RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
LEI PROCESSUAL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NULIDADE DE DECISÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
ÓNUS DO RECORRENTE
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
REJEIÇÃO
Sumário


I – Em matéria de decisões interlocutórias que foram conhecidas pelo Tribunal da Relação a admissibilidade da revista encontra fortemente condicionada pelo disposto no artigo 671º, nº 2, do Código de Processo Civil, pelo que, não havendo o recorrente invocado qualquer circunstancialismo que se integre no mencionado preceito, o recurso não é, quanto a elas, admissível.
II – O objecto do recurso de revista é o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação e não a sentença de 1ª instância, conforme resulta liminarmente do disposto no artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, pelo que, havendo a nulidade da decisão de 1ª instância sido apreciada pelo Tribunal da Relação de Évora, no sentido do seu desatendimento, não há lugar à sua reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça.
III – A impugnação da matéria de facto pressupõe, para ser admissível, a inclusão nas conclusões de recurso (e não apenas no corpo das alegações) dos pontos de facto impugnados, ocasionando tal omissão a sua imediata rejeição, por incumprimento do disposto no artigo 640º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil.

Texto Integral



Revista nº 203/18.1T8GDL.E1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

Instaurou AA, residente na Rua ..., ..., a presente acção de despejo, com processo comum, contra BB, residente na Casa ....

Essencialmente alegou:

O seu pai, em Abril de 1991, deu de arrendamento ao Réu, por contrato verbal o imóvel que identifica para habitação única e exclusivamente do réu, tendo-se excluído a possibilidade de subarrendamento ou hóspedes.

Porém, o réu colocou o arrendado no site AirBNB disponibilizando-o todo o ano, hospedando quem reserva vaga.

Conclui pedindo que:

a) Seja declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o pai da Autora e o Réu;

b) Seja o Réu condenado a entregar o arrendado à Autora livre de pessoas e bens, nas condições em que o mesmo lhe foi entregue, e com a maior celeridade possível tendo em conta a situação;

c) Seja o Réu condenado a não ceder, total ou parcialmente, temporária ou permanentemente e onerosa ou gratuitamente o arrendado até ao momento em que o entregar à Autora.

Citado o Ré, este apresentou contestação, alegando que, acordou com o pai da Autora a possibilidade de proporcionar e ceder a outras pessoas a utilização do locado com ou sem contrapartida económica.

Pelo Réu foi deduzido pedido reconvencional contra A Autora requerendo:

- A condenação da A. Reconvinda no pagamento ao R. e Reconvinte da quantia de 24.750,00€, a título de benfeitorias e obras de reparação no locado.

Pela Autora foi deduzido articulado superveniente.

Foi deduzido pedido de condenação por litigância de má-fé do Réu.

- A prossecução dos autos com a realização da audiência de discussão e julgamento foi notificada às partes em dezembro de 2020.

- O recorrente requereu pela primeira vez que a data de julgamento fosse dada sem efeito, pela primeira vez em 14.05.21, alegando que o processo não devia prosseguir sem ter sido proferido despacho saneador – art.º 593.º do CPC – impondo- se a reparação desta situação, de forma a garantir o direito instrumental das partes e inquinar as diligências em curso pedindo que:

«A – Seja dada sem efeito a data de 19 de Maio, pelas 9:30 horas, designada para a realização da audiência final, observando-se, posteriormente, o disposto nos art.ºs 591.º e segs do CPC. B – A efetivação das notificações legais pela via mais expedita.»

- E sobre tal requerimento é que se decidiu em 18.05.21 o seguinte:

«… houve lapso em dispensar a prolação de despacho saneador nos termos do disposto no artigo 597º do Código de Processo Civil e agendada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, quando o valor da causa impunha a prolação de despacho saneador.

Porém, tal despacho foi proferido em 14-12-2020, notificado às partes, que nada disseram ou alegaram. Pelo que a existir qualquer nulidade que pudesse inquinar os actos subsequentes a mesma encontra-se sanada por decurso do tempo. Acresce que, no caso em apreço a não prolação de despacho saneador não põe em causa nem diminui os direitos de defesa do Réu. Pelo que entende o Tribunal que estar agra a dar sem efeito a diligência já agendada constituiria um entorpecimento do regular andamento dos autos e imporia às partes uma demora no mesmo que não se mostra justificável.

