RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
EQUIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário


I – É equitativa a indemnização por dano biológico no valor de 20.000,00 € ao lesado com 49 anos Deficit Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 4 pontos, compatível com a atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, nomeadamente a pegar pesos com mais de 30 kg ou conduzir longas distâncias sem paragens (aguentando apenas meia hora de viagem), dores, perdas de tempo e ajudas de terceiras pessoas.
II - Tendo em atenção as lesões sofridas pelo Autor, com as inerentes dores e incómodos que teve e terá de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que o Autor foi sujeito, bem como as sequelas de que ficou a padecer e que fruto dessas sequelas ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos e uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 (numa escala de 0 a 5), formulando o necessário o juízo de equidade e considerando os valores que vêm sendo definidos pela jurisprudência para casos similares, fixa-se a indemnização dos danos não patrimoniais em 10.000,00 €.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Relatório

AA propôs ação declarativa sob a forma de processo comum contra Companhia de seguros Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal pedindo a condenação da Ré no pagamento de:

a) indemnização global líquida de €42.145,12, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efetivo pagamento;

b) indemnização ilíquida que, por força dos factos alegados nos artigos 248º a 261º da petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior (artigo 564º n.º 2 do Código Civil), ou que vier a ser quantificada em Incidente de Liquidação (artigos 358º n.º 2 e 609º do Código de Processo Civil).

Para tanto, alegou que o condutor do veículo automóvel seguro na Ré causou um acidente de viação, do qual foi o único culpado e que, em consequência do sinistro, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.

A ré contestou aceitando os factos referentes à dinâmica do acidente e discutindo apenas os danos dele decorrentes.

Instruídos os autos foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de €12.000,00, a título de indemnização por danos emergentes – dano biológico -, acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva prevista para as obrigações de natureza civil, contados desde o dia seguinte ao da notificação da presente decisão e até efetivo e integral pagamento;

- Condenar a Ré, Companhia de Seguros Zurich Insurance, PLC-Sucursal em Portugal”, a pagar ao Autor a quantia de € 5.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva prevista para as obrigações de natureza civil, contados desde o dia seguinte ao da notificação da presente decisão e até efetivo e integral pagamento;

- Condenar a Ré, Companhia de Seguros Zurich Insurance, PLC-Sucursal em Portugal” a pagar ao Autor as quantias de €1194,40 e €446,72, a título de indemnização por danos emergentes e rendimentos não auferidos, acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva prevista para as obrigações de natureza civil, contados desde o dia imediatamente seguinte ao da sua citação e até efetivo e integral pagamento;

Absolver a Ré, “Companhia de Seguros Zurich Insurance, PLC-Sucursal em Portugal”, do pagamento dos demais valores peticionados pelo Autor.

Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o autor, recurso que foi jugado parcialmente procedente e revogou a sentença condenando a ré a pagar ao autor:

a) a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) pelo dano patrimonial futuro (dano biológico na sua vertente patrimonial), acrescida do valor correspondente aos juros moratórios, à taxa de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;

b) a quantia de €13.500,00 (treze mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida do valor correspondente aos juros moratórios, à taxa de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;

c) uma indemnização a título de danos futuros decorrentes de despesas com a toma de medicamentos analgésicos, anti-inflamatórios, ansiolíticos e antidepressivos, de que o Autor carece ao longo de toda a sua vida, em quantia a liquidar ulteriormente; confirmar, no mais, a sentença recorrida.

Desta decisão interpôs recurso de revista a ré concluindo que:

“ 1ª – O presente recurso versa sobre o montante da indemnização pelo dano biológico e sobre a compensação fixada a título de dano moral.

2ª - A sentença de primeira instância fixou a indemnização pelo dano biológico sofrido pelo Autor em Eur. 12 000, 00, sendo tal indemnização elevada para Eur. 20 000, 00 no douto Acórdão recorrido.

3ª – Esta elevação podia ter cabimento. Não tem, salvo o devido respeito.

4ª - Sempre salvo melhor opinião, tal compensação, face aos factos provados, não deve ultrapassar os Eur. 12 000, 00 fixados em primeira instância.

5ª - Para alcançar o justo valor da indemnização pelo dano biológico, torna-se crucial aferir a verdadeira extensão deste dano, e em que medida afeta o Autor.

6ª – Ora, não ficou provado que o Autor tenha sofrido qualquer perda da capacidade de ganho ou uma diminuição efetiva de rendimentos.

7ª - No caso em apreço, é evidente que o dano biológico sub judice em nada afeta a competitividade do A. na sua profissão de eletricista.

8ª - De facto, o Autor padece de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de apenas 4 pontos.

9ª – E, apesar de tal défice implicar esforços acrescidos na sua atividade profissional, os mesmos traduzem-se em meras dificuldades ao carregar pesos superiores a 30Kg e a conduzir longas distâncias. Nada mais do que isto.

10ª - O Autor contava 49 anos, e trabalhava numa área com cada vez menos competitividade e menor possibilidade de progressão da carreira.

11ª - Encontra-se próximo do limite da sua vida ativa, e trabalha numa área de carreira estagnada, sem possibilidade de ascender a um nível superior na função.

12ª - A presente desvalorização não deve ter um tratamento similar às situações onde ocorreram efetivamente perdas da capacidade de ganho, cfr. entendimento do Ac. do TRG de 19/06/2019.

13ª - Foi este raciocínio que levou o tribunal de primeira instância a conceder Eur. 12 000, 00, e não os desajustados Eur. 20 000, 00, de segunda instância.

14ª – Não resulta da matéria de facto provada que o dano biológico sofrido pelo Autor tenha reduzido a sua capacidade de ganho.

15ª – Pelo que a verba de Eur. 12 000, 00, atribuída em primeira instância, afigura-se adequada e proporcional ao dano sofrido pelo A., ao contrário da fixada na Relação.

16ª - Tal verba até se situa acima dos valores alcançados com a fórmula matemática das tabelas financeiras, pois segundo este método considerando a IPP de 4 pontos que afeta o Autor e o seu salário, o valor desta indemnização seria Eur. 6 711, 82.

17ª – E mesmo que se calcule a indemnização SEM DESCONTAR O BENEFÍCIO A ANTECIPAÇÃO DE CAPITAL, a verba a atribuir ao Autor rondaria os Eur. 8 000, 00, muito menos de metade do valor arbitrado pela Relação.

18ª - O montante de Eur. 20 000, 00 fixado no douto acórdão recorrido não faz sentido algum, salvo o devido respeito.

19ª – E nem se alude aos critérios da Portaria n.º 377/2008, os quais conduziriam a um valor muito inferior ao acima exposto, na ordem dos quatro mil euros.

20ª - Assim, os mencionados Eur. 12 000, 00 constituem uma verba que se situa no limite superior da indemnização a atender, face à IPP e à idade do lesado.

21ª - Em bom rigor, este valor ainda deveria sofrer uma dedução, por via do benefício da antecipação do capital. Atenta a sensibilidade desta indemnização, o recurso aos juízos de equidade é natural - ponto é que se respeitem alguns limites.

22ª - A verba fixada na Relação ultrapassa todos esses limites e não se encontra minimamente justificada.

23ª - Aliás, o próprio tribunal da Relação alude aos valores arbitrados no douto Ac. do STJ de 14/01/2021, o qual não permite, modo de dizer, que seja concedida a verba fixada no douto acórdão recorrido,

24ª – Pois nesse douto Acórdão foi arbitrada uma indemnização por via de um dano biológico de 4 pontos, mas o sinistrado em causa contava apenas 32 anos de idade!!

25ª - Trata-se de uma diferença assinalável, de 17 anos, a qual demonstra, s.m.o. como os Eur 20 000, 00 a quo são excessivos.

26ª – Segundo a jurisprudência são vários os parâmetros para a determinação do quantum indemnizatório do dano biológico - a idade do lesado; a gravidade do défice funcional permanente, o período de vida ativa do lesado, a atividade profissional do lesado e as suas restantes qualificações.

27ª – Ora, à data do sinistro, o A. tinha 49 anos, um período de vida ativa de 17 anos, desempenhava a profissão de eletricista, não tinha especiais qualificações profissionais e sofre de uma IPP de grau baixo (4 pontos).

