INTERPRETAÇÃO
CLª 94.ª DO ACORDO COLETIVO DE TRABALHO DO SECTOR BANCÁRIO
CÁLCULO DA PENSÃO DE REFORMA
REGRA PRO-RATA TEMPORIS
Sumário

I – Tendo em conta as regras interpretativas aplicáveis (artigo 9.º do Código Civil), a letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação das respetivas cláusulas, mas o limite da mesma, não podendo valer uma interpretação que não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula.
II – As expressões utilizadas na cláusula 94ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Sector Bancário, publicado no BTE, 1ª série, nº 29, de 08.08.2016 (como também as expressões utilizadas na anterior cláusula 136ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Sector Bancário, publicado no BTE, 1ª série, n.º 3, de 22-01-2011), referem-se tão só às pensões na parte proporcional ao tempo de contribuições para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, não se podendo afirmar que do respetivo texto resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um factor de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.
III – Ponderando que no cálculo do valor da pensão atribuída pelo Centro Nacional de Pensões é considerada toda a carreira contributiva, com uma remuneração de referência, que pressupôs a intervenção de uma pluralidade de factores – sem que exista proporcionalidade direta entre o valor da pensão e o valor das remunerações registadas para o cálculo da remuneração de referência -, nos termos da referida cláusula 94.ª do ACT para o Sector Bancário (e também da anterior cláusula 136ª), a Instituição de Crédito pode reter a parte da pensão atribuída ao trabalhador pelo Centro Nacional de Pensões relativa ao período em que o mesmo esteve a trabalhar no sector bancário efetuando descontos para a Segurança Social, apenas na proporção da respetiva duração – ou seja, haverá que apelar à regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura para saber o valor a reter pela Instituição de Crédito.

Texto Integral

Apelação/Processo nº 5908/22.0T8MAI.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho da Maia, Juiz 1

Recorrente: “Banco 1..., SA”
Recorrido: AA


4ª Secção
Relatora: Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta: Eugénia Pedro
2ª Adjunta: Rita Romeira




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
AA (Autor) instaurou contra Banco 1..., S.A. (Ré) a presente ação, com processo comum, pedindo a condenação da sociedade Ré a:
a) reconhecer ao Autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 26,66%, correspondente aos 4 anos de descontos com densidade contributiva para a Segurança Social, enquanto trabalhador bancário, ou seja;
b) pagar ao Autor o valor de € 14.572,47 a título de pensão do CNP indevidamente retida e correspondente ao período de fevereiro de 2017, até à presente data, acrescido do montante de €1.699,96 a título de juros de mora vencidos, num valor total global de €16.272,43;
c) aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efetuados pelo Autor para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
d) pagar ao Autor todas as quantias que ilicitamente venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em c) do pedido, desde a propositura da presente ação até trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vincendos, a liquidar em execução de sentença.
Em resumo, alega:
A Ré é uma instituição de crédito, e exerce a actividade bancária, tendo participado nas negociações e outorgado o ACT para o Sector Bancário, cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1ª Série, n.º 29, de 09/03/2021, pg. 736 e ss., instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte.
Por sua vez, o Autor encontra-se filiado no Sindicato dos Trabalhadores do Sector Financeiro de Portugal - SBN, onde figura como sócio n.º ....
Foi admitido ao serviço da Ré em 01-04-1981, tendo passado à situação de reforma a 31-12-2014, integrado no nível 10 do Grupo B do ACT para o Sector Bancário, com a contagem da respetiva antiguidade bancária de 33 anos, o que lhe foi comunicado por carta da Ré datada de 8-07-2014.
Em cumprimento da cláusula 94ª do ACT, o Autor solicitou, em novembro de 2016, ao Centro Nacional de Pensões da Segurança Social, a pensão de reforma a atribuir por esta entidade.
Por carta do Centro Nacional de Pensões (CNP), datada de 03/01/2017, o Autor foi informado que o seu requerimento de pensão foi deferido, sendo-lhe atribuída a pensão por velhice com início em 28-11-2016, no valor de €424,04, pagável a partir de 02/2017.
Teve uma carreira contributiva com 3 momentos distintos de descontos: de 10/1971 a 09/1974 e 11/1974 a 06/1981, efetuou descontos para a Segurança Social decorrentes da prestação de atividades dependentes remuneradas a entidades não bancárias; de 01/04/1981 a 31/12/2010 enquanto trabalhador bancário, efetuou os descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB) e para o Fundo de Pensões do Banco; de janeiro de 2011 o Autor, enquanto trabalhador bancário, efetuou os descontos para a Segurança Social, até passar à situação de reforma (31-12-2014).
A pensão atribuída ao Autor do CNP tem o valor atual de € 484,04, que corresponde a 15 anos de descontos com densidade contributiva para a Previdência, sendo que o período de 1-01-2011 a 31-12-2014 corresponde a quatro anos de antiguidade bancária.
Sustenta que a Ré tem direito a fazer seu o valor resultante da percentagem correspondente a quatro anos de descontos para a Segurança Social (dos 15 que totalizam a sua carreira contributiva) enquanto trabalhador bancário, ou seja 26,66%, “benefício da mesma natureza”(período coincidente entre o Regime da Segurança Social e o do Sistema Bancário) previsto na cláusula 94ª, n.º 1, do ACT. Sucede que a Ré deduz ao valor que recebe do Centro Nacional de Pensões uma quantia superior àquela que devia deduzir, entregando assim ao Autor valor inferior ao que devia.

