RECURSO DE APELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
FACTOS CONCLUSIVOS
SENTENÇA
CONDIÇÃO
LEI PROCESSUAL
INADMISSIBILIDADE
Sumário


I - O tribunal da Relação tem a liberdade de eliminar os pontos de facto fixados na sentença recorrida se os mesmos encerrarem juízos conclusivos, como sucede com aqueles que se reconduzem directamente à resolução da questão jurídica em discussão nos autos;
II – A lei processual não admite a sentença condicional, ou seja, a sentença judicial em o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido à data do encerramento discussão da causa.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


“Veloso & Faria Wholesale Lda”., com sede na Rua ..., lote 12, ..., propôs a presente ação declarativa, com processo comum, contra “Optimal Structural Solutions”, com sede na Rua do ..., n.º 50, em ..., ..., pedindo que seja declarado o incumprimento contratual da Ré, condenando-a a reconhecer a justa causa da Autora na resolução do contrato e consequentemente, ser a Ré condenada no pagamento da quantia:

a) de €199.625,00€ (cento e noventa e nove mil, seiscentos e vinte e cinco euros) a título de danos patrimoniais;

b) que se vier a apurar em sede de execução de sentença relativa aos prejuízos imputados à Autora por força do incumprimento contratual com a o..., Ltd;

c) de €10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais.

Alegou para tanto e em síntese:

No exercício da sua atividade comercial celebrou com a Ré um acordo de produção de moldes e subsequente fornecimento de peças produzidas em série (3.ª fase do processo produtivo de “bodykit”), mediante orçamento previamente apresentado pela Ré a 23/10/2019, com adjudicação da obra feita a 25/10/2019, que foi por aquela incumprido, em termos de prazos e em termos de qualidade dos produtos fornecidos.

Previamente a Autora havia celebrado a 12/10/2019 um contrato com a “o..., Ltd”, cliente final, através do qual foi definido o número e o tipo de veículo para os quais a Autora teria de produzir e montar os “bodykit” (Bentley GTX-3), bem como os períodos de entrega, sob pena da aplicação de penalizações.

Após o que a Autora acordou com a Ré, na referida data de 25/10/2019, a produção das peças do “bodykit” (3.ª fase), incluindo o preço e prazos de entrega, tendo-lhe remetido previamente a 10/10/2019 um ficheiro ZIP, em formato CAD, com o desenho das peças que compunham o projeto, bem as informações sobre as peças (medidas, forma e aspeto) a produzir e que integram o “bodykit” (ficheiro da “o..., Ltd”), e os protótipos finais das peças.

Era com base no protótipo final que a Ré tinha de fazer os moldes para produção em série.

Apesar de a Ré estar obrigada a produzir as ferramentas/moldes necessários à produção as peças em carbono, ficando cada “bodykit” ao preço de 4.240,00 Eur. (sem iva), não só se atrasou no processo, o que determinou que já a 15/01/2020 ficasse acordado que a própria Autora produzisse algumas das ferramentas/moldes necessários, como não produziu as primeiras peças do “bodykit” em conformidade com o previamente estabelecido, em termos de qualidade.

Todas as peças enviadas pela Ré à Autora padeciam de vícios/desconformidades, pelo que as partes acabaram por acordar que a Ré produziria e enviaria novas peças, o que fez 14/04/2020, as quais também padeciam de vícios/desconformidades.

Alega ainda que foi obrigada a iniciar a montagem do “bodykit” com as peças enviadas pela Ré, tendo de proceder previamente à sua reparação, e que sofreu diversos prejuízos a título de lucros cessantes e a título de penalizações e danos de imagem aplicados ou reclamados pela “o..., Ltd”, tendo visto ainda o seu bom nome e imagem ante a “o..., Ltd”, e no mercado, colocados em causa.

A Ré contestou, por impugnação, e deduziu reconvenção pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de €55.020,00, alegando, em síntese, que em face da cessação unilateral pela Autora da relação entre as partes sofreu prejuízos já que teve de ser ela a assegurar a produção dos moldes com recursos humanos seus (€39.600,00), teve de suportar o custo da matéria-prima e consumíveis (€7.920,00), teve de assegurar a montagem do processo (€5.900,00) e teve ainda de proceder à gestão do mesmo projeto na fase de desenvolvimento (€1.600,00).

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que concluiu com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condena a a pagar à autora:

a) a quantia de 199.625,00€ (cento e noventa e nove mil, seiscentos e vinte e cinco euros) a título de danos patrimoniais, acrescer de juros de mora, à taxa legal aplicável às sociedades comerciais, a contar desde a citação e até integral pagamento;

b) a quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença relativa aos prejuízos imputados à autora por força do incumprimento contratual com a o..., Ltd, incluindo os danos de imagem;

c) absolver a de tudo o demais peticionado, mormente da indemnização peticionada a titulo de danos não patrimoniais (de 10.000,00).

O Tribunal julga ainda o pedido reconvencional totalmente improcedente e, em consequência, absolve a autora do pedido indemnizatório contra si deduzido.

Custas pela autora e ré, na proporção do decaimento tomando apenas em conta os valores referidos em a) e c).”

Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação.

O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 26/01/2023, decidiu:

a) Alterar a sentença recorrida quanto ao montante da indemnização a título de danos patrimoniais condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de €80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa de juro aplicável aos créditos de que são titulares as empresas comerciais, desde a presente data e até integral pagamento;

b) Em absolver a Ré do pedido da sua condenação a pagar a quantia que se vier a apurar em execução de sentença relativa aos prejuízos imputados à Autora por força do incumprimento contratual com a “o..., Ltd”, incluindo os danos de imagem;

c) Em confirmar, no mais, a sentença recorrida.

É a vez da Autora interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…).

2. Não se pode concordar com a afirmação da sentença recorrida no sentido de que o apuramento do prejuízo da Autora, tal como feito no facto provado 101, constitui matéria conclusiva, posto que o apuramento do prejuízo sofrido pela Autora tal como se encontrava escalpelizado naquele facto 101, constitui uma simples operação matemática, que se extrai de toda a demais matéria dada como provada.

3. Tem sido jurisprudência constante do STJ que, por via da válvula de escape residual de reapreciação da matéria de facto prevista no art. 674.º, n.º 3, 2.ª parte, amparada no art. 682.º, n.º 2, 2.ª parte, sempre do CPC, a revista possa servir legitimamente para controlar o uso da construção de presunções judiciais utilizadas pelas instâncias, tendo em vista verificar a violação de norma legal (nomeadamente os arts. 349.º e 351.º do CC), a sua coerência lógica (ilogismo manifesto e evidente) e a fundamentação probatória de base quanto ao facto conhecido. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 13/04/2021, relatado por Ricardo Costa, processo n.º 2395/11.1TBFAF.G2.S1.

4. A quantificação dos lucros que a Recorrente teria obtido caso a Recorrida não tivesse incorrido em incumprimento, constante do ponto 101) da matéria de facto, é pertinente e não é indevida, devendo fazer parte dos pontos que compõem os factos provados, sendo este uma ilação que advém de um desenvolvimento lógico da matéria de facto dada como provada e concretizadora do valor dos lucros que a Recorrente deixou de obter por força do incumprimento da Recorrida, o que tudo exige, por isso, a intervenção deste Alto Tribunal na alteração da matéria de facto, repristinando aquela facto 101).

5. Ademais, com a eliminação do facto provados 101, os autos ficam omissos da fixação do número de carros mensais que deixaram de ser entregues pela Autora à o..., Ltd por força da actuação culposa da Ré, o que constitui, em si próprio, um elemento de facto essencial na causa e na determinação do prejuízo sofrido, fazendo, o aresto em sindicância incorrer na nulidade prevista no artigo 615º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil.

6. Decorre cristalinamente dos autos que o montante dos danos decorrentes do incumprimento da Recorrida são apuráveis com a exatidão exigível, i.e, 199.625,00€, não devendo o Tribunal a quo recorrer a critérios de equidade para apurar o valor indemnizatório, mas ainda que assim não se entendesse, certo é que o Tribunal recorrido errou na determinação do montante alcançado através do princípio da equidade, o que exige a intervenção deste Alto Tribunal.

7 . Na verdade, a conduta da Ré, devidamente levada aos factos provados, levou a que durante 9 meses, ou seja, de Janeiro a Setembro de 2020, a Autora se viu impossibilitada de cumprir as suas obrigações com a o..., Ltd, pelo que não existe, qualquer juízo de equidade em reduzir a apenas 2, (Abril e Maio de 2020) os meses cuja conduta da Ré merece censura e reflexo no quantum indemnizatório, tal como fez o acórdão recorrido.

8. Note-se, até, que a manutenção do valor de 199.625,00€ que foi atribuído à Autora pela decisão de primeira instância e que corresponde ao incumprimento da Ré nos meses de Janeiro a Maio de 2020, tem total correspondência com um Juízo equidade, posto que não obriga a Ré pelo pagamento dos prejuízos que a sua conduta causou à Autora nos meses de Junho a setembro de 2020.

9. Deve, assim o acórdão recorrido ser revogado e concedida à Autora uma indemnização de 199.625,00€, por ser este o prejuízo que se encontra calculado nos autos e por ser também este o valor que corresponde a um juízo de equidade.

10. O Tribunal a quo entendeu que a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, na parte em que condenou a Recorrida no pagamento danos que a Recorrente tenha que pagar à o..., Ltd configura uma sentença condicional.

11. Ora, entende-se por sentença condicional “aquela em que impõe a sua eficácia ou procedência em posterior verificação de um evento futuro e incerto” e como sentença de condenação condicional aquela “em que se mostra condicionada o direito reconhecido na sentença, isto é, nela se decide que ao demandante assiste determinado direito, embora o seu exercício se mostre sujeito a um evento futuro e incerto”.

12. Ora, no caso sub judice não está em causa averiguar no incidente de liquidação em execução de sentença se a Recorrida é ou não responsável pelos danos causados a título de danos emergentes, visto que tal já ficou decidido!

13. Nos autos está em causa a questão da fixação do montante de indemnização em execução de sentença, o que é perfeitamente admissível nos termos do artigo 358.º, n.º 2 e do artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

14. Analisando a fundamentação constante do acórdão de que se recorre que conclui – ainda que incorretamente aos olhos da Recorrente – pela existência de uma inadmissível sentença condicional, não parece ser intenção do tribunal a quo absolver a Recorrida do referido pedido, impossibilitando o futuro exercício do direito por parte da Recorrente através de ação judicial diversa, pelo que caso se entenda ser de coonestar o entendimento do acórdão recorrido, sempre será necessário esclarecer e fixar que o Réu é unicamente absolvido da instância.

15. A presente acção tem o valor de 264.645,00€ fixado no despacho saneador ao abrigo do disposto nos artigos 296.º, n.º 1, 297.º, n.º 2, 299.º, n.º 1 e 2, e 306.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, e que corresponde à soma do pedido da acção, que foi de 209.625,00€, acrescido do pedido reconvencional, que foi de 55.020,00€.

16. A reconvenção deduzida pela Ré foi julgada totalmente improcedente na 1ª instância, decisão com a qual a Ré se conformou, posto que da mesma não interpôs recurso.

17. A decisão do Tribunal recorrido, na parte em que fixou as custas da acção, o que inclui as custas do pedido reconvencional cuja decisão já se encontrava transitada em julgado, extravasou os seus poderes de cognição, incorrendo em nulidade prevista no artigo 615º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil e que assim expressamente se arguiu.

18. Ainda que assim não fosse, certo é que não existe qualquer preceito legal que permita condenar o Autor pelas custas de uma reconvenção que foi julgada totalmente improcedente, ou seja, tem-se por legalmente impossível condenar o Autor pelos custos de uma açcão reconvencional que ganhou na íntegra, por violação do princípio da causalidade estatuído no artigo 527º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, o que aqui também se invoca.

19. Ademais, a condenação da Ré resultante do aresto recorrido no pagamento à Autora da quantia de 80.000,00€, corresponde a 38,16% do valor da instância recursiva que é de 209.625,00€, pelo que deve ser este o valor das custas a ser fixado como responsabilidade da Ré e 61,84% o valor do decaimento da Aqui recorrente.

20. Assim, e caso seja de manter a decisão recorrida, o que apenas se admite para efeitos do presente raciocínio, é entendimento da Recorrente que as custas da Reconvenção correm exclusivamente por conta da Ré e as demais custas, calculadas sobre o valor de 209.625,00€ são da responsabilidade de Autora e Réu, na proporção de 61,84% para a Autora e 38,16% pelo Réu.

21. A decisão recorrida violou ou fez errada interpretação das normas referidas, não podendo, por isso, manter-se.

Contra alegou a Recorrida, pugnando pela improcedência do recurso e a confirmação do acórdão.


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A revista suscita a apreciação das seguintes questões:

- quantificação do prejuízo sofrido pela Autora como consequência do incumprimento contratual da Ré;

- saber se a sentença encerra uma condenação condicional;

- condenação em custas.

Fundamentação.

A matéria de facto, após as alterações introduzidas pela Relação, é a seguinte:

1. A autora dedica-se ao comércio, importação e exportação de veículos automóveis, motociclos e barcos, desenvolvendo peças, acessórios e materiais para a construção daqueles bens.

2. No exercício da sua atividade, a autora desenvolve projetos para a alteração estética de carros, incorporando no automóvel um “kit” de peças para, a final, lhe conferir um design diferente e exclusivo.

3. Para tanto desenvolve e produz aquilo a que se chama um “bodykit” que será montado nos automóveis.

4. O processo de produção do “bodykit”, desde o seu design e idealização até à montagem no veículo automóvel, corresponde a um conjunto de quatro fases.

5. A 1ª fase é efetuada pelo cliente final da autora, a 2.ª e 4.ª fases são efetuadas pela autora, a 3.ª fase é efetuada por empresas contratadas pela autora.

6. A 1ª fase subdivide-se em várias etapas: a) Digitalização do carro: o processo começa pela digitalização do carro para o qual vão ser desenhadas as peças; b) Criação artística: desenho de um conjunto de peças para a criação do modelo; c) Fusão das peças desenhadas no carro digitalizado: depois de criadas as peças, elas são incorporadas na digitalização para se chegar a um ficheiro que é composto com a versão do carro já modificado e a partir da qual vai ser materializado o projeto; d) Impressão das peças em 3D: as peças do carro são impressas por um robot em 3D; depois de impressas chega-se ao “protótipo inicial” do carro.

7. Esta fase é desenvolvida pelos clientes finais da autora, que, depois de produção do “protótipo inicial” das peças que vão compor o veículo, as enviam à autora.

8. A 2ª fase compreende também várias fases: a) Em primeiro lugar, produz-se exemplar de cada uma das peças do “bodykit” a partir do “protótipo inicial”; b) Depois de produzida esta peça inicial, cada uma delas é montada no veículo para a afinação dos detalhes, isto é, para afinar o encaixe, furações, zonas de corte; do mesmo passo, verifica-se o produto final quanto ao nível estético; c) Por último, estas peças são preparadas quanto às superfícies (polimento e pintura) para, assim, se chegar ao “protótipo final”.

9. Esta fase é desenvolvida pela autora que, depois de produzir o “protótipo final” das peças que vão compor o veículo, as envia para uma empresa contratada para a sua produção em massa.

10. A 3ª fase de produção das peças em massa desenvolve-se nas seguintes etapas: a) Produção dos moldes (também designados por “ferramentas”): primeiro é necessário produzir o molde para a partir do mesmo, produzir peças em massa; b) Produção das peças.

11. Esta fase é desenvolvida por empresas contratadas pela autora.

12. Já a 4ª fase, que corresponde à etapa final de construção do veículo compreende: a) Pintura; b) Montagem das peças.

13. Esta fase é feita pela autora, que depois de receber da empresa contratada as peças, as pinta e instala no veículo.

14. O “bodykit” não é o mesmo para todos os carros, as peças que o compõem variam de modelo para modelo e em função do projeto desenvolvido.

15. No contexto da sua atividade, a autora em 12 de outubro de 2019, celebrou com a “o..., Ltd” (doravante o..., Ltd), um contrato que tinha por objeto a produção, fabrico e montagem de um “bodykit” para o carro “BENTLEY GTX-3”.

16. Através desse contrato a autora obrigou-se a realizar, por si ou por terceiros, as fases 2, 3 e 4 supra descritas.

17. As relações comerciais entre a autora e a o..., Ltd já remontavam há vários anos, sendo a o..., Ltd a principal cliente da autora.

18. A o..., Ltd é uma empresa sediada no ... que compra e vende automóveis de marcas de luxo, tais como a Bentley, Ferrari, Lamborghini, Austin Martin, Range Rover, Mercedes-Benz, Rolls Royce, para serem modificados e posteriormente vendidos.

19. A o..., Ltd é uma empresa que vende carros únicos e individualizados no mercado a partir das referidas marcas de automóveis.

20. Os clientes da o..., Ltd são clientes exigentes e rigorosos na qualidade do produto que adquirem.

21. Nos termos do contrato referido, a o..., Ltd colocava à disposição da autora os veículos de marca Bentley, competindo à autora produzir e fabricar o “bodykit” para esse modelo, proceder à montagem do veículo e entregá-lo à o..., Ltd.

22. A autora, nos termos do contrato celebrado com a o..., Ltd, obrigou-se a entregar 60 carros com o “bodykit” no período de 1 de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020, escalonados em 5 unidades mensais, pelo preço de 13.825,00€ (treze mil, oitocentos e vinte e cinco euros).

23. O cumprimento dos prazos na entrega dos carros é um elemento essencial do contrato celebrado entre a autora e a o..., Ltd porque o interesse do cliente está sempre no último lançamento.

24. Os atrasos na entrega implicam a perda da oportunidade de negócio, dado que os clientes perdem o interesse no produto por o mesmo estar ultrapassado.

25. O “BENTLEY GTX-3” é comercializado em Inglaterra, novo, por um preço de aproximadamente 200 mil libras (sensivelmente 235 mil euros);

26. Depois de incorporado o “bodyKit o sobredito automóvel, a que é atribuída a denominação de “BENTLEY ONYX GTX-3” é comercializado por um valor de 270 mil libras (sensivelmente 315 mil euros).

27. O valor de mercado acrescido pelo “bodykit” tem de obter-se num curto espaço de tempo, normalmente de um ano, porque depois desse lapso de tempo a concorrência lança outros “bodykit” que também fidelizam clientela, ou o modelo automóvel em causa deixa de ser “novidade”.

28. Por tal motivo, o contrato celebrado entre a autora e a o..., Ltd prevê uma cláusula que determina que o incumprimento dos prazos de entrega estabelecidos, confere à o..., Ltd direito a uma indemnização correspondente a 8.000,00€ (oito mil euros) por cada carro não entregue.

29. A o..., Ltd tem ainda o direito de ser ressarcida de todos os danos de imagem decorrentes da falta de cumprimento dos termos desse mesmo contrato.

30. Para a realização da 3.ª fase do processo referido de 4 a 13, a autora entregou à ré a produção das peças que compõem os “bodykit” dos sessenta “BENTLEY GTX-3” fornecidos pela o..., Ltd.

31. A ré é uma empresa que tem como objeto social a fabricação de acessórios, partes e peças separadas para veículos automóveis e respetivos motores; a fabricação e reconstrução de carroçarias concebidas para serem montadas em veículos automóveis ou veículos especiais, em aço, madeira, plástico ou outros materiais simples ou associados, entre outros.

32. Desde pelo menos o início do ano de 2019, a ré e a autora vinham encetando contactos, por iniciativa da primeira com o intuito de virem a celebrar um contrato mediante o qual a ré produziria as peças que compunham o “bodykit” encomendado à autora pela o..., Ltd.

33. As peças que compõem este “bodykit” são produzidas em carbono, sendo este o core business da ré.

34. No dia 15 de março de 2019, a ré fez uma apresentação da empresa, demonstrando as suas aptidões técnicas para a produção das peças que a autora pretendia.

35. As peças que compõem o “bodykit” para o “BENTLEY GTX-3” foram desenhadas e conceptualizadas pela o..., Ltd.

36. Porquanto, é a o..., Ltd quem define as medidas, a forma e o aspeto final de cada uma dessas peças.

37. Todas estas informações constam de um ficheiro (fim da 1ª fase) que a o..., Ltd fornece à autora e que a autora fornece à empresa contratada.

38. Este tipo de ficheiro permite à empresa que vai produzir as peças conhecer as medidas e o aspeto estético de cada peça.

39. E é a partir desta informação que a empresa subcontratada pela autora toma conhecimento do produto pretendido e calcula os custos, tempo e “ferramentas/moldes” necessárias à fabricação das peças que integram o “bodykit”.

40. Além deste ficheiro, a autora desenvolve o “protótipo final” destas peças, as quais são, a final, remetidas à empresa contratada que as vai produzir.

41. O “protótipo final” das peças corresponde exatamente àquilo que autora pretende que a empresa subcontratada produza.

42. Só depois de produzidas as ferramentas/moldes necessárias à produção de cada peça é que se inicia o processo de produção em massa.

43. No dia 10 de outubro de 2019, a autora enviou à ré via “Whatsapp”, um ficheiro ZIP em formato CAD com o desenho e as informações sobre as peças que a ré tinha de produzir e que compunham o projecto “BENTLEY ONYX GTX-3”.

44. O ficheiro continha informações relativas à dimensão, formato e aspeto estético das peças para, a partir delas, a ré perceber se tinha ou não capacidade de produção e quais as ferramentas/moldes que precisava para a produção das peças (quer as ferramentas para a produção das peças, quer as ferramentas de colagem, ou seja, as de união entre uma peça construída por vários moldes).

45. Estas informações serviram igualmente para a ré calcular o custo de cada peça, fazer o seu preço de mercado e estipular os prazos de entrega.

46. No dia 21 de outubro de 2019, AA e BB (um funcionário da ré) deslocaram-se à sede da autora para conhecer os produtos comercializados por esta última, ver um modelo pronto e compreenderem o que se pretendia com a realização do negócio e a qualidade subjacente à produção do “bodykit”.

47. A 23 de outubro de 2019, a ré apresentou a sua proposta de orçamento para a produção das peças, nos seguintes termos:

Conforme falado tenho dois preços para ti: Opção 1: 1x Carbono + 2 x Vidro: 4.240 Eur Opção 2: 3x Vidro: 4.053 Eur.

Tudo em autoclave, e entregue trimado pronto a montar.

