NULIDADE
ANULABILIDADE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
TRANSMISSÃO DE TÍTULO
REGISTO
TERCEIRO
BOA FÉ
BEM IMÓVEL
HIPOTECA
CREDOR
VENDA JUDICIAL
PENHORA
EXECUÇÃO
USUCAPIÃO
Sumário


I - A tutela concedida, pelo art. 291 do Código Civil visa proteger as pessoas que dentro da mesma cadeia de transmissão em que ocorre a anulação, por força da invalidade, veem o seu direito em risco porque o seu causante ou autor, em virtude dela, carece de legitimidade para o transmitir ou constituir o que impõe
II - A aplicação da norma contida no art. 291 do CC pressupõe a alegação e prova, de os adquirentes e transmitentes estarem dentro de uma mesma cadeia de transmissão; de existir declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo; que a aquisição onerosa; realizada por um terceiro de boa-fé; que exista registo da aquisição a favor do terceiro; e que o registo de aquisição seja anterior ao registo da ação de nulidade ou de anulação.
III - Não se encontrando provada a existência de uma mesma cadeia de transmissão entre os ante adquiridores entre si, não tem aplicação o art. 291 do CCivil não bastando que se encontrem registadas todas as aquisições se não se tiver alegado e provado a quem um deles adquiriu o imóvel que depois transmitiu.
IV - Não estando sujeito a registo o requerimento de um credor hipotecário para declaração de nulidade de uma venda judicial realizada na execução, não se pode considerar de boa-fé para efeitos do art. 291 nº1 e 3 do CCivil aquele que regista a aquisição do imóvel quando no momento da compra se encontram registadas duas hipotecas, uma penhora e uma venda realizada na execução.
V - Estando na data da propositura da presente ação anulados, por decisão judicial na execução, os registos de aquisição de todas as aquisições posteriores ao registo do adquirente originário por usucapião e que foi o executado, não tendo sido pedida a nulidade do cancelamento de tais registos, não pode conhecer-se da aplicação do art. 291 do CCivil por não se poder verificar (pelo registo) qualquer cadeia de transmissão.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Relatório

A Caixa Geral de Depósitos, S.A. intentou ação declarativa condenatória de condenação contra AA e BB peticionando a condenação dos Réus a reconhecê-la como legítima proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número 627/19, da freguesia de ..., a restituir-lhe o imóvel livre de pessoas e bens e a pagar-lhe a quantia de € 1.100,00 mensais a título de indemnização pela ocupação indevida que vêm fazendo do imóvel.

Para tanto, alegou ter adquirido o imóvel, através de adjudicação em venda executiva, em janeiro de 2001. Mais alega que os RR. ocupam, contra a sua vontade e sem qualquer causa justificativa, o referido prédio e que, não obstante instados a entregá-lo, não o fizeram até aos dias de hoje.

Conclui, assim, pela ilegítima ocupação, por parte dos RR., do prédio de sua propriedade, pretendendo a sua restituição, livre de pessoas e bens e no estado em que se encontrava antes da ocupação e a compensação pelo uso indevido que dele vem sendo feito pelos mesmos.

Regularmente citados para contestar, os RR. impugnaram a alegação factual apresentada pela Ré, alegando ter adquirido o imóvel, por compra, ao seu titular registado em 1993 (CC e DD), ali vivendo, de forma pública, pacífica e contínua, desde dezembro desse ano, nele tendo estabelecido a casa da família e nele tendo efetuado obras de conservação e melhoramento.

Peticionam, assim, os RR. que se reconheça a sua posse do imóvel e, bem assim, que são os seus legítimos proprietários, pugnando pela improcedência da ação.

Subsidiariamente, peticionam ainda os RR. que se reconheça a sua propriedade através de aquisição originária, face ao lapso temporal em que vêm exercendo posse pública e pacífica, na íntima convicção de serem os verdadeiros proprietários do imóvel.

Instruídos os autos foi proferida sentença que julgou não ser “a declaração de nulidade da compra a favor dos aqui Réus, incidente sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número 627/19, da freguesia de ... se lhes revela inoponível, mantendo-se o seu direito de propriedade intocado e, em consequência, julga-se a ação improcedente, absolvendo-se os Réus dos pedidos contra si deduzidos”.

Inconformada a autora interpôs recurso de Apelação que veio a ser julgada improcedente e confirmou a sentença nos seus precisos termos e fundamentos.

Interposta revista excecional pela autora veio a mesma a ser admitida.

A autora conclui que:

“ 1. O presente recurso é de revista, tendo em consideração que o mesmo se centra na ofensa do caso julgado e que, portanto, se trata situação em que o recurso é sempre admissível (artigos 629º nº2 alínea a) e 671º nº 3 ambos do CPC; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, pro- ferido no processo nº 3811/13.TBPRD.P1.S1, datado de 17.05.2018, cujo Relator foi Rosa Tching, e que se encontra disponível em www.dgsi.pt).

2. Ainda que assim não se entendesse, com o devido respeito, o presente recurso seria de revista excecional, o que subsidiariamente e apenas para o caso da revista acima referida não ser admitida, se invoca, com fundamento na alínea a) do nº1 artigo 672º do CPC.

3. Sendo o princípio do caso julgado um princípio basilar do Estado de Direito, e centrando-se, quer o recurso interposto do tribunal de 1ª instância, quer o presente recurso, na sua ofensa, o requisito da relevância jurídica da questão mostra-se preenchido. Neste sentido tem entendido não só a jurisprudência, mas também a doutrina.

4. Tendo-se verificado no caso dos autos, a ofensa do caso julgado material, em virtude de errada aplicação do Direito, quer pelo tribunal de 1ª Instância, quer pelo tribunal da Relação no Acórdão ora recorrido, não se encontrando preenchidos os requisitos no caso dos autos dos nºs 1 e 3 do artigo 291º do CC.

5. A Sentença do tribunal de 1ª Instância é contrária a decisão judicial anterior transitada em julgado, datada de 8 de novembro de 1993, que é oponível aos aqui Recorridos, na medida em que, aquando da compra do imóvel dos autos pelos Recorridos em 22.12.1993, o registo publicitava a situação do imóvel: este encontrava-se não só onerado com duas hipotecas a favor da Recorrente, mas também penhorado pelo Banco Totta e Açores.

6. Verifica-se, no caso dos autos, a projeção reflexa do caso julgado formado por tal decisão de anulação da venda de 8 de Novembro de 1993, pois a relação coberta por esta (a aquisição a favor do Banco Totta & Açores) entrou na formação de outras relações: as posteriores transmissões de propriedade em relação ao imóvel dos autos que se viram afetadas pela referida decisão, nos termos já indicados, isto é, com o cancelamento dos respetivos registos de aquisição e com o prosseguimento dos termos da execução para nova venda.

7. É assim necessária a intervenção do Supremo Tribunas de Justiça nesta questão de particular relevância jurídica – ofensa do caso julgado – para melhor aplicação do Direito, não se verificado in casu exceção a este princípio.

8. Ao contrário do decidido pelo Acórdão Recorrido, não se verifica a exceção ao caso julgado material, não se mostrando preenchidos, no caso concreto, os requisitos dos nºs 1 e 3 do artigo 291º do CC.

