DIVISÃO DE COISA COMUM
PROPRIEDADE HORIZONTAL
DEIXA TESTAMENTÁRIA
CONCEPTUROS
Sumário

I. O facto de a gramática do artigo 2033.º do CC atribuir  “capacidade sucessória”, na sucessão testamentária ou contratual, a “nascituros não concebidos”, e de o artigo 66.º do mesmo código afirmar que a personalidade se adquire no momento do nascimento completo e com vida e que os “direitos que a lei reconhece aos nascituros” dependem do seu nascimento, exige um esforço hermenêutico de compatibilização das duas normas.
II. Esse esforço conduz-nos a considerar que o artigo 2033.º, n.º 2, do CC não atribui capacidade em sentido técnico-jurídico a “nascituros não concebidos”, pois estes não passam de um conceito ideado sem qualquer existência material ou personalidade jurídica; o sentido da norma é o de permitir que pessoas nascidas após o óbito do de cujus possam beneficiar de deixas por morte, por respeito à vontade do falecido.
III. Os concepturos não são pessoas, não têm personalidade jurídica, não são suscetíveis de ter direitos, não podem estar numa ação, pelo que não pode haver ilegitimidade processual por preterição de “litisconsórcio com concepturos”.
IV. Os comproprietários de um imóvel – entre os quais, necessariamente, não se incluem concepturos, pese embora quota parte desse imóvel tenha sido deixada em testamento aos “filhos não concebidos” de um desses comproprietários –, necessariamente pessoas (existentes e vivas, passem os pleonasmos), têm o direito de exigir a divisão do mesmo imóvel.
V. A forma de respeitar a vontade do testador passa por constituir como património autónomo, temporariamente sem dono, a parte destinada aos futuros filhos da pessoa x, se vierem a existir.
VI. Tal património autónomo será administrado, nos termos do disposto no artigo 2240.º do CC, pela pessoa a favor de cujos concepturos foi feita a deixa, até que lhe nasça o primeiro futuro filho ou até que se torne certo que não o terá.

Texto Integral


I. Relatório
AR e outros, requerentes neste processo especial para divisão de coisa comum, em que são requeridos SD e outros, notificados da decisão proferida em 8 de fevereiro de 2023, que absolveu os requeridos da instância com fundamento em exceção dilatória de falta de personalidade judiciária e ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário, e com essa decisão não se conformando, interpuseram o presente recurso.

A compreensão do litígio e do objeto do recurso impõe um pequeno relato cronológico do processado:
AR, por si e em representação de seu potencial filho nascituro, e ASR, casados entre si, e, ainda, LR intentaram a presente ação de divisão de coisa comum, com processo especial, contra SR e SL, casados entre si, e GB, casado com BH, alegando que:
=> A titularidade dos direitos de usufruto e de propriedade sobre o prédio sito na Avenida …, …, descrito na CRP de Lisboa, sob o n.º …-São Jorge de Arroios, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alvalade, sob o art.º … (com origem no art.º …), distribui-se da seguinte forma:
a) Requerente AR – 1/3 (um terço) do direito de usufruto e 1/3 (um terço) do direito de propriedade plena;
b) Requerente LR – 1/12 (um doze avos) da nua propriedade;
c) 1º Requerido, SD – 1/12 da nua propriedade (um doze avos) e 1/6 (um sexto) do direito da propriedade plena;
d) 2º Requerido, GB – 1/12 (um doze avos) da nua propriedade e 1/6 (um sexto) do direito da propriedade plena; e
e) Nascituros do 1º Requerente marido, AR – 1/12 (um doze avos) da nua propriedade.
=> Os Requerentes não pretendem continuar na indivisão do prédio.
=> O prédio é divisível porque suscetível de ser constituído no regime da propriedade horizontal, dispondo já de autorização administrativa emitida pela Câmara Municipal de Lisboa.
=> A representação dos nascituros, titulares de 1/12 (um doze avos) da nua propriedade, cabe ao ora 1.º Requerente, nos termos do art.º 2240.º do Código Civil.
Terminam requerendo que, fixados os quinhões de cada interessado conforme supra alegado, e reconhecida a divisibilidade do prédio, o mesmo seja constituído no regime da propriedade horizontal, atribuindo-se as futuras frações a todos os interessados, na proporção daqueles quinhões, e sem prejuízo das tornas que possam caber feita que seja a pertinente perícia de avaliação.

Os requeridos não deduziram oposição.

Por despacho de 18/10/2022, as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a falta de personalidade e capacidade judiciária do(s) nascituro(s) do requerente AR e sobre o prosseguimento dos autos no sentido de a divisão da coisa ser apenas provisória, ficando sujeita ao regime de propriedade resolúvel.

Por requerimento de 03/11/2022, os requerentes responderam, em suma, que:
- não fizeram intervir na ação os nascituros do requerente, seja na qualidade de requerentes, seja na qualidade de requeridos;
- entendem simplesmente que a respetiva representação cabe ao referido requerente por força do disposto no art.º 2240º do Código Civil (sem prejuízo da intervenção do Ministério Público aquando da conferência de interessados por aplicação do disposto no art.º 929.º, n.º 3, do CPC).
Terminaram pedindo o prosseguimento dos autos para a fase subsequente, ou seja, a do reconhecimento da divisibilidade do prédio, com a sua constituição no regime da propriedade horizontal, e atribuindo-se as futuras frações aos interessados na proporção dos respetivos quinhões conforme requerido na petição inicial.

Por despacho de 06/01/2023, o tribunal a quo, afirmando que os requerentes não se pronunciaram sobre a possibilidade de divisão mediante condição resolutiva entre os comproprietários e usufrutuários nascidos, portanto, entre as partes na ação, voltou a determinar a sua notificação para, no prazo de 10 dias, comunicarem aos autos se concordam com a prosseguimento da ação nos termos expostos.
Mais clarificou que tal implica a provisoriedade da divisão da coisa comum efetuada, a qual ficará sujeita ao regime de propriedade resolúvel, logo será suscetível de modificação mediante o nascimento dos donatários nascituros; e, caso o requerente AR não venha a ter filhos, o direito dos comproprietários consolidar-se-á.

Por requerimento de 20/01/2023, os requerentes opuseram-se nos seguintes termos:
«Os ora requerentes não concordam com o prosseguimento da ação nos termos propostos no despacho de 18 de outubro p.p. e reiterados no despacho agora notificado.
A seguirem-se aqueles termos, todas as frações ficariam sujeitas à provisoriedade da divisão, inutilizando-a na prática e com claro prejuízo para os restantes comproprietários que não sejam o ora requerente AR cujos nascituros constituiriam a razão da dita provisoriedade.
Tanto quanto se afigura ser do conhecimento e do interesse de todos os intervenientes, é que apenas as frações que possam vir a ser adjudicadas ao requerente AR fiquem sujeitas à incidência registal dos nascituros e daí que se tenha pedido a intervenção do Ministério Público para aferir se, em concreto, a adjudicação que for acordada não é prejudicial para os ditos nascituros».

Foi, de seguida, proferida a decisão objeto de recurso, que absolveu os requeridos da instância, com fundamento em falta de personalidade judiciária do(s) nascituro(s).

Os requerentes não se conformaram e recorreram, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«a) Estão em juízo todos os comproprietários dotados de personalidade judiciária para que seja possível exercer o direito à não indivisão previsto no art.º 1412.º do Código Civil;
b) É irrelevante, para tal efeito, que na Conservatória do Registo Predial se encontre inscrito o direito a 1/12 da nua propriedade a favor de nascituro de um daqueles comproprietários;
c) Aquele direito deve-se ter como transitoriamente sem sujeito até que sobrevenha o nascimento ou a certeza da impossibilidade da sua verificação sendo que, até lá, todos os direitos de propriedade e afins relativos ao prédio podem ser exercidos exclusivamente pelos comproprietários dotados de personalidade jurídica;
d) Não se justifica que a divisão do prédio através da respetiva constituição no regime da propriedade horizontal implique que todas as futuras frações fiquem sujeitas à condição resolutiva do nascimento dos nascituros a favor de quem se encontre inscrito o direito a 1/12 da nua propriedade, algo altamente limitativo do exercício do direito de propriedade constitucionalmente garantido, condição resolutiva àquela que atualmente, e bem, não se encontra inscrita no Registo Predial;
e) A pretender-se salvaguardar os putativos direitos dos nascituros de AR, basta que, na atribuição das frações, fiquem a este adjudicadas aquelas que salvaguardem o correspondente a 1/12 da nua propriedade, sendo que só nessa condição é que poderia ser homologada a sentença reconhecendo a divisão do prédio no já aludido regime;
f) Considera-se, consequentemente, que a sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos art.ºs 66.º n.º 1, 952.º e 1412.º do Código Civil e 32.º n.º 2 do CPC, que se deverão ser interpretados e aplicados nos termos propugnados nas presentes alegações e conclusões.»

Os requeridos não apresentaram contra-alegações.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
a) Estão na ação todas as pessoas a quem respeita a relação material controvertida, não se verificando preterição de litisconsórcio necessário e sendo, portanto, as partes legítimas?
b) O processo reúne as condições necessárias à “fixação dos quinhões”, in casu, à constituição da propriedade horizontal, com definição das suas frações autónomas?

II. Fundamentação de facto
Estão provados os seguintes factos:
1. O prédio descrito na CRP de Lisboa n.º …/… da freguesia de São Jorge de Arroios, encontra-se inscrito a favor de:
a) Usufruto de 1/3 (um terço) a favor do requerente AR, considerando a AP. 14 de 2006/06/21 e o averbamento oficioso de 2006/08/18;
b) Nua propriedade 1/3 (um terço), sem determinação de parte ou direito, a favor do requerente LR, de cada um dos requeridos, SD e GB, e dos filhos nascituros, concebidos ou não concebidos, do ora requerente AR, conforme AP. 15 de 2006/06/21;
c) Metade de 1/3 (metade de um terço) da propriedade plena a favor do requerente AR conforme AP. 15 de 2008/09/22;
d) A outra metade pertencia a MB e, com o seu falecimento, passou para os requeridos GB e SD, que, assim, ficaram com 1/12 (um doze avos) cada um, da propriedade plena, conforme AP. … de 2010/10/25;
e) Mais 1/6 (um sexto) da nua propriedade a favor do requerente AR, e de 1/12 (um doze avos), a favor de cada um dos requeridos SD e GB, conforme AP. 3387 de 2012/11/29.
2. O prédio descrito na CRP de Lisboa n.º …/… da freguesia de São Jorge de Arroios está inscrito na matriz predial urbana sob o art.º … da freguesia de Alvalade (que teve origem no art.º … da extinta freguesia de Alvalade), e é composto por edifício com cave, rés-do-chão, mais três andares e logradouro, tendo área total de 300 m2 e de implantação 180 m2.
3. O imóvel dispõe de Certificação de Propriedade Horizontal emitida pela Câmara Municipal de Lisboa em 16/06/2021, no Pedido n.º CML- …-…, de acordo com o projeto de licenciamento aprovado em 17/01/2020, através do processo n.º …/EDI/…, inserido no volume obra n.º  …, nomeadamente no que se refere à sua composição, descrição, usos e partes comuns, ao abrigo dos artigos 1414.º e seguintes do CC.
4. Consta da memória descritiva da certificação de propriedade horizontal a descrição geral, as frações e áreas comuns em seguida descritas:
Descrição Geral
O edifício compõe-se de cave e 4 (quatro) pisos. O logradouro está dividido em duas parcelas. Pelo acesso com o n.º 30, desenvolve-se a entrada do edifício, servida por uma coluna de comunicação vertical por onde se acede às 8 (oito) habitações e às três arrecadações. As 8 (oito) frações habitacionais distribuem-se da seguinte forma; 2 (duas) frações na cave, direita e esquerda em que cada uma tem o uso exclusivo do respetivo logradouro; 2 (duas) frações no 1º andar em duplex para o piso inferior, direita e esquerda; 2 (duas) frações no 2º andar, direito e esquerdo e 2 (duas) frações no 3º andar, direito e esquerdo.
Descrição das Frações Autónomas
Fração "A"
Cave direita, fração autónoma destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, um quarto, uma instalação sanitária completa, uma cozinha, uns arrumos, uma marquise. Tem o uso exclusivo de uma parcela de logradouro confinante com a área bruta de 54,80 m2. Tem a área bruta de 70,50 m2, a permilagem de 90 mil avos.
Fração "B"
Cave esquerda, fração autónoma destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, um quarto, uma instalação sanitária completa, uma cozinha, uns arrumos, uma marquise. Tem o uso exclusivo de uma parcela de logradouro confinante com a área de 54,80 m2. Tem a área bruta de 70,50 m2, a permilagem de 90 mil avos.
Fração "C"
Primeiro andar direito, fração autónoma, em duplex, destinada a habitação. Compõe-se de um hall, uma instalação sanitária, uma despensa, uma sala, uma cozinha, uma marquise; e, no piso inferior, compõe-se de dois quartos, uma suite, duas instalações sanitárias e um closet. Tem a área bruta de 174,40 m2, a permilagem de 210 mil avos.
Fração "D"
Primeiro andar esquerdo, fração autónoma, em duplex, destinada a habitação. Compõe-se de um hall, uma despensa, uma sala, uma cozinha, uma marquise; e, no piso inferior, compõe-se de dois quartos, uma suite, duas instalações sanitárias, um closet e um roupeiro. Tem a área bruta de 174,40 m2, a permilagem de 210 mil avos.
Fração "E"
Segundo andar direito, fração autónoma, destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, uma instalação sanitária, dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma marquise e uma varanda na fachada principal. Tem a área bruta de 87,20 m2, a permilagem de 100 mil avos.
Fração "F"
Segundo andar esquerdo, fração autónoma, destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, uma instalação sanitária, dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma marquise e uma varanda na fachada principal. Tem a área bruta de 87,20 m2, a permilagem de 100 mil avos.
Fração "G"
Terceiro andar direito, fração autónoma, destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, uma instalação sanitária, dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma marquise e uma varanda na fachada principal. Partilha com a fração "H" o uso exclusivo das arrecadações identificadas como: Arrecadação A (com a área de 14,80 m2); Arrecadação B (com a área de 14,80 m2) e Arrecadação C (com a área de 4,30 m2). O Uso das arrecadações é indistinto às duas frações. Tem a área bruta de 87,20 m2, a permilagem de 100 mil avos.
Fração "H"
Terceiro andar esquerdo, fração autónoma, destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, uma instalação sanitária, dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma marquise e uma varanda na fachada principal. Partilha com a fração "G" o uso exclusivo das arrecadações identificadas como: Arrecadação A (com a área de 14,80 m2); Arrecadação B (com a área de 14,80 m2) e Arrecadação C (com a área de 4,30 m2). O Uso das arrecadações é indistinto às duas frações. Tem a área bruta de 87,20 m2, a permilagem de 100 mil avos.
Áreas comuns
As áreas comuns do prédio são as discriminadas no artigo 1421.º do Código Civil.

*
Os factos provados resultam dos seguintes documentos juntos aos autos pelos requerentes e que não foram postos em causa:
- Certidão do registo predial relativa ao prédio descrito na CRP de Lisboa n.º …/… da freguesia de São Jorge de Arroios;
- Caderneta predial urbana relativa ao art.º … da freguesia de Alvalade, que teve origem no art.º … da mesma freguesia (extinta); e,
- Certidão da CML relativa ao Pedido n.º CML- …-….

III. Apreciação do mérito do recurso
1. Considerações gerais relativas ao enquadramento jurídico da ação
Pelos presentes autos de divisão de coisa comum, com forma especial, as partes (requerentes sem oposição dos requeridos) pretendem que, reconhecida a divisibilidade do prédio e fixados os quinhões, este seja constituído no regime da propriedade horizontal, atribuindo-se as futuras frações a todos os interessados, na proporção das suas quotas, e sem prejuízo das tornas que possam caber feita que seja a pertinente perícia de avaliação.
Com efeito, aos comproprietários é reconhecido o direito de exigir a divisão do imóvel, não estando nenhum comproprietário obrigado a permanecer na indivisão (artigo 1412.º CC). Nos termos do disposto no artigo 925.º do CPC, o primeiro do título dedicado ao processo de divisão de coisa comum, aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum pode requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum.
Por outro lado, o n.º 1 do artigo 1417.º do CC dispõe que a propriedade horizontal pode ser constituída, inter alia, por decisão judicial, proferida em ação de divisão de coisa comum. Continuando, o n.º 2 do mesmo artigo e diploma estabelece que a constituição da propriedade horizontal por decisão judicial pode ter lugar a requerimento de qualquer consorte, desde que no caso se verifiquem os requisitos exigidos pelo artigo 1415.º, ou seja, que as frações autónomas constituam unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.
Estes requisitos, além de outros de ordem administrativa, estão desde já assegurados pela Certificação de Propriedade Horizontal emitida pela CML.
Em matéria de divisão de coisa comum, tem-se entendido que não é de dispensar, no processo judicial respetivo, a certificação camarária de que o mesmo satisfaz os requisitos civis e administrativos exigidos para a constituição da propriedade horizontal (v.g., Ac. TRL de 09/06/2009, proc. 8744/2008-7, e Ac. TRP de 13/10/2022, proc. 17/18.9T8VLC.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). No mesmo sentido Luís Filipe Pires de Sousa, Processos especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, Almedina, 2016, pp. 54-57.
No caso de constituição da propriedade horizontal por negócio jurídico, o documento camarário comprovativo de que as frações autónomas satisfazem os requisitos legais é exigido pelo n.º 1 do artigo 59.º do Código do Notariado. Para a constituição por decisão judicial, a lei não exige de forma expressa tal documento, sendo defensável que os requisitos legais (civis e administrativos) possam ser aferidos por outros meios de prova. Independentemente do entendimento que se tenha sobre o assunto, na situação sub judice, a certificação já se encontra feita pela CML.
O requerimento inicial não sofreu contestação e nada obsta à divisão jurídica da coisa comum, através da propriedade horizontal, estando já definidas pela competente certificação camarária as respetivas frações. Nos termos do disposto no artigo 927.º do CPC, se não houver contestação (sendo a revelia operante, o que o tribunal a quo entendeu não ser, como adiante veremos) e o juiz entender que nada obsta à divisão em substância da coisa comum, procede-se a perícia destinada à formação dos quinhões. No caso dos autos, estando já definidas as frações pela aludida Certificação de Propriedade Horizontal, a perícia, a ser necessária, será apenas para avaliação das várias frações.
À partida, pareceria uma ação de decisão simples e direta.
Sucede, porém, que, conforme consta do facto 1, al. b), a nua propriedade de 1/3 do imóvel (correspondente ao usufruto de 1/3 inscrito a favor do 1.º requerente) encontra-se inscrita a favor do requerente LR, de cada um dos requeridos, SD e GB, e dos «filhos nascituros, concebidos ou não concebidos», do 1.º requerente (AP. 15 de 2006/06/21).

2. Da inscrição de parte a favor de nascituros, concebidos ou não concebidos, e sua influência no curso dos autos
Na sua decisão final, de 08/02/2023, o tribunal a quo julgou verificar-se a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária dos nascituros e, consequentemente, a exceção dilatória de ilegitimidade processual por preterição de litisconsórcio necessário, absolvendo, em consequência, os réus da instância.
Para tanto, o tribunal a quo partiu das seguintes proposições (nem todas verdadeiras, adiante-se):
- os nascituros não têm personalidade jurídica nem, consequentemente, judiciária – não podem ser partes;
- é necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal – designado litisconsórcio necessário natural –, sendo o que se passa com a divisão de coisa comum;
- os nascituros do primeiro autor são comproprietários de 1/12 da nua propriedade do imóvel em apreço e têm de estar em juízo sob pena de ilegitimidade passiva.

Vejamos.
A personalidade jurídica adquire-se no momento do nascimento completo e com vida (artigo 66.º, n.º 1, do CC); e a personalidade judiciária (a suscetibilidade de ser parte) depende da personalidade jurídica (artigo 11.º do CPC), sem prejuízo dos casos de extensão listados no artigo 12.º do CPC (entre os quais não se encontram os nascituros).
Sucede que o artigo 2033.º do CC (no seu n.º 2, al. a)) atribui capacidade sucessória, na sucessão testamentária ou contratual, aos nascituros não concebidos, que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão. Analogamente, o artigo 952.º do CC afirma que os nascituros concebidos ou não concebidos podem adquirir por doação, sendo filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da declaração de vontade do doador.
Se a personalidade se adquire com o nascimento completo e com vida, como podem os nascituros ter direitos? Afirma o n.º 2 do artigo 66.º do CC que os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento. Apenas se adquirem, então, com o nascimento; até lá não são direitos do nascituro.
De facto, a conjugação das normas que conferem a possibilidade de testar e de doar a nascituros, incluindo aos não concebidos (concepturos), oferecem dificuldades de compatibilização face à inexistência física dos concepturos e à falta de personalidade jurídica de todos os nascituros.
Vejamos alguns ensaios doutrinários sobre o assunto, seguindo, em parte, o parecer do Instituto dos Registos e do Notariado proferido no Proc. CN …/… SJC-CT e junto aos presentes autos.
Para Pires de Lima e Antunes Varela, a capacidade sucessória reconhecida aos nascituros há de ser entendida em termos hábeis, posto que, à morte do de cuius, o nascituro não adquire nenhum direito subjetivo à herança, havendo apenas uma simples expectativa de futuro chamamento, a qual se converterá em autêntico direito ao chamamento quando ele nascer com vida e adquirir personalidade jurídica (Código Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, 2010, pp. 34-35).
Guilherme de Oliveira refere a deixa a nascituros como «condição imprópria, estabelecida pela lei, em geral, para todos os direitos reconhecidos aos nascituros – art.º 66, n.º 2; e estabelecida, em especial, para os seus direitos sucessórios – art.º 2033» (O testamento - Apontamentos, Coimbra, Secção de textos da F.D.U.C., 1993, disponível em formato digital em https://www.guilhermedeoliveira.pt/resources/O-Testamento-Apontamentos.pdf, p. 90).
Pondo em perspetiva algumas das construções jurídicas em torno da sucessão de nascituros ainda não concebidos, Pereira Coelho duvida mesmo que estejamos perante uma vocação, ainda que condicional, subordinada à conditio iuris do nascimento dos instituídos, apontando à tese de que a favor do nascituro ainda não concebido não se atua qualquer vocação sucessória, sequer condicional, antes do nascimento com vida (Direito das Sucessões, Lições ao curso de 1973-1974, 1974, pp. 96-99).
Para Inocêncio Galvão Telles e Espinosa Gomes da Silva, a vocação dos concepturos está subordinada à conditio iuris do seu nascimento, isto é, o concepturo é chamado, mas os efeitos da vocação, nomeadamente a atribuição do direito de suceder, ficam dependentes do facto do seu nascimento (Inocêncio Galvão Telles, Teoria Geral do Fenómeno Jurídico Sucessório, Noções Fundamentais, Lisboa, 1944, pp. 79-80, Espinosa Gomes da Silva, Direito das Sucessões, AAFDL Editora, 1978, pp. 195-197). Tratar-se-ia de uma exceção à regra da existência do chamado (Espinosa Gomes da Silva, cit., p. 195), que permitiria o chamamento de pessoas ainda não existentes.
Já para Galvão Telles, trata-se uma condição legal suspensiva na qual não deve funcionar o princípio da retroatividade, devendo a vocação operar apenas ex nunc, a partir do nascimento dos instituídos, sem retroação dos seus efeitos à data da abertura da sucessão, (cit., pp. 80 e 90).
Rabindranath Capelo de Sousa (Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2000, pp. 284-5 e 287-8) prefere o entendimento de que a vocação é originária, embora dependente da conditio iuris suspensiva do nascimento do sucessível, e acentua que, para o chamamento, basta uma certa existência jurídica (não necessariamente uma personalidade jurídica), antes ou no momento da abertura da sucessão, que continue após a abertura da sucessão.
Luís A. Carvalho Fernandes, por seu turno, explica os termos em que se pode dar a atribuição sucessória a nascituros por recurso à figura dos direitos sem sujeito, admitindo que, a título temporário, o direito subsista sem estar efetivamente atribuído a qualquer pessoa, desde que, nesse tempo, se assegure a consistência jurídica e prática do direito e da conservação do bem que tem por objeto, em termos de a posição do seu futuro titular não vir a ser afetada; adquirida a personalidade, os efeitos da vocação que então ocorre retrotraem-se à data da abertura da sucessão, ocorrendo algo equivalente a uma condição suspensiva legal (Lições de Direito das Sucessões, 2.ª ed., Quid Juris, 2001, pp. 156-158).
No mesmo sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Sucessões, Almedina, 2021, p. 104: «uma vez que a aquisição da personalidade jurídica depende do nascimento completo e com vida, apenas nesse momento se concretiza a vocação, ainda que esta retroaja ao momento da abertura da sucessão».
Vale a pena reproduzir alguns trechos de José de Oliveira Ascensão sobre esta matéria (Direito Civil, Sucessões, 5.ª ed., Coimbra Editora, 2000, pp. 125-127):
«Só pode ser chamado, só está em condições de receber o direito de suceder, quem tem personalidade jurídica. Só quem tem personalidade, por definição, é suscetível da titularidade de situações jurídicas.
É certo que a lei prevê esta matéria com referência à capacidade(…). Mas só pode ter capacidade quem tem personalidade. É a personalidade, antes de mais, que está em causa. (…)
II – a lei enuncia no art.º 2033/1 um pretenso princípio (…): o de que têm capacidade sucessória todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão, não exceptuadas por lei. (…)
No n.º 2 vai-se ainda mais longe. Respeita este à sucessão testamentária e à contratual: e atribui capacidade aos nascituros não concebidos, que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão – os chamados concepturos, pois.
Significa isto que a lei atribua personalidade jurídica aos nascituros concebidos e aos “concepturos”? (…)
No que respeita aos impropriamente chamados “concepturos”, é nítido que eles não têm personalidade, pois um não concebido não é sequer algo de realmente existente; é uma potência, captável só mediante um juízo. (…)
Pensamos que, neste art.º 2033, o legislador não utiliza o termo capacidade em sentido técnico, portanto como uma qualidade jurídica de um sujeito. Parece querer significar que essas entidades podem ser contempladas, pode fazer-se-lhe mesmo uma reserva de lugar, mas não propriamente que se lhes atribuam direitos. Numa situação desta ordem, espera-se que efetivamente venham à existência para haver vocação. (…)
Pelo que só nos resta o caminho de supor que capacidade é utilizada no art.º 2032 em sentido técnico e no art.º 2033 em sentido amplo. Aqui só se refere a suscetibilidade de se ser beneficiário de uma designação, como operação intelectual, e não como uma qualidade de uma pessoa.»
 
Independentemente da construção jurídica teórica que se prefira sobre o assunto, certo é que concepturos (foquemo-nos no mais fino objeto dos autos) não têm personalidade jurídica, logo não têm direitos. Concepturo não passa de um conceito sem materialidade correspondente, não tem existência física, é apenas uma palavra que designa aquele que há de ser concebido, podendo também não o ser.
O que está em causa é, antes do mais, um direito do testador (não um “direito do concepturo”, expressão contraditória, sem espelho na realidade). Neste sentido também Cristina Araújo dias, Lições de Direito das Sucessões, 5.ª ed., Almedina, 2016, p. 106, quando escreve: «A admissibilidade da sucessão de concepturos na sucessão testamentária e contratual visa respeitar o princípio da liberdade negocial e testamentária e satisfazer as eventuais motivações do autor da sucessão». O direito de as pessoas doarem ou testarem a favor dos tais concepturos, direito que apenas se materializará no seu desejado destinatário se e quando este vier a nascer, tem de ser respeitado (ou não seria um direito), dizendo a lei como fazê-lo. Já o veremos, no que respeita à sucessão.

Ora, se os concepturos não têm personalidade nenhuma – nem jurídica, nem judiciária –, não podem estar numa ação; logo não se pode dizer (é uma incongruência lógica) que a sua falta de personalidade determina a ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário.
Se os concepturos não têm direitos (porque não têm personalidade jurídica), seguramente que a relação material controvertida não os engloba. E não pode englobar porque eles não são pessoas, logo, não pode haver qualquer litisconsórcio (artigo 32.º do CPC) com concepturos.
Os concepturos não estão, não tinham de estar e não podem estar na ação.
Aliás, os requerentes explicaram isso mesmo no seu requerimento de 03/11/2022, em resposta à notificação do despacho de 18/10/2022, dizendo claramente que não fizeram intervir na ação os nascituros do requerente, seja na qualidade de requerentes, seja na qualidade de requeridos, entendendo simplesmente que a sua [rectius, diremos nós, do património sem dono que um dia poderá ser dos filhos do requerente que venham a nascer, e depois de nascerem] representação cabe ao referido requerente por força do disposto no artigo 2240.º do Código Civil.

Concluindo, nos comproprietários do imóvel dos autos não se incluem concepturos, desde logo porque os concepturos não têm direitos; as pessoas podem ter direitos que lhes foram atribuídos antes da sua existência, mas os direitos são das pessoas, não dos concepturos. Logo, neste momento, os únicos comproprietários do imóvel dos autos são as pessoas (existentes e vivas, passem os pleonasmos) que estão nesta ação.
Essas pessoas, comproprietárias, têm o direito de exigir a divisão do imóvel. Este direito é-lhes conferido pelo artigo 1412.º CC: nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão.
Como se disse, também o direito de quem testou deve ser respeitado. Mesmo que o testador já tenha falecido, respeita-se a sua vontade. Isto é inerente ao direito de testar.
A lei diz expressamente como é que, in casu, isso se garante: à herança deixada a nascituro não concebido, filho de pessoa viva, aplica-se o disposto nos artigos 2237.º a 2239.º, cabendo,  no entanto, à dita pessoa (ou, se ela for incapaz, ao seu representante legal) a representação do nascituro em tudo o que não seja inerente à administração da herança ou do legado. Assim o determina o n.º 1 do artigo 2240.º do CC.
Nos artigos 2237.º a 2239.º para os quais o 2240.º remete, determina-se, para o que agora releva, que, se o herdeiro for instituído sob condição suspensiva, é posta a herança em administração, até que a condição se cumpra ou haja a certeza de que não pode cumprir-se; ficando os administradores da herança sujeitos às regras aplicáveis ao curador provisório dos bens do ausente, com as necessárias adaptações.

Concluindo: o duodécimo do direito de propriedade destinado aos futuros filhos de AR, se vierem a existir, é, por ora, um património autónomo, temporariamente sem dono, administrado, nos termos do disposto no artigo 2240.º do CC, pela pessoa a favor de cujos concepturos foi feita a deixa, até que lhe nasça o primeiro futuro filho ou até que se torne seguro que não o terá.

3. O direito no caso concreto
Aqui chegados, e com a fundamentação expendida supra, impõe-se revogar a decisão que julgou extinta a instância por falta de legitimidade.
Em sua substituição:
i. Julgam-se as partes legítimas.

ii. Não se verifica qualquer outra exceção ou nulidade que impeça o prosseguimento e a decisão da causa.

iii. Constitui-se o prédio sito na Av. …, n.º …, Lisboa – descrito na CRP de Lisboa n.º …/… da freguesia de São Jorge de Arroios, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º … da freguesia de Alvalade (com origem no art.º …) –, em propriedade horizontal, com a descrição geral, as frações e áreas comuns em seguida descritas.
Descrição Geral
O edifício compõe-se de cave e 4 (quatro) pisos. O logradouro está dividido em duas parcelas. Pelo acesso com o n.º 30, desenvolve-se a entrada do edifício, servida por uma coluna de comunicação vertical por onde se acede às 8 (oito) habitações e às três arrecadações. As 8 (oito) frações habitacionais distribuem-se da seguinte forma; 2 (duas) frações na cave, direita e esquerda em que cada uma tem o uso exclusivo do respetivo logradouro; 2 (duas) frações no 1° andar em duplex para o piso inferior, direita e esquerda; 2 (duas) frações no 2° andar, direito e esquerdo e 2 (duas) frações no 3° andar, direito e esquerdo.
Descrição das Frações Autónomas
Fração "A"
Cave direita, fração autónoma destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, um quarto, uma instalação sanitária completa, uma cozinha, uns arrumos, uma marquise. Tem o uso exclusivo de uma parcela de logradouro confinante com a área bruta de 54,80 m2. Tem a área bruta de 70,50 m2, a permilagem de 90 mil avos.
Fração "B"
Cave esquerda, fração autónoma destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, um quarto, uma instalação sanitária completa, uma cozinha, uns arrumos, uma marquise. Tem o uso exclusivo de uma parcela de logradouro confinante com a área de 54,80 m2. Tem a área bruta de 70,50 m2, a permilagem de 90 mil avos.
Fração "C"
Primeiro andar direito, fração autónoma, em duplex, destinada a habitação. Compõe-se de um hall, uma instalação sanitária, uma despensa, uma sala, uma cozinha, uma marquise; e, no piso inferior, compõe-se de dois quartos, uma suite, duas instalações sanitárias e um closet. Tem a área bruta de 174,40 m2, a permilagem de 210 mil avos.
Fração "D"
Primeiro andar esquerdo, fração autónoma, em duplex, destinada a habitação. Compõe-se de um hall, uma despensa, uma sala, uma cozinha, uma marquise; e, no piso inferior, compõe-se de dois quartos, uma suite, duas instalações sanitárias, um closet e um roupeiro. Tem a área bruta de 174,40 m2, a permilagem de 210 mil avos.
Fração "E"
Segundo andar direito, fração autónoma, destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, uma instalação sanitária, dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma marquise e uma varanda na fachada principal. Tem a área bruta de 87,20 m2, a permilagem de 100 mil avos.
Fração "F"
Segundo andar esquerdo, fração autónoma, destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, uma instalação sanitária, dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma marquise e uma varanda na fachada principal. Tem a área bruta de 87,20 m2, a permilagem de 100 mil avos.
Fração "G"
Terceiro andar direito, fração autónoma, destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, uma instalação sanitária, dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma marquise e uma varanda na fachada principal. Partilha com a fração "H" o uso exclusivo das arrecadações identificadas como: Arrecadação A (com a área de 14,80 m2); Arrecadação B (com a área de 14,80 m2) e Arrecadação C (com a área de 4,30 m2). O Uso das arrecadações é indistinto às duas frações. Tem a área bruta de 87,20 m2, a permilagem de 100 mil avos.
Fração "H"
Terceiro andar esquerdo, fração autónoma, destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, uma instalação sanitária, dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma marquise e uma varanda na fachada principal. Partilha com a fração "G" o uso exclusivo das arrecadações identificadas como: Arrecadação A (com a área de 14,80 m2); Arrecadação B (com a área de 14,80 m2) e Arrecadação C (com a área de 4,30 m2). O Uso das arrecadações é indistinto às duas frações. Tem a área bruta de 87,20 m2, a permilagem de 100 mil avos.
Áreas comuns
As áreas comuns do prédio são as discriminadas no artigo 1421.º do Código Civil.

iv. As quotas dos comproprietários são as que constam do facto 1 que aqui relembramos:
O prédio descrito na CRP de Lisboa n.º …/… da freguesia de São Jorge de Arroios, encontra-se inscrito a favor de:
a) Usufruto de 1/3 (um terço) a favor do requerente AR, considerando a AP. 14 de 2006/06/21 e o averbamento oficioso de 2006/08/18;
b) Nua propriedade 1/3 (um terço), sem determinação de parte ou direito, a favor do requerente LR, de cada um dos requeridos, SD e GB, e dos filhos nascituros, concebidos ou não concebidos, do ora requerente AR, conforme AP. … de 2006/06/21;
c) Metade de 1/3 (metade de um terço) da propriedade plena a favor do requerente AR conforme AP. … de 2008/09/22;
d) A outra metade pertencia a MB e, com o seu falecimento, passou para os requeridos GB e SD, que, assim, ficaram com 1/12 (um doze avos) cada um, da propriedade plena, conforme AP. … de 2010/10/25;
e) Mais 1/6 (um sexto) da nua propriedade a favor do requerente AR, e de 1/12 (um doze avos), a favor de cada um dos requeridos SD e GB, conforme AP. … de 2012/11/29.

Para que melhor se perceba, colocamos todas as quotas com denominador comum, resultando nas seguintes:
A) 4/12 (quatro duodécimos) do direito de propriedade pertencem ao requerente AR;
B) 1/12 (um duodécimo) do direito de propriedade pertence ao requerente LR;
C) 3/12 (três duodécimos) do direito de propriedade pertencem ao requerido SD;
D) 3/12 (três duodécimos) do direito de propriedade pertencem ao requerido GB; e
E) 1/12 (um duodécimo) do direito de propriedade constitui um património autónomo que virá a pertencer ao(s) nascituro(s) do requerente AR, se e quando vierem a nascer, ou aos contitulares do terço da propriedade deixada por CJ (Ap. … de 2006/06/21), em partes iguais (ou seja, 1/36 para o requerente LR, 1/36 para o requerido SD, e 1/36 para o requerido GB), se e quando se verificar a impossibilidade de o referido AR vir a ter filhos.
Os duodécimos referidos em B) e E), um duodécimo dos referidos em C) e um duodécimo dos referidos em D) estão comprimidos pela existência do direito de usufruto a favor do requerente AR.

