RECUSA DE JUÍZ
ADVOGADO
Sumário

O requerimento de recusa de juiz tem de ser obrigatoriamente subscrito por advogado ou por defensor nomeado ao arguido

Texto Integral

Processo nº 30/21.9PEMTS-A
Comarca do Porto
Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 1



Acordam em conferência, os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


I - RELATÓRIO
No âmbito do processo nº 30/21.9PEMTS, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Matosinhos-Juiz 1, o arguido AA, em 01/09/2023, mediante requerimento subscrito pelo próprio e desacompanhado do defensor nomeado nos autos, veio deduzir pedido de recusa da Exmª Sra. Juiz BB que irá presidir à audiência de julgamento, por entender que existe motivo sério, grave e adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

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O Requerimento de Recusa é do seguinte teor (transcrição):
“(…).
1º Foi requerida a substituição da Srª Advogada nomeada Drª.CC, mas apesar de instar pessoalmente a Delegação da Ordem e por estarem em periodo de férias até ao dia 03 de Setembro não foi nomeado novo defensor;
(…);
4º Sem prejuízo, do que se vai complementar ao aqui requerido, sempre se dirá que não faz qualquer sentido, que a despeito, das garantias constitucionais de defesa do arguido, se negue esse mesmo direito de defea,
5º Igualmente não é normal,
i- tanta celeridade na marcação de um julgamento,
II- nem é normal o erro grosseiro, de fazer constar de um despacho, a existência de uma contestação que não se enviou,
iii- nem a marcação de audiência de julgamento, sem ter decorrido ainda o prazo para contestar,
IV- nem é normal, que o requerido pelo arguido de que pretendia requerer o RAi, não suspenda todos os
prazos, até ao despacho, que sobre ele se detenha,
V- não é normal, que o reconhecimento por despacho do "lapso" de inexistência da contestação, não determine a marcação de novo prazo para contestar
VI- não é normal que um requerimento que coloca em causa o relatório do Instituto de Medicina legal do Porto, que protesta apresentar contestação, seja considerado, pelo Tribunal uma contestação, que refere no artigo 24.º Revelando-se incontroverso que, só agora, teve, o Arguido, conhecimento do teôr do Relatório Pericial que alegadamente sustenta os presentes autos, reservando-se, assim, caso não colha a presente argumentação, no direito de, em tempo e querendo, apresentar a sua contestação, oferecer meios de prova e/ou requerer a realização de quaisquer outras diligencias de prova que tenha por pertinentes à boa decisão da causa e/ou proceder à junção de eventuais documentos"
VII- igualmente não é normal que o Tribunal além de considerar uma contestação, que não é, também a considere extemporânea,
Mais,
VIII- não é normal, que um" ANORMAL" que o MP acusa, e pede seja declarada a inimputabilidade do arguido, seja capaz de subscrever o que vai dito,

Quando se bem contado o prazo de 20 dias, após notificação de 22 de Junho de 2023 à ilustre mandatária,
o prazo terminaria a 15 de Julho, atenta a dilação e iniciado o período de férias, passa para o primeiro dia
útil após férias, hoje dia 01 de Setembro de 2023,

Tendo o arguido sido notificado em data ulterior, prevalece esta data, estando por isso em tempo.
Nestes termos, se requer a promoção que vai dito, na defesa efetiva dos direitos constitucionais do arguido, e com as legais consequências
E.D.
Pelo arguido
AA “.
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A Sra. Juiz visada, em 12/09/2023, pronunciou-se sobre a recusa (referência 451556526) nos seguintes termos (transcrição):
“Exmos. Senhores Juízes Desembargadores.
Cumpre, antes de mais, esclarecer que o meu conhecimento do arguido e dos factos relatados nos autos adveio, exclusivamente, da minha intervenção neste processo por motivos profissionais.
O arguido AA veio requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1, 2, 3 e 45.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, a recusa da minha intervenção nestes autos.
Da leitura do requerimento do requerente, retira-se, em síntese, que a pretensão agora sub judice assenta na alegação de que da minha intervenção não é possível transparecer uma imagem suficiente de imparcialidade.
Faz o requerente um historial da tramitação dos autos nesta fase de julgamento, anotando de forma discriminada os despachos proferidos que, em seu entender, consubstanciam a existência de erro grosseiro, concluindo pela minha falta de imparcialidade.
Nos termos do disposto no artigo 45.º, 3 CPP, cumpre agora pronunciar-me sobre o referido requerimento, o que farei com a maior brevidade possível.
Reconheço que assiste razão ao requerente quando refere que proferi despacho no qual admiti uma contestação que não tinha sido apresentada nos autos. Lapso esse evidente e que retifiquei posteriormente, mencionando o motivo pelo qual havia sido vertido tal segmento no corpo do despacho.
No mais, o requerente insurge-se contra a tramitação por mim adotada nos autos a qual, salvo melhor entendimento, não enferma dos erros grosseiros anotados, não tendo atuado com a falta de imparcialidade que aquele me aponta.
Não pondo em causa o direito do arguido de não aceitar as decisões sucessivamente proferidas, nunca as mesmas resultaram de uma postura parcial, distorcida e comprometida com uma solução em desrespeito pela lei.
Como tal, o explanado pelo requerente por forma alguma preenche os requisitos exigíveis ao deferimento da recusa e, como tal, deve ser considerado como manifestamente infundado.
