CASSAÇÃO DE CARTA DE CONDUÇÃO
COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
Sumário

1–O processo administrativo aberto com vista à cassação da carta de condução visa apreciar o registo de infrações do condutor, com o propósito de contabilizar a perda de pontos decorrente da prática de contraordenações e/ou de crimes rodoviários, de modo a determinar a perda da totalidade desses pontos, caso em que ocorre a cassação do título de condução, nos termos do artº 148º do Código da Estrada.

2–No processo contraordenacional aberto com vista apenas à verificação de determinados pressupostos atinentes à cassação do título de condução como decorrência de prévias condenações exequíveis, por transitadas em julgado, nos termos do artº 148º, nºs 4, al. c), e 10, do Código da Estrada, não cabe ao tribunal em sede de recurso contraordenacional sindicar eventuais vícios procedimentais ocorridos nos processos criminais ou contraordenacionais por cujas decisões se verificou a retirada de pontos ao título de condução da recorrente, nem tampouco sindicar a bondade de tais decisões.

3–Nesses casos, o tribunal não tem poder jurisdicional para apreciar tal tipo de questões, sob pena de desaforamento violador do princípio do juiz natural. Cabe-lhe apenas, no âmbito do recurso contraordenacional, verificar se estão preenchidos todos os requisitos formais atinentes à cassação do título de condução, no pressuposto da exequibilidade das decisões proferidas nos processos por cujas decisões foram retirados pontos ao título de condução da recorrente.

4–O facto de a recorrente não poder discutir no processo de contraordenação aberto com vista à cassação da sua carta de condução algum vício procedimental ou a bondade das decisões proferidas noutros processos não viola as suas garantias de defesa, nomeadamente o direito ao contraditório, em violação do disposto no artº 32º da CRP. nem põe em causa a equidade do processo, que tem a particularidade de nele não se discutir qualquer infração estradal.

5–A entidade administrativa que tem competência para emitir a licença de condução tem também competência para a retirar uma vez verificados os requisitos ínsitos no artº 148º do CE – enquanto medida administrativa que não se confunde com qualquer sanção penal automática -, por força da perigosidade demonstrada pela recorrente no exercício da condução, deixando de reunir as condições necessárias a exercer esse direito cívico, que não é absoluto ou irrestrito, pois, por via da insegurança rodoviária patenteada, potencialmente contende com direitos fundamentais atendíveis, com consagração constitucional, como o direito à vida, à integridade física ou o direito de propriedade.

(da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Acordam, em audiência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO


No âmbito do recurso de contraordenação nº 863/22.9Y5LSB.L1, do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 7, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em que é recorrente M….., com sinais identificadores nos autos, veio esta impugnar a decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, datada de 23 de dezembro de 2021, que, nos termos previstos pelo artigo 148.º, n.ºs 4, alínea c), e 10 do Código da Estrada, determinou a cassação do título de condução L – 1.....8, pertencente à recorrente.

Nessa sequência, efetuado o julgamento, a 13.03.2023 foi proferida sentença na qual foi decidido o seguinte (transcrição):
«Nestes termos, julga-se o recurso interposto improcedente e, em consequência, mantém-se, na íntegra, a decisão proferida pela Autoridade Administrativa».

Inconformada com tal sentença, a arguida/recorrente dela interpôs recurso para este tribunal, apresentando, em abono da sua posição, as seguintes conclusões da motivação (transcrição):
«Conclusões
1-Proferiu o Tribunal à quo Sentença de confirmação de decisão da autoridade administrativa no sentido de proceder à cassação da carta da recorrente.
2-O cerne do presente recurso assenta no facto de se entender que a cassação da carta de condução é indevida em razão de a arguida ter impugnado as 2 decisões.
3-Ou seja, o presente recurso visa demonstrar que a decisão administrativa de cassação da carta depende, da verificação de uma circunstância: Ausência de pontos da na carta.
4-Ora, provámos que 2 decisões administrativas ainda não transitaram em julgado e por isso existe a ausência de um pressuposto legal de aplicação à cassação da carta: a ausência de pontos.
5-Esta alegação é tempestiva, pois após a decisão a arguida não recebeu até à cassação qualquer carta ou comunicação da ANSR.
6-Nos termos do artigo 148.º n.º 4 c) do Código da Estrada, a cassação do titulo de condução opera-se quando se verifica a inexistência de pontos de um condutor, no momento do transito em julgado da decisão administrativa que determina a cassação do titulo.
7-É por isso é de elementar justiça que se revogue a sentença recorrida.
Entendemos padecer a decisão de
• Omissão de pronuncia sobre a exequibilidade das decisões, pois o Tribunal não conheceu esta questão
• Omissão de pronuncia sobre o requerimento probatório, pois o Tribunal não solicitou elementos a ANSR sobre os registos enviados
• Erro de aplicação de Direito quanto à inconstitucionalidade
8-Proferiu o Tribunal à quo, Sentença de confirmação de decisão da autoridade administrativa no sentido de proceder à cassação da carta da arguida/recorrente.
9-O presente processo destina-se apenas a verificar se ocorrem os requisitos formais com vista à cassação da carta de condução, designadamente se ocorreram duas ou mais condenações (transitadas em julgado), em pena acessória de proibição de conduzir e se o infrator te zero pontos” e
10-Por isso o cerne do presente recurso assenta no facto de se entender que a cassação da carta de condução é indevida em razão de a arguida ter tempestivamente impugnado algumas decisões, razão pela qual erra a ANSR ao declarar que as mesmas transitaram em julgado.
Do auto 9......20
11-Conforme a arguida esclareceu em audiência, ao receber a carta referente ao auto 9......20 expedida em 6-02-2020 e recebida em 10-02-2020, a arguida enviou as 3 impugnações nos CTT do Centro Comercial Colombo.
12-Assim, com razoável certeza e salvo melhor opinião o processo referente ao auto 9......20 prescreveu.
Do auto 4......05
13-O mesmo aconteceu com o auto 4......05, que foi notificado à arguida em 4-4-2019 (ver fls 25 dos autos) e ao qual a arguida respondeu por carta de 30-04-2019.
Citamos:
14-No presente processo, está provado que face ao auto 9......20, a arguida reagiu dirigindo impugnação por carta registada entregue na ANSR e dirigida ao Juiz competente.
15-Por qualquer razão nos milhares de processos que são tratados diariamente, perderam-se 2 impugnações.
16-Diz o povo, que só não erra, quem não trabalha e diziam os latinos:“Errare humanum est, perseverare autem diabolicum”(“Errar é humano, mas perseverar no erro é diabólico”).
17-No caso concreto, atenta a prova junta, tem que se aceitar o seguinte:
18-A decisão do auto 9......20, notificado à arguida em 10-02-2020, foi impugnado na mesma data por carta registada dirigida ao Juiz competente (Montemor).
19-A decisão do auto 9......20, notificado à arguida em 04-04-2019, foi impugnado em 30-04-2019 por carta registada dirigida ao Juiz competente (Loures).
20-Por qualquer razão houve um lapso no processamento do correio, pelo que as decisões dos autos referidos nunca transitaram em julgado, pois foram impugnadas.
21-Pelo que deve ser dado provimento ao recurso de cassação, revogando a decisão de cassação, atento a arguida ter ainda 6 pontos na sua carta de condução.
Da omissão de pronuncia sobre um requerimento probatório
22-A arguida requereu fosse solicitado o seguinte:
Requer-se igualmente a ANSR que justifique a ausência das mesmas nos autos e envie ao Tribunal o seu teor.
23-Não houve qualquer despacho sobre este requerimento
24-Esta prova é importante para determinar a exequibilidade e definitividade das decisões
25-Reitera a inconstitucionalidade da figura da cassação do título de condução por perda de pontos por despacho do director da ANSR.
26-Trata-se de uma inconstitucionalidade material por violação dos artigos 18º e 32º, ns. 1 e 2 da CRP.
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se seja o presente recurso recebido, e em consonância seja conhecida a nulidades da prova por omissão de pronuncia sobre o requerimento de junção de documentos por parte da ANSR, bem como uma violação aos princípios fundamentais, das garantias de defesa, constantes do n.º 1 do artigo 32.º da CRP, do contraditório, da igualdade de armas e da verdade material, do n.º 5 do artigo 32.º da CRP e do n.º 1 do artigo 340.º do CPP, determinado a repetição do julgamento.
Seja a sentença recorrida revogada, pois a mesma pressupõe a cassação de carta de condução sem que se verifique nessa data a ausência de pontos na carta dado que a arguida provou que tinha impugnado 2 decisões.»
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O recurso foi admitido a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo.
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Contra-alegou o Ministério Público junto do tribunal de 1ª instância, concluindo nos seguintes termos (transcrição):

