ACÇÃO DE HONORÁRIOS
PROVAS
LAUDO
Sumário

I- Não é no momento da qualificação dos factos como provados ou não provados que importa ter em conta as regras da distribuição do ónus da prova, pois uma coisa, é a conjugação dos elementos de prova para aferir se são suficientes para considerar provada determinada matéria e outra coisa - diferente – e que se situa no momento posterior – é analisar, de acordo com o ónus da prova, a quem deve ser desfavorável a “não prova” dessa matéria. São momentos que não se podem confundir.
II- O cumprimento da respectiva obrigação, designadamente o pagamento, como facto extintivo do direito de crédito invocado, incumbe ao devedor, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do CC.
III- Tal tal ónus abrange, não apenas a demonstração da entrega da quantia devida, mas também a imputação de tal entrega ao cumprimento da obrigação.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

(…), NIF (…), residente em Rua (…), Lote H4, 1.º andar, Escritório (…), (…), requereu a presente injunção/acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra (…), NIF (…), residente na Urb. (…), Lote P2, 4º - (…), (…) e (…), NIF (…), residente na Urb. (…), Lote P2, 4º - (…), (…);
Pede a condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 4.736,60, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, incluindo despesas.
Alegou, em síntese, ter celebrado com os réus um mandato forense, no âmbito do qual realizou vários serviços constantes da nota de honorários, cujo pagamento os réus incumpriram.
Os Réus contestaram por excepção, alegando o pagamento de todos os serviços prestados, bem como, a desproporção dos valores pedidos.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento da causa.
Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os requeridos do peticionado pelo requerente.

Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso da mesma, formulando as seguintes as conclusões de recurso (transcrição):
«I. O tribunal a quo decidiu julgar a acção improcedente e em consequência absolver os Recorridos do peticionado pelo Recorrente, mais concretamente valores a título de serviços prestados no âmbito do contrato de mandato (serviços de advocacia), não se conformando o Recorrente com tal decisão, pelo que recorre, quer de facto, quer de Direito.
II. No fundo, da leitura da sentença denota-se que o tribunal a quo não entendeu o que efetivamente estaria em causa, julgando de forma errada pois na verdade existiram duas notas de honorários: (a primeira em que o recorrente era advogado-estagiário, junta aos autos, pelos Recorridos, datada de 06 de Setembro de 2016, relativamente a trabalhos decorridos entre 21 de Abril de 2016 e 6 de Setembro de 2016; no valor total no que concerne a honorários: € 4.400,00 mais IVA e a segunda nota de honorários, em que o Recorrente já subscreve como Advogado, datada de 08 de Março de 2018 (após a revogação das procurações por parte dos Recorridos), relativamente a trabalhos prestados a partir de 16 de Setembro de 2016 até à revogação por parte dos Recorridos.
III. Desde logo tendo por referência as datas dos pagamentos confessados pelo Recorrente é ilógico que se reportassem a uma nota e trabalhos posteriores, que não se sabe que irão realizar-se, isso sim contraria as regras da experiência e da normalidade.
IV. Discorda o Recorrente que o Tribunal tenha dado como provado o facto vertido em 4: “O requerente elaborou um contrato de arrendamento e recebeu na hora a quantia de € 750,00 em numerário, valor de um mês de renda”, pois nada é dito na fundamentação quanto a este facto; todavia ouvidas as gravações verificamos que em determinado momento, mais concretamente 1:00:59”a requerida Sofia Silva refere que fez muitos pagamentos, aliás inúmeros pagamentos, entre os quais os ditos € 750,00, referindo que se referiram a um contrato de arrendamento de imóvel em (…).
V. Contudo se atentarmos às declarações da Requerida, dúvidas não existem que a mesma não consegue concretizar quaisquer datas em que fez aos alegados pagamentos, e respectivos montantes, dizendo que foram feitos muitos pagamentos, que cada vez que ia ao gabinete do Recorrente pagava mas que não sabe quanto e quando; tal facto não é corroborado por qualquer testemunha.“1.08.44” – Recorrida “eu sempre lhe paguei tudo …eu sempre paguei tudo … eu nunca lhe fiquei a dever e no dia em que ele disse que estava tudo liquidado eu saí e desisti dos serviços do Dr ….Porque acho que não é isto que quer ouvir… não há perigo, está tudo bem!”.
1.09.20” – Há lá coisas que ele me pede que fui eu que fiz…não está correcto.
1.00.20”- Mmª Juiz - Das vezes que foi ao gabinete pagou sempre?
Cada trabalho que eu lhe fizesse eu tinha que lhe pagar (…) que é o que eu faço agora também…
1:00,40” – Mmª Juiz – Quanto dinheiro se lembra de ter pago?
1:00,42” – Recorrida - Aí Dra. foi muito…muito, foi muito mesmo (…) eu tenho os papéis todos em casa…mas foi muito Dra.
1:00,55” - Mmª Juiz – Aqui refere na sua oposição refere (…) 4 vezes € 250,00, uma vez € 750,00, e uma € 1.300,00 e € 700,00.
1:00,58” – Mmª Juiz - Houve mais valores para além desses.