Foi realizada a audiência de partes, não tendo sido possível a conciliação.
A Ré apresentou contestação, pugnando pela improcedência da ação. Invocou a exceção perentória de prescrição, defendendo que se o Autor tivesse o direito que reclama – o que não concede – o direito referente a prestações anteriores a 18-11-2017 (contido na alínea b) do pedido) já estaria extinto por prescrição (a citação da Ré ocorreu em 18-11-2022), por força do disposto no artigo 310.º, alínea g), do Código Civil. Sem prejuízo dessa linha de defesa, sustentou, em substância, que, contrariamente ao pretendido pelo Autor, a redação da cláusula 136ª do ACT do sector bancário, presentemente 94ª, não autoriza a leitura de que o benefício a descontar pelo Banco seja apurado na base de um critério de proporcionalidade em “regra de três simples pura”. Pelo contrário, entende que tal “pensão de abate” é o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do Banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP. Argumenta que, considerar, como pretende o Autor, apenas o fator tempo (por via da “regra de três simples pura” ou “pro rata temporis”) é desaplicar as regras que o próprio sistema estabelece para o cálculo do benefício.

Foi exercido o contraditório quanto à exceção perentória de prescrição.

Refira-se que foram juntas aos autos cópias de sentenças e acórdãos (incluindo desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto) proferidos noutros processos, e a Ré procedeu à junção de Pareceres subscritos, um pelo Sr. Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier datado de 22 de março de 2019, outro pela Sr.ª Professora Doutora Maria do Rosário Palma Ramalho datado de abril de 2020.

Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual as partes acordaram fixar a matéria de facto, para além da que já resultava por acordo em sede de articulados. Nessa diligência foi determinado que fosse aberta conclusão para proferir decisão de mérito por escrito.

Foi proferida sentença, concluída com a decisão seguinte:
«Na desinência do exposto, decide o Tribunal julgar a exceção perentória de prescrição procedente e, a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) a reconhecer ao Autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzido do valor correspondente à percentagem de 26,66%, correspondente aos 4 anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
b) a declarar a prescrição das pensões anteriores a 18/11/2017;
c) a pagar ao Autor o valor a apurar em sede de liquidação de sentença a título de pensão do CNP indevidamente retida e correspondente ao período de 18 de novembro de 2017 até à interposição da ação, acrescido de juros de mora;
d) a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efetuados pelo Autor para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
e) a pagar ao Autor todas as quantias que ilicitamente reteve e que venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em d), desde a propositura da presente ação até trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, a liquidar em execução de sentença.
Custas pelo Autor na proporção de 1/10 e pelo Réu na proporção de 9/10 - artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Valor da ação - €16.272,43 (artigo 297.º do Código de Processo Civil).».

Inconformada com esta decisão a Ré interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
“1. A interpretação das cláusulas regulativas de convenção coletiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de Março de 2019.
2. Na INTERPRETAÇÃO da cláusula 136.º do ACT do setor bancário deve, pois, atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.
3.No que respeita ao elemento literal, a redação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário (cláusula que veio a ser substituída pela Cláusula 94.ª do atual ACT do Setor Bancário) é clara nos dois aspetos que aqui relevam.
4. O primeiro, é que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares – como sucede com o Recorrido, a partir de 1.1.2011, dado a sua integração no regime geral da segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1- A/2011, de 3 de Janeiro – apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da clausula 136.ª.
5. O segundo, é o de determinar que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.
6. A “pensão de abate” – assim a designamos por facilidade de exposição – é o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.
7. As cláusulas aludem, literalmente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.
8. Acresce ainda que, quando no Acordo Coletivo se pretendeu exprimir o critério pro rata temporis tal foi feito de modo particularmente claro e direto (n.º 3 da cláusula 98.ª) sem qualquer semelhança com a redação da analisada cláusula 94.ª.
9. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.
10. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de reformas, a saber: o regime de segurança social do setor bancário e o regime geral de segurança social.
11. Para isso, por se tratar de um sistema previdencial, remete para as regras de cálculo utilizadas pelo regime geral da segurança social.
12. A fim de as utilizar e não de aproveitar os seus resultados.
13. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem o cálculo da pensão do CNP.
14. São essas as regras aplicadas pelo Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”.
15. Este sentido sai reforçado, por um lado, por não haver dúvidas quanto à aplicação das regras de cálculo do regime geral da segurança social quando não há tempo “extra-banco” e, por outro lado, pela redação da cláusula 94.ª do atual ACT do Setor Bancário.
16. Naquela cláusula as Partes Outorgantes, acautelando o caso de o trabalhador não requerer a atribuição do benefício do CNP, expressamente previram como seria feito o “abate” daquele benefício à pensão a pagar pelo Banco, remetendo expressamente para as regras do regime geral de segurança social.
17. Caso o trabalhador não requeira o pagamento do benefício do CNP, o Banco estima qual o valor desse benefício e apenas garante o pagamento da diferença entre a pensão prevista no ACT e o benefício do CNP.
18. O que significa que as Partes sempre tiveram presente que o benefício a “abater” é apurado de acordo com as regras aplicáveis ao cálculo desse mesmo benefício e não de acordo com uma qualquer regra de repartição em “três simples” ou pro rata temporis.
19. Ao invés, não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende o Recorrido, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que se insere a cláusula 136.ª do ACT do setor bancário que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.
20. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade, como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.
21. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, pela fórmula TR(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com o registo de remunerações, até ao limite de 40.
22. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do setor bancário e que, com apelo ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pelo Recorrido ao Recorrente.
23. Também o elemento histórico está conforme com a interpretação proposta pelo Recorrente, pois a origem da atual cláusula 94.º do ACT do Setor Bancário remonta ao ano de 1980 e sempre teve o objetivo de articulação dos regimes de segurança social quando o trabalhador está abrangido por mais do que um regime, de forma a impor a duplicação de benefícios.
24. E tais benefícios não se limitam às pensões de reforma, pois incluem outros como prestações de parentalidade e morte, observando-se a regra de cálculo de cada um dos regimes que atribui o benefício que esteja em causa.
25. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário tem por fim coordenar o percebimento de benefícios por trabalhadores submetidos a diferentes regimes de forma a impedir que, por força do mesmo período contributivo, o trabalhador possa ver-lhe atribuídos benefícios cumulados.
26. É uma expressão clara do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).
27. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.
28. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do setor bancário e a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga ao Recorrente pelo CNP que respeite ao tempo de serviço no Banco.
29. O entendimento do Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo.
30. É bom notar que a carreira extra-banco pode ser mais favorável ao trabalhador, o que sucede no caso de as remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco.
31. Por isso acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento do Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extra-banco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado.
32. A questão não é meramente teórica, tendo sido objeto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, disponível em www.dgsi.pt.
33. Como sucedeu no caso julgado no referido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, em que estava em causa uma pensão da Caixa Geral de Aposentações e em que o Banco ali Réu reconhecera parte da carreira na CGA, verificou-se que as remunerações auferidas pelo trabalhador no período extra-banco eram superiores àquelas que auferira no período que o Banco lhe contara, tendo o Tribunal concluído que não era aplicável a regra de pro rata temporis, que aquele Banco aplicara.
34. O Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento aqui defendido pelo Recorrente que, naquele caso, era favorável ao pensionista.
35. Em suma, para dizer que a INTERPRETAÇÃO da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado oposto ao da douta Sentença recorrida.
36. A interpretação preconizada pela douta Sentença recorrida olvida que para o cálculo do benefício pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, pela fórmula TR(nx14), em que TR represente o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40).
37. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do setor bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), de acordo com os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência) torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP, sob pena de subversão total da ratio da cláusula em análise.
38. Entendimento que foi sufragado pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2016, e pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2017, que se juntaram aos autos.
39. Mais recentemente, foi também este o entendimento versado nas doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1 de 20/02/2020 e de 01/10/2020 e Juiz 2, de 25/04/2020, já juntas aos autos.
40. É também a douta opinião do SENHOR PROFESSOR DOUTOR BERNARDO LOBO XAVIER expressa no douto Parecer de Direito junto aos autos.
41. As remunerações registadas ao longo da carreira contributiva do Recorrido não são iguais, ocorrendo que as remunerações registadas na carreira ao serviço do Banco são de valores substancialmente superiores às que foram registadas no período da carreira fora do Banco, como se pode verificar da simples análise do Doc. 3 junto com a p.i., onde constam as seguintes remunerações registadas na carreira do Autor:

Ano Valor revalorizados das remunerações

Carreira fora do Banco
1974 1.272,10 €
1975 8.562,49 €
1976 8.297,93 €
1977 7.894,67 €
1978 8.323,75 €
1979 8.259,80 €
1980 8.889,43 €
1981 4.619,79 €

Carreira no Banco
2011 40.082,84 €
2012 32.469,31 €
2013 34.783,75 €
2014 40.322,28 €

Cfr. Doc. 3 junto com a p.i.

49. Na interpretação do Recorrido o ano de 1974 em que tem registado o montante de remunerações revalorizadas de 1.272,10€ tem exactamente o mesmo peso que o ano de 2014 em que tem registadas remunerações revalorizadas de 40.322,28 €
50. A interpretação do Recorrido tem como efeito que, independentemente dos montantes das remunerações, cada ano da carreira contributiva tem igual peso, quando nos termos da lei, como se viu, não é assim pois o cálculo da pensão é feito em função do tempo (taxa de formação) e das remunerações (remuneração de referência), de tal forma que as remunerações mais elevadas (a que correspondem contribuições mais elevadas) significam pensão de valor mais elevado.
51. Ainda que se entendesse que não estaria em causa a interpretação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário (atual cláusula 94.ª do ACT do Setor Bancário), por se verificar que a cláusula é omissa quanta à fórmula de cálculo no caso em que se torna necessário proceder à repartição da pensão do CNP, chegar-se-ia, por via da integração, ao mesmo resultado.
52. Nesse sentido, pronunciou-se a EXMA SENHORA PROFESSORA DOUTORA MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO em douto Parecer junto aos autos no processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo do Trabalho das Caldas da Rainha Proc. n.º 1718/19.0T8CLD, já junto aos autos.
53. No entendimento sufragado pela douta Sentença recorrida, as cláusulas 136.ª e 94.ª do ACT do Setor Bancário violam também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
54. Ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está o Recorrente, inevitavelmente, a transferir para o pensionista parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o benefício que o pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.
55. O efeito de tal entendimento é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado”.
56. Na interpretação dada pelo Recorrido à cláusula 136.ª do ACT do setor bancário e à clausula 94.ª do atual ACT do setor bancário tais cláusulas são MATERIALMENTE INCONSTITUCIONAIS por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.
57. A douta Sentença recorrida deve, pelos fundamentos expostos, ser revogado, concedendo-se provimento ao Recurso e absolvendo-se o Recorrente dos pedidos.
58. Ao decidir como decidiu, a douta Sentença recorrida violou o disposto na cláusula 136.º do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – data de distribuição: 24/01/2011) cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 94.º do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.”
Termina dizendo que deve conceder-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, absolver-se a Recorrente de todos os pedidos.

O Recorrido contra-alegou, não articulando conclusões, pronunciando-se a final no sentido de que deve ser julgada improcedente a apelação e manter-se in totum a sentença.

Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

O Exmº Srº Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho) no sentido da improcedência do recurso, por considerar que a sentença não merece censura. Apela ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-09-2021(processo n.º 2995/20.9T8MTS.P1) e à jurisprudência que refere ser dominante, senão pacífica, do Supremo Tribunal de Justiça, citando, entre outros, o Acórdão de 23-06-2021 (processo n.º 2115/20.0T8VFR.S1). Refere que a sentença recorrida seguiu a orientação adotada nesses Acórdãos, com a qual concorda e à qual adere.