9. Contrariamente ao decidido no Acórdão ora Recorrido, a Sentença da 1ª instância ofende efetivamente o caso julgado material.

10. O imóvel em causa foi adquirido, pela ora Recorrente, em venda judicial e foi registado a seu favor pela AP. 11 de 2001/05/04, conforme também foi dado como provado na sentença da 1ª instância, mais concretamente no facto T. dos factos provados.

11. Assim como também consta do facto referido em W. dos factos provados que o prédio referido em A. (prédio ora em questão) encontra-se ocupado pelos Réus, ora Recorridos.

12. Consta do facto referido em E. dos factos provados que “Sob o prédio referido em A. foi registada, pela Apresentação 17/8...21, penhora a favor de "Banco Totta & Açores, S.A.";

13. No facto L. dos factos provados é referido que “Nos autos de execução ordinária sob o número 33/86, movidos pelo “Banco Totta & Açores, S.A.”, contra EE e FF a "Caixa Geral de Depósitos, S.A." apresentou, a 22 de dezembro de 1992, requerimento em que peticionava a anulação da venda executiva referida em F.;”

14. No facto referido em M. dos factos provados consta que “Por decisão proferida a 08 de novembro de 1993, foi ordenada a anulação da venda em hasta pública realizada em 29 de maio de 1989, a favor do Exequente “Banco Totta & Açores, S.A.” e de todos os termos do processo subsequentes e que dela dependam diretamente;”

15. Esta decisão foi confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 23 de outubro de 1997 (cfr. facto referido em O. dos factos provados).

16. Nessa sequência consta dos factos P., Q. e R. dos factos provados que foram cancelados todos os registos de aquisição subsequentes à referida venda em hasta pública, incluindo o de aquisição a favor de AA e BB, que foi cancelado pela Apresentação 24/9...512;” (sublinhado e bold nossos)

17. E em S. dos factos provados é referido que “Na sequência do decidido em J. foi publicado anúncio da venda do imóvel identificado em A. em 28 de novembro de 2000;”

18. O que conduziu ao facto já supra referido e que consta do facto T. dos factos provados, isto é, que “Pela Apresentação 11 de 2001/05/04, o imóvel referido em A. foi registado a favor da "Caixa Geral de Depósitos, S.A.", por adjudicação em execução;”

19. A decisão ora em apreço e da qual ora se recorre, vem pôr indevidamente em crise a decisão referida em M. dos factos provados e há muito transitada em julgado e ofende o caso julgado material formado por esta Sentença.

20. O Supremo Tribunal de Justiça manteve a decisão de anulação por considerar que os recorrentes, CC e DD e os ora recorridos, não possuíam legitimidade para recorrer em virtude de não serem partes na causa.

21. Refere a este propósito o Acórdão ora recorrido que é por essa razão que aquela decisão de anulação não é oponível aos ora Recorridos, sendo os mesmos terceiros para efeitos do artigo 291º do CC.

22. A decisão do Supremo Tribunal de Justiça ao referir que os Recorridos não eram partes processuais, no sentido de que não haviam sido partes no âmbito da execução no âmbito da qual se verificou a anulação da venda e da qual resultou a sua posterior aquisição e por isso não tinham legitimidade processual para interpor recurso da mesma, não significa, que sejam, por tal razão, terceiros para efeitos do nº1 do artigo 291º do CC.

23. A propósito do caso julgado material, expressa a lei que, transitados em julgado, os despachos, as sentenças ou os acórdãos, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º do CPC (artigo 619 nº 1 do CPC).

24. O caso julgado material tem força obrigatória no processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material objeto do litígio.

25. Não sendo fundamento para obstar a esta verificação de caso julgado e, principalmente à respetiva autoridade e consequências, a circunstância de os ora Recorridos não terem sido partes no processo de execução, no âmbito do qual foi ordenada a anulação da venda executiva, realizada em 29.05.1989, ao Banco Totta & Açores SA e de todos os termos subsequentes e que dela dependam diretamente.

26. A este propósito e com particular interesse para o caso sub judice, note-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 20/12/2017, proferido no âmbito do Processo nº2377/12.TBABF.E1.S2, cujo Relator foi Fernanda Isabel Pereira e que se encontra disponível em www.dgsi.pt, que, em parte, diz: “Enquanto a exceção do caso julgado requer a verificação da tríplice identidade estabelecida no art. 581º do CPC (de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a autoridade do caso julgado, segundo a doutrina e a jurisprudência atualmente dominantes, pode dela prescindir, estendendo-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado, implicando acatamento de uma decisão proferida em ação anterior, cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.”

27. Note-se também a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 08/01/2019, proferido no âmbito do Processo nº 5992/13.7TBMAI.P2.S1, cujo Relator foi Roque Nogueira, que se encontra disponível em www.dgsi.pt e que diz no seu Sumário: “A jurisprudência e a doutrina, em geral, admitem a projeção reflexa do caso julgado no caso de a relação coberta por este entrar na formação doutras relações, como pressuposto ou como elemento necessário, já que fixou e definiu a relação prejudicial.”

28. É exatamente isto que se verifica no caso dos autos.

29. A decisão judicial datada de 8 de novembro de 1993, que foi confirmada pelo Supremo Tribunal Justiça e que se mostra transitada em julgado, afetou a aquisição a favor de CC e DD e a aquisição a favor dos ora Recorridos, que viram cancelados, então, os respetivos registos de aquisição a seu favor.

30. Verificou-se a projeção reflexa do caso julgado formado por tal decisão, pois a relação coberta por este (aquisição a favor do Banco Totta & Açores) entrou na formação de outras relações: as posteriores transmissões de propriedade em relação ao imóvel dos autos que se viram afetadas pela referida decisão, nos termos já indicados, isto é, com o cancelamento dos respetivos registos de aquisição e com o prosseguimento dos termos da execução para nova venda.

31. Venda essa que veio a ocorrer, tendo o imóvel sido adquirido no seu âmbito pela ora Recorrente (factos referidos em S. e T. dos factos provados).

32. O que não faria qualquer sentido se fosse para manter os registos aquisitivos derivados da venda anulada, incluído o do aqui Recorridos.

33. O pedido incidental de anulação da venda em hasta pública, efetuado pela Recorrente foi o que conduziu à decisão judicial de anulação de 8 de novembro de 1992, referida pela 1ª Instância e que esteve na base do cancelamento de todos os registos aquisitivos que tiveram tal venda por base, como aconteceu com o registo de aquisição a favor dos aqui Recorridos.

34. O Acórdão Recorrido funda na falta de registo do pedido de anulação da venda, o preenchimento dos requisitos dos nºs 1 e 3 do artigo 291º do CC, tendo em consideração que refere que, caso a Recorrente tivesse registado a ação de anulação, “provavelmente não teriam sido realizadas as vendas registadas a 07 de Abril de 1993 (a favor de CC e DD) e a 22 de Dezembro de 1993 (a favor dos aqui RR./Apelados) uma vez que o registo teria cumprido o seu dever de dar publicidade à situação real de cada imóvel.”.

