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CONTRAORDENAÇÃO LABORAL
DECRETO-LEI N.º 237/2007
DE 19 DE JUNHO
REGISTO DO TEMPO DE TRABALHO
TRANSPORTES RODOVIÁRIO
PORTARIA N.º 7/2022 DE 4 DE JANEIRO
Sumário
I – O Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de junho, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2002/15/CE de 11 de março, e regula determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em atividades de transporte rodoviário efetuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que efetuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR). II – Nos termos dos artigos 1.º e 4.º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de junho, e dos artigos 1.º, n.ºs 2 e 3 e 3.º da Portaria n.º 938/2007, de 27 de agosto, no caso de trabalhador móvel não sujeito a aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, ou previsto no AETR – v.g. trabalhador a exercer as funções de ajudante de motorista de veículo pesado de mercadorias de uma empresa que prossegue a atividade de transporte rodoviário de mercadorias -, deve proceder ao registo dos tempos de trabalho, disponibilidade e descanso através de Livrete Individual de Controlo, mesmo que tenha horário de trabalho fixo. III - A obrigação de registo dos tempos de trabalho no caso do trabalhador móvel não sujeito ao uso do tacógrafo, ainda que tenha horário de trabalho fixo, mantém-se após a publicação da Portaria n.º 7/2022 de 4 de janeiro, que revogou a Portaria n.º 938/2007, de 27 de agosto, disponibilizando agora o legislador um leque de opções ao empregador na escolha dos suportes de registo que mais se adaptem ao seu modelo de negócio e à sua frota, acolhendo a possibilidade de uso de suporte digital para registo dos tempos de trabalho, que sempre terão de permitir a fiscalização prevista no artigo 11.º do Decreto- Lei n.º 237/2007 de 19 de junho (quanto ao cumprimento da obrigação de registo de tempo de trabalho prevista no artigo 4.º desse mesmo diploma).
Texto Integral
PROCESSO Nº 6315/22.0T8MTS.P1-RECURSO PENAL (CONTRAORDENAÇÃO LABORAL) Secção Social Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho de Matosinhos -J3
Relatora - Germana Ferreira Lopes
1º Adjunto – Rui Manuel Barata Penha
2º Adjunto – António Luís Carvalhão
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO 1. A..., Lda, com sede no ..., ..., impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida pela Autoridade Para as Condições de Trabalho, que lhe aplicou a coima de € 12.240,00, como reincidente, pela prática a título negligente da contraordenação muito grave, prevista e punida pelo artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de junho, conjugado com os artigos 3.º e 5.º, al. a), da Portaria n.º 983/2007, de 27 de agosto, artigo 14.º, nº 3, al. a), do mesmo DL n.º 237/2007 e artigo 554.º, n.ºs 1, 4 al. d) e 5 do Código do Trabalho, traduzida na falta de livrete individual de controlo para registo da atividade diária do trabalhador móvel a exercer funções de ajudante de motorista.
Fundamentou tal impugnação, em substância, no facto de o trabalhador em causa ter um horário fixo e que por tal não tinha, nem tinha que ter, livrete individual de controlo. 2. Recebida no Tribunal ora recorrido, foi admitida a impugnação, com efeito meramente devolutivo, e proposta a decisão por meio de despacho, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
O Ministério Público e a Impugnante manifestaram expressamente nos autos nada ter a opor a que se proferisse decisão sem a realização de audiência de julgamento, por meio de despacho nos termos do normativo citado em último lugar.
Nessa sequência, foi proferida decisão datada de 16-03-2023 (refª citius 444650951), que julgou improcedente a impugnação judicial e manteve a decisão condenatória da autoridade administrativa. 3. Discordando desta decisão a Arguida interpôs recurso, nos termos da motivação junta e que sintetizou com as seguintes conclusões:
“A – A Recorrente veio condenada pela prática a título negligente da contraordenação muito grave, prevista e punida pelo artigo 4º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 237/2007, de 19 de junho, conjugado com os artigos 3.º e 5.º, al. a), da Portaria nº 983/2007, de 27 de agosto, artigo 14.º, n.º 3, al. a), do mesmo DL nº 237/2007 e artigo 554.º, n.º 1, 4 al. d) e 5 do Código do Trabalho, e na coima que lhe fora aplicada de € 12.240,00, não concordando com a sentença do Tribunal a quo, por várias ordens de razões, o que motiva a apresentação do presente recurso.
B) Analisada a sentença verifica-se que o Tribunal a quo não se pronunciou em concreto quanto à questão de o trabalhador fiscalizado ter um horário de trabalho fixo, o que resulta quer da prova documental, quer da prova Testemunhal. Este facto não consta dos factos provados, nem dos não provados, sendo que inclusivamente a sentença omite por completo os factos não provados, tornando-se assim incompreensível;
C) De onde resulta que a sentença é nula pois, por um lado, não apreciou uma questão essencial, e impunha-se ao Tribunal o dever de a apreciar e, por outro lado, omite totalmente os factos não provados, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal. De onde deverá ser anulada.
D) Sem conceder, entende-se ainda que o Tribunal a quo laborou em erro na análise e subsequente aplicação do regime aqui em causa.
E) O Trabalhador da ora Recorrente tem horário fixo para execução das rotas pré determinadas, das sete horas, às dezassete horas, com pausa para almoço das doze horas às catorze.
