EMBARGOS DE EXECUTADO
CONVITE A APERFEIÇOAMENTO DE ARTICULADO
OMISSÃO
INTEGRAÇÃO DOS EXECUTADOS NO PERSI
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DE PROVA
PROVA BASTANTE
Sumário

1.–O excesso de pronúncia de facto pode ser enfrentado pelo tribunal ad quem, mesmo nos quadros do art. 662.º do Cód. Proc. Civil, mediante a mera desconsideração do facto não adquirido processualmente objeto de pronúncia. Expurgado este facto, a causa será decidida sem o ter por fundamento.

2.–A pronúncia de facto excessiva é irrelevante, invariavelmente, quando a decisão é de não prova da factualidade não validamente adquirida pelo processo (art. 5.º do Cód. Proc. Civil).

3.–Nos casos em que a decisão da causa não se funda na não alegação de um facto essencial (à luz de uma das soluções plausíveis para a questão de direito), e que, em via de recurso, o tribunal da Relação entende não enfermar ela de erro de julgamento de mérito, a inexistência de um convite ao aperfeiçoamento do articulado (com vista à alegação daquele facto) não fere a sentença de nenhum vício.

4.–Assim é, desde logo, porque, proferida a sentença, a anomalia designada de “omissão de convite ao aperfeiçoamento do articulado” consubstancia-se na prolação de uma decisão final sem contraditório, e não (abstraindo-nos da ulterior prolação da decisão-surpresa) na efetiva omissão de um ato processual em fase anterior. Inexiste omissão de contraditório prévio à decisão; o que existe é uma decisão sem o contraditório prévio devido.

5.–A cópia da carta elaborada pela instituição de crédito na qual esta declara que incluiu o mutuário num PERSI constitui prova bastante da elaboração dessa carta e constitui princípio de prova do seu alegado envio ao mutuário. Esta cópia não constitui prova bastante, por si só, de tal envio.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


A. Relatório


A.A.- Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

Por apenso à execução que lhes move LIP S.A.R.L., RP e IV deduziram os presentes embargos de executado, pedindo que “se determine a extinção da execução quanto [aos executados] (…), absolvendo-[os] da instância executiva”.
Para tanto, alegaram que:
a) estão reunidos os pressupostos para a integração dos embargantes e do débito exequendo num PERSI (Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro);
b) a instituição de crédito mutuante nunca integrou os embargantes num PERSI;
c) por esta razão, a instituição de crédito mutuante não podia ter cedido o seu crédito à embargada nem esta podia ter instaurado a presente execução;
d) a omissão de integração do mutuário num PERSI constitui uma exceção dilatória insuprível;
e) a mora dos embargantes não foi convertida em incumprimento definitivo;
f) o banco cedente não interpelou previamente os embargantes para o pagamento da totalidade da quantia mutuada e respetivos juros contratuais.
Notificada a embargada, ofereceu esta a sua contestação, alegando:
a) não estar sujeita à obrigatoriedade de desenvolver um PERSI, não lhe sendo oponível o incumprimento de tal obrigação pela cedente do seu crédito;
b) ter enviado aos embargantes cartas de interpelação.

Por sentença final, o tribunal a quo julgou os embargos procedentes, concluindo nos seguintes termos: “Julgo extinta a execução, absolvendo-se os executados da instância executiva”.
Inconformada, a embargada apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
E.- No seguimento dos contratos de mútuo celebrados e incumpridos pelos recorridos, foram os mesmos integrados em PERSI (…).
G.- A decisão prolatada pelo tribunal a quo não julgou provado o envio de tais comunicações [de inclusão no PERSI], designadamente, por falta de prova documental que o atestasse. (…)
L.- A comunicação enviada em carta para os recorridos consubstancia comunicação em suporte duradouro. (…)
Q.- Sendo que constitui prova bastante do cumprimento da exigência de integração em PERSI a junção de cópia das comunicações exigidas por lei.
U.- Conheceu ainda o tribunal a quo acerca da não comunicação do encerramento do PERSI. (…)
X.- Novamente, sem que tenha sido suscitado em qualquer outro momento processual, pelas partes, ou até pelo próprio tribunal.
Y.- Pelo que não teve a recorrente oportunidade de se pronunciar sobre tal factualidade e que é essencial à boa decisão da causa.
Z.- Estamos, pois, na presença de uma decisão-surpresa, proibida pelo art.º 3.º, n.º 3 do C.P.C., por contender com um dos princípio basilares do nosso ordenamento jus-processual – o princípio do Contraditório. (…)
DD.- Designadamente, está em causa a nulidade da sentença proferida, nos termos do art. 615.º, n.º 1, d), do Cód. Proc. Civil.
Os apelados contra-alegaram, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.