35. É certo que a Recorrente não registou a referida ação.

36. Não se pode olvidar, que conforme consta dos factos provados, aquando da aquisição do imóvel dos autos pela ora Recorrente, mostrava-se registada sobre o imóvel não só duas hipotecas a seu favor, mas também e principalmente uma penhora a favor do Banco Totta e Açores.

37. Na verdade, estes registos de hipoteca e de penhora apenas foram cancelados posteriormente (facto U. dos factos provados: “O registo da penhora referida em E. caducou em 20020504 ;” facto V. dos factos provados, consta que as hipotecas referidas em C. e D. foram, pela Apresentação 12/200...04 canceladas.

38. Apenas em 4 de Maio de 2002, isto é, praticamente nove anos após a aquisição pelos aqui Recorridos (22.12.2002), é que a penhora, registada sobre o imóvel dos autos e acima referida, caducou deixou de estar registada.

39. Aquando da compra do imóvel dos autos pelos Recorridos em 22.12.1993, o registo publicitava a situação do imóvel: este encontrava-se não só onerado com duas hipotecas a favor da Recorrente, mas também penhorado pelo Banco Totta e Açores.

40. O que significava que o imóvel dos autos podia, como foi, ser objeto de venda judicial, porquanto esse é o resultado comum das penhoras levadas a cabo sobre um imóvel.

41. Ainda assim, isto é, pese embora sobre o imóvel dos autos se encontrasse registada uma penhora e, portanto, a situação que poderia advir se encontrasse publicitada pelo registo, os Recorridos decidiram realizar a compra do imóvel em questão.

42. Não se pode, por isso, entender, como faz o Acórdão recorrido, que estamos perante uma exceção ao caso julgado, com base no preenchimento dos requisitos dos nºs 1 e 3 do artigo 291º do CC, sendo a Sentença de 8 de novembro de 1993 oponível aos ora Recorridos.

43. Como resulta do ponto 4 dos factos não provados, não ficou provado que “Os Réus desconhecem os motivos do cancelamento referido em R.;” ou seja, os motivos que estiveram na base do cancelamento do registo de aquisição a seu favor.

44. Não é possível considerar os ora Recorridos terceiros de boa-fé para efeitos do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 291º do CC.

45. Não se mostrando-se, por isso, preenchidos os requisitos deste preceito legal, não se verificando assim, no caso dos autos, a exceção ao caso julgado, na qual o Acórdão funda a sua decisão.

46. É fundamental a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no caso sub judice, para uma melhor aplicação do Direito, nesta matéria, da ofensa do caso julgado material, que é de extrema relevância jurídica.

47. A Sentença proferida em 8 de novembro de 1993, transitada em julgado, ordenou a anulação da venda executiva, o que determinou a consequente anulação e cancelamento dos registos aquisitivos posteriores, incluindo o de aquisição a favor dos ora Recorrido, cancelamentos que ocorreram.

48. Ocorreu, novamente, a prática dos atos na execução tendentes à venda do imóvel dos autos que veio a ocorrer e mediante a qual a ora Recorrente adquiriu o imóvel em causa nos autos.

49. Contrariamente ao decidido pelo Acórdão ora Recorrido, a Sentença proferida nos presentes autos pelo tribunal de 1ª instância, ao reconhecer os ora Recorridos como proprietários do imóvel dos autos, considerando que a anulação da venda executiva, ordenada por Sentença proferida em 8 de Novembro de 1993, transitada em julgado, não lhes é oponível, à revelia do determinado por esta Sentença, que anulou a venda executiva e todos os termos do processo subsequentes e que dela dependam diretamente, é incompatível com esta última e determina em sentido diverso.

50. Uma vez que a Sentença proferida em 8 de Novembro de 1993 é muito anterior e se encontra há muito transitada em julgado e formou, pelo supra exposto, caso julgado material, não pode, sem ofender o caso julgado material, a Sentença da 1ª instancia proceder como faz, decidindo em contradição com o anteriormente decidido naquela, em relação à anulação da venda executiva, designadamente restabelecendo as transmissões do imóvel que foram derivadas da aquisição anulada a favor do Banco Totta & Açores, nas quais se inclui a aquisição a favor dos aqui Recorridos e invalidando os posteriores atos de venda executiva, novamente realizada e subsequentes àquela decisão judicial de anulação da primeira venda executiva, designadamente a aquisição a favor da ora Recorrente.

51. Ao reconhecer os Recorridos como proprietários do imóvel identificado no ponto A. dos factos provados, por lhes ser inoponível a nulidade declarada por Sentença de 8 de novembro de 1993, ofende a Sentença da 1ª instância o princípio do caso julgado material, diversamente do que decide o Acórdão ora Recorrido.

52. Não se verifica a exceção a este princípio, referida pelo Acórdão Recorrido.

53. Esta circunstância deve, data maxima venia, determinar intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no caso sub judice, para uma melhor aplicação do Direito, nesta matéria de extrema relevância jurídica, que é a da ofensa do caso julgado material,

54. Com a consequente revogação do Acórdão Recorrido e declaração de não verificação da exceção invocada pelo tribunal recorrido ao princípio do caso julgado matéria e a consequente procedência dos pedidos formulados pela ora Recorrente no âmbito dos presentes autos de reconhecimento como proprietária do imóvel em causa, melhor identificado no ponto A. dos factos provados, atenta a aquisição e respetivo registo a seu favor de 04/05/2001, conforme consta dos factos provados indicados em S. e T. da Sentença da 1ª instância e de entrega do referido imóvel pelos Recorridos à Recorrente, livre e devoluto de pessoas e bens.”

… …

O réu contra alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida.

Cumpre decidir

… …

Fundamentação

Está provada a seguinte matéria de facto:

A) Sob o número 00627/19911203 mostra-se descrito, na Conservatória do Registo Predial de ..., o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 3168, composto por casa coberta de telha, com quatro pisos (cave, rés- do-chão, 1° e 2° andares), com logradouro de 130 metros quadrados, a confrontar a Norte, Leste e Oeste com Estrada Municipal e Sul com Vereda, localizado em ..., na freguesia de ...;

B) Pela Apresentação 10/8...08, o prédio referido em A. mostrava-se registado, por usucapião, a favor de EE e FF;

C) Sobre o prédio referido em A. foi registada, pela Apresentação 05/8...23, hipoteca voluntária a favor da "Caixa Geral de Depósitos, S.A.";

D) Sobre o prédio referido em A. foi registada, pela Apresentação 16/8...10, hipoteca voluntária a favor da "Caixa Geral de Depósitos, S.A.";

E) Sob o prédio referido em A. foi registada, pela Apresentação 17/8...21, penhora a favor de "Banco Totta & Açores, S.A.";

F) Pela Apresentação 13/1...89, foi registada, sobre o prédio referido em A., a aquisição a favor do "Banco Totta & Açores, S.A.", através de arrematação em hasta pública, em execução ordinária sob o número 33/86, movidos pelo "Banco Totta & Açores, S.A.", contra EE e FF;

G) Pela Apresentação 09/9...07, foi registada, sobre o prédio referido em A., a propriedade a favor de CC casado com DD, por compra;