É tudo quanto tenho a dizer “.
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Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta tendo tido vista nos autos, pronunciou-se pela improcedência do pedido de recusa por entender que tal pedido não abarca discordâncias jurídicas quanto a decisões de juízes, as quais deverão ser impugnadas pelos meios próprios, através da interposição de recurso.
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Atento o disposto na parte final do nº 4 do art. 45º do CPP, proferimos despacho a ordenar a notificação do arguido/requerente para, em 10 dias, juntar aos autos procuração forense por si subscrita a favor de advogado com ratificação do processado ou para, no mesmo prazo, juntar requerimento subscrito pelo defensor nomeado declarando ratificar o processado.
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Na sequência de tal despacho, nada veio a ser junto aos autos ou requerido.
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Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse para a apreciação do pedido importa ter presentes os seguintes elementos factuais/ocorrências processuais que constam dos autos:
1) Em 02/01/2023 o MºPº encerrou o inquérito com o despacho de acusação em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular (referência 442065460, para além de despacho de arquivamento quanto ao crime de falsidade informática p. e p. pelo art. 3º da Lei nº 109/2009 de 15/09 eventualmente perpetrado pelo arguido), no qual imputa ao arguido AA a prática de factos suscetíveis de integrar, em autoria material e na forma consumada, um crime de difamação agravada p. e p. pelos arts. 20º nº 1, 180º, 183º nº 1 a) e 184º, por referência ao art. 132º nº 2 l), todos do Código Penal e art. 56º da Lei nº 169/99 de 18/09;
2) Nos termos do art. 64º nº 3 do CPP, foi nomeado como defensor ao arguido a Sra. Advogada Dra. DD (por indicação da O.A. através do ofício nº ...05..., de 04/10/2022);
3) Em 02/03/2023 pelos serviços do MºPº foi expedida notificação do despacho de encerramento do inquérito/acusação pública para o domicílio do arguido por via postal simples com prova de depósito, com informação sobre o prazo para requerer a abertura da instrução e da defensora nomeada e respetivo endereço profissional (referência 445948318);
4) Em 02/03/2023 pelos serviços do MºPº foi expedida notificação do despacho de encerramento do inquérito/acusação pública para o domicílio profissional da Sra. Advogada (referência 445954035);
5) Tendo tal carta sido devolvida com a menção de «endereço insuficiente», em 17/03/2023 foi expedida nova notificação para morada diversa da Sra. Advogada (referência 446564690);
6) Em 26/03/2023 o arguido solicitou à Delegação de Matosinhos da Ordem dos Advogados, a nomeação de novo defensor com fundamento na falta de contacto, por parte da defensora, com o arguido;
7) Em 19/04/2023, a Ordem dos Advogados indicou para defensor ao arguido o Sr. Advogado Dr. EE, em substituição da Sra. Dra. DD;
8) No dia 25/04/2023, o arguido enviou à Sra. Advogada Dra. FF um mail informando-a de que como ela tinha sido nomeada defensora ao arguido e ele pretende requerer a abertura de instrução, solicita a marcação de uma reunião para a parte de tarde, dizendo anexar o despacho de acusação;
9) Em 26/04/2023, a Sra. Advogada Dra. FF respondeu por mail ao arguido, dizendo-lhe não ser possuidora de nenhuma notificação da O.A. ou de qualquer tribunal em como lhe tivesse sido nomeada como defensora oficiosa e que tendo verificado que dos elementos que o arguido lhe enviou, que o processo corre termos pelo DIAP de Matosinhos e o arguido reside em ..., não vendo razão para ela lhe ter sido nomeada como defensora e que, se entretanto o viesse a ser, não aceitará a nomeação por existirem advogados na comarca do Porto, não tendo sentido a deslocação dela;
10) Em 10/05/2023, o arguido por mail, informou a Delegação de Oliveira de Azeméis da O.A. que tinha sido notificado da nomeação da Sra. Advogada Dra. FF, como defensora, a qual, contactada de imediato, informou não ter sido nomeada conforme comprova pelo mail que ela enviou ao arguido, referido em 9);
11) Em 11/05/2023 a Delegação de Oliveira de Azeméis da O.A. enviou mail ao arguido admitindo um lapso na notificação e que enviaria nova notificação;
12) Por pretender requerer a abertura de instrução, em 15/05/2023, o arguido requereu à Delegação de Oliveira de Azeméis da Ordem dos Advogados, a nomeação de novo defensor em substituição do Sr. Dr. EE, alegando discordar com a defesa “promovida pelo Sr. advogado e as vicissitudes desta nomeação, impedem de forma tranquila e atempada a defesa efetiva do signatário”;
13) No mesmo dia 15/05/2023, a Sra. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho (referência 448276095):
”Os autos encontram-se devidamente autuados como processo comum com intervenção do tribunal singular.
O Tribunal é competente.
Inexistem nulidades, exceções ou outras questões prévias que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
Recebo a acusação pública pelos factos ali vertidos (que aqui dou por reproduzidos) em que é arguido AA, pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 20.º, n.º 1, 180.º, 183.º, n.º 1 al. a), 184.º por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l) todos do Código Penal e artigo 56.º, da Lei 169/99, de 18.09.
O arguido tem defensor oficioso nomeado.