1:00,59” – Recorrida - Houve…houve alturas que o Dr. Recebia fazia o rabisco e outras vez não. A última vez (…) foi € 500,00 e não fez o rabisco não fez nada.
Em numerário máximo foi € 3.000,00 (…) houve uma vez que eu paguei (…) peço desculpa (…) quase 4 mil e qualquer coisa, outra vez 3 mil, várias vezes mil euros (…) uma vez € 750,00 – contrato de arrendamento, carta que ele fez, depois era aos € 400,00 e € 300,00 (…) uma vez deslocação à EDP € 250,00 (…)”.
VI. Na verdade, entendemos que a pretensão de provar esta forma e circunstancialismo de pagamento, só com base no depoimento dos Recorridos (pessoas com interesse na causa) sem qualquer outro elemento adicional de prova corroborando minimamente essa situação, traduz a afirmação de um facto pouco consistente e que, nesse sentido, não atinge o limiar de uma prova relevante (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-07-2012).
VII. Relativamente aos factos 5, 6, 14 e 15 da douta sentença, também entende o Recorrente que a Mmª Juiz andou mal ao assim considerar, entre outras passagens de julgamento, as declarações prestadas pela própria Recorrida:
0:59:09”– Mmª Juiz - Quantas vezes foi ao escritório (…)
0:59:11” – Recorrida - Eu quantas foi não sei Dra. Em concreto, foram muitas mas não …fui algumas, muitas até, as diligências que foram feitas, o Dr. foi comigo à residência do Sr. (…), fomos um vez a EDP Odemira, (…) 3 vezes a Vila Nova de Mil Fontes (…)
VIII. Ora, é ilógico, e contraria as regras da experiência comum e da normalidade que a Recorrida se tenha deslocado “muitas” vezes ao Escritório do Recorrente e não tenha tido conhecimento do que se passava, dos trâmites dos processos, as diligências realizadas e a realizar, sendo que do discurso da Recorrida não se vislumbra que a mesma tivesse problemas que a impossibilitassem de ser esclarecida, alicerçado à extensa prova documental junta aos autos (e- mails trocados) é claro que o Recorrente ia dando conta à Recorrida do andamento do processo, pelo exposto tais factos não podiam, ter sido dados como não provados. IX. Relativamente aos factos dados como provados no que concerne aos alegados pagamentos, ou seja: 7, 8, 9, 9, 10, 11, 12 e 13, salvo o devido respeito, mal andou o tribunal a quo, ao dar como provados tais factos, errando claramente na apreciação da prova, porquanto, quer das declarações do Recorrente alicerçadas pelo Requerimento de injunção, resposta às exceções e requerimento de 16-04-2021, bem como das declarações prestadas pela Colega de escritório (embora namorada do mesmo), mas que depôs de forma clara e espontânea, dúvidas não subsistem que do trabalho plasmado na 2ª nota de honorários apenas foi pago o valor de € 700,00 (Recorrente: 3:45” – Teve conhecimento se pagaram alguma coisa desta nota?
Testemunha (…) – 3:48” – Sim. Foi pago dessa nota apresentada € 700,00…apenas!
X. Ora, o facto vertido nos pontos 7, 8 e 13, não se vislumbra porque razão o tribunal a quo se alicerçou para dar como provados tais pagamentos: única e exclusivamente da oposição dos Recorridos? Pela mesma ordem de razão ilustrada pelo Ac. acima referido, não basta a parte alegar que pagou para que tal facto se dê como provado.
XI. No que concerne aos pontos 9, 10, 11 e 12, pese embora os mesmos tenham sido declarados pelo Recorrente, a verdade é que os pagamentos id. a 9, 10 e 12 se reportaram à 1ª nota de honorários e não à segunda nota alvo de discussão.
XII. O ponto 11 deveria passar a ter a seguinte redação: “A Requerida em 23 de Maio de 2017 fez um pagamento no valor de € 700,00 (setecentos euros), datado e assinado pelo requerente”.
XIII. Já os pontos 9, 10 e 12 deveriam passar a ter a seguinte redação:
a. “9. Em 14 de Setembro de 2016, os Requeridos pagaram € 3.400,00, que o requerente datou e assinou, relativamente a trabalho prestado vertido na 1ª nota de honorários.
b. 10. Depois fizeram outro pagamento no dia 05 de Dezembro de 2016 no valor de € 1.000,00 (mil euros) que o requerente também datou e assinou, relativamente a trabalho prestado vertido na 1ª nota de honorários.
c. 12. Os Requeridos pagaram ainda € 203,22, relativamente a despesas, referente a trabalho prestado – 1ª nota de honorários”.
XIV. Assim, alterada devidamente a matéria de facto, nos termos supra aludidos, não podia o tribunal decidir como decidiu, mas sim, condenar os Recorridos no pagamento peticionado pelo Recorrente, porquanto dúvidas não subsistem que: o trabalho vertido na 2ª nota de honorários foi elaborado; não foi pago pelos requeridos (apenas € 700,00); tal trabalho corresponde ao valor peticionado (segundo laudos juntos aos autos).