H) Por escritura pública celebrada a 17 de dezembro de 1993, os aqui Réus AA e BB declararam comprar a CC e DD, que declararam vender pelo valor de nove milhões e quinhentos mil escudos, o prédio urbano sito ao ..., inscrito na matriz sob o artigo 3.165 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 00627/031291;

I) Pela Apresentação 10/9...22 foi registada, sobre o prédio referido em A. a propriedade a favor de AA e BB ( aqui Réus), por compra;

J) AA casou catolicamente com BB, em 18 de janeiro de 1984;

K) Na sequência do referido em H. os Réus celebraram contrato de fornecimento de energia elétrica para o imóvel referido em A., a 15 de novembro de 1994;

L) Nos autos de execução ordinária sob o número 33/86, movidos pelo "Banco Totta & Açores, S.A.", contra EE e FF a "Caixa Geral de Depósitos, S.A." apresentou, a 22 de dezembro de 1992, requerimento em que peticionava a anulação da venda executiva referida em F.;

M) Por decisão proferida a 08 de novembro de 1993, foi ordenada a anulação da venda em hasta pública realizada em 29 de maio de 1989, a favor do Exequente "Banco Totta & Açores, S.A." e de todos os termos do processo subsequentes e que dela dependam diretamente;

N) CC e DD e os aqui Réus apresentaram recurso de agravo da decisão de anulação referida em J.;

O) O Supremo Tribunal de Justiça, por decisão datada de 23 de outubro de 1997 manteve a decisão de anulação, por considerar que os recorrentes não possuíam legitimidade para recorrer, por não serem partes na causa e por não serem destinatários da decisão que decretou a nulidade da arrematação judicial;

P) A aquisição a favor do "Banco Totta & Açores, S.A." foi cancelada pela Apresentação 26/9...512;

Q) A aquisição a favor de CC casado com DD foi cancelada pela Apresentação 25/9...512;

R) A aquisição a favor de AA e BB foi cancelada pela Apresentação 24/9...512;

S) Na sequência do decidido em J. foi publicado anúncio da venda do imóvel identificado em A. em 28 de novembro de 2000;

T) Pela Apresentação 11 de 2001/05/04, o imóvel referido em A. foi registado a favor da "Caixa Geral de Depósitos, S.A.", por adjudicação em execução;

U) O registo da penhora referida em E. caducou em 20020504 ;

V) As hipotecas referidas em C. e D. foram, pela Apresentação 12/200...04 canceladas;

W) O prédio referido em A. encontra-se ocupado pelos Réus;

X) Os Réus fizeram do prédio referido em A. a sua casa de família;

Y) Desde 17 de Dezembro de 1993, que os Réus atuam sobre o prédio referido em A., de forma pública e contínua, como titulares do direito de propriedade, celebrando contratos de serviços essenciais e fazendo obras para comodidade e valorização do imóvel;

Z) Em 04 de Abril de 2019, a Autora enviou aos Réus, que a receberam, missiva escrita em comunica a transmissão do processo para a Direção dos Assuntos Jurídicos, com vista a imediata desocupação do imóvel e ao ressarcimento de danos emergentes e lucros cessantes desde 11 de janeiro de 2001 até ao momento da efetiva e total desocupação do bem;

AA) A Autora recebeu missiva escrita, datada de 22 de março de 2001,emitida em nome dos Réus por mandatário, onde se solicitava a realização de uma reunião tendo em vista uma possível (re)aquisição do prédio;

BB. A Autora recebeu missiva escrita, datada de 09 de outubro de 2002, emitida em nome dos Réus por mandatário, em que se propunha a (re)aquisição do prédio urbano sito à Rua Padre ..., sítio do ..., pelo valor de € 47.385,80, tendo por referência o valor do prédio na altura em que foi adquirido, não sendo considerados os melhoramentos e benfeitorias realizadas ao longo dos anos, que ascendem a € 39.903,83;

CC) Por missiva datada de 11 de dezembro de 2006, a Ré solicitou à Autora, na pessoa do gerente da Agência de ..., que regularizasse a reconstrução da parede existente entre a moradia e a antiga vereda de ...;

DD) Na missiva referida em CC. justifica a Ré o requerido com a circunstância de o imóvel ser, nesse momento, responsabilidade da "Caixa Geral de Depósitos, S.A." ;

EE) Por missiva datada de 26 de Setembro de 2007, a Ré solicitou à Autora, na pessoa do gerente da Agência de ..., intervenção relativamente à ocupação ilegal de um lote de terreno anexo ao prédio referido em A..

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver na presente Revista consiste em saber se o acórdão recorrido viola o caso julgado material formado pela decisão proferida a 08 de novembro de 1993, no âmbito do Proc. Executivo n.º 33/86 e, ou, se se verifica a inoponibilidade à aquisição do imóvel pelos réus /recorridos nos termos do disposto no art. 291 do CCivil.

… …

No essencial e repetindo o que havia alegado na apelação a recorrente defende que a sentença e a decisão recorrida que a confirmou contrariam decisão judicial anterior transitada em julgado, a qual é oponível aos recorridos porque quando estes compraram o imóvel, o registo publicitava que este se encontrava não só onerado com duas hipotecas a favor da Recorrente, mas também com uma penhora do Banco Totta e Açores. Assim, verificar-se-ia uma projeção reflexa do caso julgado formado por tal decisão de anulação da venda de 8 de novembro de 1993, pois a relação coberta por esta (a aquisição a favor do Banco Totta & Açores) entrou na formação de outras relações: as posteriores transmissões de propriedade em relação ao imóvel dos autos que se viram afetadas pela referida decisão, isto é, com o cancelamento dos respetivos registos de aquisição e com o prosseguimento dos termos da execução para nova venda.

Partindo desta alegação e conhecendo dela, a prova revela que a decisão proferida a 8 de novembro de 1993, no âmbito do Proc. Executivo n.º 33/86 ordenou “a anulação da venda em hasta pública realizada em 29 de maio de 1989, a favor do Exequente “Banco Totta & Açores, SA” e de todos os termos do processo subsequentes e que dela dependam diretamente”. E nessa ação executiva tendo por exequente o Banco Totta & Açores SA e por executados os iniciais proprietários registados do imóvel discutido nos autos, a Caixa Geral de Depósitos interveio para incidentalmente pedir a anulação da venda executiva e para requerer a adjudicação do imóvel.

Ora, o acórdão recorrido adverte, repetindo a advertência da sentença, que não coloca em causa a decisão que foi proferida naquela ação executiva, nem a sua eficácia relativamente a quem era parte nessa ação, e que o questionável é sim, se o decidido nessa ação pode ser oponível aos recorridos (que não eram partes na ação executiva) por estes se poderem considerar terceiros nos termos do disposto no art. 291 do CCivil.

Desconsiderando a oposição suscitada na contestação pelos réus para se oporem à entrega da casa pedida pela autora e que consistia apenas na invocação de a terem adquirido por usucapião, por a declararem prejudicada, as instâncias convocaram como fundamento da decisão para julgarem improcedente a ação, a inoponibilidade aos réus da nulidade ou anulação da venda realizada em hasta pública pelo Banco Totta, exequente na execução que moveu contra os primeiros adquirentes registados do imóvel.