Face ao exposto, indefere-se o ora requerido, mantendo-se a diligência já agendada

Não obstante, por forma a agilizar a produção de prova, em sede de audiência de julgamento já determinada, procede-se ora à prolação de despacho saneador:

I) Do pedido reconvencional e da sua admissibilidade:

AA, contribuinte fiscal n.º .......92, divorciada, residente na Rua ..., intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra BB, contribuinte fiscal n.º .......68, residente na Casa ..., pedindo:

a) Ser declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o pai da Autora e o Réu;

b) Ser o Réu condenado a entregar o arrendado à Autora livre de pessoas e bens, nas condições em que o mesmo lhe foi entregue, e com a maior celeridade possível tendo em conta a situação;

c) Ser o Réu condenado a não ceder, total ou parcialmente, temporária ou permanentemente e onerosa ou gratuitamente o arrendado até ao momento em que o entregar à Autora;

d) Ser o Réu condenado nas custas e demais legal.

Em sede de contestação veio o Réu defender-se por impugnação e deduzir pedido reconvencional peticionando:

C) Deve ser julgada procedente e provada a reconvenção, condenando-se a A. Reconvinda no pagamento ao R. e Reconvinte da quantia de 24.750,00€.

Notificada a Autora veio a mesma contestar o pedido reconvencional deduzido, Cumpre apreciar e decidir:

Dispõe o artigo 266º, do Código de Processo Civil: 1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. 2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

3 - Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações. 4 - Se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respetiva intervenção. 5 - No caso previsto no número anterior e não se tratando de litisconsórcio necessário, se o tribunal entender que, não obstante a verificação dos requisitos da reconvenção, há inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento conjuntos, determina em despacho fundamentado a absolvição da instância quanto ao pedido reconvencional de quem não seja parte primitiva na causa, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 37.º. 6 - A improcedência da ação e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor.

Atento o acima disposto, admito o pedido reconvencional. II – Valor da Causa:

Fixo à presente acção o valor de 30.024,72€ (trinta mil e vinte e quatro euros e setenta e dois cêntimos). II) Do Saneamento

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem de todo.

Não se verificam quaisquer nulidades ou exceções que impeçam o prosseguimento dos autos.

O Tribunal também não se encontra em situação de poder apreciar de imediato o mérito dos autos, motivo pelo qual é necessário passar à fase de instrução da causa.

O OBJECTO DO LITÍGIO 1. Das Partes

Autora: AA, contribuinte fiscal n.º .......92, divorciada, residente na Rua ...,

Réu: BB, contribuinte fiscal n.º .......68, residente na Casa ...,

2. Causa de Pedir

Contrato celebrado entre o pai da A e Réu; 3. Pedido

a) Ser declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o pai da Autora e o Réu;

b) Ser o Réu condenado a entregar o arrendado à Autora livre de pessoas e bens, nas condições em que o mesmo lhe foi entregue, e com a maior celeridade possível tendo em conta a situação;

c) Ser o Réu condenado a não ceder, total ou parcialmente, temporária ou permanentemente e onerosa ou gratuitamente o arrendado até ao momento em que o entregar à Autora;

d) Ser o Réu condenado nas custas e demais legal. Pedido Reconvenional:

C) Deve ser julgada procedente e provada a reconvenção, condenando-se a A. Reconvinda no pagamento ao R. e Reconvinte da quantia de 24.750,00€.

TEMAS DE PROVA

Afigura-se como essencial (ainda que não exclusivo ou vinculativo) os seguintes temas de prova: 1. Dos termos do contrato celebrado entre o pai da Autora e Réu;

2. Das obras realizadas no imóvel; REQUERIMENTOS PROBATÓRIOS

Prova Documental: Toda a existente nos autos.

Prova testemunhal: Por serem legalmente admissíveis, e terem sido apresentados tempestivamente, admito todos róis de testemunhas apresentados pelos Autores e Réus.

Admite-se o articulado superveniente apresente ela Autora, bem como a resposta ao mesmo apresentado pelo Réu.

No que concerne ao requerimento de resposta da Autora, o mesmo é legalmente inadmissível, pelo que se determina o desentranhamento do mesmo.

No que concerne ao pedido de litigância de má fé, admite-se o mesmo. Notifique.»

- E na sequência o R. requereu no mesmo dia, na véspera do julgamento o seguinte: «Vem Comunicar, que não prescinde do direito de reclamação do despacho saneador proferido e notificado em 18-05-2021.

- Bem como, assistir ao R. a faculdade de reclamação do despacho identificativo do Objeto do Litígio e enunciativo dos Temas de Prova, elaborado em 18-05-2021.