Notifique o arguido para, querendo, contestar a acusação pública (cf. artigo 311.º-A, nº 1 do CPP).
D.N., designadamente:
- Cumprimento do disposto nos artigos 312.º, nº4, 313.º, n.º2, 315.º, n.º1 e 317.º, todos do Código de Processo Penal;
Estatuto processual do(s) arguido(s):
Não se vislumbrando qualquer uma das circunstâncias a que alude o art. 204.°, do Código de Processo Penal, determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações do termo de identidade e residência, já prestado.
(…)” – destacado nosso;
14) Pela secretaria judicial, em 16/05/2023, foi expedida notificação do despacho referido em 13) para o domicílio profissional do defensor nomeado, Dr. EE (referência 448410416);
15) Na mesma data, foi expedida notificação do despacho da Sra. Juiz referido em 13), por via postal simples com Prova de Depósito para o domicílio do arguido (referência 448410715);
16) Por mail datado de 16/05/2023, o arguido AA informou nos autos ser sua pretensão requerer a abertura de instrução e que por ter havido lapso na notificação pela O.A., o Sr. Dr. EE (advogado nomeado) só teve conhecimento da nomeação em 27 de Abril, motivo pelo qual o arguido solicitou de novo a substituição deste Sr. Advogado por um outro, a nomear pela Ordem dos Advogados; terminou requerendo a junção deste mail aos autos, “devendo os mesmos aguardar pelo tempestivo RAI” (referência 35653227);
17) Em 22/05/2023 a Ordem dos Advogados indicou para defensor a Sra. Advogada Dra. CC (referência 35710672);
18) Em 23/05/2023 foi expedida notificação pela secretaria judicial informando o Sr. Advogado Dr. EE de que cessou funções como defensor do arguido AA (referência 448679022);
19) Em 23/05/2023 foi expedida notificação pela secretaria judicial informando a Sra. Advogada Dra. CC de que tinha sido nomeada defensora ao arguido do qual consta ainda que se anexa a acusação e o despacho judicial que a recebeu (referência 448679195);
20) Por despacho judicial de 27/05/2023, sob promoção do MºPº (referência 448678909) e com cópia do requerimento apresentado pelo arguido referido em 16), foi ordenada a notificação da Sra. Advogada referida em 2), para informar nos autos se contactou ou foi contactada pelo arguido e/ou alegar o que tivesse por conveniente (referência 448783271);
21) Em 01/06/2023 a Sra. Advogada Dra. DD respondeu ao tribunal informando de que “nunca contactou ou foi contactada pelo arguido uma vez que este pediu a sua substituição enquanto defensora” (referência 35816430);
22) Sob promoção do MºPº (referência 449111702), por despacho judicial proferido em 06/06/2023 foi decidida a tramitação dos presentes autos com carácter urgente, atenta a data da prática dos factos (20/11/2020) e o tipo de crime imputado ao arguido (difamação) (referência 449197217);
23) Mais se ordenou a notificação à O.A. para esclarecer sobre a data de nomeação de defensor ao arguido para efeitos de contagem do prazo para requerer a instrução (referência 449197217);
24) Em 13/06/2023 a Ordem dos Advogados informou que no dia 22/05/2023, o Dr. EE foi substituído pela Sra. Dra. CC (referência 35928270);
25) Em 21/06/2023, a Sra. Juiz recusada proferiu o seguinte despacho (referência 449641114) (transcrição):
“Veio o arguido requerer que os autos aguardem pela apresentação do requerimento de abertura de instrução.
Para o efeito refere que informou os autos de que era sua pretensão requerer a abertura de instrução, tendo-lhe sido nomeado o Sr. Dr. EE, mas existiu um lapso da notificação pela Ordem pelo que só teve conhecimento da nomeação no dia 27 de abril, tendo apresentado pedido de nomeação de Advogado em substituição daquele.
Compulsados os autos verifica-se que o despacho de acusação foi notificado ao arguido no dia 2.03.2023 e que no mesmo dia foi notificada a sua então Defensora Oficiosa, Dra. Dr(a). DD.
Mais se verifica, pela informação prestada pela Ordem dos Advogados em 19.04.2023 que, na sequência de pedido de substituição de defensor por parte do arguido, foi-lhe deferida a pretensão e nomeado novo defensor.
Por despacho de 19.04.2023 foi nomeado defensor oficioso ao arguido o Sr. Dr. EE.
Solicitada informação à Ordem dos Advogados pela mesma foi informado que no dia 22.05.2023 o anterior advogado foi substituído pela Sra. Dra. CC.
Cumpre decidir.
Dispõe o art. 39º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho (Regime de acesso ao direito e aos tribunais) no capítulo das disposições especiais sobre processo penal, que “a nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no nº 2 do artigo 45º”, acrescentando o n.º 10 que “o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afeta a marcha do processo”.
O art. 42º da mesma Lei estabelece que: “1 - O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados. 2 - A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa de patrocínio no prazo de cinco dias. 3 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo. 4 - Pode, em caso de urgência, ser nomeado outro defensor ao arguido, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º”

Por sua vez, o artigo 66.º do Código de Processo Penal preceitua: “1 - A nomeação de defensor é notificada ao arguido e ao defensor quando não estiverem presentes no ato. 2 - O defensor nomeado pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa. 3 - O tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, por causa justa. 4 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo.