F) Prevê o artigo 216.º, n.º 4 do Código do Trabalho sob a epígrafe “Afixação do mapa de horário de trabalho”: “As condições de publicidade de horário de trabalho de trabalhador afecto à exploração de veículo automóvel são estabelecidas em portaria dos ministros responsáveis pela área laboral e pelo sector dos transportes”. A Portaria a que se refere o citado n.º 4 é a n.º 983/2007, de 27 de Agosto, a qual, no seu artigo 1.º, regula as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades não sujeitas às disposições do Código do Trabalho.
G) E que no seu artigo 2.º dispõe que a publicidade dos horários de trabalho fixos dos trabalhadores atrás referidos é feita através do mapa de horário de trabalho, o qual deve estar afixado em cada veículo ao qual o trabalhador esteja afecto. Ora, analisada a portaria n.º 983/2007, constata-se que o legislador no seu n.º 2, excecionou expressamente o regime dos trabalhadores com horário fixo, e que quanto a estes deverão fazer-se acompanhar de mapa de horário de trabalho, e consequentemente efectuar o registo dos tempos de trabalho, nos termos do disposto no Código do Trabalho, à semelhança dos restantes trabalhadores com horário fixo. Justamente o caso do Trabalhador da Recorrente fiscalizado no âmbito do presente processo.
H) De outra forma, não se compreenderia a excepção expressa introduzida pelo n.º 2 da referida portaria. Isto é, a entender-se como entendeu o Tribunal a quo chegamos à conclusão que a um trabalhador com horário móvel, se exige que seja unicamente portador do LIC, e a um trabalhador com horário fixo, se exige que seja portador do horário de trabalho e do LIC. O que na nossa perspetiva é contraditório, e não foi intenção do legislador, justamente porque a necessidade de protecção é muito maior nos trabalhadores com horário móvel. Aliás, tem sido esse o entendimento de vários centros da Autoridade para as Condições do Trabalho, tanto que à ora Recorrente nunca fora aplicada a coima aqui em causa.
I) Por último, o entendimento que se sufraga veio a ser acolhido integralmente na Portaria n.º 7/2022, que revogou a Portaria n.º 983/2007, e contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo, continua a distinguir entre o que é exigível a um trabalhador com horário fixo ou móvel, devendo o primeiro ser portador do mapa de horário de trabalho, e o segundo, de um aparelho de controlo ou em alternativa através de um programa informático.
Pelos termos expostos e pelos demais de direito devem Vossas Exas. Venerandos Desembargadores, dar provimento ao presente recurso e, por via dele, ser anulada, ou revogada a decisão recorrida, absolvendo-se a ora Recorrente da contraordenação pela qual veio condenada.” 4. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público apresentando contra-alegações, que finalizou com as seguintes conclusões:
“ 1. a decisão proferida não padece das nulidades previstas no art. 379.º, n.º 1, als. a) e c) do CPP;
2. no caso em apreço, não se discute a questão da publicidade o horário de trabalho, mas unicamente a de saber se o aludido trabalhador estava ainda sujeito ao uso de Livrete Individual de Controlo, nos termos do DL n.º 237/2007, de 19 de junho, e dos arts. 1.º, n.ºs 2 e 3 e 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de agosto;
3. sendo o trabalhador da arguida, empresa do sector dos transportes rodoviários, ajudante de motorista, um trabalhador móvel, ou seja, integrante do pessoal viajante ao seu serviço, devia fazer uso do livrete individual de controlo (LIC) para registo do número de horas de trabalho prestadas, nos termos do art. 4.º, n.ºs 1 e 2 daquele decreto-lei e dos arts. 1.º, n.ºs 2 e 3 e 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto;
4. a Portaria n.º 7/2022, de 4 de janeiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 4/2022, de 28 de janeiro, alterada pelas Portarias nºs 216/2022, de 30 de agosto, e 54-R/2023, de 28 de fevereiro, que revogou a Portaria 983/2007, em nada alterou o regime por esta previsto no que toca ao registo de tempos de trabalho dos trabalhadores móveis não sujeitos ao aparelho de controlo conhecido como tacógrafo, uma vez que continua a prever a obrigatoriedade do registo dos horários de trabalho de tais trabalhadores em atividade de transporte rodoviário não sujeito ao aparelho de controlo previsto nos Regulamentos da União Europeia aplicáveis.
Nestes termos e nos demais que Vossas Excelências suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso”. 5. Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (artigo 416º do Código de Processo Penal), sustentando, em síntese, que:
- à data da fiscalização e prática dos factos, 4-06-2021, era obrigatório para o trabalhador ajudante de motorista que se fizesse acompanhar de livrete individual de controlo ou declaração de isenção de horário de trabalho, o que não se verificava, estando consumada a infracção;
- posteriormente, foi alterada a legislação com a publicação da Portaria nº 7/2022, de 4 de janeiro (retificada pela Declaração de Retificação nº 4/2022, de 28 de janeiro, alterada pelas Portarias nºs 216/2022, de 30 de agosto, e 54-R/2023, de 28 de fevereiro), que revogou a Portaria nº 938/2007, porém não dispensou o registo dos tempos de trabalho dos trabalhadores móveis, não sujeitos a aparelho de controlo conhecido como tacógrafo, permitindo, apenas, que fosse feito por outros meios, incluindo digitais;
- não sendo o trabalhador da Recorrente, AA, possuidor de livrete individual de controlo, naquela data obrigatório, ou outro qualquer suporte, mesmo digital, que pudesse ser considerado válido e suficiente nos termos da Portaria 7/2022, de 4 de janeiro, agora em vigor, que revogou a Portaria 938/2007 e obrigava à utilização daquele livrete, a infracção foi cometida.