«III – Conclusões:
A)-Quanto ao vício de omissão de pronúncia quanto à questão das anteriores decisões administrativas terem transitado em julgado e do tribunal ter que aferir da legalidade das notificações e existência de impugnações o tribunal recorrido pronunciou-se a esse respeito, embora em sentido diverso do pretendido pelo recorrente;
B)-Decorre da leitura da própria sentença a posição tomada pelo tribunal recorrida e a decisão tomada a este conspecto;
C)-O recurso ora apresentado apenas revela a discordância de posição quanto à decisão tomada pelo tribunal recorrido e não a invocação de um vício decorrente da própria sentença e violação de qualquer norma;
D)-Acresce que matéria de facto, de acordo com o disposto no artigo 75.º n.º 1 do RGCO não poderá ser apreciada pelo tribunal de recurso e o que a recorrente pretende é pôr em causa as anteriores decisões administrativas, prévias à decisão administrativa da cassação de título de condução;
E)-Quanto ao trânsito em julgado das decisões administrativas resulta da prova documental dos presentes autos que tais decisões transitaram em julgado, como se pode verificar dos documentos de fls. 8, 9, 16, 17, 25, 28, 31 que instruíram os autos de recurso de contra-ordenação de cassação do título;
F)-A recorrente requereu em audiência e foi deferida a sua junção dos documentos que estão juntos aos autos a fls. 218 a 223;
G)-No mesmo requerimento (fls. 215 e 216) foram juntas cópias digitalizadas de “Talão de Aceitação” de Correio Registado dirigido ao “Juiz de Direito do Tribunal de Comarca de Montemor-o-Novo”/”ANSR” e ao “Sr. Juiz do Tribunal de Loures”;
H)-Ora, nenhum dos documentos juntos em audiência têm a virtualidade de afastar o trânsito em julgado, certificado e constante do RIC da recorrente, pois não demonstram sequer a entrega de impugnação, conforme alegado pela defesa;
I)-Da análise dos primeiros documentos os mesmos dizem respeito a outros processos, onde se identificam cidadãos, juntando-se inclusivamente cópia de cartões de cidadão, e de cujo teor sequer se retira “falhas” da ANSR, conforme alegado e, nenhuma conexão tem com os presentes autos e por isso não podiam e, não foram, levados em consideração na sentença;
J)-Quanto aos talões apresentados os mesmos apenas comprovam ter sido enviada correspondência dirigida aos magistrados judiciais dos tribunais acima referidos, com a colocação da morada da ANSR mas sem qualquer indicação de n.º de auto/processo contra-ordenacional que permita estabelecer ligação aos autos e sem o serviço adicional de aviso de recepção;
K)-Caso a recorrente tivesse, para além de registar tal correio enviado, ter pago o serviço de Aviso de Recepção a recorrente tinha já a prova de entrega/recepção da correspondência ou antes pelo contrário da não entrega/recepção. Assim, os talões de registo só por si nada provam.
L)-Quanto à omissão de pronúncia do tribunal a quo quanto a diligência de prova requerida - solicitação à ANSR de “registos enviados”, desconhece o M. P. que diligência de prova seja esta porque da leitura das actas de julgamento verifica-se que a única diligência requerida pela defesa foi requerida e não se trata de qualquer solicitação à ANSR mas antes aos CTT;
M)-As actas, documentos cujo valor probatório não foi posto em crise pela defesa, demonstram outra realidade, não se verificando ausência de pronúncia pelo tribunal de qualquer outra diligência requerida em audiência;
N)-Também da análise do processo físico e electrónico não se vislumbra tal requerimento da defesa, ora invocada pela recorrente;
O)-Também este vício alegado em sede de recurso terá que falecer dada a ausência de requerimento alegado e invocado pela defesa;
P)-Acresce, que não sendo o julgamento relativo à impugnação judicial de decisão administrativa gravado não se poderá sindicar da existência desse requerimento de prova que não figura em qualquer uma das actas de julgamento juntas aos autos;
Q)-Quanto ao erro de direito vem a recorrente alegar existir inconstitucionalidade material do artigo 148.º do CE por violação dos artigos 18.º e 32.º nº 1 e 2 da CRP;
R)-A recorrente, nas suas alegações - que fixam o objecto deste recurso - não explica em que medida o artigo em causa - 148.º do Código da Estrada - viola a Constituição da República Portuguesa;
S)-Atentos os artigos invocados pela recorrente, entende-se que considerará que essa norma jurídica contraria e viola direitos, liberdades e garantias de defesa do arguido, privando-o do direito de conduzir e, ainda que é inconstitucional que um Director de Instituto Público possa restringir, de qualquer forma, esse direito cívico à condução;
T)-Não concorda o M. P. com tal entendimento porque a cassação da carta resulta da perda total dos pontos mediante a prática de contraordenações ou crimes, sem que o arguido veja, entretanto, pelo decurso do tempo ou frequência de acção de formação, serem-lhe atribuídos outros pontos;
U)-O preceito do CE em causa refere que da perda dos pontos resulta necessariamente a cassação da carta, mas a cassação ocorre mediante a instauração de processo administrativo onde existe um controlo dos pressupostos susceptíveis de conduzir à aplicação da cassação da carta.
V)-Processo esse onde são asseguradas todas as garantias de defesa do cidadão.
W)-Neste sentido veja-se, a título de exemplo, o exposto no Ac. 4289/18.0T8PBL.C1 do TRP datado de 6-11-2019 in www.dgsi.pt;
X)-A perda de pontos configura uma medida de avaliação negativa da conduta estradal dos condutores, conforme a gravidade da infracção cometida;
Y)-A restrição do direito de circulação rodoviária do condutor só é determinada em função do comportamento estradal deste, e após a instauração do devido procedimento;
Z)-Quanto à violação de preceito constitucional o Ac. do TRE, n.º 218/20.8T8TMR.E1, de 20-10- 2020, considera que 2 - Do regime da cassação do título de condução decorrente do artigo 148º, n.º 4, al. c), do Código da Estrada, não decorre qualquer automaticidade contrária aos princípios da adequação e proporcionalidade resultantes do artigo 30º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa”.
AA)-De facto, aí é explanado, quanto a este assunto que “Com efeito, o processo de cassação é um processo autónomo que resulta da verificação de determinados pressupostos legais, que se baseia na aplicação automática do artigo 148.º do Código da Estrada e na prova documental existente no processo. Com efeito, a perda de pontos por si só não acarreta a perda de quaisquer direitos, a que alude o artigo 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. O que determinou a cassação do título e as consequências que daí decorrem para a vida do recorrente foram as sucessivas condenações do recorrente. Acresce que não estamos perante a perda definitiva da faculdade de conduzir, mas apenas a perda da habilitação que detinha e que durante dois anos fica impedido de obter novo título.”
BB)-A cassação só é aplicada após procedimento que verifica os requisitos legais pelo que não viola o referido preceito constitucional.
CC)-Na senda da jurisprudência dos tribunais superiores considera-se que não estamos perante um direito absoluto, mas que o mesmo está sujeito à verificação de condições de perícia e a requisitos positivos e negativos que, a todo o momento podem deixar de se verificar e, então, a ponderação da segurança dos demais utilizadores da estrada impõe que esse cidadão não possa mais praticar aquela actividade.
DD)-Tem sido esse o entendimento do Tribunal Constitucional quando se pronuncia e justifica a existência do artigo 148.º do CE pelos potenciais riscos dessa actividade para bens jurídicos essenciais, veja-se os Acórdãos nºs 461/2000, 574/2000, 45/2001 do Tribunal Constitucional.
EE)-Em conclusão, entende o M. P. que a norma em questão não viola qualquer norma constitucional, não merecendo reparo a decisão recorrida também no que concerne este aspecto, inexistindo qualquer erro de direito.
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Entendemos não dever ser dado provimento ao recurso do recorrente mantendo-se a decisão recorrida, nos seus exactos termos. Termos em que farão V. Exas. a costumada
JUSTIÇA!»
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Neste Tribunal da Relação de Lisboa, por seu turno, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto apenas apôs um visto.
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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos a audiência – por a mesma ter sido requerida pela arguida/recorrente nos termos do nº 5 do artº 411º do CPP -, nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso interposto.

FUNDAMENTAÇÃO

I–Questões a decidir
Tendo presente que é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso  [quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, n.º 2, do CPP  (cfr. o Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, publicado no DR I Série de 28.12.1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum; a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito legal) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379º, n.º 2, do CPP)], as questões que se colocam são as seguintes:
a)-Erro de aplicação do Direito quanto à inconstitucionalidade.[1]
b)-Omissão de pronúncia do tribunal a quo acerca da exequibilidade das decisões administrativas contraordenacionais;
c)-Omissão de pronúncia do tribunal a quo sobre requerimento probatório.
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II– Apreciação das questões acima enunciadas
a)-Com vista à apreciação das questões acima enunciadas, importa ter presente que na sentença proferida consta a seguinte fundamentação de direito (transcrição):
«A recorrente interpôs recurso da decisão proferida pela Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária, datada de 23 de dezembro de 2021, que, nos termos previstos pelo artigo 148.º, n.º 4, alínea c) e n.º 10 do Código da Estrada, determinou a cassação do título de condução L – 1....98, pertencente à Recorrente.
Os presentes autos não têm, pois, por objeto a apreciação da impugnação de qualquer contraordenação, nem a legalidade das notificações efetuadas no âmbito dos autos de contraordenação n.º 9......71, 4......05, 9......20, 1......18, 1.......50.
Para tanto, seria necessário que o recorrente, no âmbito daqueles autos, tivesse impugnado aquela concreta contraordenação ou o venha a fazer, caso esteja em tempo.
Nestes autos, insista-se, está somente em causa a apreciação da decisão administrativa que determinou a cassação do título de condução da Recorrente. Como tal, não cabe aqui apreciar a suposta legalidade da decisão administrativa proferida no âmbito dos autos de contraordenação supra mencionados.
Também não cabe, pelas mesmas razões, conhecer da eventual prescrição das contraordenações ali cometidas, devendo estas ser suscitada, caso a Recorrente ainda esteja em tempo para o fazer, no âmbito dos processos próprios, que são aqueles em que foi condenada pela referida contraordenação.
Em tais termos, indefere-se a requerida declaração de prescrição.
Sob a epígrafe “sistema de pontos e cassação do título de condução”, dispõe o artigo 148.º do Código da Estrada
1 – A prática de contraordenação grave ou muito grave, prevista e punida nos termos do Código da Estrada e legislação complementar, determina a subtração de pontos ao condutor na data do caráter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, nos seguintes termos:
a)- A prática de contraordenação grave implica a subtração de três pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, utilização ou manuseamento continuado de equipamento ou aparelho nos termos do n.º 1 do artigo 84.º, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efetuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, e de dois pontos nas demais contraordenações graves;
b)- A prática de contraordenação muito grave implica a subtração de cinco pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, e de quatro pontos nas demais contraordenações muito graves.
2 – A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor.
3 – Quando tiver lugar a condenação a que se refere o n.º 1, em cúmulo, por contraordenações graves e muito graves praticadas no mesmo dia, a subtração a efetuar não pode ultrapassar os seis pontos, exceto quando esteja em causa condenação por contraordenações relativas a condução sob influência do álcool ou sob influência de substâncias psicotrópicas, cuja subtração de pontos se verifica em qualquer circunstância.
4 – A subtração de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos:
a)- Obrigação de o infrator frequentar uma ação de formação de segurança rodoviária, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes;
b)- Obrigação de o infrator realizar a prova teórica do exame de condução, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha três ou menos pontos;
c)- A cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.
5– No final de cada período de três anos, sem que exista registo de contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infrações, são atribuídos três pontos ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de quinze pontos, nos termos do n.º 2 do artigo 121.º-A.
6– Para efeitos do número anterior, o período temporal de referência sem registo de contraordenações graves ou muito graves no registo de infrações é de dois anos para as contraordenações cometidas por condutores de veículos de socorro ou de serviço urgente, de transportes coletivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxis, de automóveis pesados de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas, no exercício das suas funções profissionais.
7– A cada período correspondente à revalidação da carta de condução, sem que exista registo de crimes de natureza rodoviária, é atribuído um ponto ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de dezasseis pontos, sempre que o condutor de forma voluntária proceda à frequência de ação de formação, de acordo com as regras fixadas em regulamento.
8– A falta não justificada à ação de formação de segurança rodoviária ou à prova teórica do exame de condução, bem como a sua reprovação, de acordo com as regras fixadas em regulamento, tem como efeito necessário a cassação do título de condução do condutor.
9– Os encargos decorrentes da frequência de ações de formação e da submissão às provas teóricas do exame de condução são suportados pelo infrator.
10– A cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do n.º 4 é ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução.
11– A quem tenha sido cassado o título de condução não é concedido novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação.
12– A efetivação da cassação do título de condução ocorre com a notificação da cassação.
13– A decisão de cassação do título de condução é impugnável para os tribunais judiciais nos termos do regime geral das contraordenações.

A prática de contraordenações graves ou muito graves, previstas e punidas nos termos do Código da Estrada e legislação complementar, determinam a subtração de pontos ao condutor na data em que assume caráter definitivo a decisão condenatória.
Por fim, a subtração de pontos tem como efeitos, além do mais, a obrigação de o infrator realizar a prova teórica do exame de condução, quando o condutor tenha três ou menos pontos e a cassação do título de condução, quando já estiverem esgotados todos os pontos.
No caso dos autos, à Recorrente foram subtraídos doze pontos, pela seguinte forma:
No âmbito do processo n.º 9......71, dois pontos.
No âmbito do processo n.º 4......05, dois pontos;
No âmbito do processo n.º 9......20, quatro pontos;
No âmbito do processo n.º 1......18, dois pontos;
No âmbito do processo n.º 1.......50, dois pontos.
Tendo a Recorrente perdido um total de 12 pontos, deve, tal como se prevê no artigo 148.º, n.º 4, do Código da Estrada, ser decretada a cassação do respetivo título de condução, em processo próprio, em conformidade com as normas regulamentares aplicáveis.
Por conseguinte, a decisão administrativa impugnada, que determinou a cassação do título de condução da Recorrente, limitou-se a dar integral cumprimento às disposições legais vigentes, não enfermando de qualquer nulidade ou ilegalidade.
Assim, tornando-se absolutamente desnecessárias considerações ulteriores, improcede a impugnação deduzida pelo Recorrente, mantendo-se na íntegra a douta decisão administrativa.»
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b)-Do erro de aplicação do Direito quanto à inconstitucionalidade:
Sustenta a arguida/recorrente a inconstitucionalidade da «figura da cassação do título de condução por perda de pontos por despacho do director da ANSR», pois trata-se «de uma inconstitucionalidade material por violação dos artigos 18º e 32º, ns. 1 e 2 da CRP».
Dispõe o artº 18º da CRP, sob a epígrafe «Força jurídica» o seguinte:
«1.-Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2.-A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3.-As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.»
Por seu turno, sob a epígrafe «Garantias de processo penal», dispõe o artº 32º da CRP, na parte que ora interessa, o seguinte:
«1.-O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
2.-Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
(…)
5.-O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
(…)
10.-Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.»
O nº 1 do artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sob a epígrafe «Direito a um processo equitativo», proclama que «Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.»

Por seu turno, a fórmula ínsita na primeira parte do nº 1 do artº 32º «não traduz uma norma meramente programática a desenvolver pela lei; significa antes que há de ser perante as circunstâncias concretas de cada caso que se hão de estabelecer os concretos conteúdos dos direitos de defesa, no quadro dos princípios estabelecidos por lei. (…) Os direitos a uma ampla e efetiva defesa não respeitam apenas à decisão final, mas a todas as que impliquem restrições de direitos ou possam condicionar a solução definitiva do caso» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, com a colaboração de Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, in Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 2ª ed. Revista, pág. 515, Universidade Católica Editora 2017).

Por outro lado, consagra o artº 20º, nº 4, da CRP, que «Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo» (due process of law, na terminologia da jurisprudência norte-americana), sendo o arguido um sujeito processual a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação, a independência e a imparcialidade do juiz ou tribunal e a lealdade do procedimento.

Ora, a propósito do princípio do contraditório, enunciado no nº 5 do preceito vindo de referir, o Professor Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal II, pág. 115, Editorial Verbo 1993, opina que «Traduz-se este princípio na estruturação da audiência de julgamento em termos de um debate ou discussão entre a acusação e a defesa. Acusação e defesa são chamadas a deduzir as suas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas, a controlar as provas contra si oferecidas e a discretear sobre o valor e resultado de umas e outras.»
Conforme decorre daquele normativo constitucional, nem todos os atos estão subordinados ao princípio do contraditório, o qual se dirige essencialmente à audiência e aos “atos instrutórios” (que não se confundem com os atos da fase processual da instrução), sendo que quanto a estes cabe à lei ordinária determinar quais são aqueles que estão sujeitos a tal princípio.
De todo o modo, o conteúdo essencial deste princípio traduz-se no facto de que «nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão – ainda que interlocutória – deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual contra qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, em si mesma e quanto aos seus fundamentos, em condições de plena igualdade e liberdade com os restantes sujeitos processuais, designadamente o Ministério Público» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, com a colaboração de Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, in Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 2ª ed. Revista, pág. 532, Universidade Católica Editora 2017).
Salvo o devido respeito por melhor opinião, nenhum dos preceitos em causa se mostra violado.
A arguida, quer na fase administrativa quer na fase judicial do processo teve todas as possibilidades de defesa, mas com as limitações próprias dos processos como o dos autos, em que não está em causa a prática de qualquer contraordenação, mas apenas a verificação de determinados pressupostos atinentes à cassação do título de condução como decorrência de prévias condenações exequíveis por transitadas em julgado.
A entidade administrativa que tem competência para emitir a licença de condução tem também competência para a retirar uma vez verificados os requisitos ínsitos no artº 148º do CE – enquanto medida administrativa que não se confunde com qualquer sanção penal automática -, por força da perigosidade demonstrada pela recorrente no exercício da condução, deixando de reunir as condições necessárias a exercer esse direito cívico, que não é absoluto ou irrestrito, pois, por via da insegurança rodoviária patenteada, potencialmente contende com direitos fundamentais atendíveis, com consagração constitucional, como o direito à vida, à integridade física ou o direito de propriedade. 
Quanto aos demais aspetos em que a questão da constitucionalidade se pode desdobrar, fazemos nossas as considerações efetuadas no AC. do TC nº 154/2022 (o qual julgou não inconstitucional «a norma do artigo 148.º, n.º 4, alínea c) e n.os 10 e 11, do Código da Estrada, na redação dada pela Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto»; e que pode ser consultado no sítio www.tribunalconstitucional.pt), o qual, por ser lapidar, passamos a transcrever no seguinte segmento:
«São três as questões de constitucionalidade a apreciar no presente recurso, todas recondutíveis ao artigo 148.º, n.º 4, alínea c) e n.os 10 e 11, do Código da Estrada, na redação dada pela Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto. A primeira questão consiste em saber se a circunstância de na norma controvertida se determinar que a perda de todos os pontos detidos por determinado condutor constitui condição suficiente para a cassação do respetivo título de condução, implica violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, designadamente por tal efeito ser «manifestamente sancionatório, não revestir qualquer natureza pedagógica, de satisfação de necessidades de prevenção ou ressocialização». A segunda questão consiste em saber se a determinação da cassação do título de condução constitui uma segunda condenação do respetivo titular, caso em que se situa no âmbito de incidência da proibição do non bis in idem, consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição. Finalmente, a terceira questão é a de saber se o decretamento da cassação do título de condução, ao implicar automaticamente a proibição de condução dos veículos por ele abrangidos, viola o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, designadamente por embaraçar significativamente o exercício do direito ao trabalho.
7.–Para a boa decisão das questões de constitucionalidade, tem interesse caracterizar sucintamente o quadro legal aplicável nos presentes autos.
O sistema da «carta por pontos» foi introduzido na nossa ordem jurídica pela alteração ao Código da Estrada efetuada pela Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto, diploma que concretiza o desiderato legislativo consignado na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 336/XII, que esteve na sua génese. Tal desiderato, encarado como um dos instrumentos principais da Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 54/2009, de 14 de maio, consistia na introdução de um sistema de pontos cujo funcionamento permitisse «aumentar o grau de perceção e de responsabilização dos condutores, face aos seus comportamentos, adotando-se um sistema sancionatório mais transparente e de fácil compreensão», o que se esperava vir a ter, em linha com as experiências verificadas noutros países onde sistema análogo vigorava, «impacto positivo significativo no comportamento dos condutores, contribuindo, assim, para a redução da sinistralidade rodoviária e melhoria da saúde pública». No essencial, o regime consiste na atribuição a cada condutor titular de um determinado título de condução de um certo número de pontos – doze pontos num momento inicial –, os quais variam consoante o condutor cometa ou abstenha-se de cometer, em certo período, determinados ilícitos de mera ordenação social ou de natureza criminal.
Por cada contraordenação grave ou muito grave, ou crime punível com pena acessória de proibição de conduzir, é subtraído certo número de pontos, nos termos previstos nos n.ºs 1 a 3 do artigo 148.º do Código da Estrada. Tratando-se de uma das contraordenações graves previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 148.º, a subtração é de três pontos, sendo de dois pontos quando esteja em causa qualquer outra contraordenação grave. Tratando-se de uma contraordenação muito grave a subtração é de quatro pontos, exceto se se tratar de condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, caso em que a subtração é de cinco pontos. Tratando-se de crime punível com pena acessória de proibição de conduzir, nos termos do artigo 69.º do Código Penal, a subtração é de 6 pontos. Existe ainda uma regra especial para os casos em que tiver lugar a condenação, em cúmulo, por contraordenações graves e muito graves praticadas no mesmo dia.
Ao invés, por cada período de três anos (ou de dois anos para os condutores indicados no n.º 6) ou por cada período da revalidação do título de condução em que o condutor tenha frequentado voluntariamente ação de formação de segurança rodoviária, sem que sejam praticadas contraordenações graves ou muito graves, ou crimes de natureza rodoviária, são atribuídos ao condutor um certo número de pontos até um limite fixado na lei, entre quinze e dezasseis pontos – n.os 5 a 7 do citado artigo 148.º do Código da Estrada.
Quando a subtração de pontos reduza o seu número abaixo dos limiares fixados na lei surge para o condutor a obrigação de se sujeitar a determinadas ações de formação e provas de aptidão – alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 148.º do Código da Estrada –, sendo certo que a perda de todos os pontos implica, nos termos da alínea c), a cassação do título de condução. A cassação do título que seja consequência dessa perda total dos pontos é decretada em processo administrativo autónomo, sendo a decisão judicialmente impugnável nos termos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – n.os 10 e 13 do artigo 148.º do Código da Estrada. A cassação tem por efeito, não apenas a caducidade do título de condução – artigo 130.º, n.º 1, alínea d), do Código da Estrada –, e com ela a proibição de conduzir os veículos para que o título cassado habilitava, como a proibição de obter novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação – n.º 11 do mesmo preceito.
No caso vertente, o recorrente perdeu todos os pontos de que beneficiava em virtude de ter sido condenado, por decisões transitadas em julgado, pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, os quais implicaram a sua condenação em penas acessórias de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do artigo 69.º do Código Penal.
8.–Feito este breve enquadramento, apreciemos a primeira das questões de constitucionalidade que se colocam no presente recurso.
8.1.-Como se referiu, a primeira questão tem por base a da norma do artigo 148.º, n.º 4, alínea c) e n.os 10 e 11, do Código da Estrada, e consiste em saber se a circunstância de na norma controvertida se determinar que a perda de todos os pontos detidos por determinado condutor constitui condição suficiente para a cassação do respetivo título de condução implica a violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, designadamente por tal efeito ser «manifestamente sancionatório, não revestir qualquer natureza pedagógica, de satisfação de necessidades de prevenção ou ressocialização, nem qualquer limitação ao necessário, adequado e proporcional para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
Note-se que não está aqui em causa nenhuma vertente procedimental da decisão de cassação do título de condução. Como decorre do regime legal traçado no artigo 148.º do Código da Estrada e no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, o procedimento conducente a tal decisão é inteiramente contraditório, dispondo o visado de adequadas oportunidades processuais de participação no processo de decisão, designadamente direito de se pronunciar sobre as questões de facto e de direito relevantes, de produzir prova e de recorrer judicialmente da decisão administrativa, com a possibilidade de beneficiar de duplo grau de jurisdição.
Está antes em causa o critério substantivo da decisão de cassação. Verificados os factos geradores da perda de todos os pontos de que o condutor seja beneficiário num certo momento, a cassação do título de condução é decretada sem necessidade de ponderação de outros fatores hipoteticamente relevantes. De acordo com a norma impugnada, a cassação do título de condução constitui consequência necessária – e, por isso, automática – da perda de todos os pontos detidos por dado condutor; dito de outra forma, a perda de todos os pontos constitui condição suficiente para a cassação do título de condução. Trata-se, pois, de saber se a suficiência dessa condição, integralmente satisfeita pela perda total dos pontos, sem que relevem outros fatores de ponderação – como sejam a sua adequação às necessidades de prevenção especial que se façam sentir em concreto, o grau de culpa subjacente aos ilícitos que ditaram a perda dos pontos e a extensão das consequências que a cassação tenha nas condições de vida pessoal e profissional do visado −, é desadequada, desnecessária e desproporcional para a salvaguarda dos direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que informam a medida.