Pelo que

A – Requer, se dê sem efeito o agendamento do dia 19.05.2021 para a realização da audiência final, face à ilegalidade, insuprível, de manutenção da data designada.

B – Solicita, que as notificações a que houver lugar sejam efetuadas pela via mais expedita, possibilitando a comunicação atempada das testemunhas da eventual não realização da audiência para que se encontram notificadas.»

Na acta da audiência final consta o seguinte:

«DESPACHO:

“Tendo no dia de ontem dado entrada um requerimento do Réu, o qual só hoje foi dado conhecimento, requerendo uma vez mais que seja dado sem efeito a audiência para hoje designada, cumpre apreciar e decidir o despacho proferido no dia de ontem a manter a audiência de discussão e julgamento, visava agilizar a realização da audiência de discussão e julgamento, designadamente uma admissão formal que não contava nos autos de uma reconvenção que foi deduzida pelo Réu, fixando-se igualmente, de forma não vinculativa, os temas de prova genéricos.

As testemunhas encontram-se devidamente notificadas, em virtude do estado de emergência decretado e do confinamento o processo já esteve sujeito a vários adiamentos no que concerne à realização da audiência de julgamento, o início da presente audiência de discussão e julgamento não preclude o direito do Réu de reclamar do despacho que foi proferido, mas o adiar uma vez mais a realização da audiência de discussão e julgamento resulta no aumento da demora da resolução do litígio, o qual, devido às vicissitudes do mesmo já é longa.

Em face do exposto, não se vislumbra a necessidade de adiamento da audiência de julgamento por não se encontrar motivo justificativo para tal, mantendo-se a diligência agendada.”

Após foi pedida a palavra pelo Il. Mandatário do Réu que, após concedida pela Mmª. Juiz de Direito, em seu uso requereu a consignação em ata da posição por si assumida em representação do seu constituinte, dizendo que se opõe à realização da audiência de discussão e julgamento no dia de hoje, porquanto apenas foi notificado do despacho saneador e da indicação dos temas de prova no dia 18 do corrente mês, mais referindo que a sua participação na audiência de julgamento não significa que considere a legalidade da mesma.

Em seguida foi pedida a palavra pelo Il. Mandatário da Autora e, após concedida pela Mmª. Juiz de Direito, em seu uso requereu que ficasse também consignada em ata a sua posição, tendo dito não perceber a posição do réu, uma vez que foi o próprio que prescindiu de estar presente na audiência prévia e quando foi notificado do despacho seguinte nada veio requerer. Nestes termos, a existir algum vício, seria de nulidade que o Réu teria de requerer no requerimento que deu entrada no dia de segunda-feira, o que não foi alegado, pelo que o vício, a existir, o que não se concede, sempre estará sanado.

Foi proferida sentença em 1ª instância que julgou a acção procedente e, em consequência, declarou resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o pai da Autora AA e o Réu BB; condenou o Réu BB a entregar o arrendado à Autora AA livre de pessoas e bens, nas condições em que o mesmo lhe foi entregue, e com a maior celeridade possível tendo em conta a situação; condenou o Réu BB a não ceder, total ou parcialmente, temporária ou permanentemente e onerosa ou gratuitamente o arrendado até ao momento em que o entregar à Autora; julgou improcedente por não provado o pedido reconvencional deduzido pelo Réu BB e, em consequência, absolveu a Autora AA do mesmo.

e) Condenado o Réu BB a pagar multa de valor igual a 2 UC por litigar de má-fé bem como ao valor da indemnização que vier a ser fixado nos termos do n.º 2, do artigo 543º do Código de Processo Civil.

Interpôs o Réu recurso de apelação.

Foi proferido acórdão do Tribunal da Relação do Évora, datado de 15 de Junho de 2023 que julgou improcedente o recurso, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.

Veio o Réu interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

1. A presente Revista fundamenta-se na violação, pelo Tribunal da Relação de Évora das leis reguladoras do Processo Civil e da sua indevida aplicação, ao rejeitar o recurso da impugnação da decisão de facto.

2. Como a responsabilidade dessa violação lei processual será imputável àquele Venerando Tribunal não se verificará a dupla conforme.

3. O despacho que manteve a data da audiência para o dia seguinte à prolação do despacho identificador do objecto do litígio e anunciante dos temas de prova, postergando o exercício do direito de reclamação previsto no art.º 596.º, n.º 3 do CPC, era susceptível de recurso no caso da procedência do pedido do A.

4. Como a realização do julgamento não sanou a nulidade da sua realização na data já designada, deveria a arguida nulidade ter sido conhecida no interposto recurso e, julgada procedente, anular o julgamento de primeira instância.

5. A sentença em apreciação configura uma Copy Paste Sentence, no sentido em que reproduz a matéria dos articulados como factos provados, copiando ipsis verbis os factos, as alegações, as conclusões e as construções do A.

6. Esta cópia, para além de tecnicamente deficiência técnica (irrelevante in casu), revela inquestionavelmente que, ao considerar provados e não provados factos, que não podiam ser objecto de prova (por não serem matéria de facto), o Mmº Juiz a quo não procedeu à análise crítica da prova como obrigava o art.º 607, n.º4 do CPC, cuja violação determina a nulidade pela falta de fundamentação prevista no at.º 615.º, n.º1, al. b).

7. O douto Acórdão em Juízo considerou que o Recorrente tendo pedido a Reapreciação da Prova Gravada, não teria individualizado os factos que indicava mal julgados, nem indicava o sentido da decisão que preconizava, bem como não precisava as passagens dos depoimentos que determinassem essa diferença decisória.

8. Ora, não existindo no art.º 640.º do CPC nenhuma referência ao modo de cumprir o ónus de especificação constante do preceito, o Recorrente considerou que a forma como em relação a cada decisão cuja alteração defendia, estavam indicados os pontos concretos e espaço de gravação, que determinavam o erro que deveria ser sanado.

9. Até porque, relacionando-se o ónus de Impugnação da Matéria de Facto com as Conclusões, considerava que era suficiente que nestas constassem os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, admitindo-se que as restantes exigências das alíneas do art.º 640.º fossem cumpridas nas alegações.

10. Sendo que nas respectivas conclusões eram indicados os pontos concretos da divergência e se indicava o sentido da resposta que se considerava ser dada pelo julgador.

Contra-alegou a A., formulando as seguintes conclusões:

A. Não existe errada aplicação do artigo 597.º, denegação do n.º 2 do artigo 596.º do CPC, nulidade da audiência de julgamento, a audiência de julgamento dos presentes autos, ocorreu a 19 de Maio de 2021, e não de 19 de Maio de 2022, conforme consta do recurso do Apelante, no dia anterior (18-05-2021) a Meritíssima juíza havia proferido despacho saneador, nos termos dos artigos 593.º e 595.º do CPC.

B. Tendo o Apelante no dia 18 de Maio de 2021, apresentado requerimento comunicava que não prescindia do direito de reclamação do despacho saneador e requeria que fosse dado sem efeito a realização da audiência designada para o dia 19 de Maio de 2021.

C. O Tribunal de 1ª instância pronunciou-se, porém, o Apelante nos termos do artigo 596.º n.º 2 do CPC, podia ter reclamado, o que não fez nem no momento nem posteriormente, tendo inclusivamente a 10 de Novembro de 2020 manifestado o seu acordo com a dispensa de audiência prévia.

D. Pretende o Apelante ver apreciada a nulidade da audiência de discussão e julgamento, quando na verdade nunca invocou qualquer nulidade, não obstante de em tal sede ter-lhe sido dada a palavra para se pronunciar após prolação de despacho,

E. Não podendo desconhecer que, quando verificada uma omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, ou a prática de ato que a lei não admita, bem como a omissão de formalidade que a lei prescreva, deve ser objeto de arguição perante o tribunal onde é cometida, reservando-se o recurso para o despacho que a mesma incidir ex vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 1381/19.8T8PTM-B.E1 de 25-03-2021 em www.dgsi.pt

F. Dispondo a lei que, a nulidade é suscitada perante o Tribunal onde é cometida, e só do despacho que se pronuncia sobre a mesma é que cabe recurso, o que nos presentes autos não ocorreu, pelo que andou bem o douto Tribunal da Relação de Évora, ao entender que, pode ser impugnado pela via de recurso é a decisão da reclamação da nulidade e não a nulidade ela mesma, fundamentando com os artigos 195.º n.º 1, 196.º, 197.º e 199.º n.º 1 todos do CPC, sendo que a parte estava devidamente representada na audiência de discussão e julgamento, não tendo arguido a nulidade naquele momento, sanou a mesma

G. Acresce ainda que, as partes foram notificadas para a realizaçãode audiência de discussão e julgamento em Dezembro de 2020, sendo que apenas em 14 de Maio de 2021, veio o Apelante alegar que o processo não devia prosseguir sem ter sido dado despacho saneador dando assim sem efeito a data designada de julgamento 19 de Maio de 2021, tendo ainda o Tribunal de 1ª instância se pronunciado pelo requerimento do Apelante datado de 18 de Maio de 2021.