Não houve resposta ao parecer.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – cfr. António Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª edição atualizada, págs. 133 e seguintes em anotação ao artigo 635º), a questão a apreciar e a decidir no presente caso é a seguinte:
Face ao teor da cláusula 94ª do ACT do Sector Bancário, tendo a Ré que garantir ao Autor a diferença entre o valor da pensão atribuída pela Segurança Social e o valor da pensão resultante do referido ACT, e porque a pensão atribuída pela Segurança Social tem na base quer trabalho prestado no sector bancário quer trabalho prestado fora desse sector, importa saber se no cálculo dessa diferença a parte da pensão atribuída pela Segurança Social reportada a trabalho prestado no sector bancário a considerar corresponde simplesmente a uma parte proporcional ao tempo em que o Autor prestou trabalho nesse sector, ou se antes corresponde a uma parte com ponderação do valor da concreta retribuição auferida no sector bancário que esteve na base do cálculo da pensão atribuída pela Segurança Social.
Consigna-se que, não tendo sido interposto recurso sobre a parte da sentença recorrida que julgou procedente a exceção perentória de prescrição e declarou a prescrição das pensões anteriores a 18-11-2017, o decidido nessa matéria transitou em julgado e, portanto, não é objeto do presente recurso.

III - FUNDAMENTAÇÃO
Os factos PROVADOS a considerar na apreciação do recurso são os constantes da sentença do Tribunal a quo, que se passam a transcrever:
“ 1. O Réu é uma instituição de crédito, e exerce a atividade bancária.
2. Participou nas negociações e outorgou o ACT para o Sector Bancário, cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1.ª Série, n.º 29, de 09/03/2021, página 736 e seguintes, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte.
3. O Autor encontra-se filiado no SBN - Sindicato dos Trabalhadores do Setor Financeiro de Portugal (SBN), onde figura como sócio n.º ....
4. O Autor foi admitido ao serviço pelo Banco Réu em 1 de abril de 1981.
5. O Autor passou à situação de reforma bancária, por velhice, a 31/12/2014.
6. O Autor foi informado, por carta do Centro Nacional de Pensões, datada de 03/01/2017, que “o requerimento de pensão oportunamente apresentado foi DEFERIDO” sendo que “A pensão por VELHICE tem início em 28/11/2016, sendo o seu valor atual 424,04 Euros”.
7. A pensão atribuída ao Autor, por velhice, em resultado do referido cálculo, foi de € 424,04, pagável a partir de 28/11/2016.
8. O Autor passou, então, à situação de reforma, integrado no nível 10 do ACT para o Setor Bancário.
9. Na presente data, o Réu entrega ao Autor uma pensão de reforma pagável 14 vezes por ano, com a pensão base de € 1.145,07, diuturnidades no valor de € 415,69 e anuidades no valor de € 24,93.
10. Na presente data, o Reu retém, da pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões do Autor, o valor de € 318,21.
11. A carreira contributiva revalorizada do Autor perante o regime geral da Segurança Social foi a seguinte:

Ano/Valores revalorizados das remunerações na Carreira extra-Banco (em euro)
1974 – 1.272,10
1975 – 8.562,49
1976 – 8.297,93
1977 – 7.894,67
1978 - 8.323,75
1979 - 8.259,80
1980 – 8.889,43
1981 – 4.619,79

Ano/Valor das remunerações na Carreira no Banco (em euro)
2011 – 40.082,84
2012 – 32.464,31
2013 – 34.783,75
2014 – 40.322,28.

12. Por comunicação datada de 3 de fevereiro de 2017, o Banco Réu comunicou ao Autor que faria o cálculo do valor a deduzir na pensão atribuída da seguinte forma:
1. Cálculo da pensão com a carreira total no valor de 424,04€;
2. Cálculo da pensão autónoma da carreira no Banco – 211,51€;
3. Cálculo da pensão autónoma da carreira fora do Banco – 110,24€;
4. Apura-se o acréscimo que resulta da diferença entre o valor da pensão total e o valor resultante da soma das duas pensões autónomas = 1-(2+3) = 102,29 €;
5. Apura-se a % do peso de cada pensão autónoma no total da soma das duas;
6. Reparte-se o acréscimo de acordo com a % apurada;
7. Os valores encontrados somam-se às pensões calculadas autonomamente:
• pensão Colaborador RGSS = 145,29 € (110,24 € pensão isolada + 35,05 € correspondente à % do acréscimo)
• pensão total RGSS a deduzir pelo Banco = 278,75 € (211,51€ pensão isolada + 67,24 € correspondente à % do acréscimo).
13. O Autor esteve abrangido pelo regime da Segurança Social do Setor Bancário entre 1 de abril de 1981 a 31 de dezembro de 2014.
14. O Réu foi citado para os termos da presente ação no dia 18/11/2022.”