A.B.- Questões que ao tribunal cumpre solucionar
Das duas questões suscitadas pela apelante, tem precedência lógica a arguição de nulidade da sentença, por, supostamente constituir, em parte, uma decisão-surpresa.
A segunda questão a enfrentar prende-se com a prova bastante do cumprimento da exigência de integração dos mutuários num PERSI.
*

B.Fundamentação

B.A.Factos provados
1.- Titularidade do crédito exequendo
A.- A LIP S.A.R.L., (…) celebrou com o NB, S.A. um “Contrato de Cessão de Créditos”, em 22 de dezembro de 2018, mediante o qual a referida entidade cedeu (…) os créditos que aquela instituição bancária detinha sobre os executados.
B.- O NB, S.A., (…) [tem por] objeto social (…) a “Administração de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do BES, S.A. para o NB, S.A., e desenvolvimento das atividades transferidas (…)”.
C.- A exequente é dona e legítima portadora de uma livrança preenchida pelo montante de € 5.362,49 (…).
D.- A referida livrança foi subscrita por RP e IV, aqui embargantes, vencida em 01/10/2021.
E.- Tal livrança foi subscrita para garantia da boa execução do contrato de financiamento n.º 03......71, celebrado entre o então BES e os executados em 17/05/2007, com a finalidade de crédito ao consumo.
F.- A exequente é dona e legítima portadora de uma livrança preenchida pelo montante de € 9.706,52 (…).
G.- A referida livrança foi subscrita por RP e IV, aqui embargantes, vencida em 01/10/2021.
H.- Tal livrança foi subscrita para garantia da boa execução do contrato de financiamento n.º 03......68, celebrado entre o então BES e os executados em 19/09/2011, com a finalidade de crédito ao consumo.

2. Exercício do crédito exequendo
I.- A exequente, através de cartas datadas de 23/09/2021, comunicou aos embargantes o preenchimento das livranças e respetivas datas de vencimento.
J.- Os embargantes receberam as cartas referidas em I.
K.- Apresentadas a pagamento na data e local do seu vencimento, as livranças não foram pagas.
L.- Através de cartas datadas de 15/01/2013 e de 07/02/2013, o banco mutuante comunicou aos embargantes a integração no PERSI.

B.B. Arguição de nulidades (vícios processuais)
1.- Excesso de pronúncia de facto
Alegou a apelante que, na sentença, conheceu “o tribunal a quo acerca da não comunicação do encerramento do PERSI.”, sem que esta questão “tenha sido suscitada em qualquer outro momento processual, pelas partes, ou até pelo próprio tribunal”. No entender da embargada, esta pronúncia encerra uma decisão-surpresa, ferindo a sentença de nulidade, por força do disposto no art. 615.º, n.º 1, d), do Cód. Proc. Civil.
Com relevo para a abordagem desta questão, na sentença recorrida, podemos ler:
“Factos não provados:
(…)
2.- Foi comunicado aos embargantes a extinção no PERSI.
(…)
Do Direito
(…)
Por se tratar de regime de implementação de carácter obrigatório (…), vem a nossa jurisprudência entendendo que a demonstração do prévio cumprimento da implementação do PERSI constitui uma exceção dilatória (…). // Cabe, por isso, à instituição de crédito, para além da alegação, a demonstração da implementação e extinção do PERSI. (…)
Não ficou, in casu, demonstrado nos autos que foi comunicado aos clientes bancários a abertura e encerramento do PERSI, pelo que falta uma condição de procedibilidade da execução. Assim, e em conformidade com o exposto, é de absolver os executados da instância (…)”.