Conclui, acompanhando a resposta dada nas contra-alegações apresentadas e a sentença recorrida, para as quais remete, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. 6. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo a Arguida apresentado resposta. 7. Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos (artigo 418.º do Código de Processo Penal), após o que o processo foi à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II - Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, salvo questões de conhecimento oficioso [artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, ex vi artigo 50º, nº 4, da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro - diploma que aprova o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social].
Assim, tendo em conta as conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes as questões suscitadas no recurso:
- Saber se ocorre nulidade da decisão proferida decorrente de:
* Omissão de pronúncia;
* Falta de indicação dos factos não provados;
nos termos do disposto nos artigos 379.º, nº 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal;
- Apreciar a questão da verificação da prática da contraordenação imputada, mais concretamente decidir se um trabalhador a exercer as funções de ajudante de motorista de veículo pesado de mercadorias de uma empresa que prossegue a atividade de transporte rodoviário de mercadorias, e mesmo que tenha horário de trabalho fixo, está ou não obrigado a ser portador (a usar) suporte de registo do tempo de trabalho – LIC (Livrete Individual de Controlo, à data da fiscalização). Tal questão será também analisada após a publicação da Portaria nº 7/2022 de 4 de janeiro, que revogou a Portaria nº 983/2007 de 27 de agosto, tendo em conta a linha argumentativa da Recorrente.
***
III – A factualidade dada como provada na decisão administrativa e considerada na decisão judicial proferida pelo tribunal a quo, foi a seguinte:
1 – A arguida A..., Lda. prossegue a atividade de transporte rodoviário de mercadorias.
2 – A arguida é proprietária do veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-XB-...
3 – No dia 4/6/2021, pelas 10h35m, a arguida mantinha em circulação o referido veículo de matrícula ..-XB-.., conduzido por BB.
4 – AA é trabalhador subordinado da arguida, com a categoria de motorista de ligeiros, a exercer funções de ajudante de motorista naquela data.
5 – No referido dia e hora aquele veículo foi objeto de uma fiscalização efetuada pela GNR, e levantado o auto que esteve na origem dos presentes autos.
6 – Nesse momento verificou-se e constatou-se que AA seguia a bordo do veículo fiscalizado e exercia a função de ajudante de motorista de veículo pesados e não possuía em seu poder Livrete Individual de Controlo (LIC) ou declaração de acordo de isenção de horário de trabalho
7 – O volume de negócios apresentado pela arguida para o ano de 2020 foi de €24.746.322,00.
8 – A arguida preteriu os deveres de prudência, de cuidado, de previdência e cautela, que podia e devia ter na qualidade de entidade empregadora, deveria ter criado todas as condições e ter organizado o trabalho de modo a que AA, enquanto trabalhador móvel, pudesse registar a sua atividade diária no Livrete Individual de Condutor e pudesse apresentar, imediatamente, quando fiscalizado.
*
IV - Fundamentação:
A primeira questão a apreciar consiste em saber se ocorre nulidade da sentença.
Defende a Recorrente, numa primeira linha de argumentação, que a decisão recorrida padece do vício de omissão de pronúncia quanto à questão de o trabalhador fiscalizado ter um horário fixo (al. c) do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal).
Mais defende a Recorrente que a decisão padece do vício de falta de enumeração dos factos não provados (al. c) do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal).
Sobre a nulidade da sentença, dispõe o artigo 379º do Código de Processo Penal:
“1 – É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 – As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
(…)”
No caso, entende-se estarem reunidas as condições para o conhecimento das arguidas nulidades em sede de recurso.
Quanto ao apontado vício de nulidade por omissão de pronúncia, importa ter presente que o fundamento da impugnação apresentada pela Arguida, se alicerçou, em substância, na alegada inexigibilidade do seu trabalhador ser portador de livrete individual de controlo (LIC), já que trabalhava sob um regime de horário fixo, concluindo pela revogação da decisão administrativa por entender que não foi cometida a contraordenação imputada. Defendeu ter-se verificado um erro na apreciação da prova, na medida em que da prova produzida teria de se concluir desde logo que o trabalhador tinha um horário fixo.
Por despacho refª citius 443936614, foi considerado não ser necessária audiência julgamento, propondo-se a decisão por despacho com o cumprimento do contraditório quanto a essa questão no que respeita à Arguida (o Ministério Público já tinha consignado nos autos não se opor à decisão por despacho – cfr. promoção refª citius 443514351).
Notificada de tal despacho, por requerimento refª citius 44518333, a Arguida declarou expressamente que não se opunha a que fosse proferida decisão sem audiência de julgamento, por despacho.
Nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
Sem necessidade de entrar aqui na questão da conformação (ou não) da Arguida com a matéria de facto dada como provada na decisão administrativa decorrente da circunstância de ter declarado expressamente não se opor à decisão por despacho judicial, o certo é que constitui facto incontornável que o tribunal a quo não deixou de apreciar a questão suscitada pela Arguida – o facto de o seu trabalhador ter um horário de trabalho fixo – em sede de fundamentação jurídica. Tal aconteceu ao concluir que: «[a] necessidade de utilização do LIC, imposta pelo art. 3º da Portaria 983/2007 na sequência do estipulado pelos n.sº 1 e 2 do art. 4º do DL 237/2007, prende-se com o modo como a lei prevê para cumprimento da obrigação de registos de tempos de trabalho e não da publicidade do horário do trabalho».
Atente-se que decisão recorrida, depois de enunciar que o fundamento da impugnação apresentada se prendia com a alegada inexigibilidade do seu trabalhador ser portador de LIC já que trabalhava sob um regime de horário fixo, apelou ao Decreto-Lei n.º 237/2007 de 19/06 (artigo 4.º, n.ºs 1 e 2) e à Portaria n.º 983/2007, de 27 de agosto (artigos 1.º, 3.º e 5.º), tomando posição no sentido de decorrer da lei que o livrete individual de condutor “serve para que o trabalhador móvel proceda ao registo de seus tempos de trabalho, dando assim cumprimento à exigência contida no art. 202º do Código do Trabalho (atual) (…).”
Consta ainda da decisão recorrida o seguinte:
«A 4 de janeiro de 2022 foi publicada a Portaria n.º 7/2022 que revogou aquela Portaria 938/2007 e veio acolher “a possibilidade de uso de suportes digitais, eliminando-se, assim, a existência de livrete individual de controlo físico e o inerente requisito administrativo da autenticação pela Autoridade para as Condições do Trabalho”. A regulamentação do registo dos tempos de trabalho destes trabalhadores móveis consta agora do art. 7º da referida Portaria n.º 7/2022. Ainda que de modo diferente, a atual Portaria continua a exigir os registos dos tempos de trabalho dos trabalhadores móveis. Deste modo, e por considerar que o uso do LIC se impunha ao trabalhador da arguida como suporte de registo dos tempos de trabalho e que a arguida não cumpriu com a sua obrigação de o fornecer, é de concluir esta verificada a prática da contraordenação que lhe foi imputada.».
Lida a decisão recorrida, verifica-se que o tribunal a quo sufragou o entendimento que, mesmo que o trabalhador da Arguida trabalhasse sob o regime de horário fixo, sendo um trabalhador móvel (no dia da fiscalização, a exercer funções de ajudante de motorista de veículo pesado de mercadorias) afeto à exploração de veículo automóvel propriedade de uma empresa de transporte rodoviário de mercadorias (a Arguida), estava obrigado a fazer-se acompanhar de LIC (Livrete Individual de Controlo), o qual serve para que o trabalhador móvel proceda ao registo dos seus tempos de trabalho, dando assim cumprimento à exigência contida no artigo 202º do Código do Trabalho (atual). Ou seja, tendo em conta a posição sufragada pelo tribunal a quo o facto de o trabalhador em referência ter ou não um horário fixo era juridicamente irrelevante para a caraterização da contraordenação por que a Arguida foi acusada e, consequentemente, para a decisão.
A Recorrente bem entendeu que foi essa a posição sufragada pelo tribunal a quo, como decorre inequivocamente das respetivas alegações de recurso, mais precisamente da conclusão apresentada sob a alínea H).
Não se verifica, pois, o apontado vício de nulidade por omissão de pronúncia.
Cabe agora apreciar o invocado vício de nulidade por falta de enunciação da factualidade não provada.
O artigo 39.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, sob a epígrafe “Decisão Judicial” preceitua no seu n.º 4 que o juiz fundamenta a sua decisão, tanto no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa.
Por sua vez, o artigo 374.º do Código de Processo Penal prevê os requisitos da sentença, decorrendo do seu n.º 2, que ao relatório previsto no n.º 1 segue-se a fundamentação, “que consta da enumeração de factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Conforme se expõe no ponto I do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-01-2018 [processo nº 388/15.9GBABF.S1, acessível inwww.dgsi.pt], “[a] necessidade de fundamentação da sentença condenatória, nos termos dos artigos 374º e 375º do CPP, que concretizam requisitos específicos relativamente ao regime geral estabelecido no artigo 97.º, n.º 5, do CPP, decorre directamente do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição. A fundamentação das decisões dos tribunais, constituindo um princípio de boa administração da justiça num Estado de Direito, representa um dos aspectos do direito a um processo equitativo protegido pela Convenção Europeia de Direitos Humanos” – Sobre esta matéria veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-06-2023, processo nº 8013/19.2T9LSB.L1.S1, disponível inwww.dgsi.pt.
Na situação dos presentes autos, como vimos, a Arguida aceitou expressamente que a impugnação judicial fosse decidida por despacho.
Saliente-se que na impugnação apresentada a Arguida não colocou em crise a matéria já considerada provada na decisão administrativa, sustentando, sim, que devia ter sido dado como provado um outro facto, mais precisamente que o trabalhador tinha um horário de trabalho fixo (facto que na decisão administrativa figurava nos factos não provados).