H. No douto Acórdão da Relação, o qual o entendimento a Apelada acompanha, resulta que o Apelante não recorreu dos despachos anteriores, nem do despacho proferido em Ata, todos a indeferir o seu pedido de que fosse dado sem efeito o julgamento agendado, pelo que os mesmos transitaram, bem como não recorreu nem arguiu a nulidade relativa à omissão da audiência prévia.

I. Podia ainda ter exercido o direito de reclamação no início da audiência e julgamento, mas também não o fez, nos termos do artigo 591 n.º 1 f) do CPC, nem mesmo posteriormente antes de ser proferida sentença

J. Em nenhum momento foi precludido o direito do Apelante de exercer o contraditório

K. Não se verifica qualquer nulidade da sentença, nem tão pouco que haja ocorrido violação do n.º 4 do artigo 607.º do CPC, pois consabidamente as nulidades da sentença, estão tipificadas no artigo 615.º n.º1 do CPC, do douto Acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, o que vai de encontro à doutrina e jurisprudência e aceite e pacífico,

L. Só a falta absoluta de omissão, e não a fundamentação insuficiente ou deficiente – que não ocorre no caso concreto – integra a nulidade prevista no artigo 615.º n.º1 al. b) do CPC, conforme denotam, por exemplo, douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 30-09-2014,processon.º1198/09:Sumario,Set./2014, p.35edoutoAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 25-11-2014, processo n.º 458/04: Sumario, Nov./2014, p.52 de 09-10-2019 proferido no processo n.º 2123/17.8LRA.C1.S1, 15-05-2029 proferido no processo n.º835/15.0T8LRA.C3.S1 e 02-06-2016 proferido no processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1

M. No caso em apreço nos autos, da sentença do Tribunal de 1ª instância consta de a “Fundamentação de Facto” e “Fundamentação de Direito”, de forma crítica e esclarecedora, atendendoà prova carreada para os autos, aos factos dados como provados e não provados, à conduta do Apelante e às normas legalmente aplicáveis, o motivo/fundamento de ter considerado como provados os factos e como não provados os “factos” elencados da douta sentença, eo motivo/fundamento para a douta decisão judicial de condenação.

N. Ainda que o Apelante não concorde com a fundamentação da decisão, esta por si só não consubstancia qualquer nulidade da sentença, sendo que, o Tribunal de 1ª Instância, na fundamentação de facto, fundamentou a sua decisão, no que respeita aos factos provados, não só na prova testemunhal como também na prova documental junta aos autos, acrescentando que no que respeita ao tipo de contrato (contrato de arrendamento para habitação) a prova do mesmo resulta por um lado da prova documental junta aos autos e igualmente da admissão por parte do Réu, aqui Apelante, não tendo este feito qualquer prova de autorização do senhorio para a cedência do gozo do locado, nem fez qualquer prova de ter realizado obras, sendo que as testemunhas por si arroladas nunca presenciaram (as obras) apenas ouviram conversas feitas pelo Réu, o aqui Apelante e nem juntou qualquer documento de suporte a tais despesas, ao contrário da Autora aqui Apelada.

O. Quanto à fundamentação de direito, o tribunal de 1ª instância, e sumariamente, considerando que por contrato verbal, foi dado de arrendamento ao Réu Apelante o imóvel para fim habitacional, única e exclusivamente do Réu, tendo-se excluído a possibilidade de subarrendamento ou hóspedes. Em tempo algum a Autora/Apelada concedeu ou teve intenção de concedera autorização do gozo total ou parcial doarrendado por terceiro. Estando provado por documentos que o Réu/Apelante utilizou o locado através da plataforma Airbnb como estabelecimento de alojamento local, que é um instituo jurídico diverso do arrendamento habitacional, sendo que o primeiro no seu todo e finalidade tem um ato de comércio que o arrendamento habitacional não tem, pelo que o Réu/ Apelante violou claramente uma das suas obrigações enquanto arrendatário

P. Com o devido respeito o Apelante confunde impugnação da matéria de facto com nulidade da sentença, na verdade o Apelante pretende colocar em crise a decisão com as testemunhas e tal consubstancia reapreciação da matéria de facto

Q. Não cumpriu o Apelante com o Ónus de Impugnação Matéria de Facto, não tendo obedecido ao disposto no artigo 640.º do CPC, uma vez que têm que ser apreciadas de acordo com um critério de rigor, decorrentes do principio da autoresponsabilidade das partes, indicando jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nesse sentido.

