128 meses.
Procede, assim, também, nestes termos esta questão da apelação.
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Passemos, à questão de saber se o Tribunal “a quo” errou ao não condenar a apelada quanto: - ao valor da remuneração por créditos de formação não proporcionada
Pediu o Autor no âmbito da presente acção a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 2.100,00 a título de retribuição por créditos de formação profissional não proporcionada.
Para o efeito alegou que a R. não lhe proporcionou qualquer formação ao longo da vigência do contrato.
O Tribunal “a quo” decidiu, a este respeito que, «Do teor dos citados preceitos legais resulta que cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou direito ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação, e caso não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador, que caducam decorridos três anos.
Porém, no caso em apreço, provou-se que a Ré proporcionou ao Autor um pouco mais de 50 horas de formação por ano: quer de informática, quer sobre os novos produtos e catálogos, bem como sobre o modo de os apresentar e vender aos clientes. Pese embora a Ré não tenha entregue ao Autor a respetiva documentação, nem por isso a formação deixou de existir, pelo que não poderá ser desconsiderada.
Com efeito, a formação profissional contínua desenvolvida pela entidade patronal não tem de ser obrigatoriamente certificada, podendo sê-lo ou não, dependendo do tipo de entidade que a desenvolve. A entidade patronal não tem de ser uma entidade certificada (ou recorrer a uma) para poder ministrar formação profissional contínua, bastando apenas ter conhecimentos profissionais para o efeito. Assim, a formação assumida pela entidade patronal, poderá ser ministrada por ela própria, por um trabalhador/a da empresa ou por um formador externo, desde que os conteúdos da formação coincidam ou sejam afins com a atividade prestada pelo trabalhador.
Tudo para concluir que o Autor, tendo recebido formação, não é credor das horas de formação que invocou.
Improcede também o pedido, nesta parte.».
O A. discorda e vem nesta sede reiterar o pedido, sob a alegação e conclusão de que “tem direito ao pagamento da retribuição por créditos de formação que não lhe foi proporcionada pela R., conforme dispõe o artigo 134º do referido Código Trabalho.”
Vejamos.
Dispõe o art. 134º do CT que, “cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação”.
Atenta a factualidade que se mostra provada, é seguro que o recorrente não logrou infirmar a conclusão, a que chegou a decisão recorrida de “que o Autor, tendo recebido formação, não é credor das horas de formação que invocou.”, nem invoca qualquer argumento a justificar a alteração daquela.
Desde logo, não logrou fazer prova da falta de formação profissional.
E, como vem sendo entendido, o ónus de prova da falta de formação impendia sobre o A./trabalhador, nos termos do disposto no art. 342º, nº 1, do Código Civil, neste sentido (Acórdão desta Relação de 19.04.2021, Proc. 7945/18.0T8VNG.P1, relator, Desembargador Rui Penha).
Assim, porque não se vislumbra qualquer fundamento, para a pretensão do recorrente, improcede esta questão da apelação.
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Finalmente, cabe enfrentar a questão de saber se o Tribunal “a quo” errou ao não condenar a apelada quanto: - aos valores devidos a férias, em conformidade com o disposto no art. 74º do CPT.
Alega o recorrente, como fundamento desta questão que, “tendo em conta que o Tribunal pode e deve condenar a R. ultra petitum, quanto a valores devidos a férias, em conformidade com o disposto no artigo 74º do Código de Processo de Trabalho.”
Mas não lhe assiste razão.
O invocado, art. 74º, sob a epígrafe “Condenação extra vel ultra petitum”, dispõe: “O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.”.
No caso, o A. não formulou na acção qualquer pedido de condenação da R., quanto a valores devidos a férias. Acção intentada, em 04.11.2019, depois da cessação do contrato de trabalho que manteve com aquela.
Ora, o caso, ao contrário do que pretende o recorrente, não se enquadra naquelas situações em que seja permitido ao juiz chamar à colação o disposto naquele art. 74ª, atenta a limitação da condenação além do pedido afirmada no art. 609º do CPC, que estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior nem em objecto diverso do pedido. Sendo, nos termos do art. 615º, nº 1, alínea e), nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Nas palavras de (Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo, pág. 33), há normas de interesse e ordem pública que têm de valer para assegurar determinados valores, que o legislador considera fundamentais, impondo-se, portanto, à vontade das partes e diminuindo a sua liberdade de estipulação. Assim é na maioria das normas do contrato de trabalho.