Nesse pressuposto, na decisão judicial proferida, o tribunal a quo, após enumerar os factos provados e com o fundamento da impugnação apresentada pela Arguida se prender com a alegada inexigibilidade do seu trabalhador ser portador de LIC (Livrete Individual de Controlo), já que trabalhava sob um regime de horário fixo, proferiu decisão de mérito.
Não se olvida que a decisão recorrida não elencou factos não provados.
No entanto, considera-se que no caso concreto tal enumeração não tinha que ser efetuada, nomeadamente o facto alegado pela Arguida na impugnação – que o seu trabalhador tinha horário de trabalho fixo -, tendo em conta que, como se disse supra, tal facto se perfilava como juridicamente irrelevante para a caraterização da contraordenação por que foi acusada e, consequentemente, para a decisão.
Sublinhe-se que, há muito, se mostra firmada a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que a decisão deve conter a enumeração concreta dos factos provados e não provados, com interesse e relevância para a decisão da causa, sob pena de nulidade, desde que os mesmos sejam essenciais à caraterização do crime em causa e suas circunstâncias ou relevantes juridicamente com influência na medida da pena, isto é, desde que tenham efetivo interesse para a decisão da causa. Já assim não será, pois, no caso de factos inócuos ou irrelevantes para a qualificação do crime (no caso para a caraterização da contraordenação) ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmos que descritos na acusação e/ou na contestação (no caso, na decisão administrativa ou na impugnação) – Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-12-1998, publicado na Coletânea de Jurisprudência STJ, Tomo III, pág. 229 e, bem assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2011, processo nº 36/06.8GAPSR.S1, disponível in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-03-2014, processo nº 811/12.4JACBR.C1, acessível in www.dgsi.pt.
Ora, como bem resulta da fundamentação da decisão proferida - e desde já adiantando a posição sufragada quanto à supra anunciada questão da verificação da prática da contraordenação imputada -, o facto de o trabalhador da Arguida, trabalhador móvel (à data da fiscalização, a exercer a função de ajudante de motorista de veículo pesado propriedade da empresa de transporte rodoviário de mercadorias aqui Arguida – como decorre da factualidade provada e não questionada pela recorrente), ter um horário de trabalho fixo é irrelevante para a caraterização da contraordenação pela qual foi acusada e condenada – falta de utilização de suporte de registo a que alude o artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 237/2007 de 19 de junho, e cuja forma de registo estava prevista pela Portaria n.º 983/2007, de 27 de agosto (LIC-Livrete Individual de Controlo). O mesmo entendimento se sufraga após a publicação da Portaria n.º 7/2022, que revogou a Portaria n.º 983/2007, nos termos que melhor se explicitarão infra.
Nesta conformidade, sendo o facto em referência – ter o trabalhador um horário de trabalho fixo – irrelevante para a caraterização da contraordenação em causa nos presentes autos, a circunstância de o tribunal a quo não o ter elencado nos factos provados ou não provados, não acarreta a nulidade da sentença.
Pelo exposto, e sem necessidade de considerações adicionais, conclui-se que a decisão recorrida não enferma dos apontados vícios de nulidade previstos no artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, improcedendo as arguidas nulidades da sentença.
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Importa agora decidir a questão da verificação da prática da contraordenação imputada, apreciando mais detalhadamente (uma vez que já se adiantou a posição sufragada) a questão de fundo atinente a saber se um trabalhador a exercer as funções de ajudante de motorista de veículo pesado de mercadorias de uma empresa que prossegue a atividade de transporte rodoviário de mercadorias, e mesmo que tenha horário de trabalho fixo, está ou não obrigado a ser portador (a usar) suporte de registo do tempo de trabalho – LIC (Livrete Individual de Controlo (LIC), à data da fiscalização.
Vejamos.
No caso, com relevância para esta questão, decorre da factualidade provada que:
- A Arguida prossegue a atividade de transporte rodoviário de mercadorias, sendo proprietária do veículo pesado de mercadorias matrícula ..-XB-..;
- No dia 4-06-2021, pelas 10h35m a Arguida mantinha em circulação o identificado veículo, conduzido por BB;
- AA é trabalhador subordinado da Arguida, com a categoria de motorista de ligeiros, a exercer funções de ajudante de motorista naquela data;
- No referido dia e hora aquele veículo foi objeto de uma fiscalização efetuada pela GNR, momento em que se verificou e constatou que o referido trabalhador AA seguia a bordo do veículo fiscalizado e exercia a função de ajudante de motorista de veículo pesado, não dispondo de Livrete Individual de Controlo (LIC) ou declaração de acordo de isenção de horário de trabalho.
Estabelece o Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de junho, na parte relevante para a questão em apreço:
Artigo 1.º
Âmbito e objeto
1 - O presente decreto-lei regula determinados aspetos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em atividades de transporte rodoviário efetuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, adiante referido como regulamento, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efetuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de junho.
2 - O presente decreto-lei transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário.
3 - O disposto nos artigos 3.º a 9.º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
(…)
d) «Trabalhador móvel» o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço do empregador que exerça a atividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR.
(…)
Artigo 4.º
Registo
1 - No caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou previsto no AETR, o registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o artigo 162.º do Código do Trabalho indica também os intervalos de descanso e descansos diários e semanais e, se houver prestação de trabalho a vários empregadores, de modo a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles.