XV. Discorda-se o Recorrente da apreciação efectuada pela Mmª Juiz no que concerne ao depoimento do ora Recorrente: “pouca sinceridade e constrangimento (…) o depoimento aqui mostrou-se muito confuso e inseguro”, pois ao contrário do aqui considerado, o Recorrente expôs de forma clara, objectiva e precisa todos os trabalhos realizados, não demonstrando um discurso confuso e inseguro, desde logo, porque foi o mesmo que desenvolveu todo o processo sendo conhecedor de todos os trâmites, o que foi corroborado pelas testemunhas por si arroladas: Dra. (…) e Dr. (…), à data dos factos Colegas de Profissão e de Escritório.
XVI. Entende-se que o Tribunal descredibilizou erradamente o depoimento do Recorrente, encontrando acolhimento no facto de o mesmo ter assumido pagamentos, e quando indagado se emitiu recibos disse que sim.
XVII. Na verdade, e cfr. supra se alegou, foi a própria recorrida que pediu ao Recorrente para no fim do trabalho pagar o IVA dos valores recebidos, pelo que foi emitido um recibo, aliás junto aos autos pelo próprio Recorrente, pelo que, descredibilizar o seu depoimento por esta razão é certamente desvirtuar a essência probatória no âmbito do processo civil.
XVIII. Ademais, e mais uma vez o tribunal erradamente transparece uma preocupação pelo facto do Recorrente ter recebido € 3.400,00 em numerário, alegando incumprimento, mormente a Lei n.º 92/2017, de 22 de agosto, contudo à data dos factos tal lei não existia, logo nenhuma ilegalidade cometeu o Recorrente, pelo que descredibilizar o seu depoimento por algo que não existe é um erro crasso.
XIX. No que concerne à matéria de Direito, entendemos que mal andou a Mmª Juiz ao considerar que estaríamos perante uma situação de inversão do ónus da prova.
XX. Pois bem, nesta matéria, a regra é no sentido de que o credor tem de provar a celebração do contrato e, consequentemente, as obrigações dele decorrentes, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil; por sua vez, o cumprimento da respectiva obrigação, designadamente o pagamento do montante da renda convencionada, como facto extintivo do direito de crédito invocado, incumbe ao devedor (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC), tanto mais que, em direito, o pagamento não se presume a não ser em casos expressamente previstos na lei (cfr. artigo 786.º do C.C.) e que aqui se não verificam.
XXI. Há, porém, regras especiais de distribuição do ónus de prova para dirimir o non liquet probatório, por via da inversão desse ónus, conforme preceitua o artigo 344.º do Código Civil: um desses casos de inversão do ónus de prova ocorre quando a parte contrária impossibilitou culposamente a prova de determinado facto ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais (cfr. artigo 344.º, n.º 2, do CC e artigo 417.º, n.º 2, do CPC).
XXII. In casu, os pagamentos que existiram foram todos eles pagos em dinheiro (relativamente à 1ª nota de honorários e provisão de € 700,00 da 2ª nota de honorários) e atestados pelo Recorrente; ademais o Recorrente nunca se recusou a informar IBAN aos Recorridos.
XXIII. Estranhamente, o Tribunal entende que a versão dos Recorridos é verdadeira e que os mesmos pagaram tudo, mas não atesta por A + B que pagamentos foram esses e quando ocorreram, não se pronunciando no que concerne às despesas pagas pelo Recorrente (certidão e imposto de selo, com comprovativos juntos aos autos), valor esse que o Recorrente pagou e não recebeu, existindo quanto a esta facto uma clara omissão de pronúncia o que se alega para todos os efeitos legais.
XXIV. Por outro lado, incumbe ao devedor alegar e provar que o credor lhe tornou impossível a prova do pagamento (cfr., neste sentido, o ac. do STJ de 8.5.2008, Jus Net 1900/2008), e não decorre dos autos que os Recorridos estivessem impossibilitados de fazer essa prova, já que lhes seria lícito utilizar qualquer outro meio de prova legalmente admitido (cfr. artigos 341.º e 345.º do CC), o que em não aconteceu.
XXV. Assim sendo, é indiscutível que o ónus da prova do pagamento devia recair sobre os recorridos, pelo que mal andou o tribunal a quo, ao assim considerar, tendo sido violadas as seguintes disposições legais: 342.º e 344.º, ambos do C.C..
Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que a sentença do tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra que condene os Recorridos a pagar ao Recorrente os montantes peticionados no requerimento de injunção.
Porém, Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, fazendo a habitual JUSTIÇA!»
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Factos considerados provados na 1ª instância:
1. O Requerente prestou serviços jurídicos aos requeridos de 28/04/2016 a 13/02/2018.
2. O Requerente é Advogado e no âmbito da sua actividade profissional, foi contratado pelos requeridos, com vista à resolução de situações do foro jurídico (extra-judicial e judicial), tendo emitido a Nota de Honorários e Despesas em 08-03-2018 e vencida a 16-03-2018, no valor de € 4.736,60 (IVA incluído), para a qual se remete e se dá por reproduzida.
3. O Requerente remeteu a respectiva Nota de Honorários e despesas aos requeridos por duas vezes através de carta registada com aviso de recepção tendo as mesmas sido recepcionadas.