*
Na ausência de impugnação da decisão da matéria de facto, importa agora proceder ao seu enquadramento jurídico.
Inexiste controvérsia quanto ao facto de ter aplicação o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) celebrado entre várias instituições de crédito e a Federação do Sector Financeiro – FEBASE, que passaremos a designar por “ACT para o sector bancário”.
A versão integral desse ACT encontra-se publicada no BTE, 1ª Série, n.º 29, de 08-08-2016, págs. 2339 e ss. [acessível em http://bte.gep.mtss.gov.pt.] – versão aplicável aos contratos já celebrados aquando da sua entrada em vigor, que aconteceu em 09-08-2016 (cfr. clausúlas 2ª, n.º 1, 123ª, n.º 1 e 124ª).
Nos termos do n.º 3 da cláusula 2ª, as cláusulas desta versão (de 2016) do ACT para o sector bancário só são aplicáveis aos trabalhadores reformados por atingirem idade bastante para o efeito (reforma por invalidez presumível na terminologia do ACT) quando essas mesmas cláusulas o consignem expressamente.
A cláusula 92ª, primeira cláusula do capítulo I (Segurança social), prevê o seguinte:
“Segurança Social
1- Os trabalhadores abrangidos pelo presente ACT encontram-se sujeitos ao regime geral da Segurança Social, sem prejuízo do previsto no número 3.
2- Os trabalhadores admitidos após 1 de Janeiro de 2008 e inscritos no regime geral da Segurança Social, beneficiam de um plano de pensões de contribuição definida nos termos da cláusula seguinte.
3- Aos trabalhadores que à data da entrada em vigor do presente acordo estejam abrangidos pelo capítulo XI, secção I do acordo colectivo de trabalho do sector bancário ora revogado, é garantido o regime de protecção social em regime de benefício definido nos termos da secção II - Benefício definido do presente capítulo.”
O n.º 3 desta transcrita cláusula refere, pois, expressamente ser aplicável o regime da secção II desse capítulo I (cláusulas 94ª e seguintes) aos trabalhadores que à data da entrada em vigor dessa versão do ACT estivessem abrangidos pelo capítulo XI, secção I do ACT revogado [cujo texto consolidado publicado no BTE, 1ª série, nº 3, de 22/01/2011, págs. 321 e ss., consultável no link acima indicado, estando em causa as cláusulas 136ª e seguintes].
Nessa situação de abrangência está o Autor, que passou à situação de reforma em 31-12-2014, sendo-lhe então aplicável a cláusula 136º do ACT do sector bancário publicado (texto consolidado) em 22-01-2011 (inserida no capítulo XI, secção I), cujo teor era o seguinte:
“Cláusula 136ª
Âmbito
1- As instituições de crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta secção aos respetivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de segurança social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas instituições de crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção.
2- Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das cláusulas 17ª e 143ª.
3- As instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este acordo tiverem direito, entregando estes à instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza.”
Daqui decorre que passou a ser aplicável à situação do Autor, por força do referido n.º 3 da cláusula 92ª da versão do ACT para o sector de 2016, o regime dessa cláusula e da cláusula 94ª (cujo teor se irá reproduzir infra).
O certo é que, mesmo nas versões dos ACT’s para o sector anteriores à versão de 2016, e substituídos por esta, existiam cláusulas, que versavam sobre a questão em análise, com redação semelhante - caso da já referida cláusula 136ª do ACT para o sector bancário publicado (texto consolidado) no BTE, 1ª série, nº 3, de 22/01/2011 -, pelo que a solução não difere conforme se esteja com uma ou outra das versões.
Isto posto, debrucemo-nos então sobre a questão enunciada.
A questão trazida à apreciação deste Tribunal da Relação reconduz-se, em substância, à interpretação da cláusula 94ª do ACT para o Sector Bancário (correspondente à anterior cláusula 136ª do ACT do Sector Bancário, com redação semelhante), consistindo em saber como se deve calcular o valor do montante a reter pela Instituição de Crédito, nas situações em que na pensão atribuída ao trabalhador bancário pelo Centro Nacional de Pensões foram tidas em conta duas fases contributivas distintas.
Esta questão não é nova, na medida em que tem vindo a ser sistematicamente colocada aos nossos tribunais, existindo inúmera jurisprudência sobre esta matéria.
Pode mesmo dizer-se que a questão em referência tem sido decidida reiterada e recentemente pelo Supremo Tribunal de Justiça, de modo uniforme e no sentido que foi seguido pela decisão recorrida (isto é, de apelar à regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura para saber o valor a reter pela Instituição de Crédito). Citando apenas os mais recentes e nos quais também figurava como Recorrente o Banco 1..., podem ver-se nesse sentido, entre outros, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 12-01-2023 (processo n.º 422/21.3T8CSC.L1.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes); de 15-12-2022 (processo n.º 10014/20.9T8SNT.L1.S1, Relator Conselheiro Ramalho Pinto); de 29-11-2022 (processo n.º 842/21.3T8VFX.L1.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes); de 2-11-2022 (processo n.º 1331/20.9T8VRL.L1.S1, Relator Conselheiro Ramalho Pinto); de 29-11-2022 (processo n.º 453/21.3T8CSC.L1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado); de 22-06-2022 (processo n.º 14406/20.5T8SNT.L1.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes); de 1-06-2022 (processo n.º 3817/19.9T8MTS.P1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado); de 1-06-2022 (processo n.º 598/20.7T8MTS.P1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado); 11-05-2022 (processo n.º 3798/20.6T8BRG.G1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado); de 13-01-2022 (processo n.º 300/20.3T8MTS.P1.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes); de 29-09-2021 (processo n.º 17792/19.6T8PRT.P1.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes); de 29-09-2021 (processo n.º 23235/19.8T8LSB.L1.S1, Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues); de 15-09-2021 (processo n.º 19922/19.9T8PRT.P1.S1, Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues); de 14-07-2021 (processo n.º 2084/20.6T8VLG.S1, Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues); e de 8-06-2021 (processo n.º 2276/20.8T8VLT.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes) – todos acessíveis in www.dgsi.pt. Mesmo retrocedendo no tempo, e sem ter como critério a identidade do recorrente, é possível verificar que esse tem sido consistentemente o entendimento seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça – cfr. Acórdãos de 27-10-2010 (processo nº 1889/06.5TTLSB, Relator Conselheiro Pinto Hespanhol), de 06-12-2016 (processo nº 4044/15.0T8VNG, Relator António Leones Dantas), de 22/02/2018 (processo nº 9637/16.5T8LSB.L1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco) e de 12/07/2018 (processo nº 3312/16.8T8PRT.P1.S1, Relator pelo Sr. Conselheiro Ribeiro Cardoso, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Do mesmo passo, esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto vem seguindo o referido entendimento, conforme decorre, entre muitos outros não publicados, dos seguintes Acórdãos: de 17-05-2021 (processo n.º 831/20.5T8VLG.P1, Relator Desembargador António Luís Carvalhão – o qual, apesar de não publicado, foi confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2022, processo n.º 831/20.5T8VLG.P1,S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco, publicado na referida base de dados), de 22-02-2021 (processo n.º 17792/19.6T8PRT, Relator Desembargador Domingos Morais) e de 24-01-2018 (processo n.º 3312/16.8T8PRT.P1, Relatora Desembargadora M.Fernanda Soares] – os dois últimos Acórdãos da Relação publicados in www.dgsi.pt.