2 - A forma do registo referido no número anterior é estabelecida em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes. (…).
Artigo 11.º
Fiscalização
A fiscalização do cumprimento das disposições do presente decreto-lei e da portaria prevista no n.º 2 do artigo 4.º é assegurada, no âmbito das respectivas competências, pelas entidades competentes para fiscalizar o cumprimento da regulamentação comunitária sobre matéria social e aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários e do AETR.
Artigo 14.º
Registo
(…) 3 - Constitui contra-ordenação muito grave:
a) A não utilização de suporte de registo;
(…)
Por sua vez, estabelece a Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, com relevo para a decisão:
Artigo 1.º
Objecto
1 - A presente portaria regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho.
2 - A presente portaria estabelece ainda a forma do registo a que se refere o nº 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho.
3 - O registo referido no número anterior aplica-se a trabalhadores afectos à exploração de veículos automóveis não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários.
Uma nota apenas quanto a este artigo 1.º para dizer que, apesar de o seu n.º 2 referir o artigo 5.º, as regras de interpretação da lei impõem a solução de que onde se lê 5.º deverá entender-se 4.º, afigurando-se que tal lapso manifesto não prejudica os destinatários, que por conseguinte, do mesmo não podem prevalecer-se. É patente que a remissão é feita para o n.º 1 do artigo 4º do aludido Decreto-Lei nº 237/2007, de 19 de junho, o qual tem por epígrafe “registo” e que só um lapso justifica a alusão ao artigo 5.º, o qual que nem sequer tem números, sendo apenas constituído pelo seu corpo com a epígrafe “tempo de disponibilidade”.
Artigo 2.º
Publicidade de horários de trabalho
1 - A publicidade dos horários de trabalho fixos dos trabalhadores referidos no n.º 1 do artigo anterior é feita através de mapa de horário de trabalho, com os elementos e a forma estabelecidos no artigo 180.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, o qual deve ser afixado no estabelecimento e em cada veículo aos quais o trabalhador esteja afecto.
2 - O empregador envia cópia do mapa de horário de trabalho ao serviço da autoridade para as condições de trabalho da área em que se situe a sede ou o estabelecimento a que o trabalhador esteja afecto, com a antecedência mínima de quarenta e oito horas relativamente à sua entrada em vigor.
Artigo 3.º
Registo
O registo do tempo de trabalho efectuado pelos trabalhadores referidos no artigo 1.º, incluindo o prestado ao serviço de outro empregador, dos respectivos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, é feito em livrete individual de controlo devidamente autenticado, de modelo anexo à presente portaria e com as seguintes características: (…)
Artigo 5.º
Deveres do empregador
O empregador:
a) Fornece ao trabalhador o livrete individual de controlo, devidamente autenticado;
(…)
Artigo 6.º
Deveres do trabalhador
O trabalhador:
(…)
c) Tem o livrete em seu poder sempre que se encontre em serviço, bem como o livrete anterior em que haja registos referentes a dias das duas semanas anteriores;
d) Apresenta o livrete às entidades com competência fiscalizadora, sempre que o exijam;
(…)
Em face do transcrito quadro normativo, e como decorre do seu artigo 1.º, a Portaria n.º 983/2007, de 27 de agosto, visou regulamentar duas matérias distintas, a saber:
- as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho, nos termos previstos no artigo 179.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2003, substituído pelo artigo 216.º, n.º 4 do Código do Trabalho de 2009;
- e a forma do registo a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º do DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, nos termos previstos no nº 2 deste mesmo artigo.
São realidades distintas a publicidade dos horários de trabalho e o registo de tempos de trabalho.
A primeira das referidas matérias está regulada no artigo 2.º, nos termos do qual, a publicidade dos horários de trabalho fixos dos trabalhadores afectos à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho é feita através de mapa de horário de trabalho, o qual deve ser afixado no estabelecimento e em cada veículo aos quais o trabalhador esteja afecto.
Já a segunda das sobreditas matérias está regulada no artigo 3.º, nos termos do qual, o registo do tempo de trabalho efectuado pelos trabalhadores referidos no artigo 1.º, incluindo o prestado ao serviço de outro empregador, dos respectivos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, é feito em livrete individual de controlo devidamente autenticado, de modelo anexo àquela portaria e com as características ali enunciadas.
No caso em análise, o trabalhador da Recorrente, em exercício de funções de ajudante de motorista de veículo automóvel propriedade da Arguida, empresa que se dedica à atividade de transporte rodoviário de mercadorias, não apresentou o livrete individual de controlo (LIC) no ato de fiscalização, não se fazendo acompanhar desse suporte de registo do tempo de trabalho.
Saliente-se que nos presentes autos não está em discussão a questão da publicidade do horário de trabalho, mas tão-só a de saber se o aludido trabalhador estava ainda sujeito ao uso de livrete individual de controlo, nos termos do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de junho, e dos artigos 1.º, n.ºs 2 e 3 e 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de agosto.
Face à matéria provada, é inequívoca a aplicação à situação dos autos do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de junho, tendo em conta o disposto no seu artigo 1.º.
Com efeito, a Arguida dedica-se à atividade de transporte rodoviário de mercadorias e mantinha em circulação à data da fiscalização um veículo pesado de mercadorias, no qual seguia o seu trabalhador AA, com a categoria de motorista de ligeiros e em exercício de funções de ajudante de motorista. O trabalhador em causa é um trabalhador móvel, ou seja, integra o pessoal viajante ao serviço da empregadora, aqui Arguida, que é uma empresa do sector dos transportes rodoviários, exercendo atividade abrangida pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março.
Por outro lado, e não estando o trabalhador em causa sujeito ao aparelho de controlo conhecido como tacógrafo, já que no exercício de função de ajudante de motorista, devia fazer uso do livrete individual de controlo para registo do número de horas de trabalho prestadas, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2 do citado Decreto-Lei n.º 237/2007 e dos artigos 1.º, n.º 2 e 3.º da referida Portaria n.º 983/2007.
Na verdade, tratando-se de trabalhador móvel, ou seja, trabalhador integrante do pessoal viajante, mas não em exercicio de função de condução, o registo do número de horas de trabalho prestadas pelo mesmo, pela própria natureza do trabalho, não podia ser efetuado e controlado através de tacógrafo – que, quando obrigatório, exerce tal finalidade no que respeita ao condutor – mas sim através do livrete individual de controlo.
A tal entendimento não obsta o facto alegado pela Arguida de se tratar de trabalhador com horário de trabalho fixo, a ser publicitado através de mapa de horário de trabalho afixado no estabelecimento e em cada veículo aos quais o trabalhador esteja afecto (nos termos do artigo 2.º da citada Portaria), uma vez que a finalidade subjacente a cada uma das referidas obrigações é diferente, conforme se evidencia no Acórdão da Relação de Guimarães de 25-06-2020 [processo n.º 5539/19.1T8BRG.G1, acessível in www.dgsi.pt]. Tal justifica, aliás, a regulamentação pela Portaria n.º 983/2007 das duas diferentes matérias a que se aludiu supra.
Assim, e no que respeita à publicitação do horário de trabalho nos termos previstos no artigo 2º da Portaria em referência, a mesma visa permitir a verificação dos tempos de trabalho e de descanso que o trabalhador devia observar na relação com o empregador em causa, adaptando ao trabalhador afecto à exploração de veículo automóvel o disposto nos artigos 179.º do Código do Trabalho de 2003 e 216.º do Código do Trabalho de 2009 (conforme, aliás, previsão contida no n.º 3 do artigo 179.º e no n.º 4 do artigo 216.º dos citados Códigos de Trabalho, respetivamente).
Por sua vez, o livrete individual de controlo visa permitir a verificação dos tempos de trabalho, de disponibilidade e de descanso que o trabalhador efetivamente observou, não só relativamente ao empregador em causa, mas ainda a outros para quem eventualmente trabalhe, de modo a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles, adaptando ao trabalhador móvel não sujeito a controlo por tacógrafo o preceituado nos artigos 162.º do Código do Trabalho de 2003 e 202.º do Código de Trabalho de 2009.
No sentido de que o trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo conhecido como tacógrafo deve proceder ao registo dos tempos de trabalho e de descanso no suporte de registo de tempo de trabalho (suporte esse que, conforme previsão da Portaria n.º 983/2007 de 27 de Agosto, é o livrete individual de controlo) e, se tiver horário fixo, ter ainda o mapa respetivo afixado no veículo a que esteja afeto, podem ver-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 5-04-2018 (processo nºs 781/17.2T9VRL.G1) e de 25-06-2020 (já supra citado) [acessíveis in www.dgsi.pt].
Não colhe, pois, a tese da recorrente no sentido da inexigibilidade do livrete individual de controlo para os trabalhadores móveis com horário fixo.
Do mesmo passo, e ao contrário do sustentado pela arguida, a Portaria n.º 7/2022, de 4 de janeiro de 2022, que revogou a Portaria n.º 983/2007, não veio acolher a referida tese.
A Portaria n.º 7/2022, de 4 janeiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 4/2022, de 28 de janeiro, e alterada pelas Portarias n.ºs 216/2022, de 30 de Agosto, e 54-R/2023, de 28 de fevereiro, continua a prever o registo dos tempos de trabalho, quer para os trabalhadores sujeitos a horários de trabalho móveis, quer para os trabalhadores sujeitos a horário de trabalho fixo (cfr. artigo 7.º da citada Portaria). Até porque a Portaria n.º 7/2022, à semelhança do que já sucedia com a Portaria nº 983/2007 regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho e a forma de registo dos respetivos tempos de trabalho, pressupondo as prévias obrigações que lhe estão subjacentes e que decorrem nomeadamente, no que ora releva, do Código de Trabalho e do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de junho.