Dispõe o art. 291 nº1 do CCivil que “1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa-fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.

2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a ação for proposta e registada dentro dos três anos posteriores á conclusão do negócio.

3. É considerado de boa-fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável”.

Não decorrendo a tutela concedida pelo art. 291.º do Código Civil, aos terceiros de boa fé, de um efeito mínimo e necessário de todo e qualquer sistema registal - ao contrário do que ocorre com a tutela concedida pelo art. 5.º do Cód. Reg. Pred. -, através deste preceito visou-se tutelar os interesses dos terceiros adquirentes de boa fé a título oneroso e os interesses do tráfico jurídico em geral, perante a eficácia retroativa da nulidade ou da anulação do negócio jurídico do seu dante causa não se se desprotegendo por completo o verdadeiro titular do direito - privando-o imediatamente dele - e os restantes interessados na invalidade; o que é comprovado pelo facto de a proteção do terceiro – que preencha os requisitos previstos no n.º 1 do art. 291 - não ser automática, mantendo-se a tutela do proprietário e de quem mais possa arguir a invalidade durante um período de três anos após a conclusão do negócio inválido. “No âmbito do art. 291 o critério da prioridade do registo predial, lavrado a favor do terceiro de boa-fé e adquirente a título oneroso, tem apenas um valor secundário, na medida em que, apesar de a aquisição do terceiro dever ser registada antes do registo da ação de nulidade ou anulação, para que o terceiro possa beneficiar da proteção legal, a referida inscrição prioritária não se revela suficiente. De facto, mesmo que a ação seja proposta e inscrita após o registo lavrado a favor do terceiro, desde que o seja durante o prazo de três anos previsto na lei, o terceiro é afetado pela eficácia reflexa da sentença, não se verificando qualquer exceção ao princípio nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet” - vd. Monica Jardim, “ revisitando o art. 291 do CCivil”, in Direito Registal do Centro de Estudos judiciários. Como já anotavam Pires de Lima e Antunes Varela a este artigo no CCivil Anotado I volume, “consagra-se um desvio ao princípio geral sobre a nulidade ou anulabilidade expresso no art. 289 quando esteja em causa a restituição de bens móveis ou imóveis sujeitos a registo”

Em termos de registo são considerados terceiros aqueles que tenham adquirido de um autor/transmitente comum direitos incompatíveis entre si, conforme foi definido pelo Ac. Uniformizador do STJ 3/99 de 18.05.99, entendimento que depois veio a ser consagrado no no 4 do art. 5º do CRP na redação introduzida pelo Dec. Lei no 533/99 de 11 de Dezembro. E neste sentido os recorridos para efeitos de registo não são terceiros, porquanto não adquiriram o imóvel de um transmitente comum. Porém, existindo uma nulidade de carácter substantivo, deve questionar-se se o art. 291 do C Civil lhe dá resposta como entenderam as instâncias, visando este normativo “proteger as pessoas que, por força da invalidade, veem o seu direito em risco porque o seu causante ou autor, em virtude dela, carece de legitimidade para o transmitir ou constituir (ilegitimidade do tradens). Se a aquisição do terceiro além desta invalidade padecer de uma invalidade própria ou direta, não consequencial, o terceiro já não merece tutela" - cfr. Mónica Jardim in Cadernos de Direito Privado no 49 em Anotação ao Ac. deste Supremo de 30.09.2014 proc. 3959/05 pág. 54.

No domínio dos requisitos estabelecidos no art. 291 do CCivil são terceiros aqueles que, integrando-se numa e mesma cadeia de transmissões, veriam a sua posição afetada por uma ou várias causas de invalidade anteriores ao ato em que foram intervenientes, sendo que o terceiro apenas é protegido, perante a eficácia retroativa da nulidade ou da anulabilidade de um negócio anterior àquele em que interveio, se tiver adquirido um bem imóvel ou um móvel sujeito a registo, de boa fé em sentido ético (e não em sentido psicológico), a título oneroso e se houver obtido o registo (definitivo e “válido”) da sua aquisição em data anterior à da inscrição da ação de nulidade ou de anulação ou ao registo do acordo das partes acerca dessa invalidade. Porém, mesmo verificados todos estes requisitos, o terceiro verá decair o seu direito em virtude da eficácia retroativa da nulidade e da anulabilidade se, nos três anos consecutivos ao negócio nulo ou anulável for proposta a respetiva ação de invalidade, desde que, obviamente, a anulabilidade ainda possa ser arguida.

Quanto aos requisitos da boa-fé, esta consiste no desconhecimento, sem culpa, do vício do negócio nulo ou anulável, defendendo Monica Jardim “tal como o terceiro pode estar de má-fé, não obstante o seu dante causa em data anterior ter obtido o registo do respetivo “facto aquisitivo”, o terceiro, à data da sua “aquisição”, também pode ignorar, sem culpa, o vício e, portanto, confiar na titularidade do transmitente, mesmo que este não haja obtido o registo do seu “facto aquisitivo”, não beneficiando, por isso, da presunção da titularidade do direito. Em resumo, segundo o nosso entendimento, sendo a lei clara quando associa a boa-fé “apenas” à ignorância dos vícios do título, a existência ou não do registo, a favor do transmitente, não pode assumir relevância aquando da determinação da boa ou má-fé do terceiro, sob pena de se atuar contra legem” – in “ revisitando o art. 291 do CCivil”, in Direito Registal, Centro de Estudos judiciários p. 229.

Quanto ao prazo de caducidade de “três anos” durante o qual a ação de nulidade ou de anulação pode ser registada fazendo decair o direito do terceiro, não obstante este ter obtido a inscrição do seu “facto aquisitivo” com prioridade, da lei não resulta de forma expressa o termo inicial da contagem do prazo de caducidade para propor a ação de invalidade. No entanto, para o caso em decisão, não interessa a disputa doutrinal e jurisprudencial a este propósito ( há quem defenda que o prazo de caducidade de “três anos” deve ser contado a partir do negócio cuja invalidade afeta consequencialmente a posição jurídica do terceiro e quem sustente que tal prazo apenas se pode contar a partir da data da celebração do negócio em que interveio o terceiro) uma vez que a ação não foi proposta. Portanto, como o negócio, após a anulação do negócio em que interveio o terceiro, por força do estatuído no art. 289 se torna, inelutavelmente, um negócio a non domino, o art. 291 do Código Civil concede a esse terceiro – que preencha todos os requisitos legais – exatamente a mesma tutela que concede a um terceiro, caso o negócio antecedente que padeça de um vício próprio seja nulo.