Dessas normas resultam, muitas vezes, direitos irrenunciáveis, como sucede, designadamente, com o direito do trabalhador à retribuição convencional ou legalmente estabelecida, durante a vigência do contrato de trabalho, o direito do mesmo à reparação, nos termos legalmente previstos, por danos emergentes de acidente de trabalho, etc. E, dessa forma, compreende-se que, para salvaguarda destes direitos, o legislador tenha introduzido no Código de Processo de Trabalho uma norma como a que enuncia o referido art. 74º.
No entanto, após a cessação do contrato de trabalho, com o consequente, desaparecimento do vínculo de subordinação do trabalhador, que adquire plena autonomia podendo sem qualquer pressão dispor livremente dos seus direitos de natureza pecuniária, é entendimento unânime da jurisprudência, que é de afastar a aplicação, nesse caso, do art. 74º do CPT.
A título de exemplo, entre outros, veja-se o (Ac. do STJ de 20.12.2017, Proc. nº 399/13.9TTLSB.L1.S1), onde se lê: “I. A condenação oficiosa “extra vel ultra petitum”, prevista no artigo 74º do Código de Processo do Trabalho, apenas ocorre se estiverem em causa preceitos inderrogáveis, isto é, normas legais que estabelecem direitos de natureza irrenunciável.
II. O direito à retribuição é irrenunciável, mas apenas na vigência do contrato de trabalho, dada a situação de subordinação jurídica em que se encontra o trabalhador relativamente ao seu empregador.
III. Se um trabalhador tiver um crédito laboral, resultante da diferença entre a retribuição que lhe deveria ser paga pelo empregador e aquela que efetivamente lhe foi paga, por ter exercido funções noutra categoria profissional com retribuição superior à sua, e não formular o inerente pedido na ação que propuser, após ter cessado o seu contrato de trabalho, contra o seu ex-empregador, não deve este ser condenado no pagamento desse crédito, por não ser de conhecimento oficioso.”.
Na fundamentação do mesmo, citando (Albino Mendes Baptista in Código de Processo do Trabalho, anotado, 2ª edição (reimpressão), Quid Juris, 2002, pág.s 180/181, notas 5ª/6ª, ao artigo 74º), lê-se: «“[a] possibilidade de condenação ultra petita é uma decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade de determinados direitos do trabalhador.
Assim, só os direitos irrenunciáveis constituem preceitos inderrogáveis.
Exemplo de preceito inderrogável é o direito à retribuição, mas apenas na vigência do contrato, dada a situação de subordinação jurídica em que se encontra o trabalhador relativamente à sua entidade patronal.”
Por outras palavras, o direito à retribuição, bem como outros direitos de natureza pecuniária, são renunciáveis logo que cesse o estado de subordinação do trabalhador à entidade patronal, como é o caso do despedimento.
Neste caso, configurando-se direitos que passaram a ser disponíveis, não é aplicável o disposto no artigo 74.º do CPT.».
Sendo esta a situação em análise, atento o que se deixou exposto, improcede, também, esta questão da apelação.
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III - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em conceder parcialmente o recurso interposto e, em consequência, decide-se alterar o teor da al d) do dispositivo da sentença e o segmento decisório da mesma do seguinte modo:
d) Condena-se a Ré A. A..., Lda a pagar ao Autor AA, a quantia de 12.182,52€ correspondente ao valor da retribuição não paga a título de subsídio de férias e subsídio de Natal, desde Fevereiro de 2005.
e) Condena-se a Ré A. A..., Lda a pagar ao Autor AA, a quantia de 18.698,24€ correspondente ao valor da retribuição devida a título de isenção do horário de trabalho.
f) Condena-se, ainda, a Ré no pagamento dos juros vencidos, sobre todas as quantias em que foi condenada, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
g) No mais absolve-se a Ré do peticionado.
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As custas serão suportadas, em ambas as instâncias, pelo Autor e pela Ré na proporção do vencido.
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Porto, 30 de Outubro de 2023
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão