CESSÃO DE QUOTA
SOCIEDADE
REDUÇÃO DO PREÇO
CLÁUSULA PENAL
TERCEIRO
CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
SUBSIDIARIEDADE
Sumário


I - No contrato de cessão de quotas sociais de uma sociedade em que foi acordado a redução do preço final no montante de 30.000 €, porque as partes previram que seria devida a terceiro o valor da cláusula penal em caso de revogação por uma das partes antes do termo do prazo de vigência acordado, de um contrato de distribuição anteriormente celebrado com a sociedade, verificando-se que tal contrato de fornecimento afinal não veio a ser revogado, não tendo sido paga aquela penalização contratual, havendo assim uma directa correspondência entre aquela redução do preço da cessão e o valor da dita cláusula penal, cabe ao cedente o direito a ver-se reintegrado daquele montante.
II - Numa análise feita por um declaratário normalmente esclarecido, “zeloso e sagaz”, não se vindo a verificar aquela revogação determinante da redução do preço, deixou esta mesma redução de ter sentido, por ter caído a causa que justificava operação de menor valor, dando-se a deslocação deste para o património do cessionário e enriquecendo este de forma ilegítima, pois que não veio a ocorrer, como pensavam os outorgantes o facto genético daquela operação, decorrente da revogação do contrato de fornecimento, sendo injusto, como tal, que o cessionário não devolva esse valor ao cedente, pois o mesmo a este pertence, de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, que não vislumbra causa justificativa para a deslocação patrimonial daquele quantitativo da esfera patrimonial do cedente para a do cessionário.
III - Na à terminologia de Menezes Leitão, verificou-se uma situação de “enriquecimento [sem causa] por prestação”, que fora realizada com vista à obtenção de um fim específico, ou de um determinando “incremento do património alheio”, no caso no património da sociedade com a revogação do contrato, impondo-se, face à não concretização desse mesmo incremento, a restituição daquela prestação (“condictio ob rem”).
IV - Tendo o enriquecimento sem causa, como fonte de obrigação, carácter subsidiário (art. 474º), tal significa que se alguém obtém um enriquecimento à custa doutrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer.
V - No caso vertente o cedente tem do direito de ser ver reembolsados pelo quantitativo que reclama, pois que não se encontra à sua disposição outro meio específico e previsto na lei para lograr tal desiderato, entre eles o instituto da responsabilidade civil, ou mesmo contratual, que sempre demandariam a verificação de conduta culposa/inadimplente do cessionário, que está posta de parte, revelando-se, pois, legítimo e atendível o seu subsidiário recurso ao instituto do enriquecimento sem causa para ser, correspondentemente, reintegrado na sua esfera jurídico-patrimonial, como consentido, “a contrario”, por aquele normativo.

Texto Integral

AA, BB e CATCH ME Ld.a, propuseram contra os réus L..., Unipessoal, Ldaa, CC e DD a presente acção onde pedem a condenação destes a restituírem-lhes a quantia de 30 mil euros mais juros de mora à taxa comercial desde 22/2/2017 até efectivo pagamento eventualmente abatida das quantias que os réus venham a provar que efectivamente pagaram ao abrigo da cláusula 5.a do aditamento ao contrato entres as partes celebrado em suma alegando que:

- Os 1.°s autores e a sociedade X...,Ldaa- a qual veio a ser incorporada por fusão na 2.a Autora foram os únicos sócios da sociedade comercial denominada Bar..., Ldaa, com sede em Lisboa e, por contrato-promessa de 19/10/2016, prometeram ceder à l.a ré a totalidade das participações sociais de que eram detentores no capital social da sociedade, tendo havido, depois, em 31/12/2016 um aumento de capital social, os 1.° autor passaram a ser titulares de uma quota no valor nominal de 382.500,00 euros e a 2.a autora de uma quota com o valor nominal de 67.499,99 euros, tendo, em 22/2/2017, os autores e réus celebrado um designado aditamento a contrato promessa de cessão de quotas, nos termos do qual os Autores cederam definitivamente à 1 .a ré a quota de que eram titulares no capital social, sendo o preço global acordado para a transmissão no valor de 350 mil euros;

- Adicionalmente foi acordado que a sociedade reembolsaria aos Autores os suprimentos de que eram credores no montante de 50 mil euros (cla l.a/2), obrigando-se ainda os réus a pagar aos autores a quantia de 12.055,54 euros a título de despesas da sociedade pagas pelos autores (cl.a 2/3), face ao exposto os autores teriam a receber dos réus a quantia de 412.055,54 euros, aceitando os autores reduzir ao preço a pagar pelos réus pela cessão o montante de 30 mil euros, quantia esta que representava a contribuição dos autores para o pagamento por parte da sociedade de uma penalização no valor de 60 mil euros emergente da revogação do contrato de compra exclusiva de bebidas celebrado entre esta e a S.C.C.- Sociedade Central de Cervejas e Bebidas S.A. (Doravante designada pelas iniciais S.C.C.)

- Uma vez que os réus não tinham interesse em manter o contrato de compra exclusiva de bebidas entre a S.C.C, e a Sociedade, após discussão do assunto autores e réus acordaram em propor à S.C.C., em nome da sociedade, a revogação do referido contrato e o pagamento àquela de uma penalização no montante de 60 mil euros a título de cessação desse contrato valore que seria suportado em partes iguais pelos autores e réus entre outras condições de natureza comercial, proposta essa que mereceu a aceitação da S.C.C, e em consequência Autores e Réus acordaram que a parte do valor da penalização acima referidas cujo pagamento competia aos autores efectuar no montante de 30 mil euros seria deduzida ao preço a pagar pelos réus pela aquisição das participações sociais, ficando a cargo destes, após a celebração da cessão de quotas, a formalização da revogação do contrato com a S.C.C, e prestar àquela os necessários suprimentos para fazer face ao pagamento da totalidade da mencionada penalização o que está expresso nas cláusulas 3.a, n.°s 1, 2, 3 e cla 4.a do aditamento e em razão do acordo o preço a pagar pelos réus aos autores foi reduzido na quantia de 30 mil euros com base, apenas, no pressuposto de que os réus iriam afectar tal montante ao pagamento da penalização emergente da revogação do contrato celebrado entre a Sociedade e a S.C.C.

- Contudo, em meados de Agosto de 2018, o Autor AA teve conhecimento que, ao contrário do acordado com os réus e do pressuposto que determinou a redução do preço da cessão a sociedade da qual a partir da data do aditamento os réus passaram a ter o controlo total quer em termos societários quer em termos de gestão não veio a celebrar com a S.C.C, o acordo de revogação do contrato da sociedade coma S.C.C, nem pagou qualquer penalização emergente do alegado incumprimento, pelo contrário os réus já na qualidade de únicos sócios da sociedade terão acordado com a S.C.C, a manutenção do contrato de compra exclusiva de bebidas sem que tenha havido lugar a qualquer penalização ou compensação por parte da sociedade ou de algum dos réus a favor da S.C.C.

- A redução do preço apenas foi aceite na condição exclusiva de o montante de 30 mil euros ser afecto ao pagamento da compensação à SCC, o que se não verificou tendo os réus ocultado que tinham decidido manter o acordo com a SCC, nada tendo comunicado aos autores, por isso esse montante de 30 mil euros deve ser restituído com juros a contar da data em que tal quantia deveria ter sido recebida, seja a data da celebração do aditamento a 22/2/2017.

- Os Autores estão cientes de que pela cla 5 do aditamento são responsáveis perante os réus pelo pagamento de coimas, ou equivalentes emergentes de situações de incumprimento ou de atraso no cumprimento de obrigações fiscais da sociedade referentes a factos praticados no âmbito da sua gestão, obrigação dos autores essa que ficou sujeita à condição suspensiva de substituição pelos réus dos avales pessoais prestados pelos 1.os Autores ao BCP e à L......... para garantia de obrigações da sociedade facto esse que apenas veio a ocorrer largos meses após a data acordada entre as partes para o efeitos por motivos apenas imputáveis aos réus, sendo certo que os réus enviaram aos autores algumas notificações relativas a dívidas fiscais da sociedade que alegadamente estariam ao abrigo da disposição contratual os réus não fizeram prova de que as mesas eram da responsabilidade dos Autores nem de que efectuaram o respectivo pagamento, prova que os réus terão de fazer para efeitos de abatimento ao preço.

Citados os réus vieram contestar o que fizeram, motivadamente, deduzindo ainda pedido reconvencional de condenação dos Autores no pagamento a si de 1453,00 euros liquidados à ASAE de factos de 2014, 919,28 euros liquidados ao Fundo de Compensação relativamente ao período anterior à gestão dos réus, 490,18 euros de juros de rendas do espaço APL do período de gestão dos Autores, 5.330,75 euros liquidados à ATA devidos pela sociedade por factos da anterior gestão, 8.658,99 euros liquidados à ATA devidos pela sociedade por factos da anterior gestão mais custas e procuradoria condigna. Dizem os réus, em suma, que:

Impugnam os factos de 11 a 21 da p.i., no dia 22/2/2017 foi celebrado o referido aditamento nos termos da qual ocorreu a cessão definitiva das quotas sendo que o aditamento teve a sua justificação porque os autores nunca comunicaram a existência de contrato com a SCC, contrato que implica obrigações da sociedade nomeadamente quantidades mínimas de produtos a adquirir e penalizações por incumprimento das compras por isso os autores e réus decidiram reduzir ao negócio o valor de 30 mil euros quantia destinada a compensar os réus pela descoberta desse contrato, ou seja os autores reduziam o preço e os réus assumiam o negócio, sendo que os réus podiam acordar com a S.C.C, quer a revogação quer a manutenção do contrato o que foi sempre muito claro, nunca tendo sido acordado que se o contrato não fosse revogado os réus teriam de pagar o valor em causa aos autores.

Ficou claro da cl.a 3.a que os réus compradores teriam de que assumir as obrigações do contrato sendo fácil perceber o que pretendem quando consagram a expressão eventuais aditamentos, os réus nada devem aos autores, mas mesmos que devessem,- o que não concebem-, os juros teriam de ser os civis e não os comerciais.

Os vendedores declararam no aditamento de 22/2/2027 que não existem dívidas pendentes aos Estado, Autoridade Tributária e Segurança Social naquela data, declarando-se responsáveis pelas coimas que advenham de situações de incumprimento ou por conta de entregas de impostos fora de prazo referentes a factos praticados no âmbito da sua gestão, porém no dia 6/3/2017 poucos dias após os réus terem assumido a gestão a sociedade esta foi notificadas para liquidara as dívidas fiscais do art.° 26 da contestação pelos valores aí indicados no total de 12.938,90 euros a que acrescem 1.155,60 euros de custas e 62,80 euros de juros de mora nesses processos valores devidos à ATA, os Réus aguardaram que os Autores liquidassem o valor em causa, o que não fizeram até ao momento pelo que os réus em nome da sociedade foram obrigados a requerer um plano de pagamentos como costa do art.° 32 da contestação com data última de pagamento da última prestação a 12." de 31/5/2108, tendo pago 5.330.75 euros.

Verifícando-se que a ATA. não aceitou a dispensa de prestação de garantia deixaram os réus de liquidar o plano prestacional tendo, no entanto, procedido, à liquidação dos seguintes valores: 369,98 euros de coisa da falta de entrega do P.E.C, conforme doe 3, 331,43 euros da coima da falta de pagamento do P.E.C, conforme doe 4, dívida relativa ao processos de execução fiscal de factos do ano de 2016 no valor de 1.523,07 euros conforme doe 5, dívida relativa ao processo de execução fiscal de factos de 2016 no valor de 940,42 euros liquidada a 17/4/2018 conforme doe 6, dívida do processo de execução fiscal de factos do ano de 2016 no valor de 480,31 euros liquidada a 17/4/2018 conforme doe 7, dívida do processo de execução fiscal de factos do ano de 2016 no valor de 3.492,46 euros liquidada a 17/4/2018 conforme doe 8, dívida do processo de execução fiscal de factos do ano de 2016 no valor de 127, 58 euros, liquidada a 17/4/2018 conforme doe 9, dívida do processo de execução fiscal de factos do ano de 2016 no valor de 750,39 euros liquidada no dia 17/4/2018 conforme doe 10, dívida do processo de execução fiscal de factos do ano de 2016 no valor de 201,16 euros, liquidada dia 17/4/2018 conforme doe 11, dívida do processo de execução fiscal de factos do ano de 2016 no valor de 296,51 euros, liquidada a 17/4/2018 conforme doe 12, dívida do processo de execução fiscal de factos do ano de 2016 no valor de 172,88 euros, liquidada a 17/4/2018 conforme doe 13, os réus liquidaram ainda 1.453 euros à A.S.A.E. de processos relativo a factos de 2014 conforme doe 14, assim como 919,28 euros ao Fundo de Compensação relativo a período anterior à gestão dos réus conforme doe 15 e 490, 18 euros de juros das rendas do espaço à APL de período anterior à gestão dos réus conforme doe 16 que se protesta juntar. Juntaram documentos. 1.3 Houve Réplica em que os autores aceitam os factos vertidos em 20 a 23 da contestação (contratos), impugnando expressamente os demais, excepcionam o termo a quo do vencimento das dívidas anterior porquanto a substituição dos avales que era condição sine qua non para a responsabilização dos autores por dívidas anteriores apenas se verificou a 9/11/2017 face ao disposto nas cláusulas 5.a e 6.a do aditamento; os montantes do art.° 26 da contestação os réus não demonstram quais os factos concretos que estão na origem dos processos aí identificados e como tal se os mesmos se reportam a incumprimentos ocorridos no âmbito da gestão dos autores e sem que algumas sejam exigíveis nunca os juros de mora se venceriam a 6/3/2017 porque nessa data ainda não eram exigíveis aos autores face à condição da substituição dos avales que só ocorreu a 9/11/2017, os autores são alheios ao alegado em 32, o facto de 35 da contestação não é imputável aos autores, os réus não fazem prova de que as coimas de 36 e 37 emergem de incumprimentos imputáveis aos autores e os de 38 a 46 não demonstram os factos concretos que estão na origem dos processos aí identificadas mas mesmo que se venha a demonstrar que tais dívidas são das responsabilidades dos autores os pagamentos aí referidos nos does 5 a 13 terão sido efectuados pela sociedade Bar..., Lda e não por nenhum dos ora réus pelo que não têm legitimidade para os reclamar, o mesmo se dizendo em relação ao alegado em 47 sendo que em relação aos factos alegados em 48 e 49 os réus não fazem prova que os factos que estão na origem dos pagamentos se reportam a situações de incumprimento ocorridas no âmbito da gestão por parte dos autores, por isso os autores nada devem aos réus.

Aos 27/5/2021 foi proferido despacho no juiz local cível ... de Lisboa que, admitindo o pedido
reconvencional, fixou o valor da causa em 53.179,10 euros, julgou o Tribunal relativamente incompetente e competente em razão do valor fixado o ... secção Cível da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de ... para onde remeteu os autos, Tribunal este último onde teve lugar a audiência prévia aos 20/10/2021 que proferiu saneador tabelar, se definiu o objecto do litígio como sendo o direito dos autores à restituição dos 30 mil euros e o direito dos réus ao pagamento das quantias peticionadas por se tratarem de dívidas da responsabilidade dos autores definidos os 2 temas de prova , instruídos os autos designou-se dia para a audiência de discussão e julgamento que teve lugar os 22/11/2021 com observância da forma legal.

Foi proferida sentença em 10/1/2022 que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os réus a pagar aos autores a quantia de 30 mil euros mais juros de mora à taxa legal para os juros comerciais desde citação e até integral pagamento e absolveu os Autores do pedido reconvencional.

Inconformadas com esta decisão, dela apelaram as Rés, assim concluindo as suas alegações:

a) Quando no dia 22/2/2017 foi celebrado o aditamento ao contrato-promessa de cessão de quotas com a cessão definitiva de quotas tinha sido descoberta a existência do contrato com a Sociedade Centra de Cervejas contrato esse que implica obrigações para a sociedade cujas quotas iam ser cedidas nomeadamente quantidades mínimas de produtos e aquisição de penalizações para o incumprimento dessas compras por isso Autores e réus decidiram por acordo reduzir ao negócio o valor de 30.000,00 euros com vista a compensar os réus com a assunção daquela contrato podendo os réus acordar com a sociedade central de cervejas quer a manutenção quer a revogação do contrato em causa, nunca tendo sido acordado que se o contrato com a sociedade Central de Cervejas não fosse revogado os réus teriam de pagar aqueles 30 mil euros aos Autores, o que resulta expresso da cla % do contrato de cessão de quotas.[Conclusões a) a r]

b) Deve ser alterada a decisão de facto negativa dos pontos 1 a 5 que deve ser dada como provada com base nos depoimentos de EE que em parte se transcrevem e dos quais resulta claro que as dívidas em questão se referiam a períodos anteriores à aquisição das quotas e que como o Bar..., Lda em si não gerava tesouraria nos primeiros meses de cessão de quotas suficiente parta o pagamento operacional sendo os resultados negativos era o senhor CC que colocava montante no Bar..., Lda para os pagamentos serem feitos, tendo os réus legitimidades para reclamar os valores da reconvenção [Conclusões s) a ab].

Terminam pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que julgue a acção improcedente e a reconvenção totalmente procedente

Os Autores nas suas contra-alegações, concluem nos termos seguintes:

a) O Tribunal recorrido deu como não provado o facto 4 ou seja a alegação de que o montante de 30 mil euros foi acordado entre as partes com vista a compensar os réus/recorrentes pela descoberta da existência do contrato com a Sociedade Central de Cervejas e pressupondo que os réus assumiria o acordo anteriormente celebrado, decisão negativa essa que os réus não impugnam, pelo que o Tribunal interpretando a cláusula 3.a dela resulta claro que os compradores e vendedores acordaram em proceder à revogação do contrato que a sociedade Bar..., Lda tinha em vigor coma Central de Cervejas mediante o pagamento por aquela sociedade a este fornecedor de uma penalização e a assunção pelos compradores em nome da sociedade da manutenção do contrato coma a S.C.C, sob novas condições que se encontravam sendo que com vista a essa revogação do contrato os vendedores contribuiriam com a quantia de 30 mil euros valor que seria deduzido ao preço total do negócio o que se concretiza na cláusula 4.a do aditamento em que se fixa o valor a pagar pelos compradores aos vendedores pelo negócio efectuado em 382.055,54 euros montante que resulta da subtracção da quantia de 30 mil euros ao valor total da soma das quantias referidas nos considerandos 5.° e 6.° do aditamento e que é de 412.055,54 euro, sendo certo que em contestação os réus não contestaram a falta de pagamento à Central de Cervejas da penalização do aditamento para a revogação do contrato nem a falta de revogação do contrato, sendo que da cláusula 3 .a resulta claro que os Autores apenas aceitaram a redução ao preço da cessão de quotas da quantia de 30 mil euros na condição exclusiva de tal montante ser afeto ao pagamento da compensação à Sociedade Central de Cervejas decorrente da revogação do contrato em vigor entre esta sociedade e a sociedade Bar..., Lda, pelo que deve manter-se a condenação dos réus a devolveram aos autores a quantia de 30 mil euros [Conclusões 1 a 13] 2) Os documentos juntos com a contestação não demonstram quais os factos concretos que estão na origem dos processos identificados nos pontos 5 a 11 e como tal se os mesmos se reportam a situações de incumprimento ocorridas no âmbito da gestão da sociedade Bar..., Lda por parte dos autores condição da qual dependia a responsabilidade destes conforme ponto iii do n.° 2 da cla 5.a do aditamento e ii nada esclarecendo o depoimento de EE a esse respeito, o mesmo acontecendo com a matéria de factos dos pontos 6 a 11 nenhum aprova resultando que foram os réus que efectuaram o pagamento das dívidas fiscais em causa, dos documentos juntos aos autos resultando pelo contrário que algumas dessa dívidas terão sido pagas pela sociedade Bar..., Lda (does 6 a 13 e 15) a qual não é parte na presente acção carecendo portanto os réus/recorrentes de legitimidade substancial para peticionar aos Autores/recorridos tais quantias, isto partindo do principio de que eram devidas o que não resulta provado, nada adiantando o depoimento de EE. [Conclusões 14 a 21].

Terminam pedindo a confirmação da decisão recorrida.

Identificadas as “questões a resolver” (A) Saber se ocorre, na decisão recorrida, erro de interpretação da cláusula 3 do contrato que deve ser interpretado no sentido de que a redução do preço da cessão de quotas da sociedade pelos réus a favor dos Autores, em 30 mil euros, foi acordada com vista a compensar os réus pela descoberta da existência do contrato com a Sociedade Central de Cervejas ou seja os Autores reduziam o preço do negócio e os réus assumiam o contrato o contrato em causa. B) Saber se deve ser alterada a decisão de facto negativa dos pontos 5 a 11 que deve ser positiva com base nos testemunhos de EE. C) Saber se, tendo os pagamentos das coimas, dívidas à Segurança Social e Autoridade Tributária Aduaneira da sociedade sido feitas pelo senhor CC deve proceder o pedido reconvencional), foi proferido acórdão que teve o seguinte dispositivo:

Tudo visto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação em consonância com o que de III) decorre, consequentemente

a) julgam improcedente a acção, por isso revogam a decisão recorrida sob a);

b) mantêm a absolvição dos Autores do pedido reconvencional.

Inconformados com esta decisão, dela vieram os Autores interpor o presente recurso de revista, oferecendo as respectivas alegações, que culminam com as seguintes conclusões:

1. O Acórdão recorrido faz uma errada interpretação da cláusula terceira do Aditamento e ignora, por completo, a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa com base no qual a ação foi configurada, incorrendo, simultaneamente, em erro na interpretação e aplicação do direito.

2. A questão a decidir nos presentes autos prende-se diretamente com a interpretação a dar à cláusula terceira do Aditamento, conjugada com o disposto no nº 1 da cláusula quarta, no nº 1 da cláusula primeira e nos considerandos quinto e oitavo do mesmo documento contratual, o qual corresponde à celebração do contrato definitivo de cessão de quotas entre os AA. e os RR.

3. Da prova produzida nos autos não resultou provada a real vontade das partes no que respeita às circunstâncias e motivos concretos inerentes à inclusão no Aditamento da mencionada cláusula terceira, razão pela qual se torna necessário proceder à interpretação da mesma ao abrigo do disposto nos artigos 236º a 238º do CC.

4. O apuramento da vontade real das partes, no quadro da interpretação dos negócios jurídicos, constitui matéria de direito sujeita ao controle do Supremo Tribunal de Justiça quando, sendo tal vontade desconhecida, devam seguir-se para o efeito os critérios fixados nos citados artigos 236º a 238º do CC.

5. Os princípios essenciais a ter em consideração nesta matéria são os seguintes:

a. A declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário - artigo 236º, nº2, do CC;

b. Não o sendo, valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (teoria da impressão do destinatário) - artigo 236º, nº1, do CC;

c. Nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto - artigo 238º, nº1, do CC; dito doutra forma: para que possa valer, o sentido atribuído pelo “declaratário normal” deverá estar expresso, ainda que de forma imperfeita, no próprio texto do documento que corporiza a garantia prestada;

d. O sentido sem correspondência mínima no texto poderá ainda valer se traduzir a vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio senão opuserem e essa validade - artigo 238º, nº2, do CC.

6. Não sendo viável chegar aum resultado suficientemente claro sobre a interpretação do negócio, há que lançar mão do artigo 237º do CC que dispõe para os casos duvidosos:

“Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações”.

7. Analisando a mencionada cláusula terceira do Aditamento à luz dos princípios acima referidos, e ponderado o negócio concluído na sua globalidade, o sentido (interpretação) conducente ao maior equilíbrio das prestações é, sem dúvida, o adotado pelo Tribunal de Primeira Instância e não o perfilhado no Acórdão recorrido, já que, da referida cláusula 3ª do Aditamento, resulta claro que:

a. no número um,compradores (os RR., ora Recorridos) e vendedores (os AA., ora Recorrentes) acordaram em proceder à revogação do contrato que a sociedade “Bar..., Lda” tinha em vigor com a “Sociedade Central de Cervejas” (S.C.C.) mediante o pagamento por aquela sociedade a este fornecedor de uma penalização e a assunção pelos compradores, em nome da sociedade, da manutenção do contrato com a SCC sob novas condições que se encontravam a ser negociadas, e

b. nos números dois e três, que, com vista à revogação do contrato referido em

a., os vendedores contribuiriam com a quantia de €30.000,00, valor que seria deduzido ao preço total do negócio a pagar pelos compradores.

8. Daí que, no número um da cláusula quarta do Aditamento, a quantia a pagar pelos compradores aos vendedores pelo negócio efetuado tenha sido fixada em €382.055,54, montante que resulta da subtração da quantia de €30.000,00 (correspondente à contribuição dos vendedores para a revogação do contrato com a SCC) ao total resultante da soma das quantias referidas nos considerandos quinto e sexto do

Aditamento (€412.055,54, preço total do negócio).

9. Considerando que em sede de contestação os RR. não contestaram a falta de pagamento à SCC da penalização prevista no Aditamento para a revogação do contrato, nem a própria revogação desse contrato, é forçoso concluir que tal quantia terá de ser devolvida aos Autores uma vez que não se verificou a condição subjacente à contribuição dos AA. e que se traduzia numa redução do valor a pagar pelos RR.

10. Resulta claro da cláusula terceira do Aditamento que os AA. apenas aceitaram reduzir ao preço da cessão de quotas a quantia de €30.000,00 na condição de tal montante ser afeto ao pagamento da compensação à SCC decorrente da revogação do contrato em vigor entre esta entidade e a sociedade Bar..., Lda (nos termos contratuais, a “contribuição” dos Autores “com vista à revogação”, a considerar no “montante total a pagar pelos Compradores” na data da celebração do Aditamento).

11. Não podendo, portanto, deixar de se concluir, como na decisão do Tribunal de Primeira Instância, que «considerando que a contribuição por parte dos AA. [da quantia de €30.000,00]estavacondicionada, já que o acordo partia do princípio de que os RR. iriam ser obrigados a pagar uma penalização por força da revogação do contrato, não se tendo verificado tal pagamento estão os RR. obrigados a devolver aos AA. a quantia de €30.000,00».

12. De acordo com a teoria da impressão do destinatário, e ao contrário do defendido na decisão recorrida, é esse o sentido que um declaratário normal, colocado na posição dos declaratários reais, os ora RR., conhecendo as circunstâncias que estes concretamente conheciam e agindo com capacidade e diligências médias, atribuiria àquela declaração, sem necessidade de previsão contratual expressa da consequência da não afetação pelos RR. da quantia de €30.000,00, abatida pelos AA. ao preço da cessão das quotas, ao pagamento à SCC da penalização pela revogação do contrato com a Bar..., Lda.

13. Mesmo entendendo que não é possível definir o sentido da declaração nos termos do disposto no artigo 236º do CC, não podemos deixar de chegar à mesma conclusão se lançarmos mão do critério de interpretação constante do artigo 237º do CC, isto é, o que conduz ao maior equilíbrio das prestações, sendo que a solução adotada pelo Acórdão recorrido conduz a um manifesto desequilíbrio, claramente desfavorável aos AA.

14. Não é correto o entendimento constante do Acórdão recorrido no sentido de que a restituição aos AA. da quantia que estes abateram ao preço da cessão de quotas por conta de um efeito que não se verificou (a revogação do contrato com a SCC) não é a que conduz a um maior equilíbrio das prestações.

15. Isto porque, é inegável que o preço recebido pelos AA. emergente do contrato de cessão de quotas foi reduzido na quantia de €30.000,00 (cf. nº 10 dos Factos Provados), a qual constituía a contribuição destes para o pagamento da penalização devida pela revogação do contrato entre a Bar..., Lda e a SCC (cf. cláusula terceira, nºs 1 e 2, do Aditamento, nº 9 dos Factos Provados), sendo que tal contrato não chegou a ser revogado nem houve lugar ao pagamento de qualquer penalização ou compensação por parte da Bar..., Lda ou de algum dos RR. a favor da SCC (cf. nº 11 dos Factos Provados).

16. Daqui resulta necessariamente que os AA. se viram privados de uma quantia que lhes era devida pela conclusão do negócio e os RR. viram o seu passivo diminuído na mesma medida por conta de um efeito que não se verificou (a revogação do contrato e o pagamento de uma penalização a esta sociedade).

17. Tendo em conta que as partes fixaram o preço do negócio numa determinada quantia e que o mesmo foi reduzido exclusivamente com vista a um efeito que não se verificou, o maior equilíbrio das prestações residirá necessariamente no pagamento integral do preço por parte dos RR, com a consequente restituição aos AA. da quantia objeto de redução, no montante de €30.000,00.

18. Resulta manifestamente do teor do Aditamento que se as partes não tivessem estipulado a obrigação de revogação do contrato entre a Bar..., Lda e a SCC mediante o pagamento de uma penalização para a qual os AA. contribuíram com o montante de €30.000,00, o preço devido pelos RR. aos AA. pela cessão de quotas não teria sido reduzido naquela quantia.

19. Tal raciocínio conduz-nos inexoravelmente à aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, a qual não foi sequer aflorada no Acórdão recorrido, apesar de a ação ter sido configurada com recurso àquele instituto.

20. Em última análise, mesmo perante um eventual non liquet em relação à interpretação da cláusula terceira do Aditamento, seria sempre possível recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa como regra de decisão.

21. Não se tendo verificado o motivo único da redução do preço da cessão de quotas é manifesto que houve um locupletamento indevido por parte dos RR.à custa dos AA. no exato montante dessa redução (€30.000,00),o que, aliás, foi expressamente alegado na petição inicial.

22. É manifesto que:

a. Houve um enriquecimento dos RR. traduzido na diminuição do seu passivo perante os AA. - preço da cessão de quotas - no montante de €30.000,00, valor da redução do preço da cessão (cf. nº 10 dos Factos Provados);

b. Tal enriquecimento carecede causa justificativa na medida em que a causa que presidiu à realização da prestação – a revogação do contrato entre a Bar..., Lda e a SCC mediante o pagamento de uma penalização para o qual os AA. contribuíram com a quantiade€30.000,00 –perdeu-se /nãochegou averificar-se em virtude de o referido contrato não ter sido revogado nem paga qualquer penalização à SCC (cf. nºs 9 e 11 dos Factos Provados), e

c. O enriquecimento dos RR. deu-se à custa dos AA. na medida em que aqueles deixaram de pagar e estes deixaram de receber a totalidade do preço acordado para a cessão de quotas (cf. nº 9 dos Factos Provados).

23. Encontram-se preenchidos todos os requisitos legais que permitem aos AA. obter dos RR., com base no instituto do enriquecimento sem causa, a restituição da quantia de €30.000,00 da qual ficaram privados aquando da celebração do contrato de cessão de quotas, e da qual, sem causa justificativa, aqueles beneficiaram (cf. artigo 479º do CC).

24. Assim, e ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, assiste aos AA. o direito a receberem dos RR. a referida quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), pelo que, ao decidir em sentido contrário, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 236º, 237º e 238º do CC e ainda os artigos 473º e 479º também do CC, devendo, portanto, ser revogada e substituída por outra que julgue a ação instaurada pela AA. totalmente procedente.

Os Réus recorridos contra-alegaram concluindo nos seguintes termos:

a) Os Réus nos presentes autos, apresentam as suas contra-alegações:

b) Efectivamente, no dia 22 de Fevereiro de 2017, foi celebrado um aditamento ao contrato promessa de cessão de quotas nos termos do qual foi efectuada a cessão definitiva de quotas.

c) Para além da cessão definitiva de quotas, o aditamento foi celebrado porque, durante as negociações, os Autores nunca comunicaram a existência do contrato com SCC – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A. (adiante SCC).

d) Este contrato implica obrigações para a sociedade, nomeadamente quantidades mínimas de produtos a adquirir e penalizações para o incumprimento dessas compras.

e) Pelo que os Autores e Réus decidiram, por acordo, reduzir ao negócio o valor de 30.000,00 € ( Trinta mil euros)

f) Sendo que tal redução foi acordada com vista a compensar os Réus pela descoberta da existência do contrato com a SCC.

g) Ou seja, os Autores reduziam o preço do negócio, e os Réus assumiam o contrato com a SCC.

h) Sendo que podiam os Réus acordar com a SCC a revogação do contrato ou a manutenção do mesmo.

i) Sendo que tal, sempre ficou claro.

j) Constando tal previsão do documento junto aos autos.

k) Nunca ficou acordado que se o contrato com a SCC não fosse revogado os Réus teriam que pagar o valor em causa aos Autores.

l) Bem pelo contrário, bastando analisar os termos do nº 4 da clausula 3º do supra referido aditamento.

“Os Compradores expressamente declaram e reconhecem que com o pagamento por parte dos Vendedores da quantia estipulada nos números anteriores, nada mais terão a receber ou reclamar destes por força da execução, cessação ou incumprimento do referido contrato, assumindo integralmente e sem reservas o cumprimento de todas as obrigações emergentes do mesmo ou dos seus eventuais aditamentos ou alterações.”

m) Conforme supra se pode ler, encontra-se expresso no aditamento que, após a redução, os Réus assumem o cumprimento das obrigações do contrato, dos seus eventuais aditamentos ou alterações.

n) Ou seja, ficou claro entre as partes que os Réus teriam que assumir as obrigações do contrato, conforme consta da clausula “execução, cessação ou incumprimento”.

o) Ou seja resulta do documento que poderia manter a execução do contrato, a sua cessação.... sendo apenas os Réus responsáveis em caso de incumprimento.

p) Pelo que muito bem, entendeu a decisão ora recorrida que entendeu que não existem elementos que permitam interpretar aquela clausula em razão das circunstâncias que levaram a esse aditamento e que consequentemente não existem elementos para a restituição.

q) Analisando os factos, não se vislumbra qualquer outra decisão como adequada.

r) Porquanto, desde já se requer que seja mantida a decisão recorrida.

Corridos os vistos, cumpre decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC).

THEMA DECIDENDUM

O objecto do recurso centra-se na interpretação do negócio de cessão de participações sociais celebrado entre Autores e Réus, em particular considerando a cláusula 3ª do aditamento outorgado em 22 de Fevereiro de 2017.

Antes do mais, os factos que as instâncias consideraram provados:

1. Os l°s Autores AA e BB e a sociedade X...,Lda - a qual veio, entretanto, a ser incorporada, por fusão, na ora 2.a Autora "Catch Me, Lda." foram os únicos sócios da sociedade comercial por quotas denominada "Bar..., Lda", com sede no Largo ..., ... ..., pessoa colectiva número .......92 e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ..., na proporção de 85% para os l°s e 15% para a 2a; Cfr. certidão.

2. Por contrato promessa celebrado em 19 de Outubro de 2016, os ora Autores prometeram ceder à ora 1a Ré a totalidade das participações sociais de que eram detentores no capital social da Sociedade "Bar..., Lda; Cfr. doe. n° l.

3. À data da celebração do Contrato Promessa, o capital social da Sociedade era de € 99.759,57, sendo os l°s Autores titulares de 4 (quatro) quotas com o valor nominal de €21.198,91, cada uma, e a 2a A titular de uma quota com o valor nominal de €14.963,93; cfr. certidão permanente da sociedade.

4. Em 31 de Dezembro de 2016, foi deliberado o aumento do capital social da Sociedade para o montante de €450.000,00, através da conversão de prestações suplementares de capital e, em consequência, os l°s Autores passaram a ser titulares de uma quota no valor nominal de €382.500,00 e a 2a Autora de uma quota com o valor nominal de €67.499,99, cfr. certidão permanente da sociedade.

5. Em 22 de Fevereiro de 2017, os ora Autores e Réus celebraram um designado Aditamento a Contrato Promessa de Cessão de Quotas (doravante, o "Aditamento"), nos termos do qual os l°s Autores cederam definitivamente à Ia Ré a quota de que eram titulares no capital social da Sociedade com o valor nominal de €382.500,00 e a 2a Autora cedeu definitivamente ao 2o Réu marido a quota de que era titular no capital social da Sociedade com o valor nominal de €67.499,99, ficando os Réus com a totalidade do capital social da Sociedade; Cfr. doc. n°2 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6. O preço global acordado para a transmissão das quotas dos ora Autores no capital social da Sociedade foi de €350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), correspondendo a quantia de €300.000,00 (trezentos mil euros) ao preço da quota dos l°s Autores, a pagar pela 1a Ré, e a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) ao preço da quota da 2a Autora, a pagar pelo Réu marido, tudo conforme Cláusula Primeira, n° 1, e Considerandos Quinto e Sexto do Aditamento; Cfr. doe. n°2

7. Adicionalmente, foi acordado que a Sociedade reembolsaria aos ora Autores os suprimentos dos quais estes eram credores, no montante total de €50.000,00 (cinquenta mil euros); Cfr. Cláusula Primeira, n° 2, do Aditamento (documento n° 2), montante este a pagar pelos Réus na data da celebração do Aditamento;

8. Ainda nos termos do Aditamento, os Réus obrigaram-se a pagar aos Autores a quantia de 12.055,54 (doze mil, cinquenta e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de despesas da Sociedade pagas por estes, conforme Cláusula Segunda, n° 3 (documento n° 2);

9. As partes acordaram na cláusula terceira do referido aditamento sob a epígrafe -"SCC e R..., Unipessoal, Lda":

1. As partes acordam entre si em proceder à revogação do contrato em vigor com a Central de Cervejas (SCC) com base no pagamento de uma penalização a este fornecedor bem como com a assunção, por parte dos compradores em nome da sociedade, da manutenção do contrato por mais dois anos sob novas condições que ainda se encontram a ser negociadas entre a SCC;

2. Com vista à revogação do contrato que se encontra em vigor com a SCC os vendedores irão contribuir com a quantia de €30.000,00;

3. A contribuição dos vendedores na ordem dos €30.000,00 será considerada no montante total a pagar pelos compradores na presente data conforme se estipula na cláusula seguinte;

4. Os compradores expressamente declaram e reconhecem que com o pagamento por parte dos Vendedores da quantia estipulada nos números anteriores, nada mais terão a receber ou a reclamar destes por força da execução, da cessação ou incumprimento do referido contrato, assumindo integralmente e sem reservas o cumprimento de todas as obrigações emergentes do mesmo ou dos seus eventuais aditamentos ou alterações;

5. De igual modo, os compradores expressamente declaram e reconhecem assumir integralmente e sem reservas, por si e em nome da sociedade, o cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato de fornecimento celebrado entre a Sociedade e a "R..., Unipessoal, Lda". "

10. Nos termos do acordado na cláusula terceira, o preço recebido pelos Autores a título de preço de cessão das quotas da Sociedade foi reduzido na quantia de €30.000,00;

11. Os Réus, na qualidade de únicos sócios e gerente (no caso do Réu marido) da Sociedade, acordaram com a SCC a manutenção do identificado Contrato de Compra Exclusiva de Bebidas, sem que tenha havido lugar ao pagamento de qualquer penalização ou compensação por parte da Sociedade ou de algum dos Réus a favor da SCC; (Acordo)

12. Na cláusula quinta, n°2, do aditamento consta:

(..-) 2. Os Vendedores declaram e garantem, sem reservas, que: (...)

(ii) exceptuando o disposto na Cláusula Terceira anterior, procederam à redução da totalidade do passivo da Sociedade;

(iii) sem prejuízo do disposto no número seguinte, não existem quaisquer dívidas pendentes ao Estado (Autoridade Tributária e Segurança Social) até à presente data, tendo consciência de que serão os únicos responsáveis em caso de coimas (ou equivalentes) que advenham de situações de incumprimento ou por conta de entregas de impostos fora de prazo referentes a factos praticados no âmbito da sua gestão. Para este efeito, os Vendedores entregam aos Compradores, na presente data, as certidões de não dívida à Segurança Social e à Autoridade Tributária.(...) "

13. Na cláusula 6a, n°4, do aditamento consta:

"...as Partes acordam como prazo máximo para a resolução definitiva da substituição dos avais perante o Millenium BCP o dia 31 de Abril de 2017 ou o 30° (trigésimo) dia seguinte à data de entrega da acta de aprovação das contas de 2016, consoante o que ocorrer mais cedo. "

14. Na cláusula 6a, n°6, do aditamento consta:

"...enquanto os Vendedores se mantiverem como avalistas perante o Millenium BCP, os Compradores não lhes poderão exigir o pagamento de quaisquer quantias ou responsabilidades devidas ao abrigo do disposto na Cláusula Quinta; após a substituição dos avais, e caso tenha havido lugar ao pagamento das referidas quantias por parte dos Compradores e/ou da Sociedade, os Vendedores reembolsar-lhes-ão tais quantias, em singelo. "

15. Com data de 9 de Novembro de 2017, a L........., subscreve declaração de exoneração do avalista, conforme does. n°l, 2 e 3, juntos com a réplica, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

16. Após os Réus terem assumido a gestão da sociedade Bar..., Lda, foi esta notificada para liquidar as seguintes dívidas fiscais, a que acrescem acrescem custas no valor de 1155,60 € e juros de mora de 62,80 €: Processo n° ..............90 no valor de 2.359,98 € Processo n° ..............16 no valor de 780,44 € Processo n° ..............19 no valor de 5.815,92 € Processo n° ..............31 no valor de 182,14 € Processo n° ..............61 no valor de 1.535,60 € Processo n° ..............42 no valor de 1.225,11 € Processo n° ..............58 no valor de 308,26 € Processo n° ..............57 no valor de 471,68 € Processo n° ..............65 no valor de 259,77 € (documento 1 que se junta e dá por integralmente reproduzido).

Apreciando

O problema que aqui discutimos respeita à interpretação das cláusulas do acordo de cessão de participações sociais celebrado entre o Autores e os Réus, especialmente na parte respeitante à cláusula 3ª do mencionado aditamento.

A interpretação da declaração negocial mostra-se regulada no art. 236º do CC, sob a epígrafe “sentido normal da declaração”, nos seguintes termos:

“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”

É pacífico que se acolheu aqui uma doutrina objetivista da interpretação, na variante da denominada teoria da impressão do destinatário, pelo que à declaração negocial será atribuído o sentido que um “declaratário medianamente instruído e diligente” dela apreende, opção esta cuja finalidade é a proteção do declaratário e a segurança do tráfico jurídico (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3ªed., Coimbra, 1982, pág. 222).

Consagra, pois, a lei, em termos hermenêuticos, uma concepção objectivista da interpretação da declaração negocial, significando que importa apurar o sentido exteriorizado ou cognoscível, atestado pelos respectivos elementos objectivos, na vertente da interpretação normativa e não meramente psicológica.

Trata-se, no fundo, de apreender o elemento externo da declaração negocial, estritamente relacionado com a função do negócio em causa.

Conforme realça Henrich Ewald Horster (in “A Parte Geral do Código Civil Português”, Almedina, Novembro de 2000, a página 510),“(...) a interpretação parte, metodologicamente, de elementos objectivos para obter, através deles, como finalidade, o elemento subjectivo, na medida em que isto é possível”.

Posiciona-se, então, o declaratário “nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente, mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido, e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável” (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., Coimbra, 2005, pág. 443).

Nas palavras de Heinrich Ewald Hörster (A Parte Geral do Código Civil Português Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1992, pág. 510), “o art. 236º, 1, atribui o risco do uso linguístico ao declarante, uma vez que ele dispõe de todos os meios para se fazer entender”.

Esta solução consente, todavia, desvios na direção subjetivista, admitindo-se, designadamente, que a vontade comum das partes prevaleça quando “a declaração seja ambígua” ou “o seu sentido (objectivo) seja inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram” (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit, pág. 223).

São as “situações em que declarante e declaratário se exprimem mal e se entendem bem, apesar de este entendimento comum contrariar o uso linguístico ou o sentido normal das expressões empregues”, o que pode ser motivado pela ignorância das partes, sua negligência ou intenção de utilização de uma linguagem codificada, apenas acessível às mesmas, para preservação do segredo do negócio, por exemplo (Heinrich Ewald Hörster, ob. cit., pág. 511).

A indagação do sentido da declaração negocial convoca as circunstâncias em que a mesma foi emitida, labor para o qual se mostram atendíveis, entre outras, os termos do negócio, os interesses em jogo, as negociações prévias, os hábitos do declarante, os usos da prática (Mota Pinto, ob. cit., págs. 446 a 447).

Se após a realização dos procedimentos expostos não for possível apurar com segurança o sentido da declaração negocial, permanecendo a dúvida sobre o mesmo, o caminho traçado pelo art. 237º do CC é o de que prevaleça, nos negócios gratuitos, o sentido menos gravoso para o disponente, e nos negócios onerosos, o sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

Constitui função e objectivo da interpretação do negócio jurídico evidenciar o concreto conteúdo normativo que irá reger a conduta das partes intervenientes, fixando-se o sentido do encontro de vontades vinculativo celebrado entre elas.

Tal actividade não visa prosseguir, como desiderato, a mera reconstituição daquilo que terá sido a compreensão intelectual, por parte do receptor, da mensagem emitida pelo declarante individualmente considerado.

Diferentemente, há que apreender e tomar em consideração o sentido da declaração tal como a mesma é concebida na comunidade, embora se deva socorrer, para este mesmo efeito, à figura do declaratário normal.

(Sobre este ponto, vide Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra Editora 2005, 4ª edição, a página 441 a 443; Oliveira Ascensão, in “Direito Civil. Teoria Geral”, Volume II, Coimbra Editora, 2003, 2ª edição, a páginas 186 a 188).

Com efeito, segundo a teoria da impressão do destinatário consagrada no artigo 236º, nº 1, do Código Civil, o que interessa relevar não é a compreensão realizada pelo sujeito concreto ao qual foi dirigida a declaração, numa vertente subjectiva, mas sim o sentido da declaração recepcionada pelo declaratário razoável colocado na posição do real declaratário.

Questiona Menezes Cordeiro (in “Tratado do Direito Civil, II, Parte Geral”, Almedina 2021, página 729” “E se o declaratário não observar a diligência devida, ficando aquém do “declaratário normal” previsto no artigo 236º, nº 1, 1ª parte?

Estamos perante um encargo, mais do que em face de deveres directos. O declaratário-diligente vai, simplesmente e ex lege, ser tratado como “normal”. O negócio será interpretado como se ele tivesse sido diligente, numa situação desvantajosa ou vantajosa, consoante os casos.”

Portanto, o que vale são os elementos que efectivamente conhecidos pelo destinatário, conjugados com os que, tratando de uma pessoa normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria seguramente apreendido.

Refere Henrich Ewald Horster (obra citada, página 510) que “A “normalidade” do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só pela capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”.

Conforme salientam Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, Volume I, Coimbra Editora, Limitada, 1987, 4ª edição, revista e actualizada, página 223), “A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só pela capacidade para entender o texto e o conteúdo da declaração, mas também na dilgência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”.

Claro que o legislador excepcionou a situação em que o declaratário conheça a vontade real do declarante, que nessas circunstâncias prevalecerá, nos termos do nº 2 do artigo 236º do Código Civil.

Como ensina António Menezes Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil”, II, Parte Geral, Almedina Fevereiro de 2021, a página 724), “o contexto das cláusulas é decisivo. Nenhuma cláusula pode ser interpretada isoladamente: há que inseri-la na globalidade do negócio. Desde logo, as regras elementares da semântica a tanto conduzem. A língua portuguesa é rica em termos polissémicos, que apenas no contexto ganham o sentido que, no caso, lhes compita. De seguida, há as regras de coerência negocial a ter em conta: as cláusulas operam em conjunto, como um todo, apenas assim prosseguindo o intento das partes”.)

Se estivermos perante a leitura de uma cláusula que possa qualificar-se como clara, objectiva e isenta de interrogações sérias, realizada na sequência de um processo interpretativo transparente e rigoroso, usando de absoluta honestidade intelectual, que apure com total segurança o sentido exacto e correcto do conteúdo normativo contido no teor do contrato a interpretar, na perspectiva do destinatário médio, não há motivo algum para, nessas circunstâncias, fazer funcionar o dito princípio “contra stipulatorem”, que serviria nesse caso, tão somente, para penalizar de forma gratuita, sistemática e preconceituosa, o predisponente e beneficiar, injustificada e invariavelmente, o consumidor aderente.

Olhando o caso vertentediremos que não se nos oferecem dúvidas que possamos considerar razoáveis, quanto à interpretação do clausulado, parecendo-nos até estranho, com todo o respeito, que outro possa ser o entendimento a respeito do que os outorgantes pretenderam quando estabeleceram aquela cláusula terceira, cujo teor aqui renovamos:

1. As partes acordam entre si em proceder à revogação do contrato em vigor com a Central de Cervejas (SCC) com base no pagamento de uma penalização a este fornecedor bem como com a assunção, por parte dos compradores em nome da sociedade, da manutenção do contrato por mais dois anos sob novas condições que ainda se encontram a ser negociadas entre a SCC;

2. Com vista à revogação do contrato que se encontra em vigor com a SCC os vendedores irão contribuir com a quantia de €30.000,00;

3. A contribuição dos vendedores na ordem dos €30.000,00 será considerada no montante total a pagar pelos compradores na presente data conforme se estipula na cláusula seguinte;

4. Os compradores expressamente declaram e reconhecem que com o pagamento por parte dos Vendedores da quantia estipulada nos números anteriores, nada mais terão a receber ou a reclamar destes por força da execução, da cessação ou incumprimento do referido contrato, assumindo integralmente e sem reservas o cumprimento de todas as obrigações emergentes do mesmo ou dos seus eventuais aditamentos ou alterações;

5. De igual modo, os compradores expressamente declaram e reconhecem assumir integralmente e sem reservas, por si e em nome da sociedade, o cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato de fornecimento celebrado entre a Sociedade e a "R..., Unipessoal, Lda".

Ora, o que foi ali previsto e considerado reporta-se à revogação de um contrato que à data da cessão se encontrava em vigor entre a sociedade cedida e a fornecedora Central de Cervejas (SCC), que ambas as partes acordaram realizar, revogação essa que implicava o pagamento de uma penalização de 60.000,00€ devida à SCC, acordando-se que este valor seria assumido pelos vendedores em metade, ou seja 30.000,00 €, sendo este montante a “contribuição” dos vendedores, em consequência dessa revogação.

Contribuição essa que viria a ser considerada ou “compensada” no valor global que os vendedores teriam a receber dos compradores, devido pelo contrato entre ambos realizado.

Isto sem prejuízo de os compradores também assumirem, em nome da sociedade de que passaram a ser inteiros titulares, da “manutenção do contrato por mais dois anos sob novas condições que ainda se encontram a ser negociadas entre a SCC”.

Manutenção esta que, pelos vistos veio a verificar-se, continuando a vigorar o mesmo contrato entre os cessionários e a SCC, embora eventualmente com outras condições (como foi propósito dos cessionários), mas dentro do contrato que inicialmente fora celebrado entre os cedentes e a SCC.

Pelo que se nos afigura claro que, afinal, não tendo ocorrido aquela revogação, perdeu todo o sentido aquela contribuição de 30.000,00€ prevista entre as partes para a sua verificação.

Daí que, tendo sido estabelecido o preço global da cessão em 350 mil euros, havendo que adicionar a este valor o valor de 50 mil euros de suprimentos de que estes eram credores da sociedade, cujo reembolso aos Autores os Réus assumiram pagar na data da celebração do Aditamento, no montante total de €50.000,00 (previsto na Cláusula Primeira, n° 2, do Aditamento), assim como 12.055,54 euros de despesas assumidas pelos vendedores e relacionadas com o funcionamento da sociedade referidas na cláusula segunda n.° 3 (factos provados 6,7 e 8), encontramos o valor global de 412.055,54 €.

Ora, abatendo a esse valor os 30.000.00 € mil euros da dita cláusula terceira, ou seja o valor em discussão, chagamos à quantia global de 382.055,54 € que na data da assinatura do contrato é fixada entre as partes como preço total.

Tendo sido esse o preço efectivamente pago aos através de transferência bancária como resulta da cláusula 4/2.

Aliás, do facto provado sob o nº 10 resulta exactamente que “nos termos do acordado na cláusula terceira, o preço recebido pelos Autores a título de preço de cessão das quotas da Sociedade foi reduzido na quantia de €30.000,00”.

De facto, tal como resulta também do facto 13 provado, os Réus, na qualidade de únicos sócios e gerente (no caso do Réu marido) da Sociedade, vieram a acordar com a SCC a manutenção do identificado Contrato de Compra Exclusiva de Bebidas, como era seu desígnio, sem que tenha havido lugar ao pagamento de qualquer penalização ou compensação por parte da Sociedade ou de algum dos Réus a favor da SCC.

Ora, tendo sido aquele acordo, o já existente entre as autoras e a SCC, mantido depois da cessão operada para as Rés, e não um novo acordo (pese embora as alterações que tenha sofrido), torna-se óbvio que caiu por terra o motivo determinante do pagamento da contribuição das Autoras para o “prejuízo” adveniente da revogação do contrato de fornecimento celebrado entre a Sociedade e a SCC.

O motivo que determinou o desconto de 30.000,00 € ao preço da cessão extinguiu-se, pelo que tal desconto não teve qualquer razão de ser, impondo-se, como pretendem os autores, a sua restituição pelos Réus.

Inscrevendo-se esta obrigação de restituir no âmbito do instituto de enriquecimento sem causa estatuído no artigo 473º do Código Civil, que assim reza:

1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2. “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

Sendo, assim, pressupostos constitutivos do enriquecimento sem causa, a existência de um enriquecimento, a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem, por fim a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.

Sendo de salientar que o enriquecimento sem causa como fonte de obrigação tem carácter subsidiário (art. 474º), o que significa que se alguém obtém um enriquecimento à custa doutrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer.

Ensina Galvão Telles (in “Direito das Obrigações”, 3ª Ed., pags. 124 e seg) que “a noção do enriquecimento é muito controvertida e difícil de definir… Parece que tudo se reconduz à interpretação da lei, à determinação da vontade legislativa, isto é, saber se a ordem jurídica considera ou não justificado o enriquecimento e se portanto acha ou não legítimo que o beneficiado o conserve. O enriquecimento tem ou não causa justificativa consoante, segundo os princípios legais, há ou não razão de ser para ele. Cumpre ver em cada hipótese, no âmbito do instituto jurídico aplicável, se o enriquecimento corresponde à vontade profunda da lei.”

Para PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA (in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., pags. 470 e segs), “a falta de causa justificativa traduz-se na “inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento”, remetendo-se, a propósito, para o Ac. deste Supremo, de 14.01.72 (BOL. 213º/214).

Ainda para este Mestre “o enriquecimento é injusto porque, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outro…. Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa”.

Como muito bem é dito no Acórdão do STJ de 19/01/2017 (processo 187/12.0TBMGD.G1.S1), “a falta de causa justificativa pode decorrer da circunstância de nunca ter existido ou, tendo existido, entretanto, se ter perdido.