Com esta brevíssima exposição e análise dos requisitos exigíveis na aplicação do art. 291 do CCivil verificamos que, no caso dos autos, os recorrentes adquiriram o imóvel discutido por escritura pública em 17 de dezembro de 1993 a CC e mulher e registaram essa compra. Ocorre que, quando esta aquisição foi registada (em 22 de dezembro de 1993) constava do registo a aquisição a favor de EE por usucapião em 08/02/1983; a hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos para garantia de empréstimo em 23/08/1983; a hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos para garantia da diferença da taxa de juros em 10/01/1984; a penhora para garantia da quantia exequenda a favor do Banco Totta & Açores, S.A., em 22/09/1988; a aquisição a favor do Banco Totta & Açores S.A. por arrematação em hasta pública na execução movida a EE em 12/07/1989 e a aquisição a favor de CC, por compra em 07/04/1993. Isto é, o registo revelava uma sequência de registos definitivos, iniciada nos primeiros proprietários inscritos, EE e FF. É perante esta sequência de registos que, no domínio do requisito da boa-fé, a decisão recorrida replicando a sentença, afirma que nada poderia “fazer pressupor a existência de um qualquer problema com a titularidade deste imóvel. Não era exigível aos aqui RR./Apelados, nem aos vendedores do citado imóvel, que soubessem da existência da mencionada ação 33/86, assim como não o era para qualquer cidadão normal colocado nestas circunstâncias.”. Isto é, declara a boa-fé dos réus ora recorrentes como adquirentes, embora sustente a condição de terceiros no facto de os mesmos terem apresentado recurso de agravo da decisão de anulação proferida no processo executivo e o Supremo Tribunal de Justiça ter mantido a decisão de anulação, por considerar que os aqui recorridos não possuíam legitimidade para recorrer, por não serem partes na causa e por não serem destinatários da decisão que decretou a nulidade da arrematação judicial.

Por sua vez a recorrente reporta aos atos registados para excluir a boa-fé dos ora recorridos argumentando que, quando da aquisição do imóvel dos autos pela ora recorrente, mostravam-se registadas sobre o imóvel não só duas hipotecas a seu favor, mas também uma penhora a favor do Banco Totta e Açores. Assim, se na data da compra do imóvel dos autos pelos Recorridos em 22.12.1993 o registo publicitava que o imóvel se encontrava onerado nesses termos, tal significava que o imóvel dos autos sujeito a duas hipotecas podia ser, como foi, objeto de venda judicial, porquanto esse é o resultado comum das penhoras levadas a cabo sobre um imóvel, e ainda que seria sempre necessário resolver o crédito com garantia real de hipoteca. O que faz concluir que em face destes elementos estaria excluída a boa-fé dos réus – sabiam da existência da execução e que as duas hipotecas significavam que a aquisição não seria livre delas.

Em estudo destas matérias temos presente que a aplicação da norma contida no art. 291 do CC pressupõe a verificação dos requisitos de declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo; de aquisição onerosa; por um terceiro de boa-fé; de registo da aquisição a favor do terceiro; e de anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da ação de nulidade ou de anulação – ac. STJ de 19-4-2016 no proc. 5800/12.6TBOER.L1-A.S1 in dgsi.pt. - Mas sublinhamos como essencial e decisivo, que a anulação da venda judicial a que alude o art. 291 nº1 do CCivil tem como pressuposto que ela (a anulação) se dê numa só e mesma cadeia de transmissão onde ocorreu a venda daquele que reclama ser terceiro de boa-fé, sendo nesta perspetiva que se deve atender aos atos registados e aos modos de adquirir para confirmar a existência/inexistência desse pressuposto.

No caso, o primeiro registo é o da aquisição por usucapião dos adquirentes originários; depois o de duas hipotecas da CGD sobre o prédio (enquanto este está ainda registado a favor daqueles primeiros); a seguir o de uma penhora do Banco Totta e, mais tarde, o de uma aquisição em hasta pública deste mesmo banco, isto tudo enquanto a propriedade do imóvel continua a estar apenas registada em nome dos primeiros e originários que adquiriram por usucapião. É só depois do registo da aquisição judicial por parte do Banco Totta (que data de 12-7-89) é que é registada a aquisição a favor de CC em 07/04/1993 e, finalmente, em 22-12-1993, a aquisição do imóvel dos réus/recorridos neste processo àquele CC.

Deste quadro de registos tem de afrontar-se a questão de saber a quem adquiriram os CC e mulher, sendo que nos articulados este facto não foi alegado e, como assim, não consta das decisões proferidas do elenco dos que foram julgados como provados.

Na sentença, na fundamentação de direito, deixou-se escrito que “Os factos provados espelham, igualmente, que a aquisição pelos Réus a CC e DD, foi precedida de uma aquisição derivada destes por compra ao “Banco Totta & Açores, Lda.”, em abril de 1993”, aceitando a decisão recorrida sem reserva ou comentário esta declaração. Também o ac. do STJ que confirmou a anulação da venda em hasta púbica pela qual o banco Totta adquiriu o imóvel, por considerar os recorrentes (CC e os aqui réus AA) partes ilegítimas escreveu no seu relatório que da decisão de anulação “agravaram BB e marido AA , bem como CC e mulher DD, os primeiros com fundamento de que tinham adquirido esse prédio ao exequente arrematante e os segundos porque, por sua vez, o tinham comprado àqueles …”

Não obstante estas afirmações, a verdade é que não foi alegado a quem CC e mulher adquiriram o imóvel, não podendo ter-se por certo, sequer por presumido, que os factos provados espelham que o tenham comprado ao Banco exequente, havendo até um lapso manifesto no relatório da decisão que decide a ilegitimidade dos réus para recorrer, quando refere terem os aqui réus AA adquirido o prédio ao exequente arrematante (o Banco Totta) e os CC adquirido aos AA, quando foram estes (réus AA) a adquirir o imóvel àqueles (CC). Seja como seja, considerações na sentença, na decisão recorrida e ou no relatório do acórdão do STJ são irrelevantes e improficientes porquanto, sem se encontrar alegado e provado a quem o CC e mulher adquiriram o imóvel, não se pode tomar por demostrado esse facto na decisão a proferir.

Da mesma forma que nos termos do art. 7º do CRPredial “ o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos que o define” cremos que esta presunção não se estende à demonstração de quem tenha sido o transmitente, não sendo convocável o princípio do trato sucessivo do art. 34 do CRPredial para através dele se criar qualquer extensão da presunção. Correspondendo este princípio à ideia de que “o atual titular do direito adquiriu do titular imediatamente antes inscrito no registo e que o próximo titular adquirirá do atualmente inscrito.” - Seabra Lopes in – Direito dos Registos e do Notariado. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2015, p.352 – pode acrescentar-se que o legislador pretendeu que sempre que tenha lugar alguma alteração à situação jurídica do prédio, se deve proceder à correspondente inscrição “de forma a que o registo predial corresponda, a todo o momento, à realidade jurídica” representando-se desse modo um encadeamento histórico ininterrupto de titularidades jurídicas afetas a cada imóvel, numa sequência causal e sucessiva na transmissão dos direitos imobiliários - José Alberto R. L e Rui januário in Direito Registral Predial - Noções Práticas. Quid Juris, 2ªed, 2005, p.173.”.