Importa começar por notar que o tribunal a quo não fundou a sua decisão na circunstância de figurar entre os factos provados a não comunicação do encerramento do PERSI – até porque este facto negativo não consta do leque de factos provados. Sustentou, sim, a sua decisão na circunstância de não figurar entre os factos provados tal comunicação – isto é, não ficou provado o facto positivo. Na sua dimensão de facto, a pronúncia do tribunal sobre a comunicação do encerramento do PERSI é, por conseguinte, totalmente inconsequente, podendo ser suprimida da sentença sem nenhuma repercussão sobre a sorte do litígio
O excesso de pronúncia de facto pode ser enfrentado pelo tribunal ad quem, mesmo nos quadros do art. 662.º do Cód. Proc. Civil, mediante a mera desconsideração do facto objeto de pronúncia não adquirido processualmente (art. 5.º do Cód. Proc. Civil). Expurgado este facto, a causa será decidida sem o ter por fundamento e, se, efetivamente, nele tiver assentado a decisão de mérito, será proferida decisão de sentido contrário. De outro modo, fica demonstrada a irrelevância da pronúncia em questão.
E tal pronúncia excessiva irrelevante ocorre, invariavelmente, quando a decisão de facto é de não prova de um facto não validamente adquirido pelo processo pelos meios previstos no art. 5.º do Cód. Proc. Civil. Neste caso, a decisão de facto não é nula, enfermando, sim, a sentença que a corporiza de uma mera irregularidade, pois inclui um enunciado irrelevante para a sua decisão – à semelhança do que sucederia se entre os factos não provados constasse que o embargante não é adepto do Clube de Futebol de Madrid ou que os embargantes tiveram um filho varão.

2. Omissão do convite ao aperfeiçoamento do articulado
Poder-se-á sustentar que o facto não alegado em causa é relevante para a sorte da ação. No entanto, se assim é, o problema em discussão já não reside na pronúncia do tribunal, mas sim na não articulação de ta facto pela parte onerada com a sua alegação e prova. Ou seja, o problema será já o de preterição do dever de convite (à embargada) ao aperfeiçoamento do seu articulado, mediante a alegação do facto dito essencial supostamente em falta.
Apenas nos casos em que a decisão do caso assenta na não verificação dos factos essenciais não alegados se pode afirmar a ocorrência da omissão do dever de convite ao aperfeiçoamento do articulado. Não sendo este o caso, o convite é inútil, não se podendo dizer, em rigor, que existe uma insuficiência ou imprecisão na articulação da matéria de facto relevante para a concreta correta decisão da causa.
Ou seja, nos casos em que a decisão da causa assenta em diferente fundamento – não assentando na não alegação (ou não ocorrência) do facto não articulado –, e que, em via de recurso, o tribunal da Relação entende não enfermar ela de erro de julgamento de mérito, a dita omissão do convite ao aperfeiçoamento do articulado – que seria motivado pela relevância do facto à luz de uma solução plausível para a questão de direito não adotada – não fere a sentença de nenhum vício. Assim é, desde logo, porque a anomalia designada de “omissão de convite ao aperfeiçoamento do articulado” consubstancia-se na prolação de uma decisão sem contraditório, e não (abstraindo-nos da ulterior prolação da decisão-surpresa) na efetiva omissão de um ato processual em fase anterior. Inexiste omissão de contraditório prévio à decisão; o que existe é uma decisão sem o contraditório prévio devido.
Importa, pois, verificar se a decisão impugnada assentou, efetivamente, na não ocorrência do facto em questão – isto é, na não comunicação do encerramento do PERSI.

3.Não viciação da decisão
Tal como emerge da transcrição da sentença acima vertida, o tribunal a quo considerou que cabe ao credor, “para além da alegação, a demonstração da implementação e extinção do PERSI”. Considerou, ainda, que não ficou “demonstrado nos autos que foi comunicado aos clientes bancários a abertura e encerramento do PERSI”.
Resulta claro desta fundamentação que a falta de qualquer uma das comunicações referidas é suficiente, por si só, para que se considere ter ocorrido um incumprimento do regime do PERSI, imperativamente estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro. O mesmo é dizer que a sentença não assentou no facto não alegado, como premissa menor (sine qua non) do seu silogismo. Este silogismo sobrevive incólume à supressão da referência à falta de comunicação do encerramento do PERSI, pelo que não se pode dizer que a sua conclusão (decisão) assenta em tal circunstância.
Em suma, a inexistência de um convite à alegação da comunicação da extinção do PERSI não fere de nulidade a sentença. Sendo considerados fundamentos de facto distintos (autónomos) e suficientes (cada um) para a sustentação da decisão proferida, bastará a verificação de um deles para que a sentença não enferme de vício na sua fundamentação. A sentença apelada não é nula, nem por excesso de pronúncia de facto, nem por encerrar uma decisão-surpresa sobre uma questão relevante.

B.C. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
1.- Matéria de facto dada por não provada
Tal como referimos na enunciação das questões a resolver, a apelante pretende, no essencial, que se dê por provada  que as cartas datadas de 15 de janeiro de 2013 e de 7 de fevereiro 2013, elaboradas pela instituição de crédito mutuante, foram enviadas e rececionadas pelos embargantes. O tribunal a quo deu por não provados os seguintes factos:
1.- As cartas referidas em L foram enviadas e rececionadas.
2.- Foi comunicado aos embargantes a extinção no PERSI.
Está, pois, em discussão, no essencial, o ponto 1. dos factos não provados.