28ª – Assim, a verba de Eur. 12 000, 00, fixada em primeira instância, mostra-se justa, adequada e proporcional ao dano biológico sofrido pelo Autor.

29ª - Mesmo que assim não se entenda, e tendo em conta os argumentos referidos e a jurisprudência citada, a indemnização nunca por nunca deverá exceder os Eur. 15 000, 00 (quinze mil euros).

30ª – No que respeita à compensação por via do dano moral, não deverá ser mantido o montante fixado na Relação de Eur. 13 500, 00, salvo melhor opinião.

31ª - A verba fixada pela Relação encontra-se muito acima do patamar fixado pela jurisprudência corrente, para situações semelhantes, atentos os factos dados por provados, que devem ser dados por reproduzidos.

32ª - Em bom rigor, nesta matéria não nos deparamos com a atribuição de uma verdadeira indemnização, mas sim de uma mera compensação pelo desgosto sofrido e demais sofrimento.

33ª - Neste tipo de indemnização, porém, e por todas as razões, deve imperar o verdadeiro alcance da palavra equidade, na fórmula de Ferrer Correia e Vasco Gama Lobo Xavier.

34ª - A comparação com a Jurisprudência recente, que tem atribuído indemnizações de montante inferior, e a casos bem mais graves, mostra-se decisiva para aferir da correção da verba fixada pela Relação, cfr. Acórdãos acima citados.

35ª - De facto, esta verba encontra-se adequada em sinistros mais graves, dos quais resultam IPPs mais elevadas, nomeadamente entre os 7 pontos a 15 pontos.

36ª - Os danos sofridos pelo A. foram de grau reduzido, apenas padecendo de uma IPP de 4 pontos, a qual, apesar de implicar esforços suplementares para a profissão habitual, não constitui uma perda da capacidade de ganho, como vimos supra.

37ª - Para além do mais, importa realçar que o A. obteve alta hospitalar no próprio dia do sinistro, realizou apenas 5 sessões de fisioterapia, pratica regularmente ciclismo (“BTT”) e não foi submetido a nenhuma intervenção cirúrgica!!!

38ª – Deste modo, a verba de Eur. 5 500, 00, fixada em primeira instância, revela-se justa e equilibrada face à concreta situação de facto provada.

39ª - A compensação, em qualquer caso, não deve ultrapassar, de modo algum, o montante de Eur. 7 500, 00.

40ª - Trata-se de um montante com inteiro acerto para compensar o dano moral do Autor, e sem qualquer ponta de miserabilismo.

41ª - A douta decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos art.ºs 483º, 487º nº 2, 496º e 570º do Código Civil, 607º, 615º nº 1, alínea d), 616º, 637º, 640º, 644º, 645º e 647º do Código de Processo Civil, que deverão ser interpretados de acordo com as presentes conclusões.”

O recorrido contra alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida.

Cumpre decidir

… …

Fundamentação

Estão julgados como provados os seguintes factos:

1) O proprietário do veículo ligeiro de matrícula “..-BR-..” transferiu para a “Zurich” a respetiva responsabilidade civil emergente de sinistros ocorridos com esse veículo.

2) O inerente contrato de seguro ficou titulado pela apólice n.º .......64;

3) A Ré assumiu a responsabilidade pela liquidação dos danos.

4) O Autor era, à data de 26 de outubro de 2019, como é, na presente data, dono e legítimo proprietário do velocípede – Bicicleta a Pedal;

5) No dia 26 de outubro de 2019, pelas 13,55 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Estrada Nacional nº. ..., ao quilómetro número 82,200, na freguesia de ..., concelho de ..., na denominada “ROTUNDA ...”, ali existente.

6) Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos: velocípede – Bicicleta a Pedal – “CAYO 195 MIX VERMELHA S” e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-BR-..;

7) Na altura da ocorrência do acidente de trânsito o velocípede era por ele (proprietário) conduzido;

8) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-BR-.. era propriedade de BB, residente na Rua do ..., ..., ...;

9) E, na altura da ocorrência do acidente era, também, por ela própria conduzido;

10) No local da deflagração do acidente de trânsito, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ... configura uma “ROTUNDA”, denominada “ROTUNDA ...”, no preciso local da sua confluência com a Via de Acesso ao Interior da freguesia de ..., concelho de ...

11) No centro da referida “ROTUNDA ...”, existia e existe um ilhéu direcional central, de forma circular.

12) No local da aludida “ROTUNDA ...”, à volta do referido ilhéu circular direcional, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº.... tinha e tem uma largura de 08,90 metros, ladeada por bermas com: 01,50 metros de largura, a do lado exterior, da referida Rotunda; 01,00 metros de largura, a do lado interior, da referida Rotunda, junto do Ilhéu circular central.

13) O seu piso era, como é pavimentado a asfalto.

14) O tempo estava bom e seco.

15) E o pavimento da faixa de rodagem da “ROTUNDA ...”, encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação.

16) Pelo lado Norte da “ROTUNDA ...”, ou seja, do lado da vila de ..., emboca a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ....

17) A qual, da “ROTINDA ...”, no sentido Norte, dá acesso ao interior da vila de ..., a qual, nesse sentido de marcha – Sul-Norte/V.... .. .......-C...... -, dá acesso, à vila de ....

18) Pelo lado Sul da “ROTUNDA ...”, ou seja, do lado de ..., emboca a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., a qual, nesse sentido de marcha - sentido Norte-Sul/C......-V.... .. ......., dá acesso à cidade de ....

19) Pelo lado Nascente da “ROTUNDA ...”, emboca a Estrada Nacional nº. ..., a qual, no sentido Poente-Nascente, dá acesso de Vila..., concelho de ..., à freguesia de ..., concelho de ....

20) E, pelo lado Poente da “ROTUNDA ...”, emboca, com ela, a Via Pública, a qual, no sentido Nascente-Poente, dá acesso, da “ROTUNDA ...” ao interior (litoral) da freguesia de ..., concelho de ....

21) Pelo que a “ROTUNDA...” e as vias que dela irradiam e que com ela confluem apresentam a configuração do “croquis”, constante da “Participação de Acidente de Viação”, elaborada pela Guarda Nacional Republicana-Posto Territorial, de ..., da “DECLARAÇÃO AMIGÁVEL DE ACIDENTE AUTOMÓVEL” e das imagens obtidas por Satélite – GOOGLE EARTH.

22) A faixa de rodagem da “ROTUNDA ...” encontrava-se, como se encontra, dividida em duas hemi-faixas de rodagem distintas.

23) De igual largura – 04,45 metros, cada uma, através de uma linha, pintada a cor branca, sobre o seu eixo divisório, com soluções de continuidade: LINHA DESCONTÍNUA – MARCA M2.

24) A visibilidade, no local da ocorrência do acidente - “ROTUNDA ...” -, é muito boa.

25) Para quem circula pela Estrada Nacional nº. ..., no sentido Sul-Norte e pretende penetrar na referida “Rotunda ...”.

26) Deparava, à data do sinistro dos presentes autos, como depara, na presente data, imediatamente antes de penetrar na faixa de rodagem da referida “Rotunda ...”, com os seguintes sinais regulares de trânsito: a) a uma distância de duzentos (200,00) metros, fixo em suporte vertical, com um sinal de forma quadrangular, com o seu fundo branco, sobre o qual se encontra pintada, a cor preta, a configuração de uma Rotunda, e respetivas saídas: PRÉ-AVISO GRÁFICO (ROTUNDA) – SINAL 12b; a uma distância de cento e cinquenta (150,00) metros, com um sinal, fixo em suporte vertical, com o seu fundo branco, sobre p qual se encontra, pintada a caracteres pretos, a inscrição “VILA ...” – SINAL N1a; a uma distância de cem (100,00) metros, com um sinal, fixo em suporte vertical, de for triangular, com a sua orla vermelha e com o seu fundo branco, com o seu vértice apontado para o solo e com a sua base apontada para o ar: CEDÊNCIA DE PASSAGEM – SINAL B1; a uma distância de dez (10,00) metros, com um sinal, fixo em suporte vertical, de forma triangular, com a sua orla vermelha e com o seu fundo branco, com o seu vértice apontado para o solo e com a sua base apontada para o ar, sobre o qual se encontra, um sinal de forma circular, com o seu fundo azul, com três (03,00) setas circulares apontados no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio: cedência de passagem –SINAL B1 – e Rotunda – SINAL D4; no preciso local da confluência da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., com a faixa de rodagem da “Rotunda ...”, pintadas, a cor branca, duas figuras de forma triangular, com os seus vértices apontados no sentido Sul, em direção a ..., e com as suas bases, apontadas no sentido Norte, a facear com a faixa de rodagem da referida “Rotunda ...”: CEDÊNCIA DE PASSAGEM–SINAL B1.