4. O requerente elaborou um contrato de arrendamento e recebeu na hora a quantia de € 750,00 em numerário, valor de um mês de renda.
5. A requerida tentou por diversas vezes contactar o requerente via telefone quer para o seu telefone pessoal quer para o escritório e nunca atendeu ou sequer devolveu a chamada mais tarde.
6. Desconhecendo por completo o andamento dos processos ou em que fase se encontravam.
7. E, no início do mandato, cada vez que a requerida se deslocava ao escritório do requerente, pagou as quantias que lhe foram solicitadas por cada vez € 250,00, tendo no início pago 4 vezes essa quantia o que totaliza € 1.000,00 “em numerário” sem lhe terem sido passados os comprovativos desses pagamentos.
8. Para alem desses pagamentos 1.000,00€ nas primeiras vezes que esteve no escritório, pagou também a quantia de € 750,00 pela elaboração do contrato de arrendamento, que o requerente também recebeu e não passou qualquer comprovativo do pagamento.
9. Assim aconteceu em 14 de Setembro de 2016, quando pagou mais o valor de € 3.400,00, que o requerente datou e assinou – provado por confissão – cfr. resposta às excepções.
10. Depois fez outro pagamento no dia 05 de Dezembro de 2016 no valor de € 1.000,00 (mil euros) que o requerente também datou e assinou - provado por confissão – cfr. resposta às excepções.
11. Mais tarde, fez outro pagamento no dia 23 de Maio de 2017 no valor de € 700,00 (setecentos euros), também datado e assinado pelo requerente – provado por confissão – cfr. resposta às excepções.
12. Os Requeridos pagaram ainda € 202,00 – provado por confissão – cfr. resposta às excepções no ponto 16.
13. Em Outubro de 2017, em dia que não sabe precisar, a requerida voltou ao escritório para pagar a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) que lhe foi solicitada e também não lhe foi passado qualquer recibo do recebimento.
14. A requerida fazia perguntas acerca do serviço já prestado e o que havia a fazer de seguida, às quais não obtinha respostas.
15. A falta de comunicação e a consequente desconfiança instalou-se na mente da requerida, quer no que dizia respeito ao trabalho realizado quer na falta de empenho na causa que tinha sido entregue ao sr. Advogado.
16. E, por esses dois motivos, a requerida resolveu escrever a carta datada de 05 de Fevereiro de 2018, solicitando ao requerente que lhe fossem devolvidos os documentos que lhe foram confiados, devolução essa que até a data nunca foi concretizada – provado com recurso ao doc. 2 da oposição, donde tal se retira.
17. Devolução essa que foi também já solicitada pelo seu atual mandatário em 05 de Março de 2018 – provado com recurso ao doc. 3 e 4 da oposição, donde tal se retira.
18. A ordem dos Advogados emitiu laudo favorável à nota de honorários do requerente constante de 2, no valor de € 4.736,60.

Factos considerados não provados na 1ª instância:
A. Até à presente data, os requeridos não procederam ao pagamento ao Requerente, nem reclamaram da Nota de honorários e despesas.
B. O valor dos honorários são os estipulados na tabela afixada no Escritório.
C. Nesse dia, face à lamentação da requerida por ter dificuldades financeiras para poder suportar mais custos, foi-lhe sugerido que vendesse algo bem para suportar as futuras despesas com despesas e honorários.
D. A requerida ficou chocada com o que ouviu, e a partir daí nada mais pagou, por considerar que as quantias já entregues eram mais do que suficientes para pagar as despesas e os serviços prestados pelo requerente.


2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que as questões a decidir (por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil) são as seguintes:
1.ª Questão – Impugnação da matéria de facto: Saber se devem ser alterados os factos 4 a 15 provados.
2.ª Questão – Saber se há obrigação de pagamento.

3 - Análise do recurso.

1.ª Questão – Impugnação da matéria de facto: Saber se devem ser alterados os factos 4 a 15 provados.

É a seguinte a fundamentação da convicção do tribunal quanto à matéria de facto:
«Foram decisivos para a convicção do julgador os seguintes elementos, analisados à luz das regras da experiência comum e segundo juízos lógico-dedutivos.
Valoramos, desde logo, a prova por declarações/depoimento de parte e testemunhal:
O requerente (…) prestou declarações, em termos gerais de pouca sinceridade e constrangimento. Referiu, com relevo, que era ainda advogado-estagiário quando foi contactado para tratar dos assuntos da requerida, tendo na primeira reunião pedido € 100,00, em Abril de 2016. Disse que existiam muitas questões e muito delicadas e que foi tudo resolvido. Referiu que apresentou uma nota de honorários em 2016 que a requerida pagou em dinheiro, em prestações, até dezembro e 2016 – o depoimento aqui mostrou-se muito confuso e inseguro.
Referiu ainda que o trabalho continuou a ser desenvolvido e em 2017 foi agregado na OA, sendo que, nesse ano não houve pagamentos.