8.2.-Embora não esteja aqui em causa a conformidade constitucional do instituto da cassação do título de condução como um todo – do qual a perda de pontos é apenas uma das causas possíveis –, mas apenas da possibilidade de vir a ser decretada através da operação do «sistema de pontos», importa salientar que, independentemente da natureza desse instituto, não se pode duvidar que consubstancia medida restritiva para efeitos do disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.
O recorrente não identifica nenhum direito fundamental atingido pela norma sindicada, sendo certo que da Constituição não consta expressamente nenhum direito fundamental a conduzir veículos motorizados na via pública. Mas atendendo à importância que tal atividade tem no quotidiano no cidadão comum, a sua recondução ao exercício de um direito com assento constitucional pode ser fundamentada sem dificuldades de grande monta. Com efeito, nos quadros de uma conceção principialista dos direitos fundamentais, nos termos da qual estes têm prima facie um âmbito alargado, podendo ser restringidos de plúrimas formas e com intensidades variáveis, a atividade de circulação rodoviária constitui seguramente um exercício da liberdade geral de ação compreendida no direito ao livre desenvolvimento da personalidade – esse grande direito residual consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição −, sem prejuízo da sua relevantíssima função acessória no exercício de outros direitos fundamentais em relação ao qual se revele útil ou mesmo indispensável.
Por isso, a sujeição da atividade a uma licença administrativa que pode caducar ou ser revogada, com fundamento na prática de um conjunto de atos tidos por reveladores de inaptidão para a condução de veículos ou de desrespeito por normas de diligência e de proteção de terceiros inerentes no exercício de tal atividade, deve tomar-se como uma medida restritiva. Daí não decorre, como é bom de ver, que a mesma seja inconstitucional, por violação do direito fundamental em causa; antes implica que a sua conformidade constitucional dependa da observância dos limites vários que, em matéria de restrições a direitos, liberdades e garantias ou a direitos de «natureza análoga», decorrem do regime geral consagrado no artigo 18.º da Constituição, entre os quais se destacam as exigências de que as finalidades prosseguidas se traduzam na tutela de outros direitos ou interesses de nível constitucional e que os meios escolhidos para esse efeito respeitem a proibição do excesso, ou seja, não se mostrem inadequados, desnecessários ou desproporcionais.
Está claro que, como se lê no Acórdão n.º 260/2021, não há nenhum «direito fundamental absoluto a conduzir veículos a motor, designadamente na via pública, independentemente da verificação da aptidão da pessoa para a condução. Trata-se de uma atividade dependente da atribuição de licença ou carta de condução e está depende da verificação de requisitos positivos e negativos estabelecidos pelo legislador». Só que a intervenção do legislador neste domínio, ainda que situada num intervalo amplo de liberdade de conformação, desde logo porque a efetiva liberdade de circulação rodoviária depende de numerosas regras legais cuja função é coordenar os comportamentos dos condutores e garantir condições de segurança, deve respeitar – aí onde iniba, condicione, onere ou dificulte o exercício da atividade – os limites próprios das restrições de direitos fundamentais numa democracia constitucional, precisamente os definidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição. Por outras palavras, não há nenhum direto fundamental absoluto, mas há um direito prima facie, naturalmente sujeito a restrições, «a conduzir veículos a motor, designadamente na via pública».
Ora, em face da perigosidade da condução de veículos automóveis para uma pluralidade de direitos e interesses sob tutela constitucional – designadamente a vida, a integridade física e o património de terceiros −, é manifesta a existência de um fundamento geral para a adoção de medidas restritivas, consubstanciadas tanto na necessidade de atribuição inicial de uma licença administrativa – o título de condução –, dependente da aferição de um conjunto de requisitos de aptidão física e psíquica para a operação técnica dos veículos e para o conhecimento e observância das normas jurídicas que regulam a circulação automóvel, como ainda na verificação periódica da subsistência dessas condições ao longo do período de atividade do sujeito, traduzida na existência de causas de caducidade e na possibilidade de revogação do título. Daí que se diga que o «o título de condução nunca é definitivamente adquirido, antes está permanentemente sujeito a uma condição negativa referente ao comportamento rodoviário do seu titular» (Acórdão n.º 260/2021).
A questão que se coloca é a de saber se a específica norma sindicada nos presentes autos viola o princípio da proibição do excesso.

8.3.-Constitui jurisprudência constitucional reiterada e pacífica que o princípio da proibição do excesso se analisa em três subprincípios: idoneidade, exigibilidade e proporcionalidade (v., por todos, o Acórdãos n.os 187/2001). Na síntese do Acórdão n.º 123/2018:
«O subprincípio da idoneidade (ou da adequação) determina que o meio restritivo escolhido pelo legislador não pode ser inadequado ou inepto para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício frívolo de valor constitucional. O subprincípio da exigibilidade (ou da necessidade) determina que o meio escolhido pelo legislador não pode ser mais restritivo do que o indispensável para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício desnecessário de valor constitucional. Finalmente, o subprincípio da proporcionalidade (ou da justa medida) determina que os fins alcançados pela medida devem, tudo visto e ponderado, justificar o emprego do meio restritivo; o contrário seria admitir soluções legislativas que importem um sacrifício líquido de valor constitucional».
Decorre do regime consagrado no artigo 148.º do Código da Estrada que a medida de cassação do título de condução, prevista na alínea c) do seu n.º 4, resulta da verificação da perda de aptidão de determinado condutor para conduzir veículos motorizados na via pública. A inaptidão não diz respeito à destreza física para a operação dos veículos, mas à capacidade efetiva do condutor, aferida com base no histórico de condução, para observar diligentemente as regras que estabelecem os requisitos de segurança e os padrões de cuidado na circulação rodoviária, visando a proteção de direitos e interesses com manifesta e intensa relevância constitucional. Veja-se que, nos temos do artigo 148.º, n.º 1, alíneas a) e b), só as contraordenações graves e muito graves determinam a perda de pontos e, dentro estas, com maior ênfase as contraordenações que se traduzam em manobras e comportamentos particularmente perigosos para a segurança da circulação rodoviária. No mesmo sentido, só os crimes puníveis com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do artigo 69.º do Código Penal – isto é, aqueles crimes que são reveladores de violação grosseira das regras de cuidado na condução automóvel –, implicam a perda de pontos. Em todos os casos – e este aspeto é de suma importância – estamos perante infrações cuja punição depende da imputação subjetiva ao agente de comportamentos típicos, umas vezes a título de dolo e outras de negligência, sempre mediante prova dos factos determinantes para o efeito.

8.4.-Afigura-se que um regime nos termos do qual a perda da totalidade dos pontos seja condição suficiente para a cassação do título de condução satisfaz o teste da idoneidade ou adequação. Com efeito, a perda dos pontos é decorrência de uma comprovada infração culposa de regras de cuidado no exercício da condução automóvel, a qual, pela sua gravidade e reiteração, permite antecipar um perigo acrescido para os bens jurídicos carecidos de tutela, o mesmo é dizer, inferir um estado de inaptidão do agente para a prática de condução diligente. É manifesto que a valoração desses comportamentos por via da subtração sucessiva de pontos de que cada condutor beneficia constitui uma forma perfeitamente adequada de determinar a inaptidão do seu agente para a condução de veículos motorizados. Ao mesmo tempo, a cassação do título de condução surge, pela sua própria natureza, como um instrumento legal adequado a obstar que um condutor cuja inaptidão foi determinada possa continuar a exercer a atividade, salvaguardando-se dessa forma os direitos e interesses em benefício dos quais o regime foi instituído.
O facto de a cassação do título depender somente da perda integral dos pontos, sem necessidade da ponderação de outros fatores que, pela sua natureza casuística e reserva de apreciação subjetiva, reduziriam a previsibilidade do efeito cassatório, constitui um poderoso fator de adequação da medida às finalidades de prevenção de comportamentos deletérios para a segurança rodoviária, na medida em que tal automaticidade de efeitos é uma garantia de certeza e objetividade. Ao poder calcular com precisão as consequências da sua conduta, ao saber que estas não dependem de valorações casuísticas e subjetivas, é razoável supor que aumenta significativamente a probabilidade de o agente corresponder aos incentivos que o regime se destina a produzir.