27) O local da deflagração do acidente de trânsito, situa-se num local da Estrada Nacional nº. ..., que se localiza, entre as placas, fixas em suporte vertical, que avisam e assinalam a existência e a presença da freguesia de ..., concelho de ...: SINAL N1a.

28) Situado numa zona em que a Estrada Nacional nº. ... apresenta, pelas suas duas (02,00) margens, de forma contínua e ininterrupta, casas de habitação e estabelecimentos comerciais.

29) Todos eles com as suas respetivas portas de acesso a deitar diretamente para a faixa de rodagem da referida via;

30) O local da deflagração do acidente de trânsito situa-se, numa localidade.

31) Momentos antes da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos, o Autor conduzia o seu referido velocípede pela Estrada Nacional nº. ....

32) O Autor e o seu referido velocípede desenvolvia a sua marcha no sentido Norte-Sul, ou seja, C... - V....

33) O velocípede, conduzido pelo Autor transitava pela metade direita da faixa de rodagem da referida via – Estrada Nacional nº. ... -, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: C... - V....

34) Com os seus rodados, a uma distância não superior a 0,50 metros da linha delimitativa da berma do mesmo lado e animado de uma velocidade muito reduzida, não superior a vinte (20,00) quilómetros, por hora.

35) O Autor pretendia penetrar, com o seu referido velocípede, na faixa de rodagem da “Rotunda ...”.

36) Contornar o ilhéu direcional, de forma circular, situado no centro da referida “Rotunda ...”, ao longo de um ângulo de duzentos e setenta (270,00) graus;

37) No sentido inverso ao correspondente ao dos ponteiros de relógio.

38) no termo dessa trajetória de duzentos e setenta (270,00) graus, o Autor pretendia efetuar a manobra de mudança de direção à sua direita

39) Penetrar, com o seu referido velocípede na faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ... e prosseguir a sua marcha, através desta via – Estrada Nacional nº. ... -, no sentido Poente-Nascente, ou seja, Vila ....-L/V....

40) Ao aproximar-se da “Rotunda ...” e antes de penetrar nela, o Autor - condutor do velocípede, reduziu a velocidade de que seguia animado.

41) E passou a rodar a uma velocidade não superior a dez (10,00) quilómetros, por hora.

42) Antes de penetrar, com o referido velocípede, na “Rotunda ...”, o Autor certificou-se de que, naquele preciso momento, no interior de todo o espaço da faixa de rodagem não circulava qualquer veículo automóvel, motociclo, ciclomotor, velocípede, pessoa ou animal.

43) Pelo que, nesse preciso momento, a faixa de rodagem encontrava-se, em toda a sua volta e em redor de todo o seu perímetro – de trezentos e sessenta (360,00) graus -, completamente livre e desimpedia de toda e qualquer espécie de trânsito de veículos automóveis, motociclos, ciclomotores, velocípedes, pessoas ou animais.

44) O Autor então, penetrou, com o referido velocípede na faixa de rodagem da “Rotunda ...” e logo que penetrou o Autor passou a contornar, com o seu referido velocípede;

45) O Autor passou a transitar, com os rodados do referido velocípede, a uma distância não superior a 0,50 metros da linha delimitativa do direito (exterior) da faixa de rodagem tendo em conta o seu indicado sentido de marcha.

46) O Autor havia já circulado, com o seu velocípede, rigorosamente nas circunstâncias factuais supra-referidas, no interior da “Rotunda ...”, ao longo de um ângulo superior a duzentos e cinquenta (250,00) graus e ao longo de uma distância de cem (100,00) metros.

47) E encontrava-se já a uma distância de dez (10,00) metros à frente do local da confluência da Estrada Nacional nº. ..., no local em que essa via conflui com a “Rotunda ...”, pelo seu lado Sul – ou, seja, do lado de ....

48) Quando o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-BR-.. foi embater, como embateu, contra o velocípede, propriedade do Autor.

49) O referido veículo automóvel ligeiro de passageiros desenvolvia a sua marcha – pela Estrada Nacional nº. ... -, no sentido Sul-Norte, ou seja, V...-C....

50) A condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros BB - conduzia de forma distraída.

51) Pois, não prestava qualquer atenção à atividade - condução -, que executava, nem aos restantes veículos automóveis, motociclos ou velocípedes que, na altura, transitavam já no interior da “Rotunda ...”

52) A condutora do ligeiro de passageiros pretendia, também ela, penetrar, com o veículo automóvel que tripulava na faixa de rodagem da “Rotunda ...”, contornar o seu ilhéu direcional central circular, de modo a descrever uma trajetória no sentido inverso ao movimento dos ponteiros do relógio.

53) A BB imprimia ao veículo uma velocidade excessiva, superior a sessenta (60,00) quilómetros por hora.

54) A BB, numa primeira fase, imobilizou, momentaneamente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, no preciso local da confluência da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., com a faixa de rodagem da “Rotunda ...”.

55) Ao lado esquerdo e em posição paralela em relação a outros veículos automóveis que, também, ali se encontravam imobilizados e parados, imediatamente antes de penetrar na faixa de rodagem da “Rotunda ...”56) A aguardar a passagem do velocípede – Bicicleta a Pedal, conduzido pelo Autor AA.

57) De forma súbita, brusca, rápida, repentina, inopinada e de forma imprevisível, a BB, em intensa aceleração, de forma súbita, brusca, rápida, repentina, inopinada e de forma imprevisível, arrancou, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros, que tripulava.

58) Por forma a imprimir, como passou a imprimir, ao veículo automóvel, uma velocidade viva, superior a vinte (20,00) quilómetros por hora.

59) A BB não acionou o sinal acústico – “buzina” -, do ligeiro de passageiros de matrícula ..-BR-...

60) Não pôs em funcionamento o sinal luminoso – “pisca” -, do lado direito, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-BR-...

61) A BB, de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, penetrou, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros na faixa de rodagem da “Rotunda ...”.

62) De modo a invadir, como invadiu, com o ligeiro de passageiros toda a largura da metade direita da faixa de rodagem da “Rotunda ...”, tendo em conta o sentido de marcha correspondente ao inverso dos ponteiros do relógio – a hemi-faixa de rodagem do lado exterior da referida “Rotunda ...”.

63) Numa altura em que o velocípede propriedade do Autor AA - transitava já no interior da referida “Rotunda ...”.

64) Depois de o velocípede ter percorrido, no interior dessa “Rotunda ...”, um ângulo superior a duzentos e cinquenta (250,00) graus, ao longo de uma distância de cem (100,00) metros.

65) Ao ver que a BB penetrou, com o veículo automóvel na faixa de rodagem da “Rotunda ...”, o Autor travou, de imediato, o velocípede, que tripulava.

66) E guinou o velocípede que tripulava, para o seu lado esquerdo, em manobra de evasão e de salvação, numa tentativa de evitar o acidente.

67) Foi-lhe, porém, absolutamente impossível evitar o embate.

68) A BB continuou e prosseguiu, sempre, a sua marcha.

69) O embate ocorreu, assim, em pleno interior da “Rotunda ...”, na Estrada Nacional nº. ..., na freguesia de ..., concelho de ....

70) E essa colisão verificou-se entre a parte frontal, lado direito, do veículo automóvel ligeiro de passageiros, conduzido pela BB e a parte lateral direita traseira, ao nível da roda traseira, do velocípede – Bicicleta a Pedal – propriedade do Autor.

71) Com a violência do embate, perpetrado pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros conduzido pela BB, o velocípede foi impulsionado e projetado para a frente e para o seu lado esquerdo, no sentido Norte, em direção a ....

72) Até que ficou imobilizado sobre a metade direita da faixa de rodagem da “Rotunda ...”, tendo em conta o sentido contrário ao movimento dos ponteiros do relógio – sobre a sua hemi-faixa de rodagem do lado exterior -, junto à base do Ilhéu Direcional Triangular existente na saída da “Rotunda ...”, para a Estrada Nacional nº. ..., situada do lado Nascente – do lado de ... -, da referida Rotunda.

73) O corpo do Autor – AA -, com a violência do embate, foi também, projetado no sentido Norte, em direção a ....

74) Até que ficou prostrado, sobre hemi-faixa de rodagem do lado exterior, imediatamente antes da base do Ilhéu Direcional Triangular existente na saída

75) Da “Rotunda ...”, situada do lado Nascente – do lado de ... -, para a Estrada Nacional nº. ...

76) Por sua vez, a BB, após o embate contra o velocípede prosseguiu, sempre, a sua marcha, ao longo de uma distância superior a cem (100,00) metros.

77) Até que imobilizou a sua marcha, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros já fora da faixa de rodagem da “Rotunda ...”, do lado Norte.

78) Sobre a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., já no troço desta via que dá acesso à vila de ....

79) Logo após a deflagração do acidente de trânsito, a condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros assumiu a responsabilidade – única e exclusiva/100% (disse que nem sequer o viu o Autor e o seu velocípede) -, pela eclosão do sinistro dos presentes autos.

80) E apresentou, nos serviços da Ré “ZURICH INSURANCE, PLC –SUCURSAL EM PORTUGAL” a “DECLARAÇÃO AMIGÁVEL DE ACIDENTE AUTOMÓVEL”:

81) Por sua vez, a Ré “ZURICH INSURANCE, PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL”, após a deflagração do acidente de trânsito, levou a efeito as pertinentes diligências com vista ao apuramento das causas do sinistro dos presentes autos.

82) A Ré “ZURICH INSURANCE, PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL” assumiu, perante o Autor a responsabilidade pelas consequências danosas do acidente de trânsito dos presentes autos.

83) E, na sequência desse seu reconhecimento de culpa e de assunção de responsabilidade, a Ré “ZURICH INSURANCE, PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL” pagou já, ao Autor, a quantia de 838,50 €, relativa ao custo da reparação do velocípede – Bicicleta a Pedal – “CAYO 195 MIX VERMELHA S”:

84) Em consequência do acidente resultaram, para o Autor lesões corporais várias, nomeadamente traumatismo da coluna lombar, dorsal e cervical, traumatismo da coluna lombar, fratura de L1, traumatismo das duas mãos, traumatismo do joelho direito e escoriações dos dedos das duas mãos.

85) O Autor foi transportado de ambulância do I.N.E.M. para o Hospital de ..., de ...

86) Onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respetivo Serviço de Urgência.

87) Foram-lhe, aí, efetuados exames radiológicos às regiões do seu corpo atingidas.

88) Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários, nomeadamente, analgésicos e anti-inflamatórios, para debelar as dores de que o Autor era acometido.

89) Os quais o Autor se viu na necessidade de tomar e de ingerir, como tomou e ingeriu.

90) O Autor permaneceu, no Serviço de Urgência, do Hospital de ..., de ... -, ao longo de um período de tempo de três horas.

91) Onde não lhe foi diagnosticada a fratura de L1, no Serviço de Urgência do Hospital de ..., porque não lhe foram, aí, realizados outros exames de diagnóstico, nomeadamente ECOs, RMNs ou TACs.

92) No próprio dia da ocorrência do acidente de trânsito o Autor obteve alta do Serviço de Urgência do Hospital ..., de ..., com a recomendação de repouso.

93) Mas com intensas queixas dolorosas, ao nível da coluna lombar –L1.

94) Regressado à sua casa de habitação, o Autor manteve-se, acamado, ao longo de um período de tempo de quinze (15,00) dias

95) Deitado, na mesma posição, de costas e sem se poder virar na cama.

96) Posteriormente, o Autor dirigiu-se à Clínica MediSalude, com sede em ....

97) Onde foi observado e consultado por um Osteopata – Dr. CC.

98) O qual lhe prescreveu um exame Tomográfico – TAC.

99) Que revelou uma (01,00) vértebra “deslocada”.

100) Posteriormente, o Autor dirigiu-se ao Centro de Saúde de ..., onde foi consultado pela sua Médica de Família – Dra. DD.

101) O qual prescreveu, ao Autor, a realização de uma Ressonância Magnética –RMN -, à região da coluna lombar 102) A qual, o Autor realizou na “UNILABS”, em ... e que revelou a fratura de L1.

103) Posteriormente, o Autor frequentou Tratamento de Medicina Física e Reabilitação (MFR) – Fisioterapia.

104) Na Clínica M................, com sede na Rua Dr. ..., ....

105) Ao longo cinco (05,00) sessões: Consubstanciadas em infiltrações; massagens; acupunctura; eletroterapia; osteopatia; mesoterapia.

106) Por não poder mexer-se – movimentar a coluna lombar.

107) Na Clínica M........., foi-lhe prescrito o uso de uma Cinta Ortopédica Lombar.

108) A qual o Autor se viu na necessidade de usar, ao longo de um período de tempo de três (03,00) meses.

109) Por ser acometido de dores acutilantes, na região da coluna lombar.

110) Que não cediam à medicação analgésica e anti-inflamatória, à fisioterapia e ao uso da Cinta Ortopédica Lombar – tratamento conservador.

111) Posteriormente, o Autor dirigiu-se aos Serviços Clínicos da Ré Companhia de Seguros “ZURICH INSURANCE, PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL.

112) Ao Hospital de ..., da cidade do ..., para consulta de controlo e de avaliação final;

113) O Autor esteve incapacitado para o trabalho desde 26.10.2019 [e não 26.11.2019 conforme por manifesto lapso de escrita ficou a constar] até 26.11.2019 [e não 24.11.2019 conforme por manifesto lapso de escrita ficou a constar], tendo sido processado a titulo de compensação provisória de doença o valor de €353,16 pela Segurança Social.

114) No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu um enorme susto.

115) E, dada a violência do embate e a sua incapacidade de lhe escapar, o Autor receou pela própria vida.

116) O Autor sofreu dores acutilantes e muito intensas, ao nível da sua coluna -L1 – e do joelho direito.

117) Essas dores afligiram o Autor ao longo de um período de tempo superior a três meses.

118) Afligem o Autor, na presente data.

119) E vão continuar a afligir o Autor, ao longo de toda a sua vida.

120) O Autor sofreu os efeitos dos R.X., da TAC e da RMN a que foi submetido.

121) Sofreu os incómodos inerentes à permanência no leito da sua casa de habitação, ao longo de um período de tempo de quinze (15,00) dias.

122) Sofreu a privação da sua liberdade pessoal ao longo desse período de tempo de quinze dias, de permanência no leito da sua casa de habitação.

123) Sofreu as dores e os incómodos inerentes à frequência do Tratamento de Medicina Física e Reabilitação (MFR) – Fisioterapia, ao longo de cinco sessões.

124) E sofreu os incómodos inerentes ao uso de uma Cinta Ortopédica, na região da coluna lombar, ao longo de um período de tempo de três meses.

125) Como queixas das lesões sofridas, o Autor apresenta a nível funcional:

Lombalgias persistentes, agravadas pelo esforço e ortostatismo prolongado, sem aparente irradiação; a nível situacional: atos da vida diária: limitados todos os gestos que esforços com ambas as mãos e com a cintura escapular, sobretudo nos movimentos de elevação dos membros superiores, em carga; não suporta a condução automóvel prolongada, tendo necessidade de paragens, situação agravada pela trepidação; vida afetiva, social e familiar: dificuldades indiretas decorrentes das limitações que apresenta em participar em atividades lúdicas e recreativas que impliquem esforços físicos com os membros superiores;

126) viu-se na necessidade de abandonar a prática do ciclismo – BTT -, por intolerância à trepidação em terrenos acidentados – que praticava, como lazer, filiado no Club “...”, com sede em ..., o que fez apenas durante um curto período de tempo;

127) Ficou com dificuldades acrescidas em determinados gestos da sua atividade profissional, sobretudo quando tem necessidade de carregar objetos pesados ou mobilizar aparelhos pesados; as limitações são relevantes, pois implicam paragens periódicas da atividade e, por vezes, mesmo a impossibilidade de executar tarefas que lhe são destinadas;

128) Sofre de angústia face à sua condição física diminuída, que era normal antes do acidente;

129) Como sequelas das lesões sofridas, o Autor apresenta: Ráquis: Lombalgias sem irradiação, despertadas pelos esforços e pelas mudanças climatéricas, com particular incidência nos movimentos de rotação e flexão que resultam de lesão documentada ao nível de L1; não pode sentar-se no chão; não se consegue levantar, só de joelhos; não se consegue levantar, quando se encontra deitado na posição e costas; dores e limitações, quando sentado em frente a um teclado e em frente a um monitor de computador; dores e dificuldades em andar de veículo automóvel, quer como condutor, quer como passageiro –aguenta apenas meia (1/2) hora de viagem; necessidade de uso de uma cinta ortopédica; Acanhamento anterior do corpo vertebral L1 por fratura recente: necessidade de toma e ingestão de medicação analgésica e anti-inflamatória –AINEs -, ao longo de toda a sua vida.

130) O Autor obteve a sua consolidação médico-legal no dia 26 de maio de 2020;

131) O Autor contava, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, apenas quarenta e nove (49,00) anos de idade, pois nasceu no dia 20 de setembro de 1970.

132) Era um homem ainda jovem, saudável, ágil, forte e robusto.

133) Nunca havia sofrido qualquer acidente de trânsito.

134) E nunca havia sofrido de qualquer enfermidade.

135) O Autor não sofria, assim, de qualquer enfermidade, aleijão, limitação física ou funcional ou de utilização do seu corpo.

136) E praticava, habitual e assiduamente, ciclismo de lazer, na modalidade de BTT – todo terreno/montanhismo – filiado no Club “...”, com sede em ....

137) Os factos descritos, causam-lhe um profundo desgosto.

138) As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram, para o Autor, um período de tempo de doença de três dias, com igual Período de Tempo de Défice Funcional Temporário Total.

139) Um período de tempo de doença de duzentos e onze (211,00) dias, com igual período de tempo de Défice Funcional Temporário Parcial.

140) Um período de tempo de doença de trinta e dois (32) dias, com igual Período de Tempo de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total e um período de repercussão temporária na Atividade Profissional Global de 182 dias.

141) Além disso, as lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram, para o Autor, um “Quantum Doloris” de grau 4, numa escala de 0 a 7.

142) Um défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica fixável em 4 pontos

143) Um “Coeficiente de Dano” de grau 2, numa escala de 0 a 4.

144) Uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de grau 2, numa escala de 0 a 5.

145) O Autor ficou a carecer de dependências (despesas) futuras, ao longo de toda a sua vida, nomeadamente: a) necessidade de ingestão e toma de medicamentos analgésicos, anti-inflamatórios, ansiolíticos e antidepressivos, ao longo de toda a sua vida;

146) E, a final, ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente Geral, de 4 pontos– Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica.

147) As lesões sofridas, pelo Autor, sequelas de que o Autor ficou a padecer e a Incapacidade Parcial Permanente, Geral e Profissional - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica -, têm rebate profissional.

148) Pois são compatíveis com as suas atividade/profissão habitual de Técnico de Comunicações e Eletrónica ou o exercício/desempenho de qualquer outra atividade profissão, mas implicam dores, perdas de tempo, sacrifícios, ajudas de terceiras pessoas e esforços suplementares.

149) O Autor, à data da deflagração do acidente de trânsito desempenhava – como desempenha, na presente data - a profissão de Eletricista de Eletrodomésticos e de Técnico de Comunicações, por conta da sociedade comercial “A. F..., Lda.”.

150) E auferia, como rendimento do seu trabalho: ordenado-base 600,00€; subsídio de alimentação/média mensal de 104,94€; diuturnidades 133,68 €.

151) E faz serviço externo, em toda a área dos concelhos de ..., ..., ..., ... e ..., além de outras.

152) Em casas de habitação particulares e em estabelecimentos comerciais.

153) No desenvolvimento da sua atividade profissional de reparação de eletrodomésticos e Técnico de Comunicações, para as empresas –MEO e VODAFONE.

154) E o seu trabalho implica: a necessidade de conduzir um veículo automóvel; manter-se na posição de pé; manter-se na posição de sentado no chão; manter-se na posição de aninhado; manter-se na posição de cócoras; manter-se na posição de deitado; carregar e remover eletrodomésticos, tais como máquinas de lavar roupa e louça, frigoríficos, arcas frigoríficas, balcões frigoríficos aparelhos de rádio e televisores

155) o Autor esteve absolutamente incapacitado para o trabalho, desde o dia 26 de outubro de 2019, até ao dia 26 de novembro de 2019

156) Durante o referido período de tempo, a sua entidade patronal nada lhe pagou.

157) O Autor antes do acidente sopesava, manuseava, transportava e carregava todas as ferramentas indispensáveis ao exercício daquela sua profissão Eletricista de Eletrodomésticos e de Técnico de Comunicações.

158) O Autor conduzia um veículo automóvel; mantinha-se na posição de pé, mantinha-se na posição de sentado no chão; mantinha-se na posição de aninhado, mantinha-se na posição de cócoras; mantinha-se na posição de deitado; carregava e removia eletrodomésticos, tais como máquinas de lavar roupa e louça, frigoríficos, arcas frigoríficas, balcões frigoríficos aparelhos de rádio e televisores. sem qualquer limitação ou sacrifício.

159) A partir data da ocorrência do acidente e como consequência direta e necessária das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, o Autor pode exercer aquela sua profissão, de Eletricista de Eletrodomésticos e de Técnico de Comunicações, por conta da sociedade “F..., Lda.”, não como antes era capaz, mas com esforço suplementar nomeadamente a pegar em pesos com mais de 30Kg ou conduzir longas distâncias sem paragens.

160) Das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, adveio-lhe uma Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho – Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica - de 04,00% - de acordo com a Tabela Nacional das Incapacidades.

161) O Autor efetuou, as seguintes despesas, como consequência direta e necessária do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes: obtenção do Relatório junto aos autos 610,00 €; medicamentos 42,95 €; tratamento de fisioterapia 135,00 €; custo de 1 Ressonância Magnética – RMN 170,00 €; 1 certidão da Conservatória do Registo Automóvel 17,00 €; 1 certidão de nascimento/Conservatória do Registo Civil 10,00 €; 1 certidão da Participação de Acidente de Viação/GNR 76,00 €; 1 conta sacrolombar 30,00 €, custo de correspondência postal 3,45 €;

162) Além disso, o Autor viu danificadas e inutilizadas as seguintes peças de vestuário e objetos de uso pessoal, que trajava e usava, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação: 1 par de calças de ciclista 75,00 €; 1 camisola térmica 25,00 €; 1 telemóvel (reparação, custo de 1 display e tampa traseira 255,00 €.

163) A Ré, através dos seus serviços clínicos, examinou o Autor.

164) A despesa de reparação de um telemóvel (€255) já foi ressarcida pela Ré ao Autor.

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver na presente Revista importa em saber se a indemnização fixada pela decisão recorrida a título de dano biológico e de danos não patrimoniais deve ser alterada.

… …

A presente revista coloca-nos no centro da discussão sobre a ressarcibilidade dos danos sofridos por um lesado no domínio da responsabilidade civil extracontratual numa das suas ocorrências mais significativas, a dos acidentes e, entre estes, os de viação.

Como postulado normativo fundamental o art. 483 nº1 do CCivil estabelece a obrigação daquele que com dolo ou mera culpa tenha violado ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheiros, a indemnizar pelos danos que essa violação tenha causado. E o art. 562 do mesmo diploma esclarece que a reparação desses danos equivale a ter de reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão, de onde decorre que a lei pretende que a indemnização seja completa e comporte todas as dimensões em que se repercute.