Disse ainda que fazia deslocações à GNR, por causa da queixa-crime, para inquirição dos requeridos e ainda para consultar o processo no M.P. Após a requerida comunicar a revogação fez um levantamento das diligências e prestou contas. Disse que a requerida nunca contestou a nota de honorários, nem pagou nada, porque, quando pagava exigia notas do que ele pedia. Referiu ainda que foram emitidos recibos de tudo o que recebeu.
(…), requerido, depôs de modo espontâneo, referindo que tinham sempre que pagar quando lá iam sendo que, na última vez, pagaram € 500,00 e o requerente disse que estava tudo liquidado. Disse que, de seguida, revogaram a procuração porque não percebiam donde vinha este pedido de € 500,00.
Mais disse que a mãe pedia ao requerente uma assinatura, mas ele não passava recibo.
Mais disse que se lembra de ter lá ido 5/6 vezes e que eram sempre 500,00€ a 600,00€.
(…), requerida, depôs de modo espontâneo, referindo que da última vez que lá foi pagou cerca de € 500,00 e ele disse que não era mais nada. Disse que o requerente nunca quis dar o NIB, nem passar recibos, sendo que, qualquer serviço ou deslocação era pago logo. Referi ainda que pagou mais serviços dos que indicou na oposição, mas ele não assinava. A título de exemplo, pagou-lhe da primeira vez € 260,00 e não € 100,00. Num contrato de arrendamento, o requerente ficou com todo o dinheiro da renda, no valor de € 750,00, mas não assinou. Disse que, pese embora, achasse o requerente muito simpático, ele nunca explicava nada sobre os assuntos, limitando-se a dizer que ”está tudo bem”. Disse que, uma das vezes, pagou-lhe para ele fazer uma relação de bens a uma inquilina, ele foi lá e ele nunca lhe deu a relação de bens, sendo que, quando mais tarde a inquilina levou tudo da casa, não conseguiram provar o que lá existia.
Ainda, nunca prestava informações dos processos.
(…) – trabalhou como advogada com o requerente e é sua namorada – descreveu, de modo espontâneo e sincero, o tipo de processos dos requeridos, porém, no que toca a honorários, a sua versão não bate certo com nenhuma das partes – referiu que desta nota de honorários em discussão os requeridos pagaram cerca de € 700,00, sendo depois evasiva quanto a se existiram ou não mais pagamentos.
(…), advogado, colega de escritório do requerente, depôs de modo sincero e espontâneo, referindo que achava que a relação entre as partes era boa, descreveu os processos e diligências a que assistiu, mas frisou que nunca viu os actos de pagamento, sendo que, uma das vezes, o requerente disse à requerida que depois acertavam contas.
(…), num depoimento que demonstrou pouco conhecimento, referiu apenas que a requerida lhe disse que precisava de dinheiro para pagar ao advogado e ele emprestou-lhe, mas não viu o pagamento.
Valoramos ainda a prova documental:
Oposição dos requeridos
• 1ª nota de honorários de 21-04-2016 a 06-06-2016, quanto aos termos e data da mesma. Da sua análise resulta que a mesma foi facturada no valor total de € 4.500,00, sendo que, € 100,00 já teriam sido adiantados a título de honorários. Ora, tal implica ponderação. Por um lado, o seu valor total é de € 4.500,00, estando adiantados € 100,00, pelo que, faltava alegadamente pagar € 4.400,00. Porém, a referida nota tem manuscrita na mesma vários pagamentos no valor de € 3.400,00, € 1.000,00 e € 700,00, assim sendo, perfazendo € 5.100,00 + € 100,00, ou seja, € 5.200,00. Destes valores nenhum recibo foi emitido, contrariamente ao que o requerente referiu em juízo. O único recibo emitido – cfr. Ofício da AT de 08-07-2022 ref.ª10282442 - foi em 22-11-2016, no valo de € 307,50, que, porém, o requerente não abateu a qualquer nota de honorários e que, no texto do recibo, se indica ser a título dos proc. 137/16.4TODM e 1962/16.1T9ODM, sem indicar os serviços, nem a que data se reporta.
A data do recibo, bem como, os processos mencionados e dado que o valor não está mencionado nos termos manuscritos da 1ª nota de honorários, importam a conclusão que este pagamento se referiu à 2ª nota de honorários, em apreço nos autos.
Porém, o mesmo não foi abatido ao valor de honorários da nota final, o que permite concluir, desde logo, que a versão da requerida está correcta, quando referiu que existiram constantes pagamentos não documentados ao longo do mandato, bem como, que o requerente incluiu na nota de honorários serviços já pagos.
Desde logo, seria ilógico e contrário às regras de experiência comum que o requerente aceitasse trabalhar e continuasse a fazê-lo por meses, sem receber qualquer valor à partida e depois por cada um dos actos. A versão da requerida – que em cada deslocação ao escritório pagava pela consulta, que cada acto ou requerimento que o requerente elaborava era antes precedido de pagamento de honorários, bem como, que as deslocações ao M.P. em inquirições, etc., eram precedidas de pagamento – é precisamente a prática forense comum. Sendo a versão do requerente, segundo a qual nada recebeu até à 1ª nota de honorários – apenas € 100,00 de despesas – que não se mostra adequada à lógica ou experiência comum e o depoimento do requerente mostrou-se pouco seguro e constrangido a este propósito.