2.Motivação da convicção apresentada pelo tribunal ‘a quo’
O tribunal a quo motivou a sua convicção, no que respeita ao envio das comunicações de inclusão dos embargantes no PERSI, nos seguintes termos:
Pontos 1 e 2 dos factos não provados – ausência de prova, nomeadamente documental, que comprove o envio e receção das cartas, não tendo sido juntos documentos referentes à comunicação da extinção do PERSI.

3.Análise da prova processualmente adquirida
Entende a apelante “que constitui prova bastante do cumprimento da exigência de integração em PERSI a junção de cópia das comunicações exigidas por lei”. Não está, pois, em causa a satisfação de uma determinada forma para a comunicação, mas apenas a prova da existência dessa comunicação.
Sobre esta questão, já foi entendido por esta secção do Tribunal da Relação de Lisboa, sumariamente, que:
I– A comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da ação, declarativa ou executiva, constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância;
II– A integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro” (…), o que inclui, designadamente, o papel (uma carta remetida pelo correio) ou um e-mail;
III– Coisa distinta é a prova do envio dessas comunicações e da sua receção pelos destinatários, entendendo-se que estão em causa declarações reptícias, nos termos e para os efeitos previstos no art. 224.º do Cód. Civil;
IV– Tendo o tribunal convidado a apelante, instituição de crédito, para que documentasse a abertura, tramitação e encerramento do PERSI e a sua efetiva comunicação aos apelados., devem as cópias das cartas, endereçadas estes, que foram juntas pela apelante. em resposta, ser consideradas como princípio de prova desse envio e receção, podendo aquela fazer prova do facto-indiciário do respetivo envio por meio de testemunhas; (…)” – cfr. o Ac. do TRL de 05-01-2021 (105874/18.0YIPRT.L1-7); sobre o ónus da prova da comunicação e sua satisfação, cfr., ainda os Acs. do TRL de 02-03-2023 (65/22.4T8SNT-A.L1-2), de 20-04-2023 (7817/20.8T8SNT.L1-2) e de 24-11-2022 (21395/17.1T8SNT-A.L1-2), do TRP de 08-06-2022 (4204/20.1T8MAI-A.P1) e do TRC de 08-03-2022 (824/20.2T8ANS.C1).
Este entendimento mantém-se atual, não havendo razões para o recursar, pelo que se reitera que as cópias das cartas elaboradas pela instituição de crédito constituem um princípio de prova da sua remessa aos destinatários. No entanto, inexiste presunção judicial bastante que permita afirmar que todas as cartas elaboradas pelas instituições de crédito são, efetivamente, expedidas, razão pela qual tal elaboração constitui um princípio de prova, mas não prova bastante da sua remessa.
Para se atingir o grau de certeza necessário à prova deste facto, é necessário, ainda, por exemplo, que seja produzido um testemunho que confirme a remessa postal da epístola, que a receção da carta seja confessada pelo mutuário, que seja apresentado um registo de remessa postal ou que seja apresentada uma resposta (escrita) do mutuário cujos dizeres revelam que recebeu a comunicação da sua inclusão no PERSI. Ora, no caso dos autos, apenas foi produzido o referido princípio de prova, inexistindo prova bastante de que as cartas elaboradas pela instituição de crédito foram, efetivamente, remetidas aos embargantes.
Na motivação da apelação, a embargada invoca o Ac. do TRE de 14-10-2021 (2915/18.0T8ENT.E1). No entanto, esta jurisprudência em nada afeta as considerações expendidas, dado que acompanha o entendimento de acordo com o qual as cartas elaboradas pela instituição de crédito constituem um princípio de prova – e apenas constituem um princípio de prova.No mesmo sentido, veja-se, proferido noutro apenso do mesmo processo, o Ac. do TRE de 26-05-2022 (2342/18.0T8ENT-A.E1). Dito de modo a evitar qualquer dúvida, neste último aresto é invocado o Ac. do STJ de 13-04-2021 (1311/19.7T8ENT-B.E1.S1), no qual é afirmado que, não obstante constituir um princípio de prova da sua expedição, “[a] simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constitui, por si só, prova do envio e receção das mesmas pela executada”.
Deve a impugnação da decisão sobre a matéria de facto improceder.