8.5.-Também se afigura que a norma em apreciação satisfaz o teste da exigibilidade ou necessidade, dado que a cassação do título de condução por via apenas da perda dos pontos surge como uma medida de ultima ratio, num quadro em que o agente venha mostrando reiteradamente uma indisponibilidade para observar regras de condução diligente. Com efeito, deve notar-se que a cassação do título de condução apenas é decretada quando o condutor perca a totalidade dos pontos de que dispõe, o que exige a comprovação de vários comportamentos ilícitos e culposos num determinado lapso temporal; note-se ainda que nenhuma infração, nem mesmo de natureza criminal, implica, por si, a perda de todos os pontos. Por outro lado, decorre das alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 148.º do Código da Estrada que, atingidos diversos patamares de subtração de pontos, o condutor terá de se sujeitar a medidas de formação e de avaliação das suas competências, por forma a obstar à consolidação de um quadro de inaptidão. Assim, a cassação do título de condução só surge em última linha, quando a gravidade e reiteração dos comportamentos lesivos da segurança rodoviária ultrapassa um certo limiar.
Acresce não se poder exigir ao legislador que consagrasse a possibilidade de, para além da ponderação da natureza e gravidade das infrações que originaram a perda de pontos e da sua idoneidade para relevar a inaptidão do seu agente para a prática da condução, tal como refletida na quantificação de pontos que cada uma subtrai ao acervo de cada condutor, introduzir um segundo nível de ponderação de fatores casuísticos, tal como indicados pelo recorrente – fatores esses que, de certo modo, permitissem fazer a contraprova da indiciação de inaptidão contida nas condenações geradoras da perda de pontos.
Como em praticamente todas as decisões que implicam a averiguação de factos e ponderação de variáveis, diversos graus de intensidade do escrutínio são possíveis. Os fatores relevantes para determinada decisão podem ser aferidos com graus crescentes de minúcia e de rigor; ora, se uma avaliação fina propicia, em princípio, uma decisão calibrada em função das características do caso concreto, também arrasta consigo inconvenientes de peso, como o aumento da morosidade, a complexidade dos procedimentos, a incerteza quanto aos efeitos do sistema, a perda de previsibilidade e uniformidade e a probabilidade mais ou menos significativa de erro de decisão. Ao adotar o sistema da «carta por pontos», tomando como variáveis decisivas a natureza e gravidade das infrações cometidas num certo período de tempo e a realização de ações geradoras de uma maior consciencialização para a necessidade de observância das regras de segurança rodoviária, o legislador atribuiu importância compreensível a considerações de simplicidade, objetividade e efetividade, que não seriam manifestamente servidas por um sistema de avaliação casuística. A medida não se mostra, pois, desnecessária ou inexigível.
Em todo o caso, deve salientar-se que esta matéria extravasa em larga medida o âmbito do presente recurso. O que gera a automaticidade que o recorrente contesta não é tanto a norma do artigo 148.º, n.º 4, alínea c), do Código da Estrada – que apenas determina o limiar a partir do qual opera a medida de cassação –, mas sim a graduação de pontos em função da categoria da infração. De facto, ao alegar que o regime não permite valorar em concreto elementos associados às necessidades de prevenção especial e ao grau de culpa do agente – fatores que apenas relevam como critérios de fixação de sanções e não como instrumentos de aferição da aptidão para conduzir veículos –, o recorrente opõe-se menos ao artigo 148.º, n.º 4, alínea c), do Código da Estrada, do que aos n.ºs 1 a 3 – não integrados no objeto do recurso −, pois são estes que estabelecem a relação entre pontos a subtrair e categorias de infrações.

8.6.-Finalmente, resta averiguar se a norma em apreciação viola o subprincípio da justa medida ou da proporcionalidade em sentido estrito.
A resposta é decididamente negativa.
Como se viu, a automaticidade da cassação do título de condução como consequência da totalidade da perda dos pontos atribuídos ao condutor justifica-se, por um lado, pela necessidade de acautelar que a condução de veículos na via pública é exercida por quem revele a idoneidade para o fazer e, por outro, pela simplicidade, objetividade e efetividade do sistema da «carta por pontos», que permite um grau elevado de realização das finalidades a que se destina. Acresce que a restrição sob escrutínio não é a medida de cassação do título de condução em si mesma considerada, mas somente na exclusão de outros fatores de ponderação que relevem de cada caso concreto. Ora, está longe de ser evidente que a carga ablativa do sistema da carta por pontos – que se traduz, no essencial, na probabilidade de ocorrência de «falsos positivos» − seja significativamente superior ao de um sistema de avaliação casuística e que, ainda que o fosse, tal não encontre justificação na sua eficácia ostensivamente acrescida.
Importa sublinhar que a cassação do título de condução, nas condições previstas na alínea c) do n.º 4 do artigo 148.º do Código da Estrada, incorpora as principais variáveis de aferição da aptidão ou inaptidão do condutor para o exercício da atividade, como a gravidade e a frequência dos ilícitos praticados, o lapso do tempo em que se dê a respetiva ocorrência e o registo de ações de natureza corretiva. Trata-se, como é bom de ver, de um sistema gradual e matizado, que confere ao visado uma garantia de correspondência tendencial entre os factos valorados por via dos pontos a subtrair ou a adicionar e as consequências a eles associados, sendo certo que aqueles factos são adquiridos em procedimentos nos quais o arguido dispõe de meios adequados de defesa. Atendendo às suas múltiplas vantagens, o sistema parece encerrar um equilíbrio razoável entre o sacrifício imposto ao condutor e os direitos e interesses que se destina a salvaguardar, nomeadamente na dimensão específica da sua operação que temos vindo a apreciar, razão pela qual a norma sindicada consubstancia uma medida justificada de restrição da liberdade geral de ação compreendida no direito ao livre desenvolvimento da personalidade, não violando as disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 26.º e do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.

9.–Apreciemos agora a segunda questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente, que consiste em saber se a determinação da cassação do título de condução constitui uma segunda condenação do respetivo titular, violando a proibição do non bis in idem, consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição.
A argumentação do recorrente supõe que a determinação da cassação do título de condução corresponde a uma «dupla condenação», dado que o visado já teria sido condenado anteriormente em penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor pelos mesmos factos que deram origem à perda de pontos. No seu entender, o princípio do non bis in idem tem por finalidade assegurar a paz jurídica do visado e limitar o poder punitivo do Estado, impedindo que o mesmo facto – ou o mesmo «pedaço de vida» − seja valorado duas vezes, em processos distintos, com vista a uma dupla sanção.
A proibição de duplo julgamento ou valoração de factos com relevância penal não se confunde com a proibição de valorar multiplamente factos em sentido naturalístico, deles retirando uma pluralidade de consequências jurídicas. Basta, para o demonstrar, considerar a responsabilidade civil conexa com a criminal ou, mesmo no plano puramente penal, a admissibilidade do concurso ideal de crimes. O que o n.º 5 do artigo 25.º proíbe, como se salientou no recente Acórdão n.º 298/2021, é tanto a aplicação ao mesmo agente de uma dupla sanção pelos mesmos factos penalmente relevantes, como a respetiva sujeição a um segundo julgamento por factos penalmente relevantes relativamente aos quais haja sido já definitivamente julgado.
Não é esse o alcance da norma sob apreciação.
Em primeiro lugar, importa salientar que, ainda que no caso vertente os factos que conduziram à perda dos pontos do aqui recorrente e, por isso, à cassação da sua carta de condução, tenham sido condenações pela prática de crimes, essa é uma circunstância puramente acidental e que não se projeta na norma em apreciação.
Em segundo lugar, os factos relevantes para a decisão de cassação, segundo o critério previsto no artigo 148.º, n.º 4, alínea c), do Código da Estrada, e que são objeto de apreciação no procedimento previsto no seu n.º 10, são apenas os factos geradores da perda dos pontos, isto é, a definitividade de condenações por determinadas categorias de ilícitos contraordenacionais ou criminais, com abstração dos factos que estiveram na base dessas condenações. Tais factos – os factos que se traduzem no ilícito criminal ou contraordenacional gerador da perda dos pontos – não são reapreciados nem julgados no processo de cassação, que se limita a extrair consequências de âmbito não penal dos diversos atos de condenação.
Em terceiro lugar, a cassação do título de condução não se traduz numa dupla sanção pelos mesmos factos penalmente relevantes. Com efeito, ao contrário do que sucede, por exemplo, com a medida de segurança de cassação do título e de interdição da concessão do título de condução de veículo com motor, prevista no artigo 101.º do Código Penal e aplicável a delinquentes imputáveis, cujo decretamento constitui uma consequência jurídica de um crime, determinada no âmbito do processo penal, a cassação do título de condução por efeito da perda dos pontos, prevista no artigo 148.º, n.º 4, alínea c), do Código da Estrada, constitui uma medida administrativa de revogação de uma licença necessária à prática de uma atividade e que constitui o efeito, não da prática de uma infração criminal e do exercício estatal do ius puniendi, mas da verificação de que o seu beneficiário deixou de reunir as condições de aptidão que estiveram na base da sua concessão.
É certo que a condenação pela prática de crimes punidos com a pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal constitui um facto gerador de perda de pontos. Contudo, essa conexão é meramente reflexa, não só porque nenhuma condenação criminal, por si só, desencadeia a cassação prevista no artigo 148.º do Código da Estrada – nem o recorrente integrou tal questão no objeto do recurso –, como porque os critérios relevantes para essa cassação não se extraem dos factos que tipificam ilícitos criminais, mas sim da reiteração das condenações criminais ou contraordenacionais e da forma como elas revelam a incapacidade do condutor para observar as normas legais que garantem a segurança rodoviária.
Em suma, a norma sindicada não implica, nem que o condutor seja julgado novamente pelos mesmo factos, nem que por eles seja duplamente punido, pelo que não ocorre violação alguma do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição.

