INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
COMPROPRIEDADE
Sumário

1.- A incompatibilidade entre a causa de pedir e o pedido que, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 186.º do CPC, gera ineptidão da petição inicial pressupõe que entre estes dois elementos interceda um nexo de incompatibilidade absoluta, que um seja a antítese do outro, a ponto de a sua coexistência gerar um paradoxo.
2.- A contradição pressuposta na referida alínea não se confunde, assim, com uma simples “desarmonia” ou “desadequação”, o que se verificará quando o pedido, ainda que expresso de forma imperfeita ou sem rigor, caiba ou esteja em linha com a causa de pedir invocada em suporte do mesmo.
3.- A compropriedade, de acordo com a conceção prevista no art.º 1403.º, n.º 1 do CC, pressupõe a existência de um único direito de propriedade sobre uma mesma coisa, ainda que encabeçado por mais do que uma pessoa.
4.- O objeto do direito de compropriedade, por isso, ainda que se exteriorize ou se reflita numa quota ideal, não deixa de ser a coisa em si mesma considerada, pois que só relativamente a coisas “certas”, “determinadas” e “individualizadas” podem incidir direitos reais.
5.- O facto de a Autora invocar a compropriedade, mas pedir o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio e a condenação das Rés a entregá-lo livre de pessoas e bens constitui uma forma imperfeita ou menos rigorosa de formulação do pedido, atenta a diferença que intercede entre a compropriedade e a propriedade.
6.- Sendo a compropriedade uma expressão do direito de propriedade e não tendo a Autora manifestado a pretensão de que o direito lhe fosse reconhecido com exclusão de outrem, nem reportado o pedido a uma parte especificada do prédio, mas ao todo indiscriminado deste, entre a causa de pedir e o pedido assim formulados não há “contradição”, mas “desarmonia” ou “desadequação”, o que afasta a existência de ineptidão da petição inicial.

Texto Integral

.- Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados,

I.- Relatório
Quinta de Santa Rosa - Investimentos Imobiliários, Lda. instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra PLAM - Sociedade Geral de Representações, Lda. e MEO - Serviços de Comunicação e Multimédia, S.A., pedindo que, pela sua procedência:
i.- se reconheça à Autora o direito de propriedade do imóvel descrito sob o n.º …, da freguesia de Camarate, concelho de Loures, com uma área total de 106.683,00 m2, onde estão incluídos os 24.847,50m2 que foram ocupados ilicitamente pela Ré PLAM;
ii.- se condene a Ré PLAM a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre os 24.847,50m2 que ocupou ilicitamente e, outrossim, a entregar à Autora essa área livre de pessoas e bens e a abster-se da prática de atos ou factos materiais e jurídicos que coloquem em causa os direitos da Autora sobre o terreno;
iii.- seja apreciada a nulidade dos atos registrais de averbamento e acréscimo de áreas da descrição n.º 440, decorrente do requerimento da Ré PLAM, datado de 02-09-2010, na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures, como Apresentações n.ºs … e …, por inadequação, impossibilidade ou outra solução jurídica;
iv.- seja apreciada a nulidade da desanexação da área de 2.500m2, da descrição n.º … para a descrição n.º … e, assim sendo, a nulidade da compra e venda entre a PLAM e os TLP, por impossibilidade de objeto ou outra solução jurídica;
v.- subsidiariamente, seja a Ré MEO condenada a reconhecer à Autora o direito de propriedade dos 2.500 m2, que estão descritos sob o n.º …, da freguesia de Camarate, em Loures, e a entregá-lo à Autora livre de pessoas e bens e a abster-se da prática de atos ou factos materiais e jurídicos que coloquem em causa os direitos da Autora sobre o seu terreno descrito sob o n.º … da freguesia de Camarate, concelho de Loures.
Para tanto, e em síntese, alegou o seguinte.
É proprietária e possuidora da quase totalidade do prédio rústico denominado Quinta do Galvão, sito na freguesia de Camarate, concelho de Loures, descrito na 2.ª CRP de Loures sob o n.º … e inscrito na matriz sob o art.º …, da Secção C, da freguesia de Camarate, Unho e Apelação.
Foi a seguinte a sucessão de transmissões que deu origem a este prédio rústico.
Por escritura pública de compra e venda outorgada em 26-11-1975, AS e esposa venderam à sociedade comercial AS, Filho e Companhia, Lda. uma parte da Quinta do Galvão, descrita na CRP sob o art.º …, da freguesia de Camarate.
Concretamente, uma porção de terreno com a área de 135.000m2, naquele sítio da Quinta do Galvão, da dita freguesia de Camarate, terreno esse que, depois de desanexado daquela descrição predial n.º …, deu origem à descrição predial com o n.º 9811, com inscrição de aquisição a favor da dita sociedade AS, Filho e Companhia, Lda.
Atualmente, a descrição predial n.º … corresponde à descrição predial n.º … e, fruto de sucessivas desanexações, nela ainda não repercutidas quanto à área, corresponde a um prédio com 106.683,00m2.
O prédio, por escritura pública de compra e venda outorgada em 03-03-1988, foi adquirido à sociedade AS, Filho & Companhia, Lda. pela sociedade comercial Emproma - Empresa de Produtos de Madeira, Lda., que, por seu turno, por escritura pública de aumento do capital e alteração parcial do contrato outorgada em 07-12-2012, o transferiu para a Autora para realização do seu capital social, como forma de entrada na sociedade.
Desde esta última data é a Autora, pois, proprietária e legítima possuidora desse prédio, isto é, do prédio rústico com a área de 106.683,00m2, sito na Quinta do Galvão, descrito na CRP de Loures sob o n.º … e inscrito na matriz sob o art.º ….º-C, da freguesia de Camarate, Loures.
Sucedeu que a Ré PLAM apropriou-se e ocupou ilicitamente uma parcela de terreno do seu prédio com a área de 24.847,50m2 e, bem assim, vendeu, em 1991, 2.500m2 desse mesmo terreno aos TLP, logrando averbar o resto da área a seu favor na descrição predial do prédio de que é proprietária, sito em Camarate, denominado Quinta do Galvão ou da Piedade ou Quinta de Santa Rosa, descrito sob o n.º ….
A ocupação e o averbamento da área do prédio da Autora na descrição predial do prédio da Ré são, contudo, inaceitáveis, impondo-se que tais atos e negócios jurídicos sejam anulados ou cancelados e a Ré PLAM condenada a entregar-lhe a parcela de terreno ocupada livre de ónus ou encargos e a abster-se da prática de atos que prejudiquem o seu direito de propriedade.
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Válida e regularmente citadas, quer a Ré Meo - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., quer a Ré PLAM - Sociedade Geral de Representações, Lda. apresentaram as suas contestações, insurgindo-se ambas contra a pretensão da Autora.
Com relevo para a decisão deste recurso, deduziu a Ré PLAM a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, fundada em ineptidão da petição inicial.
Para tanto, e em síntese, argumentou que, de acordo com as próprias expressões da Autora, por via da ação pretende esta o reconhecimento de que é “proprietária e legítima possuidora da quase totalidade” do prédio que identifica na petição inicial, querendo com isso dizer, na verdade, que é “comproprietária” desse prédio.
Considerando os documentos juntos pela mesma com o seu articulado, será a Autora titular de uma quota indivisa no prédio de 125.100/130.000 avos ou então de 120.443/125.343 avos.
Por outro lado, se, da certidão permanente do prédio, resulta que dele são comproprietários FL, AP e ML, com 4343/130.000 avos, Vale Agro Comércio de Produtos Alimentares para Animais, Lda., com 557/130.000 avos e DA, com 297/106.683 avos, da caderneta predial consta que dele são comproprietários apenas os referidos FL, AP e ML, respetivamente com 1448/130.000 avos, com 1448/130.000 avos e com 1447/130.000 avos e Vale Agro Comércio de Produtos Alimentares para Animais, Lda., com 557/130.000 avos.
A Autora, contudo, apesar desta realidade, alega na petição inicial que é, desde 7 de dezembro de 2012, “proprietária de (todo) o prédio rústico descrito sob o n.º …”, o que é contraditório, não só com as suas próprias alegações, como como com a presunção decorrente do registo predial, que aponta para uma situação de compropriedade.
Assim, sendo contraditório nos seus próprios termos invocar como causa de pedir a compropriedade de um prédio e formular um pedido de reconhecimento de propriedade desse mesmo prédio, conclui a Ré PLAM ocorrer nos autos contradição entre a causa de pedir e o pedido constantes da petição inicial, o que, nos termos do disposto no art.º 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do CPC, constitui ineptidão da petição inicial, geradora de nulidade de todo o processo, conducente, enquanto exceção dilatória, à absolução da instância, nos termos dos art.ºs 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b) do CPC.
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Ordenada a notificação da Autora para se pronunciar, além do mais, sobre a aludida exceção dilatória, veio a mesma exercer o contraditório, batendo-se pela sua improcedência.
Para tanto, e em síntese, alegou que permitindo o n.º 2 do art.º 1405.º do CC que cada consorte reivindique de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro, não há contradição jurídica entre o facto de ser comproprietária do prédio e pedir o reconhecimento do direito de propriedade.
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Dispensada a audiência prévia, pelo tribunal de 1.ª instância foi proferido despacho saneador, julgando verificada a referida exceção dilatória de nulidade do processo fundada em ineptidão da petição inicial e, consequentemente, absolvendo as Rés da instância.
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Inconformado com esta decisão, veio a Autora interpor o presente recurso, formulando as suas seguintes conclusões, que aqui se transcrevem:
“1. O presente recurso vem interposto do Saneador-Sentença proferido pela primeira instância, pelo qual considerou “a petição inicial inepta” e, consequentemente, determinou “a absolvição da instância”.
2. A ineptidão da petição inicial foi considerada porque o pedido está em contradição com a causa de pedir, ou seja, ao abrigo da alínea c) do nº 1 do art.º 186º, do CPC (veja-se Sentença), porque o Tribunal “a quo” considerou que sendo a autora comproprietária do prédio não pode pedir o reconhecimento do direito de propriedade “exclusivo”.
3. Os pedidos principais da Autora em sede de Petição Inicial foram o reconhecimento do direito de propriedade de um prédio rústico, incluindo os 24.847,50 m2 ocupados pela ré PLAM.
4. Para fundamentar estes pedidos a Autora apresentou como causa de pedir o facto de ser comproprietária do prédio rústico denominado Quinta do Galvão, com uma área total de 106.683,00 m2, sito na freguesia de Camarate, descrito no registo predial sob o nº …, da freguesia de Camarate, concelho de Loures, que titula o seu direito de compropriedade, bem como indicou todos os factos pelos quais a ré PLAM se apoderou e registou a seu favor, ilicitamente, a área de 24.847,50 m2 que pertencem ao terreno compropriedade da autora, bem como alegou e demonstrou a venda perpetrada pela ré PLAM à Ré MEO de uma área de 2.500 m2 dessa parte do terreno.
5. Pela Certidão do Registo predial, junta pela autora, comprova-se e sabemos que a autora é comproprietária de 125.1000/130.000 avos do prédio rústico em causa nestes autos, sendo igualmente comproprietários os seguintes titulares:
- FL, AP e ML, com 4.343/130.0000 avos;
- “Vale Agro Comércio de Produtos Alimentares para Animais, Lda.,”, com 557/130.000 avos, e
- DA, com 297/106.683 avos.
6. Foi com base neste direito de compropriedade que a autora veio propor a presente ação de reivindicação do direito de propriedade.
7. Em abono da sua decisão de ineptidão da petição inicial, o Tribunal “a quo” invocou o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23.02.1999, do Processo nº 1790/98, e declara que o mesmo está “disponível em www.dgsi.pt”.
8. Consultando este Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, em www.dgsi.pt, verifica-se que só está transcrito o respetivo sumário e não a decisão na sua integralidade.
9. Por outro lado, do sumário desse Acórdão pode constatar-se que, aparentemente, fazia parte da causa de pedir uma autorização pregressa de uso de parte do terreno em compropriedade pelos vizinhos.
10. Assim, na causa de pedir do processo do TRC devia constar que os antigos comproprietários do terreno deram autorização aos vizinhos para estes refazerem um muro divisório, para ocupar uma faixa de terreno com 0,60 m2 (devem ser lineares!).
11. Ao invocarem na causa de pedir esta autorização de construção de muro divisório e, simultaneamente, pedindo a devolução dessa faixa do terreno há, claramente, contradição entre a causa de pedir e o pedido.
12. Não é a situação dos presentes autos, porque a A. nunca autorizou as rés a ocuparem 24.847,50 m2 da sua propriedade.
13. Por outro lado, pode concluir-se pelo sumário do Acórdão do TRC que se trata de um terreno único detido em compropriedade por dois vizinhos, dividido em duas metades com um muro divisório.
14. Assim, parece ser um único prédio detido na mesma proporção por pessoas diferentes, razão pela qual os vizinhos não são terceiros, para efeito do previsto no art.º 1405º, do Código Civil.
15. Não é a situação dos presentes autos, porque os réus não são comproprietários do prédio da autora.
16. Assim, a invocação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra pelo Tribunal “a quo” é totalmente deficiente e inaplicável, porque não se trata de situação semelhante ou similar com a dos presentes autos.
17. Acresce que e primacialmente, tem de se concluir que o Tribunal “a quo” entendeu que se tratava de uma situação de compropriedade do imóvel, porque a autora detém 125.1000/130.000 avos do prédio rústico em causa nestes autos (cerca de 96,23% do mesmo).
18. E tem também de se concluir que o Tribunal “a quo” entendeu que a autora veio a juízo pedir o reconhecimento do direito de propriedade desse imóvel.
19. Ou seja, tem forçosamente de se concluir que o Tribunal “a quo” entendeu que se tratava de uma ação de reivindicação, proposta ao abrigo do nº 2 do art.º 1405º do Código Civil (cuja norma é transcrita na decisão recorrida).
20. Em nenhuma parte da sua petição inicial a autora pediu o reconhecimento do direito de propriedade “exclusivo” sobre o imóvel.
21. Em parte nenhuma dos articulados da petição inicial consta que a autora alegou factos ou pediu o reconhecimento do direito de propriedade em “exclusivo”.
22. A autora apresentou-se em juízo como comproprietária, porque não tem o direito de propriedade na sua totalidade, como bem entendeu o Tribunal “a quo”, e como consta da resposta da autora às exceções alegadas pelas rés (junta aos autos).
23. Entre o facto de ser comproprietária e de pedir contra terceiros o reconhecimento do direito de propriedade não existe qualquer contradição jurídica.
24. O art.º 1405º nº 2, do CC, permite a um comproprietário para, desacompanhado dos demais, demandar terceiros e pedir o reconhecimento do direito de propriedade.
25. Como se conclui, a lei permite que o direito seja exercido por um dos contitulares do direito contra terceiros, mas, “o tribunal poderá, nesse caso, conhecer de todo o objeto do direito ou da obrigação” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, idem, ibidem, pág. 165).
26. Aliás, na resposta da autora contra as exceções apresentadas pelas rés, consta exatamente que a autora não pede o reconhecimento da exclusividade do direito, mas sim do direito de propriedade na qualidade de comproprietária, porque o seu direito apesar de ser quantitativamente diferente dos outros comproprietários é qualitativamente igual.
27. A invocação e o pedido da autora, desacompanhada dos outros consortes, decorre da qualidade do seu direito e de uma norma substantiva e não de uma norma processual, razão pela qual o reconhecimento do direito invocado aproveita a todos os comproprietários, porque é a lei substantiva que permite que um só defenda o direito de todos.
28. O que a lei substantiva prevê, indiscutivelmente, é a defesa ou a reivindicação do direito comum na sua totalidade, em ação intentada por um dos consortes contra terceiros.
29. Havendo uma lei substantiva que habilita e legitima um comproprietário a propor ação, desacompanhado dos outros consortes, em defesa do direito de propriedade de todos, então, não é possível decidir que há contradição entre a causa de pedir e o pedido.
30. Não consta da causa de pedir nem do pedido que a autora tenha pedido o direito “exclusivo” de propriedade, como consta da decisão.
31. Aliás, perscrutando a decisão recorrida não se vislumbra qualquer indicação ou especificação da contradição entre a causa de pedir e o pedido, que fundamente a ineptidão da petição inicial.
32. Não consta da decisão recorrida qualquer trecho ou sequer excurso da petição inicial que identifique os factos pelos quais se conclui pela contradição entre a causa de pedir e o pedido, sendo certo que não há nenhuma causa de pedir ou pedido, nos presentes autos, que permitam concluir que a autora se arroga ou tenha pedido o reconhecimento como proprietária exclusiva da área ocupada pelos réus.
33. O que consta da decisão sobre o pedido “exclusivo (leia-se)” é uma conclusão judicial, não alicerçada em factos, mas numa vontade não expressa pela autora.
34. Assim, a decisão é ininteligível por não identificar a matéria de facto que a consubstancia e fundamenta, mas unicamente num “leia-se”, devendo ser considerada nula (alínea b), do nº 1 do art.º 615º, do CPC).
35. Acresce que, e em abono da verdade jurídica, o que o Tribunal “a quo” identifica como contradição é o facto de a autora ser comproprietária, ter uma quota ideal, e pedir o reconhecimento da “exclusividade” do direito de propriedade.
36. Se assim ocorresse, o que não se concede, estaríamos perante uma situação de ilegitimidade, por não estarem os comproprietários na posição de réus, e não de contradição entre a causa de pedir e o pedido. 37. Na verdade, se porventura a autora tivesse pedido o reconhecimento da exclusividade do direito de propriedade da área em causa, então, os outros comproprietários também tinham de ser demandados como réus.
38. Assim sendo, e salvo melhor opinião, esta é uma questão de legitimidade e jamais de contradição entre causa de pedir e pedido.
39. Porém, a autora não pediu o direito de propriedade exclusivo do imóvel em questão nos presentes autos, ou seja, não apresentou factos que o consubstanciassem, não apresentou pedido nesse sentido e não demandou os outros consortes.
40. A ação da autora é uma ação de reconhecimento do direito de propriedade contra terceiros e não contra os comproprietários, razão pela qual não tinham de ser demandados.
41. Termos pelos quais se conclui que não há ineptidão da petição inicial, porque o Tribunal “a quo” entendeu erradamente e sem fundamentos que a autora pediu a exclusividade do direito de propriedade, e porque, quando muito, os fundamentos da decisão recorrida consubstanciam uma decisão de ilegitimidade e nunca de contradição entre a causa de pedir e o pedido.
42. Por outro lado, e em abono da autora, cumpre verificar com atenção os factos e o petitório, já conhecidos, e o que a lei prevê, ou seja, se é possível ou não um comproprietário, desacompanhado dos outros, propor ação de reivindicação contra terceiros.
43. Ora, para todos os efeitos e como já se alegou, tem de se considerar que a autora propôs a ação de reivindicação ao abrigo do nº 2 do art.º 1405º, do Código Civil.
44. Esta norma é uma exceção à norma geral contida no nº 1 do art.º 1405º, do CC, pela qual se prevê o exercício em conjunto de todos os direitos que pertencem ao proprietário singular.
45. Por sua vez, e no que diz respeito às normas processuais, entende a doutrina que a regra geral nas situações de litisconsórcio é a do litisconsórcio voluntário, por força do previsto no art.º 32º, do CPC.
46. Ou seja, a norma do nº 2 do art.º 1405º, do CC, pode ser uma exceção à regra que obriga ao exercício em conjunto de todos os comproprietários, mas é uma norma concordante com a regra geral processual do litisconsórcio voluntário.
47. A legitimidade processual ativa afere-se pelo interesse em demandar, que decorre da utilidade da procedência da ação, sendo partes os “sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor” (art.º 30º, do CPC) ou, como se aprendia, “ser parte legítima na ação é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, em “MANUAL DO PROCESSO CIVIL”, Coimbra Editora, 1985 - 2ª Edição, pág. 129).
48. Por sua vez, no que diz respeito a situações de litisconsórcio voluntário ativo, a lei permite que a ação seja proposta por um só, mas limitado à sua quota-parte (art.º 32º nº 1 do CPC).
49. Contudo, o nº 2 do art.º 32º, do CPC, prevê expressamente que, nalgumas situações de litisconsórcio ativo, está assegurada a legitimidade processual ativa quando a lei permite a um dos titulares do direito intervir sozinho no processo, neste caso em defesa comum de todos e não somente na sua quota parte.
50. Estamos perante as denominadas situações de litisconsórcio voluntário legal.
51. Quando estamos perante uma situação de litisconsórcio voluntário legal, como a dos presentes autos, a legitimidade decorre da norma “habilitante” e não da norma geral prevista no art.º 30º do CPC.
52. A ação de reivindicação contra terceiros, prevista no nº 2 do art.º 1405º, do CC, é exatamente uma das situações previstas na lei para aferição da legitimidade processual ativa na situação de pluralidade de titulares do direito de propriedade, afastando as regras da legitimidade assentes na relação material controvertida tal como é configurada pelo autor e a regra da quota-parte do interesse.
53. Como consta em douta decisão do Acórdão do STJ, “o art.º 1405º, nº 2 do Cód. Civil é bem claro quando estabelece que cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este lhe seja lícito opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro. Consagrou-se naquela norma a legitimidade de cada comproprietário para a ação de reivindicação, numa situação manifesta de litisconsórcio voluntário ativo, pelo que os autores, desacompanhados dos demais comproprietários, são parte legítima (artigos 30º e 32º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil” (Processo nº 204/13.6TBAMT.P1.S1, em www.dgsi.pt).
54. Face a todo o acima exposto, a decisão recorrida é totalmente discordante com a lei, tendo violado o nº 2 do art.º 32º, do CPC, o nº 2 do art.º 1405º, do CC, e a jurisprudência conhecida do Supremo Tribunal de Justiça, inexistindo qualquer contradição entre a causa de pedir e o pedido.
55. Por outro lado, noutra perspetiva, mas sem conceder e por mera cautela de patrocínio, sempre se acrescenta o seguinte.
56. Consta da sentença que a “contradição” entre a causa de pedir e o pedido (que inexiste), “não é possível de ser sanada mediante convite ao aperfeiçoamento porquanto corresponderia à formulação de um pedido diferente daquele que consta da petição inicial apresentada a juízo”.
57. Ora, a decisão recorrida proclama que há contradição entre a causa de pedir, que assenta no direito de compropriedade de imóvel, e no pedido, que incide sobre a “exclusividade” da propriedade.
58. Como já se viu não há nenhum pedido de exclusividade e assim sendo não há nenhuma contradição, porque a lei permite que um consorte sozinho proponha ação de reivindicação que abranja todo o direito de propriedade (aproveita a todos).
59. Contudo, o que está aqui e agora em causa é o Tribunal “a quo” entender que esta situação não é sanável.
60. Segundo se entende da decisão recorrida, havia duas formas de a autora sanar a putativa irregularidade proferida pelo Tribunal “a quo”: alterando o pedido para o reconhecimento do direito de propriedade sem exclusividade ou chamando à demanda os outros comproprietários na qualidade de réus.
61. Para demandar os outros comproprietários como réus a autora teria de alterar a causa de pedir, o que teria de merecer a concordância dos outros ou dos novos réus (art.º 265º, do CPC), o que jamais ocorreria.
62. Mas, a lei permite que a autora reduza o pedido em qualquer altura (nº 2 do art.º 265º, do CPC), razão pela qual, o Tribunal podia convidar a autora a fazê-lo, ao abrigo do art.º 6º nº 2, do CPC, e em nome do direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
63. Se o Tribunal “a quo” entendeu que a autora fez um pedido demasiado extenso, que não cabia no seu direito, porque pediu a “exclusividade” quando só detém uma parte, então, estamos perante um excesso de pedido.
64. Como é sabido e consabido, o nosso processo civil assenta no direito fundamental de acesso à justiça (ver art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que vincula e influencia as decisões dos nossos tribunais).
65. Neste âmbito e para atingir o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (art.º 20º da nossa Constituição), o Código de Processo Civil concede amplos poderes ao Juiz, nomeadamente de gestão processual (art.º 6º, do CPC, em particular o seu número 2) e, outrossim, prevê e admite em qualquer altura a redução do pedido.
66. Assim, o Tribunal a quo” podia ter convidado a autora a reduzir o pedido, alterando o pedido de reconhecimento a “exclusividade” do direito de propriedade para o reconhecimento do direito de propriedade, em nome de todos os comproprietários.
67. Assim sendo, é totalmente ilegal e desvirtua as normas processuais e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva a decisão pela qual se concluiu que a “contradição” entre a causa de pedir e o pedido “não é possível de ser sanada mediante convite ao aperfeiçoamento porquanto corresponderia à formulação de um pedido diferente daquele que consta da petição inicial apresentada a juízo”.
68. Por último, cumpre ainda fazer notar que o Tribunal “a quo” proferiu despacho, em 28-03-2023, com a referência 156330457, com o seguinte conteúdo:
“Atenta a posição assumida pelas partes não se afigura possível a conciliação das mesmas, mostrando-se de igual modo já debatidas as exceções invocadas em sede de articulados, pelo que cremos dispensável a realização de audiência prévia, contribuindo tal para uma agilização do processo e justa composição do litígio em tempo razoável, em consonância com o decorrente dos art.ºs 6º, nº 1, e 547º, ambos do CPC.”
69. Em face deste despacho, a autora não se opôs à dispensa da audiência prévia, porque também entendeu que o importante é a agilização do processo e a justa composição do litígio em tempo razoável.
70. Para a autora a agilização do processo e a justa composição do litígio passam pelo conhecimento do mérito da causa e a definição dos direitos peticionados (art.º 20º nº 4, da CRP).
71. É totalmente pacífico que o princípio da tutela jurisdicional efetiva implica que a sentença emanada pelo tribunal competente obtenha plena concretização, satisfazendo cabalmente os interesses materiais de quem obteve vencimento, nomeadamente que a decisão tenha sido tomada em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4 da CRP), que seja respeitado o caso julgado (artigo 282.º, n.º 3 da CRP) e que a sentença seja efetivamente executada (artigo 205.º, n.º 3 da CRP).
72. A decisão de ineptidão da petição inicial, em face deste despacho, de 28-03-2023, que evoca a justa composição do litígio, é uma decisão incoerente ou contraditória porque não conhece do mérito da causa nem assenta no direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
73. Por outro lado, a presente ação de reivindicação é de registo predial obrigatório e oficiosamente promovido pelo Tribunal.
74. Na petição inicial, de 18/01/2022/ foi requerido o registo da ação, ao abrigo do art.º 3º nº 1 e art.º 8º-B, nº 3 alínea a), do Código do Registo Predial.
75. Porquanto não tivesse sido promovido o registo a autora apresentou requerimento, em 31/03/2023, Ref.ª Citius 13603281, a solicitar o registo, invocando a sua obrigatoriedade e oficiosidade e indicando o Ac. do TRG, de 31-10-2019, Proc. 75/17.3T8MTR.G1.
76. Ainda assim, o Tribunal “a quo” não procedeu ao registo da ação, que até à presente data não foi concretizado, o que consubstancia uma omissão dos deveres processuais.”
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A Ré PLAM – Sociedade Geral de Representações, Lda. respondeu às alegações da Autora, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1 – A A., ora recorrente, numa fórmula propositadamente duvidosa, alegou ser comproprietária (propriedade plural) do prédio rústico referido sob o n.º 1 dos factos provados, no qual estaria incluída uma parcela de terreno com a área de 24.847,50 m2, alegadamente ocupados, de forma ilícita, pelas recorridas. Não obstante,
2 – Pediu o reconhecimento de ser proprietária (propriedade singular) desse prédio rústico, incluindo da aludida parcela de terreno, alegadamente ocupada, de forma ilícita, pelas recorridas, cuja entrega igualmente pediu.
3 – Existe, pois, contradição entre a causa de pedir e os pedidos, o que gera a ineptidão da douta p.i. e, por sua vez, a nulidade do processo, por força do disposto no n.º 1 e na alínea b) do n.º 2 do art.º 186.º do CPC, constituindo uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância, como bem reconheceu e decretou a Meritíssima Juiz “a quo”, através de douto despacho Saneador que, por isso, não merece qualquer reparo. Para além disso,
4 – A A., ora recorrente, para além de ter alegado ser comproprietária do supra indicado prédio rústico, alegou igualmente ser proprietária de todo esse mesmo prédio rústico.
5 – O que se traduz numa contradição entre causas de pedir cumuladas, exactamente com as mesmas consequências indicadas na antecedente conclusão 3., ainda que agora à luz do disposto no n.º 1 e na alínea c) do n.º 2 do art.º 186.º do CPC, matéria também de conhecimento oficioso e que, se fosse caso disso, no que não se concede, sempre deveria ser reconhecido e decretado por esse Venerando Tribunal.
6 – Face às antecedentes conclusões caem pela base as invocadas nulidade do douto Despacho saneador e susceptibilidade de sanação da contradição entre a causa de pedir e os pedidos.
7 – Relativamente ao registo da acção, neste momento, é matéria absolutamente inócua e sem qualquer utilidade prática.
8 - O que tudo a ora recorrida requer que seja reconhecido e decretado por V. Exas., Venerandos desembargadores, com as legais consequências, assim fazendo V. Exas., como sempre, a costumada, necessária e desejada JUSTIÇA!”
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A Ré MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A. não respondeu ao recurso.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, a questão que, neste recurso, importa apreciar e decidir é a seguinte:
.- saber se há ou não ineptidão da petição inicial com que foi introduzida a presente ação em juízo.
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III.- Da Fundamentação
III.I.- Na sentença proferida em 1.ª Instância e alvo deste recurso foram considerados provados os seguintes factos:
1. A A. é comproprietária na proporção de 125.100/130.000 avos do prédio rústico denominado Quinta do Galvão, sito na freguesia de Camarate, concelho de Loures, descrito na 2ª Conservatória do sito Registo na Predial freguesia de Loures sob nº … e inscrito na matriz sob o art.º …, da secção C, da freguesia de Camarate, Unhos e Apelação.
2. Do mesmo prédio são comproprietários:
a. FL, AP e ML, com 4343/130.000 avos,
b. “Vale Agro Comércio de Produtos Alimentares para Animais, Lda.”, com 557/130.000 avos e
c. DA, com 297/106.683 avos.
3. Requereu a A. na presente acção que: “se reconheça à Autora o direito de propriedade do imóvel descrito sob o nº …, da freguesia de Camarate, concelho de Loures, com uma área total de 106.683,00 m2, onde estão incluídos os 24.847,50 m2 que foram ocupados ilicitamente pela ré PLAM/se condene a ré PLAM a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre os 24.847,50 m2 que ocupou ilicitamente e, outrossim, a entregar à Autora essa área livre de pessoas e bens e a abster-se da prática de atos ou factos materiais e jurídicos que coloquem em causa os direitos da Autora sobre o seu terreno.”
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III.II.- Do objeto do recurso
Subjacente a este recurso está a decisão do tribunal de 1.ª instância que julgou inepta a petição inicial com que foi introduzida a presente ação em juízo e, consequentemente, absolveu as Rés da instância.
Na origem de tal decisão está a posição do tribunal a quo de que a Autora, enquanto comproprietária do prédio que aqui reivindica das Rés, não pode pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel.
Na sua ótica, sendo comproprietária do prédio, detém apenas uma quota ideal do mesmo, pelo que, ao revindicá-lo como detendo sobre ele um direito de propriedade exclusivo, incorreu em contradição insanável entre a causa de pedir e o pedido geradora de ineptidão da petição inicial.
Analisemos, pois, tal questão.
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Dispõe o art.º 186.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (doravante, CPC) que é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
A nulidade de todo o processo, por seu turno, é, nos termos da alínea b) do art.º 577.º do CPC, uma exceção dilatória que, sendo, inclusive, de conhecimento oficioso (art.º 578.º do CPC), obsta, nos termos do n.º 2 do art.º 576.º do CPC, a que o tribunal conheça do mérito da causa e dê lugar à absolvição do réu da instância.
Tratando-se de vício gerador de nulidade de todo o processo e, por conseguinte, de  absolvição do réu da instância, constitui o mesmo um vício especialmente grave, com cuja previsão se pretende, de acordo com António Santos Abrantes Geraldes, “estabelecer a segurança jurídica quanto ao objeto do processo conformado pelo pedido e pela causa de pedir”, estribando-se, pois, em “interesses de ordem pública e não em simples interesses do autor ou do réu (in Temas da Reforma do Processo Civil, Coimbra, 1997, p. 29, nota 16).
Há ineptidão da petição inicial, de acordo com o n.º 2 do citado art.º 186.º do CPC, nos seguintes casos:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Neste recurso, interessa-nos a hipótese consagrada na alínea b), que radica, como decorre da sua leitura, na incompatibilidade entre a causa de pedir e o pedido.
A propósito de tal vício, refere José Alberto dos Reis que “a causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão”
Com efeito, segundo o Autor, “o pedido tem, como a decisão, o valor e o significado duma conclusão; a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é (…) uma das premissas em que assenta a conclusão”; assim, “entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão”.
Acrescenta que “é da essência do silogismo que a conclusão se contenha nas premissas, no sentido de ser o corolário natural e a emanação lógica delas”, pelo que, “se a conclusão, em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas, teremos, não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, e portanto uma conclusão errada”.
Donde, “se o autor formula um pedido que, longe de ter a sua justificação na causa de pedir, está em flagrante oposição com ela, a inépcia é manifesta” (in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra, 1945, p. 381 e 382).
Note-se, contudo, que a anomalia da petição inicial em apreço pressupõe uma contradição entre a causa de pedir e o pedido, ou seja, pressupõe que entre um e outro interceda um nexo de incompatibilidade absoluta, que um seja a antítese do outro, a ponto de a sua coexistência gerar um paradoxo.
A contradição pressuposta na alínea em apreço não se confunde, assim, como refere Antunes Varela, com “uma simples desarmonia, pressupondo antes uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto… uma conclusão que pressupõe exactamente a premissa oposta àquela de que se partiu” (in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 121.º, p. 122).
Dito de outro modo, segundo Castro Mendes, a contradição aqui em causa pressupõe “um verdadeiro antagonismo entre o pedido e a causa de pedir e não de uma mera desadequação entre uma coisa e outra” (in Direito Processual Civil, Vol. III, p. 49, apud António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2022, p. 244).
Será esse o caso de escola em que, na petição inicial, se invoca a nulidade de um negócio jurídico e se conclui pedindo a condenação do réu a efetuar uma prestação com base na existência e na validade do negócio que se rotulou de inválido.
Nestes casos, o fundamento invocado afasta por si só o pedido nele estribado, a premissa está numa relação de incompatibilidade com a conclusão, são ambos a antítese um do outro, não podendo, por isso, sob pena de se viabilizar um paradoxo, coexistir e, por conseguinte, de se apreciar sequer a questão suscitada.
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No caso em apreço, está em causa a pretensão da Autora de que lhe seja reconhecido o direito de propriedade do imóvel descrito sob o n.º …, da freguesia de Camarate, concelho de Loures, com uma área total de 106.683,00 m2 e a condenação das Rés PLAM e MEO a reconhecê-lo e a entregar-lhe a parte desse prédio que cada uma ocupa sem título que o legitime.
Justifica a Autora a dedução desta pretensão com o facto de a Ré PLAM se ter apropriado ilicitamente de uma parcela de terreno daquele prédio com a área de 24.847,50m2 e de, em 1991, ter vendido aos então TLP, a quem a Ré MEO veio a suceder, 2.500m2 desse terreno, averbando o resto da área a seu favor na descrição predial do prédio de que é proprietária, sito em Camarate, descrito sob o n.º ….
Trata-se, aqui, por conseguinte, considerando a pretensão essencial da Autora, de uma ação de reivindicação, de acordo com a noção que dela nos é dada no art.º 1311.º, n.º 1 do Código Civil (doravante, CC), segundo o qual o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
Ora, apesar de a Autora pedir expressamente na ação o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio em causa e a condenação das Rés a entregar-lhe a parte do prédio que cada uma ocupa ilegitimamente, o certo é que a surgiu na ação sob a veste, não de proprietária exclusiva, mas de comproprietária do prédio.
A questão que aqui se coloca é, pois, a de saber se entre a invocação da compropriedade para sustentar a sua pretensão e a formulação do pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio sem menção àquela contitularidade traz ínsita uma contradição suscetível de, como concluiu o tribunal a quo, gerar o vício da ineptidão da petição inicial, conducente à nulidade de todo o processo e à consequente absolvição das Rés da instância.
Apreciemos, pois, tal questão.
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Impõe-se, antes do mais, que nos detenhamos sobre o conceito e a natureza do direito de compropriedade.
Dispõe a propósito no art.º 1403.º, n.º 1 do CC que existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
Da leitura de tal preceito resulta que a compropriedade pressupõe a existência de um único direito de propriedade sobre uma mesma coisa, direito esse que, todavia, é encabeçado, não por uma única, mas por duas ou mais pessoas.
A compropriedade constitui, assim, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “um caso de contitularidade num único direito de propriedade sobre a coisa comum” (in Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra, 1987, p. 344).
Ora, com esta conceção do direito de compropriedade – que é, acentue-se, a acolhida legalmente – são afastadas duas outras conceções dominantes sobre o conceito em apreço.
Assim, seguindo os ensinamentos de Manuel Henrique Mesquita (in Direitos Reais – Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, Coimbra, p. 242 a 247), é afastada, desde logo, a conceção tradicional, segundo a qual “cada contitular seria proprietário (proprietário pleno) de uma parte ideal ou intelectual da coisa objecto da compropriedade” isto é, uma conceção em que o “direito de cada comproprietário não pode incidir sobre uma fracção concreta e delimitada do objecto”, mas sobre “uma fração abstracta (não individualizada)” do mesmo.
E isto, porque um direito real, dada a sua natureza, “há-de incidir sempre sobre coisa certa e determinada – rectius: sobre coisa individualizada – ainda que, porventura, de natureza incorpórea” e não sobre uma “quota ideal ou abstracta”.
No mesmo sentido apontam Pires de Lima e Antunes Varela, para os quais a “conclusão lógica da adoção da conceção tradicional do direito de compropriedade “seria a de que a coisa comum era coisa sem dono”; o contitular seria, então, “dono da quota, que é distinta da coisa material (…)” (ibidem, p. 344 e 345).
O conceito legal de compropriedade afasta, também, a ideia de que o direito correspondente, nas palavras de Manuel Henrique Mesquita, “incidiria, não sobre uma quota ideal ou abstracta, mas antes sobre todo o objecto da compropriedade”, estando, contudo, “limitado pelo concurso de idênticos direitos de propriedade pertencentes aos demais titulares”.
E afasta, pela simples razão de que é impossível a coexistência de mais do que um direito de propriedade sobre a mesma coisa, na certeza de que podendo o proprietário usar, fruir e dispor plenamente da coisa, o exercício dessas faculdades por algum deles excluiria por si só o mesmo exercício pelos restantes.
Temos, assim, que, subjacente ao conceito de compropriedade adotado pelo legislador, está a ideia de que se trata de um único direito, incidente sobre a mesma coisa, mas com pluralidade de titulares.
Ou seja, o direito de compropriedade é uma forma de expressão do mesmo direito, o de propriedade, tendo, por isso, o âmbito, o conteúdo e o objeto deste, residindo a diferença entre ambos tão somente no facto de, ao contrário deste ser titulado, não por uma única pessoa, mas por mais do que uma.
De salientar que a ideia de que o direito de compropriedade incide sobre uma quota ideal ou abstrata do bem não é despicienda e não perde a sua razão de ser em face do que acaba de ser dito.
Na verdade, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 1405.º do CC os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular, mas, separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas.
Com tal preceito visou-se adaptar o regime da compropriedade à especificidade resultante do facto, acima assinalado, de se tratar de um direito encabeçado por mais do que uma pessoa.
Independentemente de se tratar do mesmo direito, o certo é que a pluralidade dos seus contitulares é passível de gerar dúvidas sobre a forma como se poderia processar a atuação isolada de cada um.
Adotou-se, assim, a solução de que se, no que diz respeito ao exercício dos direitos inerentes à propriedade singular, são eles exercidos em conjunto por todos os comproprietários, já quanto à participação nos proventos ou nas obrigações é ela feita na proporção das quotas de cada um no direito.
Trata-se aqui, de resto, de corolário do princípio traçado no n.º 2 do art.º 1405.º do CC, segundo o qual os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes, presumindo-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.
O conceito de quota ideal ou abstrata de que cada um dos consortes dispõe faz, assim, sentido, embora não para definir ou caracterizar o objeto e o conteúdo do direito do comproprietário, mas para regular a forma de posicionamento e de atuação deste perante os demais, em determinadas facetas do exercício isolado do seu direito.
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Debruçando-nos agora sobre o caso dos autos, o tribunal a quo, como se viu, considerou que, tendo a Autora estruturado a ação no sentido de ser comproprietária do prédio cuja titularidade reivindica, mas acabado por peticionar o reconhecimento do direito de propriedade sobre ele e a consequente entrega à mesma das parcelas de terreno ocupadas pelas Rés, incorreu em contradição entre a causa de pedir e o pedido geradora de ineptidão da petição inicial.
Para sustentar esta posição, invocou, no essencial, a seguinte ordem de ideias, depois de transcrever os acima citados art.ºs 1403.º, n.ºs 1 e 2 e 1405.º, n.ºs 1 e 2 do CC:
Havendo um ou vários direitos de propriedade, o certo é que a cada comproprietário pertence uma quota ideal da coisa.
Esta quota ideal ou intelectual corresponde a uma parte objetivamente indeterminada da coisa, que só através de uma acção de divisão de coisa comum se objectiva e materializa.
No caso a A., comproprietária do prédio não pode pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre uma porção do imóvel, quando muito poderia pedir o reconhecimento do seu direito de compropriedade.
Sendo a coisa comum, detendo a A. apenas uma quota ideal correspondente a 125.100/130.000 avos do prédio rústico identificado nos autos, inexistindo, pelo menos juridicamente, a concretização dessa quota, não pode a A. dirigir ao Tribunal o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade exclusivo (leia-se), nem que o Tribunal condene as RR. nos moldes peticionados.
Esta contradição não é passível de ser sanada mediante convite ao aperfeiçoamento porquanto corresponderia à formulação de um pedido diferente daquele que consta da petição inicial apresentada a juízo”.
Atento tudo quanto acima foi dito, não se pode, contudo, sufragar tal posição.
Não há dúvida de que a Autora, ao pedir o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio em questão e a condenação das Rés a entregar-lho livre e desocupado, não foi rigorosa na forma como exprimiu a sua pretensão de tutela jurisdicional.
É claro que se é simples comproprietária do prédio, juntamente com outros titulares, o que deveria ter pedido era o reconhecimento do seu direito de compropriedade sobre o prédio e a condenação das Rés a entregar as parcelas de terreno a todos os contitulares do prédio ou, pelo menos, à mesma enquanto contitular deste.
Esta falta de rigor, aliás, verificou-se, também, na forma como a Autora exprimiu a própria causa de pedir, já que, ao invés de qualificar o seu direito como sendo um direito de compropriedade e de quantificar a sua quota, afirmou apenas “ser proprietária da quase totalidade do prédio rústico em questão” (v. art.º 3.º da petição inicial).
O certo é que uma coisa é a falta de rigor e outra a conclusão de que essa vicissitude encerra uma contradição de tal modo grave e insanável que acarrete a nulidade de todo o processo e o fim deste, com a absolvição das Rés da instância.
O que, quanto a nós, se não verifica.
Na verdade, e desde logo, o direito de compropriedade é, como se viu, uma diferente expressão do direito de propriedade, dele divergindo apenas, não quanto ao âmbito e conteúdo, mas quanto ao número de titulares.
O pedido da Autora de reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio dos autos não está, por conseguinte, em posição de incompatibilidade ou de antagonismo relativamente ao pedido de reconhecimento do direito de compropriedade que lhe incumbia formular.
Acresce que a Autora formula o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio, mas em momento algum do seu articulado e do próprio pedido faz alusão a qualquer facto que sugira a pretensão de reconhecimento de que o direito lhe pertence em exclusivo e com exclusão de quaisquer outros titulares.
O facto de acabar por peticionar o reconhecimento do direito de propriedade não traduz, assim, no contexto dos autos, uma pretensão de reconhecimento de um direito que atente contra a realidade que ela própria afirma existir, que é a de contitularidade do direito de propriedade sobre o prédio.
De referir, ainda, que a Autora também não pede o reconhecimento de um direito de propriedade a seu favor sobre uma parte especificada ou individualizada do prédio, mas sim o reconhecimento da propriedade sobre a totalidade indiscriminada do prédio, o que não deixa de estar em linha com a prerrogativa concedida ao comproprietário no n.º 2 do art.º 1405.º do CC, de poder reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.
Temos, pois, tudo conjugado, que o pedido efetivamente formulado pela Autora, ainda que imperfeitamente expresso e primando pela falta de rigor, não está, relativamente aos fundamentos que invocou para suportá-lo, numa relação de antagonismo que materialize a contradição pressuposta na modalidade de ineptidão da petição inicial aqui em apreço.
Pelo contrário, vemos o pedido formulado pela Autora como um pedido que está em “desarmonia” ou em “desadequação” com a causa de pedir invocada para suporte do mesmo, o que, sendo diferente da “contradição” pressuposta na alínea b) do n.º 2 do citado art.º 186.º do CPC, não é geradora de ineptidão da petição inicial.
Valendo-nos aqui do exposto no Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de dezembro de 2016 em que se apreciou, no essencial, a questão aqui também em apreço, ali como aqui “o A. não pede o reconhecimento de um direito de propriedade exclusiva sobre parte identificada do imóvel (…), mas (apenas) a condenação no reconhecimento no reconhecimento do seu direito de propriedade relativo ao prédio rústico identificado no art.º 1.º da p.i., tratando-se, pois, do prédio de que tal demandante é “co-proprietário” (…), por se tratar de “propriedade indivisa”.
Ou seja, ali como aqui, “em interpretação conjugada do petitório do A. com o que o mesmo articulou ao longo da sua p.i., parece poder concluir-se que o seu primeiro pedido se reporta à totalidade de prédio em situação de compropriedade, sendo ele um dos comproprietários”.
Assim, ali como aqui, “em adequado esforço interpretativo – é certo que o A. poderia referir-se ao seu direito de compropriedade sobre o todo, e não o fez no pedido – dúvidas não parecem restar, salvo o devido respeito, de que o demandante, aludindo ao seu direito de propriedade relativo ao prédio, tal como identificado sob o art.º 1.º da p.i., se pretendia reportar ao seu direito de propriedade comum sobre o imóvel, não, pois, a um direito de propriedade exclusiva (…)”.
Face ao exposto, a menção que, como neste processo se fez, “a um direito de propriedade, em vez de direito de compropriedade, mais parece decorrer de lapso que, efetivamente, o A. poderia ter sido convidado a esclarecer e corrigir, e que deve ser interpretada como reportando-se a uma realidade de compropriedade e não de propriedade exclusiva (…), sendo ainda certo que na designação ampla de propriedade – sem menção de exclusividade – cabe a compropriedade (ainda compropriedade, mas em comum)” (Acórdão disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
Em suma, não há, entre a causa de pedir e o pedido subjacentes a esta ação, uma incompatibilidade geradora de ineptidão da petição inicial, mas apenas uma desarmonia ou desadequação que não obstam à normal prossecução dos autos, sendo, ou passível de retificação autónoma, ou de consideração em sede de sentença final, o que, em caso de procedência da ação, estará contido nos limites do art.º 608.º, n.º 1 do CPC: a decisão estará em sintonia com o objeto daquilo que foi pedido e, representando uma compressão do direito invocado pela Autora, não redundará em condenação em quantidade superior ao pedido.
Resta dizer que a Ré PLAM, nas conclusões da sua resposta ao recurso, invocou, também, que a petição inicial padeceria do vício da ineptidão pelo facto de nela se cumularem causas de pedir incompatíveis entre si, também reconduzindo a situação dos autos à hipótese prevista na alínea c) do art.º 186.º do CPC.
E isto porque, segundo a mesma, a Autora, “para além de ter alegado ser comproprietária do supra indicado prédio rústico, alegou igualmente ser proprietária de todo esse mesmo prédio rústico, o que se traduz numa contradição entre causas de pedir cumuladas”, vício esse que sempre seria de “conhecimento oficioso”, devendo ser decretado por este tribunal.
Mas não é esse, de todo, o caso.
Na verdade, como se viu, a Autora estruturou a causa em torno do facto, alegado no art.º 3.º da petição inicial, de “ser proprietária da quase totalidade do prédio rústico em questão”, o mesmo é dizer, em torno da compropriedade.
Por outro lado, fê-lo reportada a toda a documentação junta aos autos com a petição inicial, documentação essa da qual se retira forçosamente a conclusão de que o direito da mesma era, de facto, o de compropriedade e não o de propriedade exclusiva.
Tanto assim foi, de resto, que, na decisão recorrida, se fez constar como facto provado, tendo por base essa documentação, a circunstância de a Autora ser comproprietária do prédio, com especificação da sua quota no direito e da identidade dos restantes contitulares.
Acresce que a Autora, como já se disse antes, não invocou na petição qualquer facto do qual se depreendesse que a mesma se arrogava proprietária exclusiva do prédio, com exclusão de qualquer terceiro na titularidade do domínio.
Finalmente, independentemente de a Autora rotular o seu direito de compropriedade ou de propriedade, é inequívoco que o facto aquisitivo desse direito que invoca é o mesmo em toda a alegação que faz.
A alusão que, ao longo do articulado inicial, fez a Autora ao direito de propriedade mais não constitui, por conseguinte, interpretando esse articulado como um declaratário normal, diligente e sagaz interpretaria se com ele confrontado, do que uma menção imperfeita ao seu direito, direito esse que, de acordo com a sua posição vincada no art.º 3.º da petição inicial e na documentação cujo teor foi pressupondo na articulação que fez dos factos na petição inicial, era, como se viu, o da compropriedade.
Em suma, não há no caso contradição atendível, quer entre causas de pedir, quer entre a causa de pedir e o pedido subjacentes à ação.
Merecerá o recurso, pois, pleno provimento, com a consequente revogação da decisão recorrida.
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Porque única vencida no recurso, suportará a Ré PLAM as custas da apelação.
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IV.- Decisão
Termos em que se decide julgar procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, declarando-se que o processo não padece de nulidade fundada em ineptidão da petição inicial, devendo, por conseguinte, prosseguir os seus termos normais.
Custas da apelação pela Ré PLAM - Sociedade Geral de Representações, Lda.
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Lisboa, 23 de novembro de 2023
José Manuel Correia
Laurinda Gemas
Vaz Gomes