4.Alteração oficiosa da matéria de facto
A apelante sustentou nos autos (ref. 43781615) ter sido efetuada a comunicação da inclusão dos devedores num PERSI (apenas) através do envio das cartas acima descritas. Só este meio de comunicação – isto é, só este facto probatório – integra o objeto do processo. Assim sendo, considerando tal objeto, existe uma contradição entre o ponto L – “Através de cartas datadas de 15/01/2013 e de 07/02/2013, o banco mutuante comunicou aos embargantes a integração no PERSI” – e o primeiro facto dado por não provado – “As cartas referidas em L foram enviadas e rececionadas”. Se a comunicação ocorreu, se tiver ocorrido, por meio do envio de duas cartas – e por nenhum outro meio –, não se demostrando este facto instrumental probatório (envio de cartas), não se poderá dar como provado o facto probando (partilha da informação).
A situação caberia no art. 662.º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Civil, não fora a circunstância de o processo ter todos os elementos necessários à reapreciação da questão, caso em que este tribunal da Relação deve, simplesmente, alterar decisão, por força do n.º 1 do mesmo artigo. É, pois, a coberto do n.º 1 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil que deve ser reapreciado facto provado referido.
A proposição enunciada no ponto L da fundamentação de facto é parcialmente contrariada pela prova produzida. Comunicar significa pôr uma informação em comum ou partilhá-la. Quando se afirma que alguém comunicou a outrem determinada informação, afirma-se que a mensagem foi efetivamente transmitida por um modo que permitiu a sua receção – ou, ao menos, a tanto idóneo.
A expedição das cartas – dada por não provada – é um facto instrumental, sendo o facto essencial a efetiva comunicação – aparentemente dada por provada. Pode acrescentar-se que o emprego de um meio duradouro é uma mera formalidade ad probationem. Resulta do teor da sentença – embora esta conclusão não seja ostensiva – que o tribunal a quo não pretendeu dar por provado que a inclusão dos executados no PERSI lhes foi efetivamente comunicada, mas apenas que a mutuante elaborou as cartas juntas.
Esta anomalia processual aproxima-se bastante de um mero erro de redação (art. 614.º do Cód. Proc. Civil), resultando o enunciado do ponto L de uma deficiente expressão escrita. No entanto, a clareza desse enunciado e a sua correção gramatical impedem-nos que ignorar a inconsistência sinalizada, como se de um mero erro de escrita se tratasse.
Assim, pelas razões já acima expostas – inexistência de prova bastante da comunicação –, altera-se o ponto L da fundamentação de facto acima exarada –, passando este a ter o seguinte conteúdo:
L.– O banco mutuante elaborou os documentos datados de 15 de janeiro de 2013 e de 7 de fevereiro de 2013, juntos aos autos (ref. 43781615) e que aqui se dão por transcritos.
No mais, deve ser mantida a decisão de facto do tribunal a quo, improcedendo a sua impugnação.

B.D. Análise dos factos e aplicação da lei
1.- Do mérito da causa
A sorte do recurso e da lide ficou traçada com a improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Resta-nos reiterar a decisão do tribunal a quo:
“A integração do cliente bancário, em caso de incumprimento de contrato de crédito, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (…), é obrigatória (…). E constitui uma garantia do cliente bancário, nos termos do disposto no art. 18.º, n.º 1, al. b), do referido DL 227/2012, a proibição da instituição de crédito intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento.
Por se tratar de regime de implementação de carácter obrigatório para a instituição de crédito, e que obsta inclusivamente à instauração de ações coercivas enquanto o procedimento não for extinto, vem a nossa jurisprudência entendendo que a demonstração do prévio cumprimento da implementação do PERSI constitui uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, constituindo um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da pretensão exequenda (…). Cabe, por isso, à instituição de crédito, para além da alegação, a demonstração da implementação e extinção do PERSI. (…)
[E]entendemos (…) que o regime instituído pelo DL 227/2012 [é aplicável aos embargantes]. (…) [No caso sub judice, não] ficou (…) demonstrado nos autos que foi comunicado aos clientes bancários a abertura (…) do PERSI, pelo que falta uma condição de procedibilidade da execução”.
2.-Responsabilidade pelas custas
A responsabilidade pelas custas da apelação cabe à apelante, por ter ficado vencida (arts. 527.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).

C.Dispositivo

C.A.- Do mérito do recurso
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão do tribunal a quo.
C.B.- Das custas
Custas da apelação a cargo da apelante.
*
Notifique.


Lisboa (data constante da assinatura eletrónica)


Paulo Ramos de Faria
Alexandra de Castro Rocha
Carlos Oliveira