10.–Resta apreciar a terceira questão de constitucionalidade, que consiste em saber se a circunstância de o decretamento da cassação do título de condução, ao implicar automaticamente a proibição de condução dos veículos por ele abrangidos, viola o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, designadamente por dificultar ao seu titular o exercício do direito ao trabalho.
O recorrente alega que a cassação do título de condução, tal como prevista no artigo 148.º do Código da Estrada, constitui o efeito necessário de uma pena criminal, dado que o seu decretamento dispensa qualquer apreciação de circunstâncias concretas reveladoras de inaptidão para o exercício da condição.
Para responder a esta argumentação, deve começar por notar-se que não está aqui em causa – e não pode estar – a norma que estabelece a conexão fixa entre a condenação (ou a sujeição a suspensão provisória do processo, nos termos do artigo 281.º do Código de Processo Penal) do condutor pela prática de certas categorias de ilícitos contraordenacionais e criminais e a perda de determinado número pontos, visto que tal matéria é exclusivamente regulada nos n.ºs 1 a 3 do artigo 148.º do Código da Estrada, que o recorrente não integrou no objeto do recurso. Com efeito, o n.º 4 apenas estabelece as diversas consequências associadas às perdas dos pontos, abstraindo das causas subjacentes. Por outro lado, o n.º 10 estabelece somente que o procedimento conducente à cassação do título de condução é autónomo daqueles que deram origem às perdas de pontos e apenas terá lugar quando suceda a perda total dos pontos atribuídos ao título de condução. Tendo em consideração este aspeto, a questão não pode ser aqui apreciada com a amplitude com que o recorrente a concebe.
Em todo o caso, vale a pena sublinhar que, mesmo nos casos em que – acidentalmente – a perda integral dos pontos do condutor seja consequência de subtrações exclusivamente fundadas nos termos do n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada, é sempre o resultado cumulativo de diversas subtrações de pontos, imputáveis a mais do que um comportamento. Com efeito, o mecanismo previsto no artigo 148.º, n.º 4, comporta um escalonamento progressivo de consequências, em virtude das sucessivas subtrações de pontos que se forem sucedendo e que podem ser mitigadas pelas medidas aí previstas ou pelo mero decurso do tempo sem a prática de infrações. Tal evidencia que a decisão de cassação supõe um juízo próprio, distinto daqueles que estiveram na base das infrações às quais a lei associa a perda de pontos, juízo esse que, ainda que determinado exclusivamente pela aritmética da perda de pontos, incide precisamente sobre as condições de aptidão do visado para o exercício da condução. Não se trata, pois, de nenhum efeito automático da condenação penal, mas de um efeito jurídico produzido num ambiente normativo diverso e obediente a uma teleologia própria.
Por fim, é de reconhecer que a cassação do título de condução se traduz numa inadmissibilidade de conduzir na via pública os veículos para os quais tal título habilitava o seu titular e que essa proibição é passível de dificultar o exercício de uma variedade de atividades, designadamente laborais. Porém, da circunstância de ter esses efeitos, que são inerentes à própria natureza da medida de cassação e sem os quais as finalidades que presidem à sua aplicação se esvaziariam, não se segue que a cassação seja um efeito automático de uma pena; ou que a cassação, por sua vez, implique a perda de quaisquer outros direitos que não o de conduzir na via pública os veículos mencionados no título cassado. Para além disso, reitere-se que a aplicação da medida de cassação se inscreve num sistema gradativo de consequências, que comporta vários elementos de ponderação em favor e desfavor do condutor, pelo que está longe de poder ser vista, mesmo no ambiente normativo em que se insere, como de aplicação puramente automática.»

Fazendo então nossas estas doutas considerações, improcede o fundamento do recurso com base na invocada inconstitucionalidade.
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c)-Da omissão de pronúncia do tribunal a quo sobre a exequibilidade das decisões administrativas proferidas nos processos de contraordenação a que se reportam os autos nºs 9......20 e 4......05:
Dispõe o artº 75º, nº 1, DL nº 433/82, de 27.10 (Regime Geral das Contraordenações e Coimas) que «Se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.»
Esta regra geral vale para este processo pois inexiste qualquer norma especial que atribua a este tribunal a competência para apreciar o recurso que incida sobre a impugnação da matéria de facto, de sorte que o Tribunal da Relação apenas funciona como tribunal de revista.
Naturalmente que tal assim é sem prejuízo do conhecimento dos vícios a que alude o artº 410º, nºs 2, als. a) a c), e 3, do CPP, por remissão do artº 41º, nº 1, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, daí que este tribunal funcione como tribunal de revista alargada.
Com efeito, quanto à impugnação da matéria de facto, tal regime compreende-se no pressuposto de que os factos constantes da decisão administrativa já foram objeto de apreciação por um tribunal judicial, em sede de recurso de contraordenação.
Por outro lado, não tendo o direito ao recurso sobre a matéria de facto – como decidiu o TC no Ac. n.º 401/91 (publicado no DR, I Série-A, de 08.01.92) – que implicar renovação de prova perante o tribunal ad quem, nem tão-pouco que conduzir à reapreciação de provas gravadas ou registadas – Ac. n.º 253/92 (publicado no DR, II Série, de 27-10-92) –, a garantia do duplo grau de jurisdição sobre o facto tem que circunscrever-se a uma verificação pelo Tribunal da Relação da coerência interna e da concludência da sentença proferida no tribunal a quo, estando assim assegurando o direito ao duplo grau de recurso nessa matéria em sede de processo contraordenacional, conforme constitucionalmente imposto – cfr. artgs 20º, nº 1, e 32º, nº 8, da CRP.
Todavia, este processo tem a especificidade de não versar diretamente sobre qualquer infração contraordenacional estradal, partindo do pressuposto do trânsito em julgado de decisões administrativas contraordenacionais proferidas noutros processos, com a consequente subtração de todos os pontos do título de condução da ora recorrente.
Com efeito, o processo administrativo com vista à cassação da carta de condução visa apreciar o registo de infrações do condutor, com o propósito de contabilizar a perda de pontos decorrente da prática de contraordenações e/ou de crimes rodoviários, de modo  a determinar a perda da totalidade desses pontos, caso em que ocorre a cassação do título de condução, nos termos do artº 148º do Código da Estrada.
Sucede que no caso dos autos o tribunal a quo não tomou posição quanto à alegada impugnação judicial de duas das decisões administrativas por banda da recorrente – que esta entende não terem transitado em julgado -, por via das quais lhe foram retirados 6 pontos na sua carta de condução; isto é, não tomou posição nem quanto à prova ou quanto à não prova dessa alegação da recorrente, apesar de sobre essa matéria ter sido produzida prova na audiência de julgamento.
Ali foi argumentado que era nos respetivos processos contraordenacionais que essa questão deveria ser levantada pela recorrente, se estivesse em tempo.
Ou seja, o tribunal a quo não sindicou o trânsito em julgado das decisões administrativas proferidas nos processos contraordenacionais a que respeitam os autos nºs 9......20 e 4.......05.
Teria de o fazer?
Ao fim ao cabo, a arguida/recorrente invoca a nulidade da sentença nos termos do artº 379º, nº 1, al. c), do CPP, de onde decorre que é nula a sentença quanto «o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar», sendo certo que o «recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.» (nº 3 do artº 410º do CPP).
No caso vertente não está em causa saber se a recorrente praticou ou não as contraordenações em causa (pressuposto material), mas tão só se impugnou ou não as duas das decisões administrativas respetivas e, nessa medida, se elas transitaram em julgado ou não, isto é, se são ou não exequíveis, pressuposto formal para a cassação da carta de condução nos termos do artº 148º do Código da Estrada.
Está assente que as alegadas impugnações não chegaram a ser consideradas pela ANSR por não terem chegado ao seu conhecimento, não constando por isso dos dois processos contraordenacionais já referidos, pressuposto de que a arguida/recorrente também parte.
É por isso que tais condenações constam do Registo Individual de Condutor da arguida/recorrente.
Todavia, ela clama que as enviou pelo correio.
Sobre este facto o posicionamento do tribunal a quo, como se viu, foi o de considerar que tal questão teria de ser suscitada nos aludidos processos contraordenacionais e não no âmbito dos presentes autos, não tomando posição nem no sentido de dar como provado tal facto nem no sentido oposto.
Salvo melhor opinião, entendemos que este posicionamento do tribunal a quo é o correto.
O princípio da suficiência do processo penal, consagrado no nº 1 do artº 7º do CPP («O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessa à decisão da causa») comporta a exceção ínsita no nº 2 daquele preceito legal, segundo o qual «Quanto, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente.»
É disso exemplo o estatuído no artº 47º, nº 1, do RJIFNA, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06 («Se estiver a correr processo de impugnação ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças»).