Da conjugação destes preceitos legais concluiu-se que em processo penal a nomeação de defensor ao arguido e a sua substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, e enquanto não foi substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo, sem qualquer efeito no decurso do prazo que esteja em curso.
Em processo penal é estabelecido um regime específico, que afasta a aplicação da regra geral prevista no art. 34º, n.º 2, da citada Lei, segundo a qual “o pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respetivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º”.
A razão de ser para essa diferença de regimes radica na especificidade decorrente de, no processo penal, o arguido gozar, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, do direito de constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor e de ser assistido por este em todos os atos processuais em que participar (arts. 61.º, n.º 1, als. e) e f), do Código de Processo Penal, sendo obrigatória essa assistência nos atos e momentos processuais elencados nas várias alíneas do n.º 1 do art. 64º do mesmo código).
Assim se salvaguarda a garantia que, nos termos do art. 32º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa; o processo penal tem que assegurar ao arguido, o “direito a escolher
defensor e a ser por ele assistido em todos os atos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória”, bem como a garantia de defesa (n.º 1 do mesmo normativo constitucional).
Mantendo-se o defensor nomeado para os atos subsequentes do processo, cabe-lhe a ele, enquanto não for substituído, continuar a assegurar as funções, para que foi incumbido com a sua nomeação, de defender o arguido.
Em síntese, ao contrário do previsto nos arts. 24º, n.º 5, ex vi arts. 34º, n.º 2, e 32º da Lei n.º 34/2004, a substituição de defensor no processo penal não prevê, nem origina, qualquer interrupção ou suspensão do prazo que estiver em curso, aquando do pedido de substituição ou dispensa do defensor.
Importa ainda referir que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a eventual inconstitucionalidade que resultaria da aplicação daquelas normas por negação ou compressão dos direitos de defesa, nomeadamente no acórdão n.º 487/2018, publicado no D.R., II Série, de 22.11.2018, onde se decidiu que “Não julga inconstitucional a norma resultante da interpretação do disposto nos artigos 39º, n.º 1, 42º, n.º 3, e 44º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, e do artigo 66º, n.º 4, do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo de interposição de recurso da decisão depositada na secretaria não se interrompe nem se suspende no caso de, no decurso do mesmo, o arguido apresentar junto da Ordem dos Advogados pedido de substituição do defensor que lhe fora nomeado no processo”.
A posição ora defendida é largamente maioritária na nossa jurisprudência, como se ilustra com os acórdãos do S.T.J. de 12-05-2005 no processo n.º 05P1310, e de 15-01-2004 no processo n.º 03P3297; os Acórdãos da Relação de Coimbra de 18.12.2013 no proc. n.º 39/96.5TATND.C1, de 7.12.2016 no proc. n.º 8785/13.8TDPRT-A.C1, os acórdãos da Relação de Guimarães, de 25.5.2015 no proc. n.º 1715/12.6GBBCL.G1, de 20-03-2017 no processo n.º 02/15.0T9TBRG.G1, e de 24-9-2018 no processo n.º 521/16.3T9GMR.G1; o acórdão da Relação de Évora de 30-06-2015 no processo n.º 28/08.2GBCCH.E1; o acórdão da Relação de Lisboa de 21-06-2011 no processo n.º 4615/06.5TDLSB.L1-5; os acórdãos da Relação do Porto de 04-04-2018 no processo n.º 245/16.1GBSVV-A.P1, e de 13-4-2016 no processo n.º 480/14.7SJPRT.P1, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
Face ao exposto, uma vez que o pedido de substituição de defensor não interrompe o prazo em curso, e tendo a primeira defensora do arguido sido notificada do despacho de acusação pública, o prazo para requerer abertura de instrução já se encontra precludido, pelo se indefere o requerido pelo arguido.
Notifique.
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Por estar em tempo, admito a contestação, bem como o rol de testemunhas e documentos que a acompanham, apresentada pelo arguido (cf. artigo 315.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
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Para audiência de julgamento designo o dia 18 de setembro de 2023, pelas 9.30 horas.
Ao abrigo do disposto no art. 312º, nº 2 do Código de Processo Penal, para a realização da audiência em caso de adiamento nos termos do art. 333º, nº1, ou para a audição da arguida a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado ao abrigo do disposto no art. 333º, nº 3, do mesmo diploma legal, designa-se desde já o dia 25 de setembro de 2023, pelas 9.30 horas.
Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 312.º, n.º4, do Código de Processo Penal e 151.º, n.º2, do Código de Processo Civil, notifique o(s) ilustre(s) advogado(s) para, em 5 dias, querendo evitar sobreposição com outros atos judiciais a que tenham obrigação de comparecer, indicar datas alternativas com dilação não superior a 15 dias em relação às já designadas e de que, nada sendo dito, consideram-se aceites aquelas datas.