Assim sendo, criou-se a convicção na veracidade da versão da requerida sobre ter pago tudo o que o requerente lhe pedia, bem como, que todos os actos eram sempre precedidos de pagamento, pelo que, os actos constantes da 2ª nota de honorários haviam sido pagos, sendo que, o requerente recebia tais quantias sem emitir recibo – este ponto, não mereceu dúvida, pois o requerente afirmou em juízo ter emitido recibos de tudo, porém, resulta do ofício da AT que o único recibo emitido o foi num valor – não abatido em nenhum nota de honorários – de € 307,50, sendo que, porém, o mesmo havia recebido, só a título da primeira nota, cerca de € 5.200,00, fora os vários pagamentos não assinados.
Este ponto (falta de recibos), também reforçou a falta de credibilidade da versão do requerente e da veracidade da versão da requerida, que também isto afirmou, sendo que, a mesma afirmou que teve que começar a pedir que o mesmo atestasse por escrito pelo menos o que recebia, mas que, antes este não o fazia, bem como, depois, nas deslocações, etc., também não o fazia.
Cumpre notar que, o facto de o requerente não ter emitido recibos e recusar dar oNIB, para além das consequências fiscais e criminais (foram recebidos mais de 3.000,00€ em numerário), sempre importaria a inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º, n.º 2, do C.C., por o requerente ter colocado a requerida em situação que não lhe permitiu, de futuro, documentar os seus pagamentos.
Cartas de 05-02-2018 e 05-03-2018 de revogação da procuração e pedido de documentação, donde retiramos as datas e o seu teor.
Documentos juntos pelo requerente na primeira audiência
• nota de honorários aqui em discussão, donde se retira que, distintamente do afirmado pelo requerente, não resultam provadas ou sequer discriminadas 55 horas de trabalho. Antes, temos uma discriminação de emails, diligências, reuniões e requerimentos – sem indicar de que se trata, grau de dificuldade, duração da execução ou preço de cada um dos actos, de modo a poder aferir e julgar de tais elementos e de como se chegou ao valor proposto global – e apenas em alguns casos estão indicadas horas, mas não em número de 55 h, como referido pelo autor, que não produziu prova sobre tal, ónus que lhe competia. De notar que, o laudo da O.A. teve por base o pressuposto de tais horas e não se debruçou sobre nenhuma desta documentação ora junta, pelo que, sem prejuízo do carácter qualificado da opinião emitida, terá o mesmo que ser apreciado com reserva.
Posteriormente, em resposta ao despacho de aperfeiçoamento ref.ª 38569033, foram juntos os emails relativos aos actos da nota de honorários, sendo que, quanto os mesmos, igualmente nem sempre se descortina qual a conduta do requerente, nem a sua intervenção e alguns nem sequer é o requerente que interveio, pese embora, por outro lado, se constate a sua intervenção em várias áreas da vida da requerida e seu filho, que não apenas na queixa-crime e pedido de autorização judicial, como alegado pelos requeridos, sendo alguns assuntos de considerável responsabilidade.
• em ref.ª 9512982, de 22-11-2021, retiramos, com relevância, para o período da nota de honorários, o requerimento de autorização judicial de venda de bens do menor, de residência em bem herdado e para proceder à divisão de coisa comum no proc. 4657/16.2T8PTM;
• em ref.ª 9531263, de 26-11-2021, retiramos, com relevância, para o período da nota de honorários, o formulário do inventário, que, porém, não foi elaborado pelo requerente;
• em ref.ª 10037140, de 29-04-2022, retiramos, com relevância, uma queixa-crime e pedido de constituição de assistente, que, porém, foram anteriores ao período desta nota de honorários, integrando a primeira nota de honorários. Dentro do período da nota de honorários, temos apenas um requerimento a pedir uma certidão de nascimento, uma consulta do processo em 11-06-2017 e uma inquirição em 22-11-2016 e 15-03-2017 dos requeridos;
• Laudo da OA – ref.ª 7317781, de 31-10-2019 – favorável, quanto aos honorários da 2ª nota, o qual valoramos nos termos referidos supra.
A restante matéria de facto não provada resultou da ausência ou contrariedade com a produzida. Consigna-se ainda a exclusão dos elementos repetidos, irrelevantes, de direito ou conclusivos.»
Analisando:
O recorrente invoca que, a requerida (…) não conseguiu concretizar quaisquer datas em que fez aos alegados pagamentos, e respectivos montantes e que tais factos não são corroborados por qualquer testemunha, não podendo assim ser valoradas as declarações da recorrida nos termos em que o foram.
Não cremos que a credibilidade seja posta em causa pela falta de memória quanto aos aspectos concretos alegados, por ser inteiramente normal que, a requerida passados todos estes anos não consiga dizer com exactidão datas e montantes concretos importa analisar – porque de pagamentos se trata- os documentos relevantes.
Vejamos, no entanto, se a matéria impugnada se apoia em prova suficiente.