Por este imperativo, a técnica legislativa empregue foi a de advertir para que a indemnização compreenda os danos emergentes e os lucros cessantes, bem como os danos futuros - art. 563 e 564 do CCivil. E durante muito tempo, numa consolidada tradição doutrinária e jurisprudencial, entendeu-se que o paradigma desses danos indemnizáveis cabia integralmente na dupla e díspar natureza de danos patrimoniais e danos não patrimoniais ou morais, encontrando-se sem exceção esta referência em todas as sentenças e acórdãos proferidos, distinguindo e apreciando os danos presentes e futuros; os danos emergentes e os lucros cessantes, os patrimoniais e não patrimoniais.

Tendo sido superada, pelo menos nas sociedades ocidentais, ao longo dos séculos e (com destaque a partir do século XVI e XVII), a conceção sobrenatural da saúde da antiguidade, a substituição operou-se por um conceito de saúde biomédico assente na ideia de ausência de enfermidade (doença, deficiência, invalidez), estado que revelava o equilíbrio do organismo, com referência aos seus meios interno e externo, o que veio a cristalizar-se no conceito que em 1947 a OMS forneceu definindo a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Por sua vez, este entendimento tem sofrido desenvolvimentos, que a atualidade referenda, alargando a saúde como uma função sistémica, deslocando o centro da individualidade para a coletividade. Todavia, se o processo saúde-doença tende a configurar-se, em termos de política social, como um processo dinâmico, complexo e multidimensional, incorporando dimensões biológicas, psicológicas, socioculturais, económicas e ambientais, tal atribui particular importância à concretização que em cada caso cumpra identificar para indemnizar - v.g. o de acidente de viação – e fornece informes de compreensão para o que comporta o dano biológico, conceito recente.

A figura do dano biológico, na sua formulação inicial na década de 50 do século passado foi construída como “diminuição somático-psíquica do individuo, ou seja, a lesão da integridade psicofísica da pessoa, provocada por um facto gerador de responsabilidade” – vd. João António Álvaro Dias, Dano Corporal - Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Coimbra, Almedina, 2001, p. 99 - surgindo com o objetivo de proteger alguns lesados que até então viam ameaçado no ordenamento jurídico civil italiano o direito fundamental à saúde sem que houvesse uma resposta adequada à tutela dos seus interesses no campo da responsabilidade civil.

Embora a primeira manifestação concreta na jurisprudência italiana sobre o dano biológico tenha surgido mais de 20 anos depois – com a sentença do Tribunal de Génova, de 25 de maio de 1974 - in Giurisprudenza Italiana, 1975, I, 2, p. 54 – ele foi afirmado com autonomia dos clássicos danos de natureza patrimonial, tendo por fundamento o de todos os danos injustos serem ressarcíveis, sejam eles de carácter patrimonial ou não patrimonial e, como característica indispensável, a ressarcibilidade prevista na cláusula geral de injustiça referida no art. 2043 do CCivil italiano então em vigor. E com a elaboração doutrinária e jurisprudencial do dano biológico começou em simultâneo a discussão sobre a sua natureza patrimonial ou não patrimonial, que consagração no plano legislativo no Decreto Legislativo italiano n.º 38 de 2000, de 23 de fevereiro, referente a acidentes de trabalho e doenças profissionais, com respetivas tabelas de avaliação do dano.

Na jurisprudência portuguesa a primeira decisão com referência ao dano biológico é o ac. da RP de 12-12-1995, in dgsi.pt onde se sumariza que “Não corresponde à necessidade de justa indemnização o enquadramento, como não patrimonial, do prejuízo decorrente da desvalorização física do lesado, resultante de sequelas permanentes das lesões sofridas (dano biológico). Há aí uma perda da efetiva utilidade que proporciona o bem que é um corpo são, nisso consistindo o prejuízo a indemnizar. Porque há um verdadeiro prejuízo (ao contrário do que se passa com a categoria do dano não patrimonial) esse dano deve ser qualificado como dano patrimonial, sendo injusta a sua sujeição à limitação do artigo 496, n.º3 do Código Civil”. Dele decorre que o dano biológico era entendido como dano patrimonial.

Posteriormente e com mais elaboração de conceito, no ac. da RP de 7-4-1997 - In Coletânea de Jurisprudência, ano XXII, tomo II, 1997, p. 204 - veio a identificar-se o dano biológico com a “alteração morfológica do lesado, limitativa da sua capacidade de viver a vida como a vivia antes do mesmo acidente, por violação da sua personalidade humana. (…) num prejuízo concreto, consistente na privação ou diminuição do gozo de bens espirituais, insuscetíveis de avaliação pecuniária, como a saúde, a inteligência, os sentimentos, a vontade, a capacidade efetiva e criadora, a liberdade, a reserva da privacidade individual e o prazer proporcionado pela vida e pelos bens materiais, e integra-se na categoria dos danos não patrimoniais”.

A dificuldade e tentativa de identificação da natureza do dano biológico manteve-se presente desde início, com esforços de identificação das fronteiras, nomeadamente entre o dano moral e o dano existencial os quais, aceitando todos serem não patrimoniais optam alguns por individualizar por categorias. Por exemplo, as dores físicas e psíquicas pertenceriam ao dano biológico, enquanto a tristeza, o desalento, ou o desânimo caberiam no dano moral, sendo de todo importante sublinhar que é a realidade que fornece sempre o guião para o apuramento da ressarcibilidade completa, sem embargo de se terem de evitar duplicações.

Seguindo o entendimento maioritário do STJ que considera o dano biológico, independentemente do rebate profissional e de comprovadamente afetar a capacidade aquisitiva salarial ou de rendimentos, este deve ser considerado um dano (patrimonial) futuro na medida em que, limitando a capacidade funcional do lesado, exigirá, no futuro, esforços acrescidos para desenvolver as mesmas tarefas profissionais ou quaisquer outras e é suscetível de reparação como dano patrimonial autónomo. Aliás, considerando o dano biológico como dano patrimonial ou dano não patrimonial, como “tertium genus” ou ainda como uma entidade híbrida participando de uma e outra dessas dicotómicas naturezas, no cômputo dos danos sofridos, não podem deixar de acrescer aqueles que jurisprudencialmente têm vindo a ser considerados como configuradores em conformidade com o estatuído nos arts. 494, 496 e 566 do CCivil. O “quantum doloris” que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural e cívica); o “prejuízo da saúde geral e da longevidade”, aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e corte na expectativa da vida. – vd. ac.- STJ de 18-10-2018 no proc. 3643/13.9TBSTB.E1.S1, in dgsi.pt.

A questão essencial suscitada na presente revista é a de saber se os valores fixados pela decisão recorrida a título dano biológico (20.000,00 €) e não patrimoniais (€ 13.500,00 €) e que alteraram, respetivamente, os 12.000,00 € e os 5.500,00 € fixados na sentença, se encontram devidamente fixados. Não é na diferenciação da natureza dos danos que as instâncias divergiram, mas apenas na quantificação ressarcitória dos que acolheram como relevantes, ou seja, o critério de equidade que presidiu à quantificação do ressarcimento obteve diferentes resultados em 1ªinstância e na Relação, defendendo o recorrente a repristinação da sentença e a recorrida a confirmação da decisão recorrida.

Afirma-se no ac. deste STJ de 19.10.2021 - no processo 7098/16.8T8PRT.P1.S1.,in dgsi.pt - que seja numa perspetiva e dimensão patrimonial e ou não patrimonial, a indemnização pelo dano biológico deve ser calculada segundo a equidade nos termos dos arts. 496 nº 3 e 566 nº 3 do CCivil. E que a aplicação de juízos de equidade não traduz a resolução de uma “questão de direito” porquanto se o STJ se pronuncia sobre uma indemnização fixada com base em juízos de equidade, o que se lhe impõe em conhecimento de recurso não é a determinação exata do valor a arbitrar, mas sim a verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto. Forçoso é que a equidade não dispense a observância do princípio da igualdade, o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações – neste sentido e com maior explicação vd. o ac. STJ de 21/1/2021 - proc. 6705/14.1T8LRS.L1.S1in dgsi.pt recenseando a jurisprudência do STJ.