Esta situação, do desaparecimento posterior da causa, corresponde à tradicional condictio ob causam finitam, tipificada no n.º 2 do art. 473.º do CC, que se caracteriza por alguém ter recebido uma prestação em virtude de uma causa que, entretanto, deixou de existir.”

Por outro lado, interessa ainda relevar, no âmbito normativo, o “pagamento indevido” (condictio indebiti) previsto no art. 476.º do CC, considerado como “mero caso particular da figura geral do enriquecimento sem causa” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição, 1979, pág. 407).

Para MENEZES LEITÃO (in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 6ª Ed., pags. 407 e segs) que sobre o tema fez incidir a respectiva dissertação de doutoramento, no enriquecimento por prestação (ao lado do qual existem o enriquecimento por intervenção, o enriquecimento por despesas realizadas em benefício doutrem e o enriquecimento por desconsideração de um património intermédio), “a ausência de causa jurídica deve ser definida em sentido subjectivo, como a não obtenção do fim visado com a prestação”, havendo, assim, lugar à restituição da prestação sempre que esta é realizada com vista à obtenção de determinado fim e esse fim não vem a ser obtido (“condictio ob rem”), ou quando a causa jurídica – no sentido que ficou evidenciado – da prestação realizada desaparece posteriormente à sua realização (“condictio ob causam finitam).

E, após advertir que o conceito de ausência de causa justificativa não pode ser entendido de forma idêntica no âmbito do enriquecimento por prestação e nas outras categorias de enriquecimento sem causa, sustenta que, “no âmbito do enriquecimento por prestação está em causa um incremento consciente e finalisticamente orientado do património alheio, sendo a não realização do fim visado com esse incremento que determina a restituição”.

Mais aduzindo que “A não realização desse fim é tipificada no art. 473º, nº2, por referência a uma relação obrigacional, cuja execução se visou, mas que por qualquer razão não existe subjacente a essa prestação, podendo essa inexistência respeitar ao próprio momento da realização da prestação («condictio indebiti»), ou vir a obrigação a desaparecer posteriormente («condictio ob causam finitam») ou não se verificar futuramente («condictio ob rem»)”.

Revertendo estes considerandos ao caso sub judice, desde logo haverá que reconhecer que apenas sob a égide deste instituto jurídico se afigura viável a pretensão dos autores de se verem reembolsados pelo quantitativo que reclamam, pois que não se encontra à sua disposição outro meio específico e previsto na lei para lograr tal desiderato, entre eles o instituto da responsabilidade civil, ou mesmo contratual, que sempre demandariam a verificação de conduta culposa/inadimplente dos Réus, que no caso vertente está posta de parte, revelando-se, pois, legítimo e atendível o seu subsidiário recurso ao instituto do enriquecimento sem causa para serem, correspondentemente, reintegrado na sua esfera jurídico-patrimonial, como consentido, “a contrario”, pelo art. 474º do CC.

E voltando à economia do contrato celebrado entre as partes, dúvidas não podem surgir, numa análise feita por um declaratário normalmente esclarecido, “zeloso e sagaz”, quanto à directa correspondência entre a redução ao preço global da cessão, do valor correspondente às revogação do contrato de fornecimento existente entre a sociedade e a SCC, cabendo aos Autores, de forma acordada entre as partes, mercê dessa revogação, a quantia de 30.000,000 €, que não receberam dos Réus mantendo-se este valor no seu património.

Ora, torna-se óbvio que, não se vindo a verificar aquela revogação determinante da redução do preço, deixou esta mesma redução de preço de ter sentido, por ter caído a causa que justificava aquela operação de menor valor, dando-se a deslocação deste para o património dos Réus e enriquecendo estes de forma ilegítima, pois que não veio a ocorrer, como pensavam os outorgantes o facto genético daquela operação de contribuição dos autores para o pagamento da penalização decorrente da revogação do contrato de fornecimento com a SCC, sendo injusto, como tal, que os Réus, não devolvam esse valor aos autores, que lhes pertence, de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, que não vislumbra causa justificativa para a deslocação patrimonial daquele quantitativo da esfera patrimonial dos Autores para a dos Réus.

Regressando à terminologia de Menezes Leitão, no caso vertente verificou-se uma situação de “enriquecimento por prestação”, que fora realizada com vista à obtenção de um fim específico, ou de um determinando “incremento do património alheio”, no caso no património da sociedade com a revogação do contrato com a SCC, impondo-se, face à não concretização desse mesmo incremento, a restituição daquela prestação (“condictio ob rem”).

É esta, pois, a interpretação que fazemos daquela cláusula terceira.

Em nada relevando a circunstância de não se ter provado que a “redução do preço em 30 mil euros fora acordada para compensar os réus pela descoberta da existência do contrato com aquela sociedade e pressupondo que os réus assumiriam o acordo anteriormente celebrado com a Bar..., Lda”, como é referido no Acórdão recorrido.

Aliás, mesmo que tal circunstancialismo resultasse apurado, em nada ficaria alterada, tanto quanto é certo que, afinal, essa eventual “descoberta” em nada foi frustrante para a sociedade, tanto quanto é certo que o dito contrato com a SCC teve continuidade com a nova liderança da mesma, agora assumida pelos cessionários.

Daí que, nessas mesmas hipotéticas circunstâncias também se verificasse a situação de enriquecimento sem causa que procurámos explanar.

Do mesmo modo, também não acompanhamos o Acórdão recorrido quando este considera que “a verdade é que as partes não previram que em caso de esse contrato se manter após a cessão como veio a acontecer (ponto 11) por acordo entre a nova gerência da sociedade e a S.C.C, os compradores teriam que pagar aos vendedores essa quantia”.

De facto, tal não previaram mas tal não obsta a que os Autores agora reclamem aquele valor, que pagaram indevidamente, porque a razão dele justiticativa, pura e simplesmente não veio a verificar-se.

Assim como a falta de prova quanto às “circunstâncias em que foi aditada a mencionada cláusula terceira que foram alegadas nos art.s0 11 a 14 e que tinha a ver com alegados incumprimentos contratuais do contrato com a S.C.C com ameaças de penalizações e por isso não existem elementos que nos permitam interpretar aquela cláusula em razão das circunstâncias que levaram a esse aditamento e consequentemente não existem elementos que nos permitam concluir que a obrigação da restituição desse valor é a solução que conduz a um maior equilíbrio das prestações como estatui o art.° 237 do CCiv, como o parece supor a decisão recorrida”, não merece acolhimento, tanto quanto é certo que

Ora, da falta de prova de tal circunstancialismo, mesmo que ele fosse ponderoso para a ponderação que fizemos (que não seria, como já dissemos em relação à eventual descoberta do contrato como justificativa da cláusula terceira em apreço,) não é possível que este Supremo Tribunal de Justiça faça de uma presunção judicial no sentido da existência de outros motivos determinantes, que não os efectivamente demonstrados, para a outorga daquela mesma cláusula, como que dando como provado um facto que o Tribunal da Relação deu como não provado. (neste sentido o Acórdão do STJ de 21/03/2023 (processo 1327/19.3T8LRA.C1.S1), onde é referenciado o acórdão do STJ de 19 de Outubro 2021 (processo 2676/16.8T8ENT.E1.S3), segundo o qual “constituindo as presunções judiciais ilações extraídas pelas instâncias dos factos provados, elas situam-se no domínio da matéria de facto, cujo reexame está, em regra, vedado ao STJ nos termos do disposto no nº 3 do art.674º do CPC”.

Haverá, assim, que conceder razão aos recorrentes, no seu direito a verem-se restituídos pelos Réus naquele montante de 30.000,00 €, à luz do instituto de enriquecimento sem causa, revogando-se o Acórdão recorrido e repristinando-se a sentença, embora com outros fundamentos.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram esta 7ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista procedente, revogando-se o Acórdão recorrido e repristinando-se a sentença.

Custas pelos recorrentes.

Relator: Nuno Ataíde das Neves

1º Juiz Adjunto: Conselheiro Nuno Pinto Oliveira

2º Juiz Adjunto: Juiz Conselheiro Manuel Capelo