Como resulta inequivocamente do preâmbulo da citada Portaria n.º 7/2022, com a sua publicação o legislador teve como finalidades:
- a atualização da regulamentação do n.º 4 do artigo 216.º do Código do Trabalho;
- a consolidação num único instrumento das exigências regulamentares previstas no dito artigo 216.º, n.º 4, do Código do Trabalho e no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de agosto (que estavam anteriormente contidas na Portaria n.º 983/2007) e, bem assim, no artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 117/2012, de 5 de junho (diploma que regula a organização dos tempos de trabalho de condutores independentes em atividades de transporte rodoviário) e na Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto (que veio estabelecer veio estabelecer o regime jurídico da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica, aplicando ao motorista afeto a esta atividade e que esteja vinculado por contrato de trabalho e ao motorista independente, o regime de organização do tempo de trabalho previsto nos referidos Decretos-Leis n.os 237/2007 e 117/2012, respetivamente) – cfr. artigo 1.º da Portaria n.º 7/2022, de 4 de janeiro, que prevê o respetivo objeto e âmbito;
- a clarificação dos conteúdos e dos momentos em que há publicitação do horário de trabalho e em que se procede ao registo dos tempos de trabalho, disponibilizando um leque de opções ao empregador na escolha dos suportes que mais se adaptem ao seu modelo de negócio e à sua frota, acolhendo-se a possibilidade de uso de suportes digitais, eliminando-se, assim, a existência do livrete individual de controlo físico e o inerente requisito administrativo da autenticação pela Autoridade para as Condições do Trabalho.
A Portaria n.º 7/2022, de 4 de janeiro, regulamenta, para além do mais, a publicidade dos horários de trabalho dos trabalhadores com horários fixos e com horários de trabalho móveis, e o registo dos tempos de trabalho, maxime dos trabalhadores móveis em atividade de transporte rodoviário não sujeito ao aparelho de transporte previsto nos Regulamentos da União Europeia aplicáveis.
Importa salientar que a definição de trabalhador móvel para efeito da obrigação de registo prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei nº 237/2007 de 19 de junho e cuja regulamentação estava anteriormente prevista na Portaria n.º 983/2007 de 27 de Agosto e atualmente está prevista na Portaria n.º 7/2022 de 4 de janeiro é a que está contida no artigo 2.º, alínea d) do citado Decreto-Lei («trabalhador móvel» o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viagente ao serviço do empregador que exerça a atividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR»). O que atualmente se encontra, aliás, expressamente previsto no artigo 2.º da Portaria n.º 7/2022 de 4 de janeiro.
A obrigatoriedade do registo dos tempos de trabalho no caso dos trabalhadores móveis em atividade de transporte rodoviário não sujeito ao aparelho de transporte previsto nos Regulamentos da União Europeia aplicáveis, prevista no artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei de 19 de junho, mantém-se, pois, intocável, sendo que a sua regulamentação atual decorrente da Portaria n.º 7/2022 passou a disponibilizar ao empregador um leque de opções na escolha dos suportes de registo que mais se adaptem ao seu modelo de negócio e à sua frota, máxime a possibilidade de uso de um sistema informático – suporte digital para registo dos tempos de trabalho (cfr. artigo 7.º, n.º 4, da Portaria n.º 7/2022).
De qualquer forma, seja qual for o suporte de registo dos tempos de trabalho adotado pelo empregador, como é evidente, o mesmo terá que permitir a fiscalização prevista no artigo 11.º do Decreto- Lei n.º 237/2007 de 19 de junho quanto ao cumprimento da obrigação de registo de tempo de trabalho prevista no artigo 4.º desse mesmo diploma e cuja regulamentação quanto à forma do registo está atualmente na Portaria n.º 7/2022 de 4 de janeiro.
Como tal, as entidades fiscalizadoras (entre as quais se conta a Guarda Nacional Republicana, como aconteceu no presente caso) devem poder aceder de forma imediata aos registos de tempos de trabalho efetuados pelos trabalhadores, bem como a todos os demais elementos registados no suporte de registo.
Refira-se que no recente Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, de 5-06-2023, foi também sufragada a posição no sentido da exigibilidade do registo de tempos de trabalho para um trabalhador móvel com horário fixo, em exercício de funções de ajudante de motorista, afirmando a prática da infracção em causa nos presentes autos pelo facto de tal trabalhador não possuir livrete individual de controlo (LIC), pese embora o mesmo tenha apresentado aquando da fiscalização a declaração com horário de trabalho fixo. Nesse mesmo Acórdão foi ainda enfrentada a questão após a publicação da Portaria n.º 7/2022, de 4 de janeiro, que revogou a Portaria n.º 983/2007 de 27 de junho, concluindo-se pela prática da contraordenação prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 1 e 14.º, n.º 3, al. a) do D.L. n.º 237/2007, de 19 de julho [Acórdão proferido no processo nº 1597/2022.0T8MTS, no qual teve também intervenção como 2º Adjunto o Desembargador António Luís Carvalhão, acessivel in www.dgsi.pt].
No caso em apreço, em face da sobredita fundamentação, conclui-se pela prática da contraordenação prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2 e 14.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de junho e do artigo 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de agosto, infração pela qual a arguida (enquanto empregadora) é responsável (artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 237/2007 de 19 de junho), improcedendo também nesta parte o recurso.
Termos em que, resta concluir, pela total improcedência do recurso.
***
*
V – DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão condenatória.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo - 3 UC`s (artigos 93.º, nº 3, do RGCOC e 513.º, nº 1, do Código de Processo Penal, ex vi artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de setembro, e artigo 8.º, n.º 9, do RCP, bem como Tabela III anexa ao mesmo).
Notifique.
*
(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)
Porto, 30 de outubro de 2023
Germana Ferreira Lopes
Rui Penha
António Luís Carvalhão