A compensação do dano biológico tem como base e fundamento a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão pelo lesado traduzida em perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o afete, mas inclui também a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as deficiências funcionais de maior ou menor gravidade que constituem sequela irreversível das lesões sofridas. A perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não ou não totalmente refletida no valor dos rendimentos obtidos pelos lesado - constitui uma redução no trem de vida quotidiano com reflexos de indemnização em termos patrimoniais, uma vez que a esperança de vida supõe precisamente atividade que se não confina à denominação de vida ativa com rebate exclusivo no exercício de uma profissão.

Como já se decidiu neste STJ “[a] indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspetivado na ótica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente refletida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas” – ac. desta secção de 21-01-2016 no proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1.

O controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro aspetos: “[E]m primeiro lugar, deve averiguar-se estarem preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade. Em segundo lugar, terem sido consideradas as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados – v.g. no caso da indemnização por danos não patrimoniais se foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado -. Em quarto lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade – e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável” – ac. STJ de 12-11-2020 no proc. 317/12.1TBCPV.P1.S1 in dgsi.pt. E como também já afirmámos “A equidade praticada ou a praticar não pode afastar-se de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que se entende, generalizadamente, deverem ser adotados numa jurisprudência evolutiva e atualística para não abalarem a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.” – ac. STJ de 19-10-2021 no proc. 7098/16.8T8PRT.P1.S1 in dgsi.pt.

A fixação da incapacidade geral de ganho e o dano biológico com recurso à equidade (por força do art. 566 nº3 do CCivil), realiza-se em função dos seguintes indicadores: a idade do lesado e a sua esperança de vida; o seu grau de incapacidade geral permanente (isto é, a percentagem do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica); as suas potencialidades de ganho em profissão ou atividades económicas compatíveis com as suas qualificações e aquele défice; outros que se revelem no caso e jurisprudência anterior, e não pela aplicação das tabelas utilizadas para determinação dos danos patrimoniais resultantes da IPP para o exercício da profissão habitual – havendo neste ponto uma corrente de entendimento, mesmo no STJ, que continua a referir a esta forma de cálculo como base para o posterior funcionamento da equidade, advertindo no entanto não ser esse cálculo determinante mas apenas um instrumento de abordagem tendente a contribuir para uma maior certeza, segurança e igualdade de um juízo sempre presidido pela equidade.

Situando-se em proximidade confluente com a forma e a fórmula utilizada, entre outros, nos acs. do STJ de 16.03.2017 no proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1; de 29.10.2020 no proc. n.º 111/17. 3T MAC.G1. S1; de 22.01.2022 no proc. n.º 6158/18.5T8SNT.L1.S1 e no de 24-2-2022, a indemnização pelo dano biológico, com projeção no futuro, corresponde, há de corresponder, a um montante que recebido no presente antecipe em prognose lógica um valor de que os lesados se verão, mais ou menos diretamente, privados e que tem como balizas temporais a data do evento naturalístico causador das lesões, a respetiva esperança de vida e, como parâmetro modal, o deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica atribuído. É olhando para a vida dos lesados na sua circunstância de ser e de modo, isto é, para o que eram e como seriam e para o que serão e como terão de ser com a intercorrência diária das lesões sofridas em todo o seu quotidiano, que se deve fixar a indemnização pelo dano biológico.

No caso em decisão, tomando em consideração a idade do autor 49 anos; o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 4 pontos de que ficou afetado em consequência desse evento súbito e, bem assim, a sua esperança média de vida, é na recensão destes elementos na jurisprudência que poderemos obter padrões possíveis de igualdade e de comparação por serem estes os elementos mais constantes em todas as indemnizações . E mesmo que na busca a realizar em nenhum dos casos julgados se encontre um deficit funcional, idade e situação de vida igual à do presente, havendo até diferenças de montante significativas para situações aparentemente semelhantes, o que se entende pelos próprios pedidos formulados, o concreto do caso e a própria delimitação do recurso pelas partes recorrentes, julgamos poder encontrar uma matriz indicativa que atende à relação idade/déficit funcional o fator elementar mas não único de ponderação, matriz esta que é ponto de partida mas não de chegada da equidade.

Assim observamos na cronologia das decisões do STJ em matéria de dano biológico e danos não patrimoniais que:

- Para um lesado de 25 anos e 2 pontos de deficit foi fixada a quantia de 80.000, 0 €, na Revista n.º 6244/13.8TBVNG.P1.S1 de 2-06-2016;

- Para um lesado de 40 anos e 6 pontos de deficit, compatível com a sua atividade profissional foi fixada a quantia de € 25.000 e uma compensação pelos danos não patrimoniais no montante de € 20 000 - Revista n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2 de 16-06-2016;

- Para um lesado de 35 anos e 7 pontos de deficit a quantia de € 20 000, a título de dano não patrimonial - Revista n.º 1043/12.7TBPTL.G1.S1de 06-10-2016 ;

- Para um lesado de 78 anos e 4 pontos de deficit a quantia de 15.000,00 € de dano biológico e danos morais em 25 000– Revista n.º 171/14.9TVPRT.P1.S1 de 13-10-2016;

- Para um lesado de 34 anos e deficit de 5 pontos a quantia de € 20.000,00 € e para os danos morais € 18 000 - Revista n.º 9142/13.1TBVNG.P1.S1 de 16-11-2017

- Para um lesado de 32 anos e 5 pontos de deficit a quantia de 26.381,91 € - Revista nº 418/13 de 07-06-2018;

- Para um lesado de 44 anos e 5 pontos de deficit a quantia de 40.000,00 – Revista nº 36/12 de 03-07-2018)

- Para um lesado de 65 anos e 7 pontos de deficit a quantia de 38 000,00 € - Revista nº 7053/15 de 05-11-2019.

- Para um lesado de 31 anos e deficit de 2 pontos a quantia de 20.000,00 € e danos não patrimoniais de 15.00,00 € - Revista n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1 de 07-12-2017;

Para um lesado de 44 anos e 5 pontos de deficit a quantia de 40.000,00 – Revista 36/12 de 03-07-2018.

- Para um lesado de 37 anos e déficit de 6 pontos a quantia de € 33 000,00 € e € 20.000 de danos não patrimoniais – Revista n.º 1185/14.4T8AVR.P1.S1 de 12-12-2017;

- Para um lesado de 65 anos e 7 pontos de deficit a quantia de 38 000,00 € - Revista 7053/15 de 05-11-2019.

- Para um lesado de 38 anos e 4 pontos de deficit a quantia de 58.000,00 – Revista 730/17 de 11-11-2021;

- Para um lesado de 47 anos de idade e deficit de 3 pontos a quantia de € 30 000,00 e de € 17 000,00 para indemnizar o dano biológico e os danos não patrimoniais – Revista n.º 125/14.5TVLSB.L1.S1 de , 27-11-2018.

- Para um lesado de 38 anos e deficit de 4 pontos, a quantia de € 58 000,00 que – Revista nº 730/17.8T8PVZ.P1.S1 de 11-11-2021.

Para um lesado de 50 anos e deficit de 10 pontos, a quantia de €35 000,00 se revela mais consonante com tais critérios do que o de € 25 000,00 – Revista 24267/15.0T8SNT.L1.S1 de 3-2-2022 - todos estes elementos são consultáveis em https://www.stj.pt/wp-content/ uploads/ 222 / 03/danosnaopatrimoniais.pdf

Com este quadro e contabilizando a esperança de vida do autor, que se situa em 78 anos, o dano biológico a ressarcir é o que compreende o esforço objetivo das sequelas das lesões na vida diária, não se podendo afirmar que o valor do deficit corresponda a uma gravidade pouco mais que irrelevante.