Pese embora não se enquadrando exatamente na faculdade de suspensão do processo penal, mas até com maiores pontos de contacto com caso vertente quanto às suas consequências na marcha processual, está o entendimento, a bem dizer unânime, do STJ no sentido de que não devem integrar o cúmulo jurídico de conhecimento superveniente penas de prisão suspensas na sua execução e cujo prazo de suspensão já se tenha esgotado sem que previamente o tribunal competente para o cúmulo averigue se o tribunal da condenação as declarou extintas (artº 57º, nº 1, do Código Penal) – hipótese em que não integram o cúmulo jurídico -, as prorrogou (artº 55º, al. a), do Código Penal) ou revogou (artº 56º do Código Penal) – hipóteses em que integrarão o cúmulo jurídico -, sob pena de nulidade da sentença cumulatória por omissão de pronúncia nos termos da al. c) do nº 1 do artº 379º do CPP (neste sentido, a título meramente exemplificativo, veja-se o Ac. do STJ de 15.07.2020, proc. nº 3325/19.8T8PNE.S1, com texto integral em www.dgsi.pt).
Nesse caso, o tribunal chamado a proceder ao cúmulo jurídico de conhecimento superveniente deve sobrestar na inclusão no cúmulo jurídico da pena de prisão parcelar, aguardando que o tribunal da condenação revogue ou prorrogue a suspensão da pena de prisão, pois só nessas hipóteses a mesma poderá integrar o cúmulo jurídico.
Como nos parece evidente, no processo de cúmulo, por violação da autoridade de caso julgado, não se pode discutir a justiça da condenação pelos crimes em concurso, nem mesmo quaisquer vicissitudes processuais ocorridas nos processos que deram origem às condenações nas penas parcelares, matérias que caem fora do âmbito do poder jurisdicional do tribunal chamado a proferir a sentença cumulatória.
Ora, no caso vertente, de modo semelhante, a questão da desconsideração das alegadas impugnações judiciais naqueles dois processos contraordenacionais deveria ter sido suscitada pela arguida/recorrente nesses processos, dando disso conhecimento a estes autos, em face do que poder-se-ia sobrestar na prolação de sentença enquanto tal questão não estivesse definitivamente resolvida naqueloutros autos, pois tratar-se-ia de questão prejudicial (por aplicação do disposto no artº 7º, nº 2, do CPP, aqui aplicável com as necessárias adaptações, por remissão do disposto no nº 1 do artº 41º do RGCO).
Não o tendo feito, os presentes autos seguiram o seu curso normal, sendo certo que o tribunal a quo não tinha poder jurisdicional de cognição e de sindicância acerca do trânsito em julgado e consequente exequibilidade de decisões preferidas noutros processos por via da tomada posição quanto a alegados vícios procedimentais ali praticados, sob pena de desaforamento quanto a essa questão incidental e que extravasaria completamente a hipótese legal contemplada no artº 37º do CPP e em violação do disposto no artº 32º, nº 9, da CRP (princípio do juiz natural), pelo que tinha de partir – como partiu – do pressuposto da exequibilidade daquelas duas decisões, limitando-se a sindicar a decisão administrativa de acordo com os critérios ínsitos no artº 148º do CE.

Não nos cabe aqui discorrer quanto à questão de se saber qual a natureza dos alegados vícios, bem como se a arguida/recorrente ainda está ou não em tempo de os arguir nesses processos, pois é questão que, em face do que ficou dito, extravasa o âmbito dos presentes autos.
De todo o modo, na hipótese académica de tais incidentes serem suscitados com sucesso naqueles autos e das decisões ali proferidas pela entidade administrativa virem a ser revogadas ou se ali o procedimento contraordenacional vir a ser declarado prescrito, tal poderia ser fundamento de revisão da sentença aqui proferida, nos termos dos artgs 80º e 81º do RGCO e artgs 449º e ss. do CPP.
Seja como for, no presente, essa hipótese não se coloca.
Improcede por isso este fundamento recursório.
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d)-Omissão de pronúncia do tribunal a quo sobre requerimento probatório:
Alega a arguida/recorrente que o tribunal a quo não se pronunciou sobre um requerimento probatório por si efetuado.
E efetivamente assim é.
Ao contrário do referido nas contra-alegações do MP, a arguida/recorrente, no requerimento enviado aos autos a 29.05.2023, refª Citius 36090109, além do mais, efetuou um requerimento probatório com o seguinte teor (transcrição):
«Requer-se igualmente a ANSR que justifique a ausência das mesmas nos autos e envie ao tribunal o seu teor.»

Isto é, se bem interpretamos tal requerimento probatório, a arguida/recorrente pretendia que o tribunal oficiasse à ANRS para que justificasse a ausência das missivas que alegadamente a arguida dirigira para a sua morada a fim de serem juntas àqueles autos de contraordenação e, caso as tenha na sua posse, que enviasse ao tribunal o seu teor.

Sucede que na sessão de julgamento do dia 29.05.2029 o tribunal a quo, acerca do requerido sob a refª Citius 36090109, apenas proferiu o seguinte despacho (transcrição):
«Por poder eventualmente revestir interesse para a decisão da causa, admitem-se os documentos agora juntos, desde já se determinando que os CTT sejam notificados com cópia dos pedidos de registos, a fim de juntar aos autos comprovativo da entrega das cartas na ANSR, nos termos requeridos pelo Ilustre Mandatário da recorrente.
Notifique.»

Ora, nem nessa altura nem em data posterior o tribunal tomou posição quanto àquele requerimento.
Aqui chegados, competindo ao juiz determinar o âmbito da prova a produzir (nº 2 do artº 72º do RGCO), nem por isso se impunha a realização de tal diligência probatória, posto que, mais uma vez, é dirigida à sindicância de vícios procedimentais alegadamente cometidos noutros processos, que extravasam os poderes de cognição do tribunal a quo.
Aliás, tal traduzir-se-ia na prática de um ato inútil, posto que dirigida à prova de matéria que cai fora do âmbito do poder jurisdicional do tribunal a quo (cfr. os artgs 6º, nº 1, e 130º do CPC).
A questão em apreço acaba assim por ficar prejudicada por esse motivo.

Em suma, atentos os motivos expostos, improcede o presente recurso.
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III–Das custas
Dispõe o artº 513º do CPP o seguinte (aqui aplicável por remissão dos artgs 92º, nº 1, e 93º, nº 3, ambos do RGCO):
«1.–Só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1ª instância e decaimento total em qualquer recurso.
2.–O arguido é condenado em uma só taxa de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo.
3.–A condenação em taxa de justiça é sempre individual e o respetivo quantitativo é fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.
4.–(…)».

Assim, tendo a arguida/recorrente decaído totalmente no presente recurso, deverá ser condenada no pagamento de taxa de justiça nos termos do artº 8º, nº 7, do RCP e Tabela III a ele anexa.
Nessa conformidade, tendo em conta o número de questões suscitadas, mas que não são especialmente complexas, variando a taxa de justiça entre 3 e 6 UC, entendemos adequado fixá-la em 3,00 UC (três Ucs).
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DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes desta 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto, pelo que, consequentemente, mantém-se nos seus precisos termos a sentença recorrida.
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Custas pela arguida/recorrente, com 3,00 UC (três UCs) de taxa de justiça (cfr. o artº 513º, nºs 1 e 3, do CPP, ex vi dos artgs 92º, nº 1, e 93º, nº 3, ambos do RGCO, e o artº 8º, nº 7, do RCP, em conjugação com a tabela III anexa).
Registe e notifique (artº 425º, nºs 3 e 6, do CPP).


Lisboa, 09 de setembro de 2023.


(Texto processado por computador, composto e revisto pelo 1º signatário)


Os Juízes Desembargadores,

José Castro
Antero Luís
Jorge Manuel Rosas de Castro
Fernanda Sintra Amaral

(Assinaturas eletrónicas no canto superior esquerdo da 1ª página)



[1] Não se atende à ordem pela qual estão invocadas as questões nas conclusões recursivas da arguida, mas à sua ordem lógica de precedência, no sentido de que a procedência de uma tornaria inútil a
apreciação das demais.