Atente-se que, quanto ao Acórdão da Relação do Porto de 10-10-2016 citado pela Recorrente no sentido pela mesma defendido, os Senhores Desembargadores Domingos Morais (Relator) e Paula Leal de Carvalho (Adjunta), alteraram já o seu entendimento, vindo a aderir à posição defendida pelo STJ – cfr. o constante no citado Acórdão de 24-01-2018, em que os Senhores Desembargadores reviram a sua posição, tendo em conta a posição do STJ no Acórdão de 6-12-2016.
Por sua vez, o Acórdão da Relação de Lisboa de 25-09-2017, também citado pela Ré no sentido pela mesma defendido, foi revogado pelo Acórdão do STJ de 22-02-2018 (processo nº 9637/16.5T8LSB.L1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco, disponível in www.dgsi.pt).
Diremos, desde já adiantando a conclusão, que seguiremos o entendimento jurisprudencial sobre a interpretação da cláusula 94ª do ACT para o sector bancário (e da correspondente cláusula 136ª do ACT anterior) que vem sendo sufragado nesta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto com o qual concordamos inteiramente e que, como vimos, constitui também posição sedimentada do Supremo Tribunal de Justiça.
Mais se consigna que iremos apelar à linha argumentativa seguida nos citados Acórdãos da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente no identificado Acórdão de 17-05-2021, por clara e exaustiva.
Vejamos então.
Estão aqui em causa, como vimos, cláusulas inseridas no Capítulo I (Segurança Social) do Título V (Benefícios sociais) do referido ACT para o sector bancário, concretamente as cláusulas 92ª (já supra transcrita) e 94ª.
Sob a epígrafe “Garantia de benefícios e articulação de regimes”, a cláusula 94ª, no que releva para a resolução da questão enunciada, prevê o seguinte:
“1- As instituições de crédito garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 92.ª, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições de crédito a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção.
2- Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 103.ª
(…)”.
Refira-se que, a partir de 1 de janeiro de 2011, por força da extinção e integração da Caixa de Abono da Família dos Empregados Bancários (CAFEB) no Instituto de Segurança Social pelo Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, os trabalhadores bancários passaram a estar protegidos pelo regime da Segurança Social, na eventualidade de maternidade, paternidade e adoção e na velhice.
O regime específico de proteção dos trabalhadores bancários articula-se, assim, com outros regimes de segurança social que os abranjam, máxime com o regime geral, permitindo às instituições bancárias responsáveis pelo pagamento das específicas prestações consagradas a favor destes trabalhadores, os descontos nas prestações por si pagas dos benefícios que os trabalhadores aufiram de outros sistemas, com fundamento na prestação da atividade bancária, para evitar duplicação de benefícios (cláusula 94ª e anterior cláusula 136ª do ACT para o sector bancário).
Isto porque, no que concerne à velhice, releva toda a antiguidade do trabalhador, computada nos termos previstos no ACT para o sector bancário, donde decorre que o mesmo tempo de serviço confere direito a pensão de velhice da Segurança Social e pensão de reforma com base nesse ACT (reforma de invalidez presumível, assim apelida o referido ACT), impedindo o ACT em referência esta cumulação, nos termos estabelecidos nas transcritas cláusulas (atual 94ª e anterior 136º).
O regime convencional atrás referido visa impedir que os trabalhadores bancários que passam à situação de reforma, abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social – todos os que, como o Autor, passaram a partir de Janeiro de 2011 a estar integrados no Regime Geral de Segurança Social em virtude da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários e aos quais as instituições de crédito empregadoras garantem, adiantando, a pensão de reforma devida face ao ACT - recebam duas pensões pela mesma prestação de trabalho, já que ambas as pensões (a adiantada pela entidade empregadora e a do CNP) são calculadas tendo em conta o período de tempo em que tais trabalhadores exerceram a actividade bancária e efectuaram descontos para a Segurança Social.
Ora, no caso da prestação decorrente da reforma, como a Instituição de Crédito recebe da Segurança Social o benefício atribuído por esta ao trabalhador (aposentado), e paga a este todo o benefício que lhe é devido, aquela retém para si a parte que a ser entregue ao trabalhador constituiria uma duplicação porque considerado duplamente o mesmo período de trabalho (parte final do n.º 2 da cláusula 94ª).
A divergência das partes centra-se, pois, no valor a reter pela Ré daquele outro valor recebido pela Ré da Segurança Social, o que acontece porque na carreira contributiva do Autor convergem períodos de trabalho no sector bancário e períodos de trabalho fora desse sector [cfr. ponto 11 dos factos provados], defendendo o Autor que o valor relativo ao período de trabalho prestado no sector bancário se determina com recurso a uma regra de três simples pura [como decidido na 1ª instância] e sustentando a Ré que para determinar esse valor importa ponderar o valor do salário que esteve na base do cálculo da respetiva prestação em cada um desses períodos [a Ré defende que não deve ser tido em consideração apenas o fator tempo, mas também o valor das retribuições e correspondentes contribuições em cada um dos períodos, o que, atento o maior valor das retribuições auferidas pelo Autor na parte final da sua carreira, leva a um desconto superior – a Ré entende, em substância, que devem apurar-se, isoladamente, duas pensões teóricas (uma pelo tempo antes do banco e, outra, pelo tempo de banco) e repartir o benefício do CNP em função do montante de cada uma das pensões teóricas].
O cerne da questão passa por determinar qual o sentido da cláusula 94ª do ACT para o sector bancário (e da anterior cláusula 136ª) quando determina que a instituição de crédito apenas garanta a diferença de prestações.