Em primeiro lugar temos a evidência de uma pessoa de 49 anos, saudável, ágil, forte e robusto e que nunca havia sofrido qualquer enfermidade, ver interrompido esse estado de equilíbrio e bem estar através de um acidente a que não deu causa e que de forma abrupta altera a sua vida. Em consequência do acidente o estado de tranquilidade e de conforto físico é transformado numa precipitação de inesperados como o foram as lesões corporais várias, com traumatismo da coluna lombar, dorsal e cervical, traumatismo coluna lombar, fratura de L1, traumatismo das duas mãos, traumatismo do joelho direito e escoriações dos dedos das duas mãos e com o corte da normalidade da sua vida, através de transporte em ambulância e internamento hospitalar que foi inicio de um processo de padecimento. Este impacto de que foi vítima não pode nem deve subalternizar-se porque se trata, literalmente, de um momento para o outro se ficar com a vida alterada. E nem sequer se poderá argumentar que a circunstância de o internamento do autor ter sido apenas de três horas converte em simples peripécia aquela transformação causada pelo acidente. Veja-se que depois dessas três horas a vida do autor não voltou ao normal, mas, pelo contrário, manteve intensas queixas dolorosas, ao nível da coluna lombar –L1 e, regressado a casa esteve acamado, ao longo de um período de quinze dias, deitado na mesma posição, de costas e sem se poder virar na cama. Acresce quem continuou depois a realizar exames que revelavam vértebra “deslocada”, fisioterapia, infiltrações; massagens; acupunctura; eletroterapia; osteopatia; mesoterapia, não podendo mexer a coluna lombar e sendo acometido de dores acutilantes, na região da coluna lombar que não cediam, à medicação analgésica e anti-inflamatória, à fisioterapia e ao uso da cinta ortopédica lombar.

Este estado imediato e subsequente ao acidente, com incapacidade para o trabalho ocorreu de 26.10.2019 até 26.11.2019 e a consolidação médico-legal teve lugar em 26 de maio de 2020. Posteriormente, as lesões sofridas provocaram lombalgias persistentes, agravadas pelo esforço, limitação de todos os gestos que esforços com ambas as mãos e com a cintura escapular, sobretudo nos movimentos de elevação dos membros superiores, em carga; não suportando a condução automóvel prolongada, tendo necessidade de paragens, situação agravada pela trepidação; vida afetiva, social e familiar: dificuldades indiretas decorrentes das limitações que apresenta em participar em atividades lúdicas e recreativas que impliquem esforços físicos com os membros superiores.

Com rebate profissional as lesões são compatíveis com as suas atividade/profissão habitual de Técnico de Comunicações e Eletrónica ou o exercício/desempenho de qualquer outra atividade profissão, mas implicam dores, perdas de tempo, sacrifícios, ajudas de terceiras pessoas e esforços suplementares porquanto o exercício da atividade implicava reparação de eletrodomésticos com a necessidade de conduzir um veículo automóvel; manter-se na posição de pé; manter-se na posição de sentado no chão; manter-se na posição de aninhado; manter-se na posição de cócoras; manter-se na posição de deitado; carregar e remover eletrodomésticos, tais como máquinas de lavar roupa e louça, frigoríficos, arcas frigoríficas, balcões frigoríficos aparelhos de rádio e televisores.

No domínio do dano biológico não é simplesmente a afirmação do deficit funcional que estabelece a gravidade e o valor da indemnização, mas também as concretas alterações do modo de prestação da atividade e a sua extensão temporal (que no caso é para o resto da vida). Na situação em presença, a aparente menor gravidade das sequelas tem como contrapartida de severidade a extensão temporal em que se manterão pelo que, o valor fixado de 20.000,00 € contem-se dentro do arco da equidade fixado em decisões deste STJ para casos objetivamente semelhantes, repetindo-se que não é a simples quantificação do deficit que resume a gravidade e extensão do dano biológico, mas sim a concreta avaliação e alteração do desempenho por força das lesões sofridas e no caso é essencialmente essa repercussão que mobiliza o valor da indemnização.

Nesta conformidade, entende-se que a decisão recorrida fez correta avaliação de todos os elementos de ponderação e que o valor que fixou para o dano biológico não sofre censura.

Quanto aos danos morais, os fixados na sentença em 5.500,00 €, avaliaram de forma muito contida e parcimoniosa os elementos em que se desenvolve esta indemnização. Aliás, este valor e o que a decisão recorrida veio a fixar, em 13.500,00 €, são de uma diferença que compromete a possibilidade de concluir ainda se está num mesmo padrão de equidade ou, até, que a ponderação foi a mesma. O grau de culpa do condutor do veículo seguro na Ré, o choque da ocorrência traduzida em suste e temor pela vida; as dores que o lesado teve de suportar e com a particularidade de as lesões corporais serem numa zona do corpo particularmente importante em termos funcionais, o que tem como consequência que o autor aguente apenas meia (1/2) hora de viagem; a necessidade de uso de uma cinta ortopédica, acanhamento anterior do corpo vertebral L1 por fratura recente: necessidade de toma e ingestão de medicação analgésica e anti-inflamatória e anti depressivos ao longo de toda a sua vida e a perda definitiva do estado de saúde que tinha, são elementos essenciais à determinação da indemnização por danos morais.

As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram, para o autor, um “Quantum Doloris” de grau 4, numa escala de 0 a 7; o défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica fixável em 4 pontos; um “Coeficiente de Dano” de grau 2, numa escala de 0 a 4.; uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de grau 2, numa escala de 0 a 5 e a tradução desses deficit na vida do autor abrange uma dimensão limitativa de caráter profissional produtora de desgosto e sofrimento com mas também da sua vida corrente, com sentido de perenidade.

Assim, sendo a indemnização fixada a sentença desajustada pela sua contenção quando confrontada com outras decisões, a fixada na decisão recorrida (13.500,00 €) tem mais proximidade aos valores que o STJ tem fixado para casos semelhantes (que não iguais, porque nunca os há). E como anteriormente advertido, se a aplicação de juízos de equidade não se traduz na necessidade de determinação exata do valor a arbitrar, mas sim a verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo formulado pelas instâncias, importa que a proximidade desses valores no confronto com outras decisões, seja complementado com a ponderação casuística da individualidade do caso concreto, na observância equitativa do principio da igualdade. Concluímos então que a indemnização por danos morais fixada no acórdão recorrido insere-se num critério de avaliação mais próximo dos valores jurisprudenciais tidos por objetivamente justos. Todavia, dentro do padrão da equidade que se busca nas decisões dos tribunais superiores, as circunstâncias do caso são essenciais para configurar em quantidade o que antes se tenha entendido como ajustado em qualidade.

No caso, julgamos que a indemnização a fixar para os danos não patrimoniais deverá ser a de 10.000,00 € (dez mil euros ) e não a de 13.500,00 fixada. A alteração justifica-se porque no contexto dos valores envolvidos não se está na presença de uma diferença mínima que poderia ser absorvida pela simples verificação de estar respeitada a equidade no confronto com outras decisões deste Tribunal (uma diferença de 1.000,00 € ou pouco mais não justificaria a alteração). Todavia, os elementos concretos que se obtêm no caso quando comparados com os de outras decisões (nomeadamente as identificadas) faz prevalecer a ideia de que para respeitar em concreto a equidade tanto formal (a que decorre da comparação com outras decisões (em registo de busca de igualdade atendendo à idade, deficit e esperança de vida), como a substantiva (que resulta dos elementos concretos do caso e como se efetivam nele em consequências), deverá ser alterada a indemnização fixada para o valor de 10.000,00 € (dez mil euros).

… …

Síntese conclusiva

I – É equitativa a indemnização por dano biológico no valor de 20.000,00 € ao lesado com 49 anos Deficit Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 4 pontos, compatível com a atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, nomeadamente a pegar pesos com mais de 30 kg ou conduzir longas distâncias sem paragens (aguentando apenas meia hora de viagem), dores, perdas de tempo e ajudas de terceiras pessoas.

II - Tendo em atenção as lesões sofridas pelo Autor, com as inerentes dores e incómodos que teve e terá de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que o Autor foi sujeito, bem como as sequelas de que ficou a padecer e que fruto dessas sequelas ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos e uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 (numa escala de 0 a 5), formulando o necessário o juízo de equidade e considerando os valores que vêm sendo definidos pela jurisprudência para casos similares, fixa-se a indemnização dos danos não patrimoniais em 10.000,00 €.

… …

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar parcialmente procedente a revista e, revogando nesta parte a decisão recorrida, fixar em 10.000,00 € (dez mil euros) os danos não patrimoniais, mantendo-se no mais a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Custas pela recorrente e recorrido na proporção do respetivo decaimento.

Lisboa, 16 de novembro de 2023

Relator: Cons. Manuel Capelo

1º Adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves

2º Adjunto: Srª Juíza Conselheira Maria de Fátima Gomes