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(…)” – destacado e sublinhado da nossa autoria;
26) Em 22/06/2023 foi expedida notificação para a defensora do arguido (Dra. CC) de todo o conteúdo do despacho antecedente, informando ainda sobre as datas designadas para julgamento (referência 449761678);
27) Por requerimento apresentado em 05/07/2023, a defensora do arguido veio alegar que o arguido não ofereceu qualquer contestação nem nenhum rol de testemunhas ou sequer a fez acompanhar de quaisquer documentos; mais alegou uma série de razões pelas quais entende que a acusação pública deduzida contra o arguido deverá ser rejeitada e determinado a devolução dos autos à fase do inquérito para posterior correção da acusação pelo MºPº;
28) Por despacho de 09/07/2023 a Sra. Juiz recusada admitiu ter ocorrido manifesto lapso no seu despacho antecedente, porquanto o arguido não apresentou contestação nem arrolou prova, dando sem efeito o referido segmento do despacho transcrito em 25) (referência 450245382);
29) Em 01/09/2023, o arguido apresentou o requerimento de recusa de juiz, por si próprio subscrito, supratranscrito;
30) Em 13/09/2023 foi expedida notificação à defensora do arguido, Dra. CC, de todo o conteúdo do despacho judicial sobre o pedido de recusa subscrito pelo arguido, com a referência 451556526, supratranscrito – cfr. referência 451607826;
31) Em 14/09/2023 a Sra. Juiz recusada proferiu despacho do seguinte teor: “Considerando que não é previsível que até aos dias 18 e 25 de setembro, datas designadas para a realização da audiência de julgamento, esteja decidido pelo Venerando Tribunal da Relação o incidente suscitado pelo arguido, dou as mesmas sem efeito, evitando-se, assim a deslocação inútil dos intervenientes processuais. Por ora, atento o disposto no artigo 45.º do Código de Processo Penal, não se designa nova data para a realização da referida diligência. Notifique e desconvoque” (referência 451666634);
32) Em 14/09/2023 a secretaria judicial expediu notificação para a Sra. Dra. CC de todo o conteúdo do despacho referido em 31) (referência 451687939);
33) A Sra. Advogada Dra. CC considera-se notificada do despacho referido em 31), em 18/09/2023 – cfr. art. 113º nºs 1 b) e 2 do CPP;
34) Em data que se desconhece, a Sra. Dra. CC formulou pedido de escusa junto da Ordem dos Advogados;
35) Em 14/09/2023 a Ordem dos Advogados remeteu aos serviços do MºPº o ofício nº 9044715 com o seguinte teor: “Com referência ao processo em epígrafe, comunicamos a V. Exª que os motivos apresentados pelo Sr. Dr(a) CC, são considerados justificativos de dispensa e que em substituição se nomeia o(a) Senhor(a) Advogado(a): Dr(a) GG, C.P. nº ... com domicílio profissional sito na: R ..., ... ... ...; Contacto: ...20”;
36) Em 29/09/2023, este Tribunal da Relação ordenou a notificação do arguido para, em 10 dias, juntar aos autos procuração por si subscrita a favor de advogado e ratificação do processado pelo mandatário, ou, em alternativa, requerimento do defensor nomeado nos autos subscrevendo/ratificando o processado, tudo com a cominação prevista na parte final do art. 41º do CPC, aplicável ex vi do art. 4º do CPP (referência 17268994);
37) Essa notificação foi expedida para a morada do arguido por carta simples com Prova de Depósito (referência 17303530);
38) A Prova do Depósito encontra-se datada de 03/10/2023 (referência 371608);
39) Em data não apurada, a Sra. Advogada Dra. GG pediu escusa junto da Ordem dos Advogados, a qual foi deferida e, em 11/10/2023 foi indicado para defensor o Sr. Advogado Dr. HH;
40) No mesmo dia 11/10/2023, a secretaria judicial expediu notificação para a morada profissional do Sr. Dr. HH com o seguinte teor:” Assunto: Nomeação Fica V. Ex.ª notificado, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados: De que, ao abrigo do n.º 3 do art.º 64º do C. P. Penal, foi nomeado nos autos acima indicados defensor oficioso ao Arguido AA, residente na Rua ..., ... .... Anexa-se a acusação e o despacho que a recebeu. Mais se informa que foi remetido ao Tribunal da Relação do Porto apenso com cópias de todos os despachos, promoções e requerimentos apresentados pelo arguido para decisão do incidente de recusa suscitado pelo mesmo “. (A presente notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja – art.º 113º do C. P. Penal);
41) O Dr. HH considera-se notificado em 16/10/2023 – cfr. arts. 113º nºs 1 b) e 2 do CPP;
42) Em data não apurada, o Sr. Advogado Dr. HH pediu escusa junto da Ordem dos Advogados a qual foi deferida e, em 18/10/2023 foi indicado para defensor o Sr. Advogado Dr. II;
43) Em 20/10/2023 a secretaria judicial expediu notificação ao Sr. Advogado Dr. II informando-o da nomeação;
44) Na sequência da notificação referida em 36) a 38), nada foi requerido ou junto aos autos.
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Apreciação do pedido
Nos presentes autos, coloca-se a questão de saber se o arguido pode por si só apresentar requerimento de recusa de juiz e se, apresentado nestes termos, deve ser ratificado o processado por parte do seu defensor (ou por mandatário judicial que, entretanto, o arguido venha a constituir).
O art. 62º nº 1 do CPP estabelece que o arguido pode constituir advogado em qualquer altura do processo.
Nos casos em que a lei impõe a assistência do defensor, é obrigatória a sua nomeação, se o arguido não tiver advogado constituído nem defensor já nomeado (art. 64º), sendo entre elas na audiência (cfr. nº 1, alínea c) parte final), nos recursos ordinários ou extraordinários (cfr. nº 1, alínea e)) e nos demais casos que a lei determinar (cfr. nº 1 alínea h)).