R. Na jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça 02-02-2022 Revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1 - 1.ª Secção Fernando Samões (Relator) Maria João Vaz Tomé António Magalhães o entendimento é de que:I- Os ónus primários previstos nas als. a), b) e c) do art. 640.º do CPC são indispensáveis à reapreciação pela Relação da impugnação da decisão da matéria de facto. II - O incumprimento de qualquer um desses ónus implica a imediata rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões.

S. O Conselheiro Abrantes Geraldes resume as obrigações impostas ao recorrente que impugne a matéria de facto no domínio actual do seguinte modo, e com referência aos presentes autos “Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”;

T. O recorrente aqui Apelante, não fez referência, nem sequer de forma sumária, nas conclusões de recurso, aos concretos pontos de facto que pretendia impugnar, incorrendo numa omissão absoluta e indesculpável do cumprimento do ónus primário contido no n.º 1 do art.º 640.º do CPC. Esta omissão não pode ser suprida, nomeadamente com convite ao aperfeiçoamento das conclusões, pela simples razão de não ser admissível.

U. Assim, a decisão do Tribunal da Relação de rejeitar a impugnação da decisão de facto mostra-se perfeitamente legal e consentânea com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal.

II – FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado:

1 - Em abril de 1991, o pai da Autora deu, por contrato verbal, de arrendamento ao Réu o imóvel supramencionado para fim habitacional.

2 - Aquando a celebração do contrato em causa, foi acordado entre as partes que o arrendado seria para fins habitacionais única e exclusivamente do Réu, tendo-se excluído a possibilidade de subarrendamento ou hóspedes;

3 - Após o pai da Autora ter falecido, transferiu-se a propriedade do arrendado para a Autora, tornando-se esta legítima proprietária do prédio misto, sito na Casa ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 1827/20041119, da Freguesia de ..., inscrito na matriz urbana sob o art.º 108, com o valor patrimonial de € 5.990,00 (cinco mil, novecentos e noventa euros), e inscrito na matriz rústica sob o art.º 31, com o valor patrimonial de € 283,40 (duzentos e oitenta e três euros e quarenta cêntimos).

4 - E, em consequência, assumiu-se como senhoria;

5 - Os termos do contrato de arrendamento mantiveram-se inalterados;

6 - Em momento algum a Autora concedeu ou teve intenção de conceder a autorização do gozo total ou parcial do arrendado por terceiro.

7- Aliás, tal nunca foi equacionado pela Autora até porque o arrendado pertencia ao seu pai e tem um grande valor sentimental;

8 - Pelo que foi com surpresa e choque que a Autora tomou conhecimento de que o Réu colocara o arrendado no site AirBNB, disponibilizando-o todo o ano.

9 - Hospedando quem reservar vaga, contra vontade expressa da Autora.

10 - O R. então exercia a sua actividade profissional na Estação Agronómica de ... e residia na ..., apesar de desde 1988 frequentar a zona de ... durante o período de Verão e nos fins-de semana, situação que ainda hoje se mantém e apesar de se ter reformado.

11 - CC, o qual que marcou pelo Airbnb uma estadia na habitação sub judice entre 4 e 10 de Junho de 2018 e acompanhado de outra pessoa.

12 - Quando o pai da A. era vivo, este sempre efectuou o pagamento (ou compensou com o valor das rendas) das despesas suportadas pelo Reconvinte.

13 - A relação que o Pai da Autora mantinha com o Réu era meramente cordial, cumprindo os ditames da boa educação e do trato social, sem qualquer tipo de afetuosidade e apreço decorrentes de uma amizade.

14 - A renda mensal é actualmente de € 219,78 (duzentos e dezanove euros e setenta e oito cêntimos);

15 - O Réu frequentemente não procedia ao pagamento das rendas na sua data de vencimento

16 - As deslocações ao locado por parte do Pai da Autora e da Autora decorriam, isso sim, da relação contratual existente entre as Partes e eram efetuadas no exercício da qualidade de Senhorios para proceder à interpelação do Réu para cumprir com as suas obrigações.

17 - A Autora foi forçada a diligenciar pela notificação judicial avulsa do Réu, atenta a mora do mesmo.

18 - Não resulta do contrato de arrendamento celebrado prévia autorização para a prestação de serviços de alojamento nem foi elabora pela Autora qualquer documento contendo tal autorização.

19 - Nunca tendo sido conferida ao Réu qualquer tipo de autorização para prestação de serviços de alojamento.