Na verdade, e como se expõe no identificado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-05-2021, «não se nos afigura que a questão se deva configurar, salvo o devido respeito por opinião diversa [cfr. conclusões 51.ª e 52.ª da Recorrente e Parecer junto, subscrito pela Srª Professora Doutora Maria do Rosário Palma Ramalho], como de lacuna a integrar, de omissão do método de cálculo dessa diferença no regime previsto no ACT, pois a referida cláusula não visa estabelecer critérios de cálculo de benefícios (pensões), tendo subjacentes os critérios de cálculo que já estão estabelecidos, apenas querendo evitar a duplicação de pagamento, pelo que não se nos afigura poder falar-se de lacuna.».
A questão está, sim, em interpretar o estabelecido no ACT com vista a evitar a referida duplicação.
A interpretação, como se escreve, no referido Acórdão de 17-05-2021, «(…) tem por objeto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo que na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica, e nessa medida não se pode perder de vista que o Acordo de Empresa nasce de declarações negociais emitidas no âmbito da autonomia negocial coletiva.».
O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho (incluindo o Acordo de Empresa) regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros, conforme entendimento plasmado no Acórdão do STJ nº 1/2019, de 28-09-2018, publicado no DR 1ª série, nº 55, de 19/03/2019 [Este Acórdão, revista excecional ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, pode igualmente ser consultado in www.dgsi.pt, processo nº 1148/16.5TBBRG.G1.S2].
Nesta matéria, embora o artigo 9.º do Código Civil afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, prevê depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3)”.
A interpretação é feita segundo as regras decorrentes do referido normativo, sendo que o enunciado linguístico da lei (no caso, da cláusula da convenção) é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite.
No citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2019, escreveu-se que «[n]o domínio da interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho deve-se atribuir uma importância acrescida ao elemento literal, pois a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação.».
Em suma, parte-se do enunciado linguístico da norma (no caso letra da convenção) por ser este o ponto de partida da atividade interpretativa, visto ser através dela que se procura reconstituir o pensamento das partes outorgantes da convenção coletiva em causa, funcionando o enunciado da cláusula igualmente como limite interpretativo, visto não poder ser considerada uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência verbal.
É a partir da interpretação da cláusula em referência e invocando os elementos literal, sistemático, histórico e teológico que a Recorrente conclui que “a pensão de abate” é o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CPN (conclusão 6.ª), defendendo também que “porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), de acordo com os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CPN, sob pena de subversão total da ratio da cláusula em análise” (conclusão 37.ª).
Sucede que, como resulta do atrás exposto em termos de regras interpretativas, no caso, a letra da cláusula da convenção, é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que, como é evidenciado no supra citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-06-2021 (processo n.º 2276/20.8T8VLT.S1), «é de particular relevância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações».
E, como vem sendo sucessivamente plasmado nos citados recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de que é exemplo o Acórdão de 8-06-2021, «(…) da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.
A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.
Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.
Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente, torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.».
Estas considerações são totalmente transponíveis para a redação da atual cláusula 94ª, n.ºs 1 e 2.
Assim, e conforme constitui atualmente entendimento pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com o qual concordamos, analisados os textos das cláusulas em questão do ACT para o sector bancário (seja a atual cláusula 94ª, seja a anterior cláusula 136ª), não pode afirmar-se que dos mesmos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um factor de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.
Saliente-se que, aquando da revisão global ocorrida em 2016, a cláusula 94ª manteve uma redação em tudo semelhante à da anterior cláusula 136ª. E, como se alcança da jurisprudência existente, a controvérsia em análise já existia no período anterior à revisão global do ACT para o sector bancário em 2016, pelo que sempre a redacção da cláusula 94ª poderia ser outra e, não obstante, manteve-se em tudo idêntica à da cláusula 136ª do anterior ACT para o sector bancário, ou seja, também aí não foi introduzida a menção a qualquer factor de ponderação referente ao valor das contribuições efetuadas.
Por outro lado, e sem prejuízo do antedito, não pode olvidar-se que aquilo que o ACT para o sector bancário visou foi que o mesmo tempo de serviço não fosse duplamente considerado, como decorre do n.º 2 da cláusula 94ª (e também do n.º 2 da anterior cláusula 136ª), ou melhor, obstar a que o trabalhador beneficiário, relativamente a um mesmo período, receba duas pensões (o que afrontaria diretamente o artigo 67.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).
De facto, se recorrermos à Lei nº4/2007 de 16/01 (revista pela Lei 83-A/2013 de 30712), que aprova as bases gerais do sistema de segurança social, verificamos que, no seu artigo 67º, sob a epígrafe “Acumulação de prestações”, se prevê o princípio geral de que, “[s]alvo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido”.
Nesta conformidade, não colhe tentar extrair do ACT para o sector bancário regras ou critérios de cálculo da parte da pensão a reter pela Ré, mas sim saber o que esteve presente no pensamento das partes outorgantes do ACT para o sector bancário ao prever as cláusulas em referência – o que se pretendeu que fosse retido pela Ré.
Na identificação do que esteve presente no sobredito pensamento, como é evidente, não podemos descurar o processo de cálculo da pensão atribuída pela Segurança Social.
Nesta sede, e como se resume no citado Acórdão da Relação do Porto de 17-05-2021, o raciocínio que vem sendo seguido quase unanimamente na jurisprudência, do qual destaca o Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 24-01-2018 [processo nº 3312/16.8T8PRT.P1 – confirmado, porque negada a revista, pelo citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2018, - ambos disponíveis in www.dgsi.pt] é o seguinte: «no cálculo da pensão atribuída pela Segurança Social é considerada toda a carreira contributiva com uma remuneração de referência, pelo que não se pode fracionar a pensão em dois períodos para efeitos da cláusula 94ª do ACT para o sector bancário só porque num desses períodos os montantes remuneratórios auferidos pelo Autor tenham sido superiores aos auferidos no outro. [cfr. Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, que prevê as condições de acesso à pensão].