A nomeação de defensor é notificada ao arguido e ao defensor quando não estiverem presentes no ato – cfr. art. 66º nº 1 do CPP.
No caso destes autos, no despacho de acusação consta ter sido nomeada (sob indicação da O.A.) como defensora ao arguido a Sra. Dra. DD – cfr. art. 64º nº 3 do CPP.
O nº 4 do art. 66º do mesmo Código dispõe que enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo.

Na sequência de vários pedidos de substituição do defensor efetuados pelo arguido junto da Ordem dos Advogados por fundamentos vários, apesar de ter (novo) defensor nomeado desde 22/05/2023 (Dra. CC), remetidos que foram os autos para a fase do julgamento (cfr. art. 311º do CPP), o arguido AA em 01/09/2023 veio apresentar requerimento por si subscrito, de recusa da Sra. Juiz que irá presidir à audiência de julgamento.
A Sra. Juiz visada pronunciou-se sobre a recusa em 12/09/2023 nos termos supratranscritos (referência 451556526).
A secretaria judicial expediu notificação, em 13/09/2023, de todo o conteúdo do despacho proferido pela Sra. Juiz sobre o pedido de recusa, para a defensora do arguido (Dra. CC) ainda em exercício de funções na data em que aquele pedido foi apresentado (01/09/2023), considerando-se a defensora notificada de tal despacho em 18/09/2023 - cfr. art. 113º nºs 1 b) e 2 do CPP; e em 14/09/2023, a secretaria judicial expediu notificação para a mesma Sra. Dra. CC de todo o conteúdo do despacho judicial referido em 31), dando sem efeito as datas designadas para julgamento, por considerar não ser previsível que até lá, este Tribunal da Relação tenha decidido o incidente suscitado pelo (próprio) arguido.
A Sra. Advogada Dra. CC considera-se notificada deste último despacho no mesmo dia 18/09/2023 – cfr. art. 113º nºs 1 b) e 2 do CPP.
Mas, em data não apurada, a Sra. Dra. CC havia já formulado pedido de escusa junto da Ordem dos Advogados, o qual tendo sido deferido, deu origem à indicação (pela Ordem dos Advogados) de nova defensora em 14/09/2023 (Dra. GG).
Desconhece-se, por não constar dos autos, se a secretaria judicial expediu alguma notificação para a Sra. Dra. GG informando-a da sua nomeação como defensora do arguido – cfr. 66º nºs 1 e 4 do CPP.
O certo é que em 05/10/2023, a Sra. Dra. GG juntou aos autos requerimento onde informa que “apresentou pedido de escusa junto do órgão competente da Ordem dos Advogados, estando a aguardar decisão”, o que indicia que a referida Advogada terá tido conhecimento de tal nomeação por qualquer outro meio.
O pedido de escusa formulado pela Dra. GG em data que se desconhece, foi deferido pela Delegação de Oliveira de Azeméis da Ordem dos Advogados, que em 11/10/2023, através do Ofício nº ...23..., informou os serviços do MºPº de que “…na sequência do pedido de escusa da Sra. Dra. GG, informa-se V. Exa. que, o mesmo foi deferido, com nova nomeação “.
E em 11/10/2023, a Delegação de Oliveira de Azeméis da Ordem dos Advogados nomeou novo defensor ao arguido (Dr. HH).
O Dr. HH considera-se notificado desta nomeação em 16/10/2023 expedida pela secretaria judicial, bem como da acusação pública, do despacho que a recebeu e do pedido de recusa e demais peças processuais respeitantes a este pedido, remetidas a este Tribunal da Relação – cfr. arts. 113º nºs 1 b) e 2 do CPP.
Ora, por despacho proferido por este Tribunal da Relação em 29/09/2023, ordenou-se a notificação do arguido para juntar aos autos procuração forense por si subscrita e ratificação pelo mandatário do requerimento de recusa subscrito por aquele ou, em alternativa, para apresentar requerimento subscrito pelo defensor nomeado subscrevendo/ratificando o requerimento de recusa (da autoria do arguido) da Sra. Juiz a quo.
O arguido AA considera-se notificado deste despacho em 08/10/2023, uma vez que da Prova de Depósito consta a data de 03/10/2023 (referência 371608) – cfr. art. 113º nº 3 do CPP.
De modo que em 08/10/2023, nem a Sra. Dra. GG que manteve funções como defensora do arguido pelo menos até 11/10/2023, nem o Sr. Dr. HH que, em substituição da mesma, passou a exercer funções como defensor do arguido pelo menos a partir de 16/10/2023 e nas quais se manteve até à notificação que se considera efetuada em 23/10/2023 de nomeação do novo defensor ao arguido (Dr. II), vieram subscrever o pedido de recusa da Sra. Juiz apresentado pelo arguido em nome próprio em 01/09/2023, nem o arguido juntou aos autos procuração por si assinada a favor de advogado nem um eventual mandatário veio ratificar o pedido de recusa no prazo de 10 dias concedido por este Tribunal da Relação, sendo que tal prazo terminava em 18/10/2023, ou em 23/10/2023, nos termos previstos no art. 107º-A do CPP, acrescido do pagamento de multa.