20 - É a cargo e a expensas da Autora que é efetuada, todos os anos, não só a roçagem de ervas como também a gradagem com recurso a trator para permitir o acesso ao locado;

21 - O que inclusivamente já foi efetuado este ano, na semana de 25 a 29 de maio de 2020;

22 - Por seu turno, as arrecadações que o Réu alega ter construído no locado já pertenciam ao locado desde, pelo menos, 1990.

23 - Pelo que as referidas arrecadações não foram nem construídas, nem reparadas pelo Réu.

24 - Pelo que a Autora sempre cumpriu com a sua obrigação de efetuar obras de conservação no locado, conforme demonstrado.

25 - E conforme igualmente sucedeu quando a Autora tomou conhecimento de que seria necessário proceder à reparação de canalizações/esgotos e resolução de problemas de fossa;

26 -Concretizando, preocupada com os problemas de canalizações/esgotos e fossa fundamentada e oportunamente expostos pelo Réu.

22 - E uma vez que a Autora sabia, efetivamente, que as raízes de um eucalipto poderiam, porventura, causar problemas de entupimento, danificação de canalizações e consequentes problemas de fossa;

27 - A Autora contratou, a seu cargo e expensas, pessoa especializada na resolução de tais problemas e na concretização de trabalhos para proceder à reparação da canalização/esgotos e para proceder à construção/abertura de uma nova fossa mais distante do locado, de modo a que as raízes do eucalipto não danificassem os canos;

28 - Não tendo o Réu dado conhecimento à Autora, para além da situação da fossa e da canalização, de que seria necessário efetuar qualquer obra de conservação da sua responsabilidade, para que a mesma pudesse diligenciar em conformidade.

29 - Nem deu o Réu conhecimento à Autora de que diligenciara, por urgente e necessário, atendendo a eventual omissão de cumprimento de obrigação da Autora, pela realização de obra de conservação, identificando qual a obra efetuada, o dia em que a realizou, quem contratou para efetuar o serviço ou discriminando o custo dos materiais utilizados e da mão-se-obra contratada, entre outros.

30 - O Réu continua, de forma reiterada e plenamente consciente dos seus atos, a incumprir com as suas obrigações no âmbito de contrato de arrendamento celebrado entre as partes.

31 - A Autora tomou ainda conhecimento, a 18-02-2021 e mediante acesso por via do endereço do site https://www.airbnb.pt..., de que o Réu, à presente data, continua a publicitar o arrendado no site AirBNB, disponibilizando-o todo o ano;

32 - Bem como utiliza o Réu outras formas para publicitar a atividade que pratica, ilícita e violadora do contrato de arrendamento celebrado entre as partes.

33 - Designadamente o motor de busca Google, onde o Réu publicita o bem imóvel pertencente à Autora e angaria “críticas” e “avaliações” ao imóvel e ao próprio Réu enquanto “anfitrião” e “guia local”;

34 - O Réu procura invocar nos artigos 2.º, 3.º e 6.º da Resposta “factos novos” que, para além não serem verdadeiros factos novos em termos processuais;

35 - Designadamente, que “a Autora destruiu o tubo condutor da água para o depósito existente na habitação do Réu”, que não existe água potável na bem imóvel propriedade da Autora e por isso o Réu não pode ceder o bem imóvel propriedade da Autora e, consequentemente, a habitação encontra-se “inutilizável pelos visitantes enquanto não dispuser de água potável”;

36 - O que as Partes bem sabem não corresponder, de todo, à realidade.

37 - Porquanto o Réu, no âmbito do processo n.º 213/20.9... procurou imputar alegada cessação de abastecimento de água a terceiros que não a Autora.

38 - Ora, no âmbito de tal processo, resultou de prova produzida – inclusive do depoimento de testemunhas arroladas pelo Réu – que as ideações e alegações do Réu não tinham correspondência com a realidade;

39 - Não tendo tido a Autora qualquer intervenção nesse sentido;

40 - Nem tendo a Autora qualquer tipo de obrigação ou responsabilidade perante o Réu, a esse título ou outro;

41 - O que facilmente se demonstra e constata da/pela leitura de sentença proferida por este douto Tribunal e de douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora no âmbito do processo n.º 213/20.9...;

42 - Sucede que pretende o Réu nos presentes autos invocar parcialmente a ideação que construiu no âmbito do processo n.º 213/20.9...;

43 - Indo, desta feita, ainda mais longe, invocando que a Autora alegadamente destruiu o tubo condutor da água para o depósito existente na habitação do Réu;