Na verdade, tal consubstanciaria um recálculo da pensão, passando por calcular duas sub pensões (uma reportada ao período em que foi prestado trabalho fora do sector bancário, outra reportada ao período em que foi prestado trabalho no sector bancário), quando o legislador estabeleceu regras para cálculo de uma pensão única (observando o princípio da contributividade), considerando toda a carreira contributiva, não tendo havido cálculo de duas pensões autónomas que são somadas.
É que, resulta dos art.ºs 26º e ss. do DL nº 187/2007 de 10 de maio (diploma que, no desenvolvimento da já citada LBGSSS), inseridos no Capítulo III relativo à determinação do montante das pensões de invalidez e de velhice, que o cálculo das remunerações a considerar para contabilização das mesmas, não se cinge ao valor da retribuição, sendo a remuneração de referência calculada com apelo a diversos factores, pelo que não se pode de todo dizer que exista uma relação directa entre o valor da retribuição, sem mais, e o da pensão final atribuída.» [LBGSSS – Lei das Bases Gerais do Sistema da Segurança Social – ver ainda no mesmo sentido, os Acórdãos Supremo Tribunal de Justiça de 23-06-2021 (processo nº 2115/20.0T8VCT.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco, disponível na mesma base de dados), de 6-12-2016 e 27-10-2010 (estes já acima citados)].
Com efeito, a pensão atribuída pelo Centro Nacional de Pensões teve em conta o disposto no Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, em que a pensão estatutária é a que resulta da aplicação das regras de cálculo da pensão (artigo 26.º, n.º 1), sendo o seu montante mensal igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade (artigo 26.º, n.º 2). Por seu turno, a remuneração de referência é calculada nos termos do artigo 28.º desse diploma, tendo como base as remunerações anuais de toda a carreira contributiva, revalorizadas nos termos do artigo 27.º, e o número de anos civis com registos de remunerações, com as correções e ajustamentos que aquele disposivo prevê. Daí que, como se disse, no cálculo do valor da pensão atribuída pelo Centro Nacional de Pensões já interveio uma pluralidade de factores, não existindo proporcionalidade direta entre o mesmo e o valor das remunerações registadas para o cálculo da remuneração de referência.
Daqui resulta que, quando na cláusula 94ª do ACT para o sector bancário está dito que apenas será garantida … a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção [como também na cláusula 136ª, está dito apenas será garantida … a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste acordo] tem subjacente uma pensão já calculada na Segurança Social, pelo que caso haja, como no caso em apreço, que saber o valor da pensão reportada a um determinado período (como seja o período em que foi prestado trabalho no sector bancário para obstar à sobredita duplicação) o mais correto é apelar a uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura, como defende o Autor e foi acolhido na decisão recorrida.
À cláusula em referência está subjacente a pensão calculada pela Segurança Social, não se podendo ficcionar um cálculo diferente, com duas sub pensões, para efeitos dessa cláusula.
Acresce que, como certeiramente se observa no referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-05-2021, «apelar a uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura não traduz, salvo o devido respeito por opinião diversa, uma divisão da pensão nem traduz um ponderar apenas o critério tempo, pois como se disse não estamos em busca de critérios para recálculo da pensão, antes se traduzindo, o apelo àquela regra, em saber o valor proporcional (da pensão única) a determinado período. (…)
Note-se que o nº 2 da cláusula 94ª, quando estatui que apenas deverão ser considerados os benefícios decorrentes das contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 103ª, sem aludir à forma de cálculo do valor a deduzir, leva-nos a concluir que apenas será de valorar o tempo da carreira contributiva (a cláusula 103ª alude à antiguidade, aí se apelando apenas ao tempo de serviço).» [o mesmo raciocínio pode ser transposto quanto ao n.º 2 da anterior cláusula 136ª, quando estatui que apenas serão considerados os benefícios decorrentes das contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das cláusulas 17ª e 143ª – que também aludem à antiguidade/tempo de serviço].
Por último, importa referir que a interpretação sufragada, não só salvaguarda o objetivo da cláusula em análise (impedir que o trabalhador tenha um duplo benefício), como, ao contrário do sustentado pela Recorrente, está em conformidade com o artigo 63º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa – que dispõe “Todo tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado”.
Este normativo, como defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, pretende “salientar o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e invalidez, acumulando-se os tempos de trabalho prestados em várias atividades e respetivos descontos para os diversos organismos da Segurança Social”, mais acrescentando “em termos técnicos, acabou por se impor a prorratização, isto é, totalização dos períodos de seguro e a repartição das cargas prestacionais de acordo com a duração dos períodos cumpridos em cada um dos sistemas” [in CRP Anotada, 4ª edição revista, 2007, Coimbra, pág. 819].
Na interpretação seguida é considerado todo o tempo de trabalho, cumprindo o desiderato constitucional de aproveitamento integral de todo o tempo de trabalho para o cálculo da pensão [parte da citada e recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se já sobre a inconstitucionalidade suscitada pela Recorrente, afastando-a – vejam-se, a título meramente exemplificativo, os citados Acórdãos de 8-06-2021, 11-05-2022 e 12-01-2023].
Em conclusão, inexiste motivo para nos afastarmos do entendimento jurisprudencial sobre a interpretação da cláusula 94ª (como também já da anterior cláusula 136ª) do ACT para o sector bancário que vem sendo seguido por esta Secção Social e que espelha o entendimento firmado no Supremo Tribunal de Justiça.
Improcede, pois, a apelação.
Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do recurso ficam a cargo da Recorrente (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***

IV – DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas do recurso pela Recorrente.

Notifique.


(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)
Porto, 30 de outubro de 2023
Germana Ferreira Lopes
Eugénia Pedro
Rita Romeira