Só em 23/10/2023, o novo defensor, Dr. II, se considera notificado da sua nomeação como defensor do arguido – cfr. art. 113º nº 2 do CPP.
Mas nem fora do prazo concedido por este Tribunal ad quem, foi apresentado qualquer requerimento pelo Sr. Advogado Dr. II declarando subscrever o requerimento de recusa a Sra. Juiz.
Aqui chegados, temos um requerimento de recusa de juiz formulado pelo arguido no processo e por ele assinado, desacompanhado de defensor ou de mandatário judicial constituído.
O art. 32º da CRP que tem por epígrafe «Garantias de processo criminal» dispõe que “1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. 3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os atos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória “.
Como se reconhece no Ac. do STJ de 30/10/2003([1]), “No incidente de recusa cruzam-se a matéria de facto (estabelecer os factos invocados como fundamento da recusa) e a matéria de direito (qualificação daqueles factos como motivo sério e grave e adequado a gerar desconfiança sobre a intervenção do juiz no processo) (…)”.
É certo ainda que o art. 52º nº 1 da CRP prevê o direito de petição tendo em vista permitir ao arguido, através da sua intervenção pessoal, que a autoridade judiciária possa tomar conhecimento de elementos relevantes para a sua defesa. Todavia, este direito não pode colidir nem substituir a intervenção de advogado nos atos processuais consagrados na lei processual penal, como resulta do transcrito nº 1 do art. 32º da CRP no segmento que diz «especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória».
O nº 1 do art. 98º do CPP estabelece que “O arguido, ainda que em liberdade, pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. As exposições, memoriais requerimentos do arguido são sempre integrados nos autos “– destacado e sublinhado nossos.
Em comentário a esta norma, ensina Henriques Gaspar([2]) que “A norma tem uma função relevante, permitindo que através de intervenções pessoais do arguido, «que são sempre integradas nos autos», a autoridade judiciária possa tomar conhecimento de elementos relevantes para a defesa do arguido; a prática revela, por vezes, que a intervenção pessoal do arguido, dirigindo-se diretamente ao juiz, permite que este se aperceba de situações de «carência de defesa», exigindo-lhe a intervenção adequada”.
Também para Tiago Caiado Milheiro([3]), as exposições, memoriais e requerimentos apresentados pelo arguido por motu próprio não necessitam ser assinadas pelo defensor ou ratificadas por este para que sejam válidas, desde que não consistam na prática de «atos processuais tipificados» que envolvam questões jurídicas, como é precisamente o caso do requerimento de recusa de juiz (cfr. arts. 43º e 44º do CPP).
Referindo-se ainda ao direito constitucional de petição previsto no art. 52º da CRP, decidiu-se no Ac. do STJ de 25/09/2008, no proc. nº 2300/08 da 3ª Secção([4]) que “…tal direito de petição não serve para que o arguido substitua a intervenção do respetivo advogado, devendo ser assistido por defensor em todos os atos processuais em que participar, nomeadamente naqueles em que se colocam especiais exigências de rigor jurídico” – destacado nosso.
Como se escreveu no Ac. da R.C. de 03/06/2015([5]), que se segue, “…a faculdade que o arguido tem de intervir no processo e de se dirigir diretamente à autoridade judiciária transmitindo informações ou formulando petições que considere relevantes para o exercício do seu direito de defesa, constitucionalmente consagrado no artº 32º nº1 da Constituição, dirige-se essencialmente à consagração do princípio do direito de intervenção probatória, e não serve - não pode servir - para que substitua o seu defensor, que o deve acompanhar obrigatoriamente nos actos a que se reporta o nº1 do art. 64º do CPP, designadamente desde que contra si seja deduzida acusação, nº 2([6]) do mesmo preceito legal”.
Acima já se disse que no art. 64º do CPP vêm previstas as situações em que é obrigatória a assistência de defensor ao arguido, não constando aí expressamente referido o requerimento de recusa de juiz.
No entanto tal preceito contém uma norma em branco no seu nº 1 h). O que quer dizer que podem existir outras normas processuais previstas no CPP ou noutro diploma que prevejam situações distintas das elencadas no art. 64º como sendo motivo de assistência obrigatória de advogado.
E é o caso do art. 40º do CPC onde também se referem os casos em que é obrigatória a constituição de advogado.
Ora da conjugação do disposto no seu nº 1 c), parte final, no segmento «nas causas propostas nos tribunais superiores» aplicável ex vi do art. 4º do CPP, com o disposto no art. 45º nº 1 a) do CPP («o requerimento de recusa dever apresentado perante o tribunal imediatamente superior»), resulta precisamente que o requerimento de recusa de juiz tem que obrigatoriamente ser subscrito por advogado ou pelo defensor nomeado ao arguido.
O que significa que ainda que o arguido se socorresse do disposto no art. 98º nº 1 do CPP, que não foi o que sucedeu no presente caso, não dispunha de legitimidade para pessoalmente suscitar questões de direito como sucede no requerimento de recusa de juiz. É o que resulta da norma paralela do nº 2 do art. 40º do CPC onde se refere que as próprias partes podem fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito.