44 - E o Réu fá-lo consciente de que tal não é verdade e consubstancia uma contradição face ao que alegou no âmbito do processo n.º 213/20.9...;

45 - O que efetivamente se verifica no caso em apreço, porquanto o Réu veio aos presentes autos alegar factos que bem sabe que não correspondem à realidade, omitindo deliberadamente factos essenciais;

46 - Designadamente o facto de ter conhecimento de que a Autora não destruiu o tubo condutor da água para o depósito existente no bem imóvel propriedade da Autora e de que a Autora não tem qualquer responsabilidade ou dever perante o facto de o bem imóvel que lhe pertence ter ou não água potável.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

1 – Alegada violação processual consistente na realização da audiência de julgamento não obstante a apresentação de requerimento pedindo que tal designação fosse dada sem efeito.

2 – Arguição da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

3 – Cumprimentos dos ónus previstos nas alíneas a), b) e c), do nº 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil, respeitantes à impugnação da decisão de facto.

Passemos à sua análise:

1 – Alegada violação processual consistente na realização da audiência de julgamento não obstante a apresentação de requerimento pedindo que tal designação fosse dada sem efeito.

Relativamente a esta questão, cumpre atentar em que estamos perante uma decisão meramente interlocutória (a manutenção da designação e realização da audiência de julgamento, mormente por se entender que o ora recorrente não suscitou a nulidade durante a audiência de julgamento onde esteve presente) e não final, que foi decidida pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, no mesmo sentido que fora perfilhado pelo tribunal de 1ª instância.

Ora, em matéria de decisões interlocutórias a admissibilidade do recurso de revista encontra fortemente condicionada pelo disposto no artigo 671º, nº 2, do Código de Processo Civil.

Só nesses casos especificados na norma será legalmente admissível o acesso ao Supremo Tribunal de Revista, através da interposição da pertinente revista.

Acontece que o recorrente não invoca qualquer circunstancialismo que se integre nas alíneas a) e b), do nº 2, do artigo 671º, do Código de Processo Civil.

Logo, o recurso de revista não é admissível neste tocante, não havendo lugar ao conhecimento do seu objecto.

2 – Arguição da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

Não procede manifestamente a invocação de nulidade com fundamento na previsão do artigo 615º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

Note-se que o vício que foi invocado em sede de revista reporta-se unicamente à sentença proferida em 1ª instância e não ao acórdão recorrido (relativamente ao qual não é invocada qualquer falta ou deficiência de fundamentação que, de resto, inexiste).

Como é sabido, o que é objecto do recurso de revista é o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação e não a sentença de 1ª instância, conforme resulta liminarmente do disposto no artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Assim sendo, cumpre concluir que a arguição de nulidade da decisão de 1ª instância foi devidamente apreciada pelo Tribunal da Relação de Évora, no sentido do seu desatendimento, nada havendo por conseguinte lugar à sua reapreciação por parte do Supremo Tribunal de Justiça.

Pelo que improcede a revista interposta quando a este ponto.

3 – Cumprimentos dos ónus previstos nas alíneas a), b) e c), do nº 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil, respeitantes à impugnação da decisão de facto.

É absolutamente manifesto o incumprimento pelo impugnante da obrigação processual prevista no artigo 640º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, segundo a qual:

“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: (…) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”.

Ora, das conclusões do recurso não consta a indicação de qualquer ponto da matéria de facto que houvesse sido impugnado pelo Réu.

O que é por si suficiente para determinar a imediata rejeição dessa mesma impugnação da matéria de facto, assim deficientemente apresentada.

Constitui entendimento pacífico na jurisprudência e na doutrina que a impugnação da matéria de facto pressupõe, para ser admissível, a inclusão nas conclusões de recurso (e não apenas no corpo das alegações) dos pontos de facto impugnados.

(Neste sentido, vide Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, a página197; entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2022 (relator Pedro Branquinho Dias), proferido no processo nº 330/14.4TTCLD.C1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 2021 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 10300/18.8SNT.L1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 2023 (relator Cura Mariano), proferido no processo nº 4696/15,0T8BRG.G1.S1), todos publicados in www.dgsi.pt.

Pelo que o acórdão do Tribunal da Relação agiu com todo absoluto acerto e inteira correcção ao rejeitar, como legalmente se impunha, a impugnação da matéria de facto com este fundamento, por incumprimento do disposto no artigo 640º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, o que neste caso é claro, ostensivo e incontornável.

A revista é assim negada.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Novembro de 2023.

Luís Espírito Santo (Relator)

Rui Gonçalves

Graça Amaral

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.