Esta função do trato sucessivo, consistente em poder visualizar-se a história do imóvel através do registo, expondo a narrativa completa da situação jurídica do mesmo, com a finalidade de todos os atos de transmissão serem registados, dirige-se a quem efetua o registo, ou seja, ao Conservador. Por isso a presunção juris tantum do art. 7º do CRPredial deverá estar delimitada à certificação de que o direito existe tal como consta do respetivo assento (na sua extensão, limites e condições) e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. Mas não que, igualmente juris tantum se presuma, sem que se alegue (e possa ser provado) que esse direito tenha sido adquirido do anterior registado, uma vez que o relevante valor probatório da presunção (invertendo não o ónus da alegação, mas sim o da prova) não se pode estender para lá da realidade (existência do direito e seu titular) que o próprio art. 7º delimita. O trato sucessivo, como modelo de sistema e advertência prescrita à atividade dos Conservadores, configura “a prévia inscrição como uma exigência de direito registral de procedimento formal e não de direito substantivo” – Maria Carcaba Fernandez in La Ley, 1988, p. 170, citada por Mouteira Guerreiro in Noções de Direito Registral , p.79.

No caso da aquisição dos réus/recorridos, se o registo faz presumir a titularidade do prédio, observamos que para se ter provado que o compraram a CC e mulher, tiveram de alegar e provar esse facto, tendo o mesmo ficado a constar do elenco dos assentes na sentença porque essa alegação foi feita e a prova também, com a junção da respetiva escritura pública, e não porque se entendeu que tal resultava do registo.

Verificado que não se encontra alegado nem provado nos autos a quem o CC e mulher, transmitente dos réus, adquiriram o imóvel, a consequência é a de não se poder concluir que existe uma só e mesma cadeia de transmissão que configure os réus como terceiros para efeitos do art. 291 do CCivil. Tal só ocorreria se tivesse ficado provado que o CC havia adquirido o imóvel ao Banco Totta que fora quem o comprara em hasta pública na execução. Só nessa situação se poderia certificar uma sequência de atos através dos quais e sem quebra que estabelecesse uma cadeia na qual, de ante aquiridor registado em ante adquiridor registado todos haviam adquirido do anterior registado por ato de transmissão entre eles e em sequência lógica e cronológica. A ausência de certificação de uma só cadeia de transmissão (por falta de prova sobre a quem o casal CC comprou o imóvel) afasta irremediavelmente a aplicação do art. 291 do CCivil por não verificação da qualidade dos réus como terceiros.

Sendo este argumento por si só decisivo para revogar a decisão das instâncias, podemos ainda acrescentar que na indagação da boa-fé dos adquirentes como requisito de aplicação desse normativo não poderia apenas declarar-se, como o fazem as instâncias, que não seria exigível aos réus nem ao casal CC saberem da existência da execução. Mesmo que o art. 291 nº3 do CCivil delimite o campo da boa-fé ao momento da aquisição e ao desconhecimento do vício do negócio por inexistência do registo da ação de anulação, a leitura dos factos provados revela que um adquirente minimamente cuidadoso teria de consultar o registo do imóvel e essa consulta, no caso, revelaria que sobre o primeiro registo da aquisição originária existiam (ativas) duas hipotecas (precisamente a favor da CGD autora nesta ação), uma penhora e uma aquisição a favor de um Banco (o Totta). Tal desvendaria sem esforço a existência de uma garantia real sobre o imóvel (as hipotecas) e de uma penhora, que não sendo em bom rigor uma garantia real, mas sim uma apreensão judicial dos bens e/ou rendimentos de um executado, acaba também por cumprir uma função de garantia.

Decorre assim do registo, que o adquirente poderia e deveria ter consultado em termos de diligência média, que para lá das hipotecas tinha havido uma execução na qual era exequente o Banco Totta, executados os adquirentes originários registados (o casal EE) e em que o exequente, depois de ter obtido a penhora, havia adquirido o imóvel por arrematação em hasta pública. Não pode, pois, afirmar-se com crédito que aos adquirentes registados não era exigível saberem da existência da execução, e bem assim que na data em que adquiriram e registaram o imóvel estavam ativas as hipotecas a favor da Caixa Geral de Depósitos (que só foram canceladas em 4 de maio de 2001), o que era revelador de estarem a comprar um imóvel onerado com hipoteca. E fica também esclarecido que a Caixa Geral de Depósitos tenha registado aquisição/adjudicação do imóvel a seu favor em 4 de maio de 2001 porque a nova venda do imóvel na execução só foi realizada em 11 de janeiro de 2001 conforme resulta de documento junto aos autos.

Em resumo, não estando sujeito a registo o pedido/requerimento de anulação da CGD deduzido na execução - o art. 3º do CRP não inclui esse requerimento de anulação no elenco da sujeição – e tendo obtido a adjudicação do imóvel em data não apurada, mas situada ente 11 de janeiro de 2001 e a de 4 de maio de 2001 em que procedeu ao registo, estando ativas até esta data as hipotecas e a penhora (que só caducou em 4 de maio de 2002) não se poderia reconhecer a boa-fé dos réus. E mesmo que se argumentasse que só pelo registo de ação da nulidade ou anulação os réus poderiam conhecer esse eventual vício do negócio, então, por o requerimento de anulação da venda não estar sujeito a registo não se poderia atribuir à CGD uma indiligência (o não registo do pedido de anulação da venda) capaz de produzir por si só a boa-fé dos réus. No caso, a boa-fé incorpora os deveres de cuidado e diligência que seriam exigíveis a um homem médio comum colocado na situação concreta dos réus. E perante este enunciado, esse tal homem médio, tal como os recorridos, apenas poderiam concluir que o imóvel que compravam tinha ónus que faziam indiscutivelmente supor que havia situações anteriores à sua aquisição que envolviam outros (desde logo a Caixa Geral de Depósitos e uma execução) porquanto que se encontravam ativas hipotecas e uma penhora aina não cancelada, o que seria suficiente se outras razões não existissem (tal como a decidida não verificação de uma mesma cadeia de transmissão) para afastar a aplicação do art. 291 por ausência de boa-fé. Acrescente-se como nota apenas lateral, mas singular, ter sido declarada a nulidade da venda judicial na execução em 8 de novembro de 1993; terem os réus interposto tempestivamente recurso desta decisão; a compra que realizaram ter sido em 17 de dezembro de 1993 e o registo em 22 de dezembro de 1993. Pelas datas e pelo teor do recurso interposto de oposição à decisão de anulação da venda, deve ter-se por inquestionável que, tendo interposto o recurso, sabiam da existência da execução e da decisão que nela foi proferida de anulação da venda judicial em termos tais que lhes permitiu interpor recurso de agravo.

Por outro aspeto, incidente sobre o registo, observa-se dos factos provados que, por decisão judicial na execução, o da aquisição a favor do "Banco Totta & Açores, S.A." foi cancelada em 12 de maio de 1994; o da aquisição a favor de CC casado com DD foi cancelada em 12 de maio de 1994; o da aquisição dos aqui réus foi cancelado em 12 de maio de 1994; o registo da penhora caducou em 4 de maio de 2020; e o das hipotecas em 4 de maio de 2001. Isto determina que na data de propositura da presente ação todos esses registos se encontravam cancelados, designadamente o da aquisição dos aqui réus/recorridos.