E isto vale também para as situações em que o próprio arguido exerce a profissão de advogado, sendo proibida a autodefesa, como vem sendo pacificamente aceite na jurisprudência e parece resultar, no que para o caso destes autos interessa, do Ac. de fixação de Jurisprudência do STJ nº 16/2016([7]) que decidiu que “Nos termos do art. 70º nº 1, do CPP, o ofendido que seja advogado e pretenda constituir-se assistente, em processo penal, tem de estar representado nos autos por outro advogado”.
Isto para concluir, nas palavras de José Alfredo Gameira Costa([8]) que “…o respeito pelo estatuto do arguido deve ser conseguido através da efetividade da defesa técnica, ultrapassando os interesses do próprio arguido em concreto, pois os princípios que norteiam o processo penal devem ser preservados, até mesmo contra a vontade do arguido. (…). Portanto, a nossa lei processual penal impõe que o arguido tenha obrigatoriamente um defensor nas situações descritas do artigo 64º do CPP, e não é admissível a defesa pelo próprio arguido, ou seja, ele não pode prescindir do advogado e assumir a própria defesa, por mais qualificado que seja. O que nos leva a concluir que a nossa lei adjetiva penal impõe a defesa técnica nos termos dos artigos 61º nº 1, alínea e), 62º e 64º, do CPP, não obstante o disposto no referido artigo 6º, nº 3, alínea c), da CEDH, e que, como vimos, tem sido entendido pelo TC([9] como perfeitamente harmónico com a CRP “.
Em suma, quando a recusa de juiz é requerida pelo arguido motu próprio no processo (já após o despacho previsto no art. 311º do CPP) nos termos do art. 43º nº 3 do CPP e, dado que em tal requerimento (enquanto ato processual tipificado) se suscitam questões técnicas – cfr. art. 43º nºs 1 e 2 do CPP - é sempre necessária a intervenção de advogado ou do defensor nomeado, conforme o disposto nos arts. 64º nº 1 h) do CPP («Nos demais casos que a lei determinar») e 40º nºs 1 c) parte final e 2 parte final do CPC, aplicáveis ex vi do art. 4º do CPP.
Neste sentido, decidiu o Ac. da R.E. de 21/05/2019([10]) aqui aplicável com as devidas adaptações (e por maioria de razão, visto que o aqui arguido requerente, que se conheça, não exerce a profissão de advogado) dizendo a dado passo que “Assim sendo e atenta a mencionada orientação jurisprudencial que se perfilha de que, no processo penal, o arguido que é advogado não se pode auto representar na prática de atos que a lei reserva ao defensor, impõe-se concluir, tal como propugnado pelo Exm.º PGA, que o arguido-advogado, não pode, sozinho, sem a intervenção de mandatário/defensor, formular pedido de recusa de juiz “.

E isto sucede porque como se enunciou no Ac. da R.C. de 25/06/2008([11]), “A obrigatoriedade de defensor em determinados actos do processo tem uma função de garantia, de controlo da legalidade dos actos e de assistência técnica ao arguido, possibilitando que este esteja perfeitamente informado dos seus direitos e deveres e das consequências dos seus actos no processo (Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. I, 4ª Ed., 308)“.
Aqui chegados e concluindo como no citado Ac. da R.E. de 21/09/2019, nos presentes autos, tendo o incidente de recusa da Sra. Juiz que irá presidir ao julgamento sido deduzido pelo arguido em nome próprio, desacompanhado de mandatário judicial constituído ou por este posteriormente subscrito ou do(s) defensor(es) nomeado(s) que o representa, que não subscreveu tal requerimento de recusa e, sendo obrigatória a intervenção de advogado nesse incidente, há que concluir pela inadmissibilidade do incidente suscitado.
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III – DECISÃO
Pelo exposto este Tribunal da Relação do Porto decide não admitir o incidente de recusa de juiz suscitado pelo arguido AA.

Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC – cfr. art. 6º nº 1 do RCP, com referência à Tabela II anexa ao mesmo diploma legal, ex vi do art. 524º do CPP.

Notifique – art. 425º nº 6 do CPP – e dê imediato conhecimento da decisão nos autos principais.



Porto, 08/11/2023
Lígia Trovão
Raúl Esteves
Pedro Afonso Lucas
___________
[1] Cfr. proc. nº 03P3469, relatado por Simas Santos, acedido in www.dgsi.pt
[2] Cfr. CPP Comentado, 2016, 2ª Edição Revista, pág. 297.
[3] Cfr. Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, pág. 1056.
[4] Citado no CPP Comentado, 2016, 2ª Edição Revista, págs. 297 e 298.
[5] Cfr. proc. nº 2320/12.2TALRA-A.C1, relatado por Cacilda Sena, acedido in www.dgsi.pt
[6] Actual nº 3 do art. 64º do CPP.
[7] Publicado no D.R. nº 233, I Série de 06/12/2016
[8] Cfr. “Exposições, Memoriais e Requerimentos Ipso facto Auto-Representação Judiciária” publicado na Revista do MºPº nº 154, Abril-Junho de 2018, págs. 194 e 201.
[9] Cfr. Ac. do T.C. nº 578/01 de 18 /12/2001, proferido no proc. nº 58/2001, 2ª Secção, relatado por Bravo Serra.
[10] Cfr. proc. nº 76/19.7YREVR, relatado por Fátima Bernardes, acedido in www.dgsi.pt
[11] Cfr. proc. nº 850/03.6TACBR.C1, relatado por Heitor Vasques Osório, acedido in www.dgsi.pt