Embora o novo artigo 466.º do CPC tenha consignado a possibilidade de produção de prova por declarações das partes, isso não significa que se tenha que dar como provado o que resulta do depoimento de parte.
Neste regime as “declarações de parte” devem ser sempre consideradas, para efeitos probatórios, quando delas resultar confissão dos factos que sejam desfavoráveis à parte. Contudo, nas situações em que delas não resultar qualquer confissão a questão é menos clara.
Com efeito, e apesar de o tribunal apreciar livremente as declarações das partes como meio de prova, não podemos ignorar que elas serão produzidas por quem tem um manifesto e directo interesse na acção, no processo, razão pela qual poderão ser declarações interessadas, parciais ou não isentas.
Logo, essas declarações não podem ser consideradas sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, já que se trata da versão da parte interessada.
Ora, no caso concreto, não se vislumbra qualquer outro meio de prova que apoie as declarações da requerida quanto ao facto n.º 4 (que o recorrente defende que deve ser considerado não provado), pelo que, cremos que tem razão, devendo passar a “não provado”.
O mesmo se aplica aos factos 7, 8 e 13.
Assim a impugnação é procedente quanto aos factos 4, 7, 8 e 13 dados como provados relativos aos pagamentos, não pela argumentação do recorrente que convoca para o efeito o teor das suas próprias declarações alicerçadas pelo Requerimento de injunção e as declarações prestadas pela colega de escritório e sua namorada, mas porque não dispomos de qualquer elemento de corroboração das declarações da requerida, sendo a mera declaração de pagamento, sem recibo ou outro documento comprovativo da entrega desse valor, insuficientes para considerar provada tal matéria.
Ou seja, os factos 4, 7, 8 e 13 passam a “Não provados”.
Quanto aos factos 5, 6 e 14, não se vê de que forma podem influenciar a decisão, pois não se invoca de que forma o incumprimento é causa de recusa de pagamento.
Por outro lado, esta análise, com vista à eliminação pedida, sempre seria inútil pois não poderia conduzir a nenhuma alteração da solução jurídica.
Ora, sendo a impugnação da matéria de facto uma actividade dirigida a um fim específico e cuja existência é condicionada por tal escopo, não deve proceder-se à sua reapreciação quando o facto concreto, objecto da impugnação, não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º do CPC.
Finalmente quanto aos factos 9, 10, 11 e 12, dados como provados, argumenta o recorrente que, pese embora os mesmos tenham sido declarados por si, a verdade é que tais pagamentos se reportaram à 1ª nota de honorários e não à segunda nota alvo de discussão.
Conclui assim que:
O ponto 11 deveria passar a ter a seguinte redação:
“A Requerida em 23 de Maio de 2017 fez um pagamento no valor de € 700,00 (setecentos euros), datado e assinado pelo requerente”.
E os pontos 9, 10 e 12 deveriam passar a ter a seguinte redação:
“9. Em 14 de Setembro de 2016, os Requeridos pagaram € 3.400,00€, que o requerente datou e assinou, relativamente a trabalho prestado vertido na 1ª nota de honorários.
10. Depois fizeram outro pagamento no dia 05 de Dezembro de 2016 no valor de € 1.000,00 (mil euros) que o requerente também datou e assinou, relativamente a trabalho prestado vertido na 1ª nota de honorários.
E 12. Os Requeridos pagaram ainda 203,22 €, relativamente a despesas, referente a trabalho prestado – 1ª nota de honorários”.
O recorrente admite os pagamentos em causa, mas defende que tais pagamentos são relativos à 1ª nota de honorários e não àquela cujo pagamento é pedido nesta acção.
Não cremos que se possa considerar provado que assim seja.
Não temos elementos de prova para saber se os pagamentos em causa são respeitantes à 1ª nota de honorários ou à segunda, na medida em que as datas dos mesmos não nos permitem tal conclusão, pois admite-se que possam ou não ser efectuados como provisão ou adiantamentos e por outro lado também aqui não se pode considerar que as declarações do requerente sejam suficientes para o demonstrar.
O que nos parece que resulta da prova documental conjugada com a confissão do requerente – isso sim de forma segura -é uma outra conclusão:
Se o recorrente admite o pagamento de 3.400,00 euros por conta da 1ª nota de honorários e também admite pagamentos de: 1000,00 euros; 700,00 euros e 202,00 euros então o valor total admitido dos pagamentos efectuados pela requerida excede o valor da 1ª nota de honorários pelo que sempre terá que se concluir que só pode ser imputado à segunda nota de honorários, o que aliás é suportado pelo facto das datas de alguns pagamentos corresponderem ao período relativo à segunda nota.
Em suma:
A impugnação é porém procedente quanto aos factos 4, 7, 8 e 13 dados como provados relativos aos pagamentos, não pela argumentação do recorrente que convoca para o efeito o teor das suas próprias declarações alicerçadas pelo Requerimento de injunção e as declarações prestadas pela colega de escritório e sua namorada, mas porque não dispomos de qualquer elemento de corroboração das declarações da requerida, sendo a mera declaração de pagamento, sem recibo ou outro documento comprovativo da entrega desse valor, insuficientes para considerar provada tal matéria.