O duodécimo do direito de propriedade que virá a pertencer ao(s) nascituro(s) do requerente AR, se e quando vierem a nascer, ou aos atuais comproprietários do terço deixado por CJ (Ap. … de 2006/06/21) – ou seja, LR, GB e SD, em partes iguais –, se e quando se verificar a impossibilidade de o referido AR vir a ter filhos, é administrado até à verificação de uma daquelas ocorrências pelo mesmo AR.

Após remessa do processo à primeira instância, devem os autos prosseguir com avaliação do imóvel e conferência de interessados.

IV. Decisão
Face ao exposto, os juízes desta Relação julgam a apelação procedente e revogam a decisão recorrida, que substituem pela seguinte:
i. As partes são legítimas e não se verificam outras exceções ou nulidades que impeçam o prosseguimento e a decisão da causa.
ii. Constitui-se o prédio sito na Av. …, n.º …, Lisboa – descrito na CRP de Lisboa n.º …/… da freguesia de São Jorge de Arroios, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º … da freguesia de Alvalade (com origem no art.º …) –, em propriedade horizontal, com a descrição geral, as frações e áreas comuns em seguida descritas.
Descrição Geral
O edifício compõe-se de cave e 4 (quatro) pisos. O logradouro está dividido em duas parcelas. Pelo acesso com o n.º 30, desenvolve-se a entrada do edifício, servida por uma coluna de comunicação vertical por onde se acede às 8 (oito) habitações e às três arrecadações. As 8 (oito) frações habitacionais distribuem-se da seguinte forma; 2 (duas) frações na cave, direita e esquerda em que cada uma tem o uso exclusivo do respetivo logradouro; 2 (duas) frações no 1° andar em duplex para o piso inferior, direita e esquerda; 2 (duas) frações no 2° andar, direito e esquerdo e 2 (duas) frações no 3° andar, direito e esquerdo.
Descrição das Frações Autónomas
Fração "A"
Cave direita, fração autónoma destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, um quarto, uma instalação sanitária completa, uma cozinha, uns arrumos, uma marquise. Tem o uso exclusivo de uma parcela de logradouro confinante com a área bruta de 54,80 m2. Tem a área bruta de 70,50 m2, a permilagem de 90 mil avos.
Fração "B"
Cave esquerda, fração autónoma destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, um quarto, uma instalação sanitária completa, uma cozinha, uns arrumos, uma marquise. Tem o uso exclusivo de uma parcela de logradouro confinante com a área de 54,80 m2. Tem a área bruta de 70,50 m2, a permilagem de 90 mil avos.
Fração "C"
Primeiro andar direito, fração autónoma, em duplex, destinada a habitação. Compõe-se de um hall, uma instalação sanitária, uma despensa, uma sala, uma cozinha, uma marquise; e, no piso inferior, compõe-se de dois quartos, uma suite, duas instalações sanitárias e um closet. Tem a área bruta de 174,40 m2, a permilagem de 210 mil avos.
Fração "D"
Primeiro andar esquerdo, fração autónoma, em duplex, destinada a habitação. Compõe-se de um hall, uma despensa, uma sala, uma cozinha, uma marquise; e, no piso inferior, compõe-se de dois quartos, uma suite, duas instalações sanitárias, um closet e um roupeiro. Tem a área bruta de 174,40 m2, a permilagem de 210 mil avos.
Fração "E"
Segundo andar direito, fração autónoma, destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, uma instalação sanitária, dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma marquise e uma varanda na fachada principal. Tem a área bruta de 87,20 m2, a permilagem de 100 mil avos.
Fração "F"
Segundo andar esquerdo, fração autónoma, destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, uma instalação sanitária, dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma marquise e uma varanda na fachada principal. Tem a área bruta de 87,20 m2, a permilagem de 100 mil avos.
Fração "G"
Terceiro andar direito, fração autónoma, destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, uma instalação sanitária, dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma marquise e uma varanda na fachada principal. Partilha com a fração "H" o uso exclusivo das arrecadações identificadas como: Arrecadação A (com a área de 14,80 m2); Arrecadação B (com a área de 14,80 m2) e Arrecadação C (com a área de 4,30 m2). O Uso das arrecadações é indistinto às duas frações. Tem a área bruta de 87,20 m2, a permilagem de 100 mil avos.
Fração "H"
Terceiro andar esquerdo, fração autónoma, destinada a habitação. Compõe-se de um corredor, uma instalação sanitária, dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma marquise e uma varanda na fachada principal. Partilha com a fração "G" o uso exclusivo das arrecadações identificadas como: Arrecadação A (com a área de 14,80 m2); Arrecadação B (com a área de 14,80 m2) e Arrecadação C (com a área de 4,30 m2). O Uso das arrecadações é indistinto às duas frações. Tem a área bruta de 87,20 m2, a permilagem de 100 mil avos.
Áreas comuns
As áreas comuns do prédio são as discriminadas no artigo 1421.º do Código Civil.
iii. Após remessa do processo à primeira instância, devem os autos prosseguir com avaliação do imóvel e conferência de interessados nos termos do disposto no artigo 929.º do CPC.

Custas pelos recorrentes.                                   

Lisboa, 23/11/2023
Higina Castelo
Laurinda Gemas
Pedro Martins