Dispõe o art. 8 nº1 do CRPredial que a impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respetivo registo, substituindo a anterior redação que estabelecia que “os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo”. E se não se exige agora um pedido explícito de cancelamento do registo mantém-se a obrigatoriedade de impugnação dos atos registados para deles se retirar, a presunção do pedido de cancelamento. Todavia o pedido reconvencional não impugna qualquer ato registado e, estando na data de propositura da ação apenas registada a aquisição originária e a da autora, porque o pedido de cancelamento de registo compreende o próprio registo de cancelamento – é o art. 3 nº1 al. b) do CRPredial que identifica o pedido de anulação do cancelamento de um registo como um pedido de anulação de registo. E estando na data de propositura da ação apenas ativos o registo de aquisição a favor da Caixa Geral de Depósitos, para lá do adquirente originário (os EE) seria impossível questionar o art. 291 do CPC por os factos alegados e os registos em vigor não permitirem aludir a qualquer cadeia única de transmissão.

Nesta conformidade conclui-se que não podendo a qualidade de terceiros extrair-se do facto de os réus/recorridos terem sido julgados partes ilegítimas no recurso que interpuseram na execução e não o sendo por não terem alegado e provado uma mesma cadeia de transmissão exigível como requisito de aplicação do art. 291 nº1 do CPC, também a boa-fé não obteve confirmação nos termos desse mesmo preceito, devendo por estas razões ser revogada a decisão recorrida.

Não se suscita igualmente qualquer problema de caso julgado material porque as duas decisões judicias – da 1.ª instância e da Relação – não decidiram com base na existência de registo de aquisição a favor do CC ou dos réus recorridos, antes o fizeram com base na inexistência do registo do pedido de nulidade ou anulabilidade. E tendo na execução, como consequência da anulação da venda pelo STJ em 23/10/197 (que mantém a anulação ocorrida em 8/11/93), sido cancelados os registos das aquisições do CC e do dos primeiros adquirentes (casal AA) nos termos do artigo 13.º do CRP, deve concluir-se que só essas decisões judiciais (da execução) tinham virtualidade para cancelar os registos precisamente nos termos em que o ordenaram. Por isso, quando a CGD adquire por venda/adjudicação executiva, não existe já (fruto de anterior ordem de cancelamento) qualquer registo em nome dos adquirentes registados - CC e os réus ora recorridos - configurando-se que foram os adquirentes originários (via venda judicial) quem transmitiu diretamente o imóvel à CGD que registou, sendo neste caso indiferente a data em que tenha feito o registo (porque o que se reclama de terceiro de boa-fé não o é).

Diga-se, porém, que não foram os réus a reclamar na contestação a tutela do art. 291 do CCivil ou sequer qualquer nulidade dos registos ou do seu cancelamento, tendo-se limitado na reconvenção a deduzir pedido declaração e reconhecimento de propriedade do imóvel com base na usucapião, o que faz compreender que não era através da inoponibilidade da nulidade ou anulação de qualquer venda anterior à sua que pretendiam obter a declaração da propriedade do imóvel em que habitam desde 1993. Foram as instâncias que, em dupla conformidade, entenderam e decidiram que esse normativo conferia uma tutela aos réus que determinava a improcedência da ação, obstava à entrega do imóvel à autora CGD e prejudicava o conhecimento do pedido reconvencional.

Em resumo final, decidindo-se definitivamente que a declaração de nulidade/anulação da aquisição do imóvel pelo Banco Totta na execução é oponível aos réus /recorridos prejudicando a aquisição/compra, a presente revista procede no que diz respeito a não poder ser julgada improcedente a ação como as instâncias decidiram. Todavia, com esta decisão deixa de estar prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional formulado pelos réus para serem declarados proprietários por usucapião.

O art. 665 nº 2 do CPC (em sede de apelação) determina que “se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que dispuser de elementos necessários.”. Todavia este preceito está expressamente afastado no âmbito do recurso de revista pelo art. 679 do CPC e, conforme já se entendeu (e entre outras decisões na fundamentação do AUJ 11/15, se bem que sem efeitos uniformizadores por não ser esse o segmento) o art. 679 não permite ao STJ apreciar pela primeira vez questões que as instâncias deixaram de apreciar por as terem por prejudicadas pela solução do litígio – no mesmo sentido Abrantes Geraldes , in Recurso em processo Civil 7ª ed. p. 498 e, em sentido contrário, Miguel Teixeira de Sousa in http//blogipc.blogspot.com em nota “recurso de revista: cassação ou substituição”.

Pelo exposto, julgando-se parcialmente procedente o recurso quanto a não serem os réus terceiros de boa-fé para efeitos de inoponibilidade da declaração da nulidade da venda, deve julgar-se parcialmente improcedente por não poder determinar-se a procedência da ação por faltar conhecer o pedido reconvencional deduzido pelos réus.

… …

Síntese conclusiva

- A tutela concedida, pelo art. 291 do Código Civil visa proteger as pessoas que dentro da mesma cadeia de transmissão em que ocorre a anulação, por força da invalidade, veem o seu direito em risco porque o seu causante ou autor, em virtude dela, carece de legitimidade para o transmitir ou constituir o que impõe

- A aplicação da norma contida no art. 291 do CC pressupõe a alegação e prova, de os adquirentes e transmitentes estarem dentro de uma mesma cadeia de transmissão; de existir declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo; que a aquisição onerosa; realizada por um terceiro de boa-fé; que exista registo da aquisição a favor do terceiro; e que o registo de aquisição seja anterior ao registo da ação de nulidade ou de anulação.

- Não se encontrando provada a existência de uma mesma cadeia de transmissão entre os ante adquiridores entre si, não tem aplicação o art. 291 do CCivil não bastando que se encontrem registadas todas as aquisições se não se tiver alegado e provado a quem um deles adquiriu o imóvel que depois transmitiu.

- Não estando sujeito a registo o requerimento de um credor hipotecário para declaração de nulidade de uma venda judicial realizada na execução, não se pode considerar de boa-fé para efeitos do art. 291 nº1 e 3 do CCivil aquele que regista a aquisição do imóvel quando no momento da compra se encontram registadas duas hipotecas, uma penhora e uma venda realizada na execução.

- Estando na data da propositura da presente ação anulados, por decisão judicial na execução, os registos de aquisição de todas as aquisições posteriores ao registo do adquirente originário por usucapião e que foi o executado, não tendo sido pedida a nulidade do cancelamento de tais registos, não pode conhecer-se da aplicação do art. 291 do CCivil por não se poder verificar (pelo registo) qualquer cadeia de transmissão.

… …

Decisão

Acordam os juízes que compõem este tribunal em:

a) julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida quando julgou inoponível aos réus/recorridos o cancelamento dos registos, ordenado na execução identificada nos autos;

b) Julgar parcialmente improcedente o recurso na parte em que a recorrente pretendia que fosse julgada procedente a ação;

c) Determinar a remessa dos autos ao tribunal recorrido para conhecimento do pedido reconvencional.

Custas por recorrente e recorridos em partes iguais.

Lisboa, 16 de novembro de 2023.

Relator: Cons. Manuel Capelo

1º Adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Lino Ribeiro

2º Adjunto: Srª Juíza Conselheira Maria de Fátima Gomes