Por serem relevantes para a compreensão da questão, terem sido alegados e não serem controversos aditamos oficiosamente os seguintes factos:
- O requerente emitiu uma 1ª nota de honorários em 6.09.16, relativa aos serviços prestados entre 21.04.16 e 6.09.16, no valor de 4.736,60 (IVA incluído).
- E emitiu uma 2ª nota de honorários em 8.03.18, relativa aos serviços prestados entre 16.09.16 a 8.03.18, no valor de 5.313,73 euros (IVA incluído).
Finalmente e ainda oficiosamente dá-se como não escrito o teor do facto A não provado (A. Até à presente data, os requeridos não procederam ao pagamento ao Requerente, nem reclamaram da Nota de honorários e despesas) atento o seu carácter conclusivo, o que traduz uma técnica jurídica incorrecta e não deve constar da matéria de facto, até porque corresponde ao próprio thema decidendum do presente pleito (Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado – neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, ‘Estudos sobre o Novo Processo Civil’, Lex, 1997, pág. 312 e Paulo Faria, “A reforma da base instrutória: uma regressão, A Reforma do Processo Civil – Contributos”, Revista do Ministério Público, Cadernos II, 2012, págs. 37-48 onde se pode ler o seguinte: se “o tema da instrução pode aqui ser identificado por referência a conceitos de direito ou conclusivos (…) já a decisão sobre a matéria de facto nunca se poderá bastar com tais formulações genéricas, de direito ou conclusivas, exigindo-se que o tribunal se pronuncie sobre os factos essenciais e instrumentais.»
Procede assim parcialmente a impugnação da matéria de facto.

2.ª Questão – Saber se há obrigação de pagamento.

A sentença recorrida de forma que cremos pelo menos superficial, dá como não provado que: os requeridos não procederam ao pagamento ao Requerente, nem reclamaram da Nota de honorários e despesas para concluir pela absolvição dos requeridos do pedido.
Não partilhamos, nem compreendemos este entendimento.
Desde logo importa clarificar que, não é no momento da qualificação dos factos como provados ou não provados que importa ter em conta as regras da distribuição do ónus da prova, pois uma coisa, é a conjugação dos elementos de prova para aferir se são suficientes para considerar provada determinada matéria e outra coisa – diferente – e que se situa no momento posterior – é analisar, de acordo com o ónus da prova, a quem deve ser desfavorável a “não prova” dessa matéria. São momentos que não se podem confundir.
É em sede de análise de direito que cabe tirar conclusões sobre o cumprimento do ónus da prova e não antes.
Conforme resulta dos autos, os requeridos alegaram ter entregue ao requerente diversas quantias e que tais montantes se destinavam a liquidar os honorários que a este eram devidos, incluindo os peticionados nos presentes autos, pelo que nada é devido.
E efectivamente lograram provar que foram feitos diversos pagamentos ao autor, no valor global de 5,302 euros.
Sucede, contudo, que, não resultou provado que tais pagamentos se destinassem na totalidade a liquidar os honorários reclamados nos presentes autos, mas apenas que em parte devem ser imputados na quantia aqui peticionada.
Como sabemos, o cumprimento da respectiva obrigação, designadamente o pagamento, como facto extintivo do direito de crédito invocado, incumbe ao devedor, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do CC, tanto mais que, em direito, o pagamento não se presume a não ser em casos expressamente previstos na lei (cfr. artigo 786.º do CC).
É que como excepção peremptória que é o pagamento, o correspondente ónus da prova incide sobre o devedor (artigo 342.º, n.º 2, do CC). Neste sentido cfr., entre outros, os Acs. STJ 06-07-2006 (Oliveira Barros), proc. 06B2102; e 22-03-2018 (Maria do Rosário Morgado), proc. 67525/14.6YIPRT.L1.S1.
Tal ónus abrange, não apenas a demonstração da entrega da quantia devida, mas também a imputação de tal entrega ao cumprimento da obrigação.
No caso vertente, os requeridos só em parte lograram demonstrar a imputação dos pagamentos feitos à obrigação de pagar os honorários reclamados nestes autos pelo autor, na medida em que:
Tendo demonstrado que pagaram na totalidade 5.302,00 euros, demonstraram que pagaram 566 euros como excedente do valor da 1ª nota de honorários (cujo valor era de 4.736,60), pelo que, esse excedente só pode ser imputado à 2ª nota de honorários.
Em consequência, só parcialmente procede a excepção de pagamento.
O supra exposto conduz-nos à parcial procedência da acção e à procedência parcial do recurso, com a condenação dos requeridos na quantia peticionada, cujo pagamento não demonstraram, ou seja, 4.170,60 euros, acrescidos de juros desde a data de vencimento da segunda nota de honorários: 16.03.2018, procedendo parcialmente a acção e o recurso.

Sumário: (…)

4 – Decisão.

Pelo exposto acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, condenando-se os réus a pagar ao autor quantia de 4.170,60 euros acrescida de juros de mora desde 16.03.2018.
Custas em ambas as instâncias conforme o decaimento.
Évora, 23.11.2023
Elisabete Valente
Albertina Pedroso
Maria Adelaide Domingos