Quanto às ferramentas, fazemos a maioria em compósito com o material que vamos acordar. Queria, no entanto, fazer 3 exceções neste projeto, asa pequena na lateral do difusor, embaladeira e aileron traseiro. Essas peças eu vou-te fornecer peças em impressão 3D para validares no carro protótipo, fazes o “corte e costura” em cima dessas peças de impressão 3D, e eu faço moldes em alumínio. Tu não gastas dinheiro a maquinar masters para essas peças, e eu diluo os custos das ferramentas em 20 carros.”

48. No dia 25 de outubro de 2019 a autora adjudicou a opção 1 da proposta apresentada pela ré, acrescentando ainda que:

“Relativamente ao modelo em concreto (Bentley Continental GT 2019) temos em perspetiva a preparação de no mínimo 50 veículos, como tal, a diluição em 20 veículos parece-me bem. Aproveito para relembrar o envio de valores por peça, como tive oportunidade de anteriormente de mencionar, tenho de enviar um breakdown de valores para Inglaterra. Gostaria também que verificasses a questão das tintas e vernizes a utilizar neste material, é muito importante esta informação”.

49. O contrato celebrado entre a autora e a ré tinha por objeto a produção do “bodykit” para cada carro, o qual é composto pelas seguintes peças: lâmina da frente; capô; guarda-lamas; frisos de porta; saias laterais; painéis traseiros; para-choques traseiro; difusor traseiro; e aileron.

50. A ré obrigou-se a produzir as peças que compunham o “bodykit” para o “BENTLEY ONYX GTX-3”, o qual era composto pelas peças detalhadas, bem como a produzir as ferramentas/moldes necessários à produção das peças, pelo preço de €4.240,00 (sem iva), por cada “bodykit” completo de um carro.

51. A autora concluiu a produção do “protótipo final” de parte das peças a produzir pela ré, enviando-lhe a 9 de dezembro de 2019 seis peças, entre as quais o para-choques frontal e as saias laterais.

52. Nessa data, AA, gerente da ré, comprometeu-se a enviar as primeiras peças no final de dezembro de 2019, início de janeiro de 2020.

53. A 13 de janeiro de 2020, AA informou via “Whatsapp” a autora de que o prazo de entrega passaria para o final do mês (janeiro).

54. A autora alertou a ré que que tinha prazos a cumprir e que o incumprimento dos mesmos acarretava prejuízos avultados.

55. No dia 16 de janeiro de 2020, CC, sócio-gerente da autora, deslocou-se às instalações da ré para verificar o estado do processo de produção e verificar a qualidade das ferramentas/moldes que estavam a ser produzidos.

56. Neste dia, a ré ainda não iniciado a produção das ferramentas/moldes, muito menos das peças.

57. Pelo que, na aludida visita o sócio-gerente da autora decidiu, conjuntamente com a ré, que seria ela mesma a produzir algumas dessas ferramentas/moldes por forma a acelerar o processo de produção.

58. Pelo que, nesse mesmo dia a autora recolheu o “protótipo final” das peças enviadas em 9.12.2019, para produzir ela própria os moldes destas peças.

59. Nesta data, a autora tinha trabalhadores parados que aguardavam a chegada de peças para proceder à montagem dos carros.

60. A autora alocou trabalhadores à produção das ferramentas/moldes que, nos termos do acordo celebrado com a ré e de acordo com a proposta de orçamento aceite, seriam produzidos pela ré.

61. No dia 26 de fevereiro de 2020 a autora enviou à ré três moldes prontos para que esta iniciasse a produção das peças (moldes das saias laterais e do para-choques frente).

62. Nesta data já se tinha vencido o prazo indicado pela ré em 53., para a entrega do “bodykit” para a montagem do primeiro carro.

63. Em 12 de Fevereiro de 2019, a o..., Ltd informou a autora de que o incumprimento dos prazos previstos estava a acarretar prejuízos e que caso persistissem tomariam uma atitude.

64. A autora informou a ré de que os atrasos na produção das peças estavam a gerar prejuízos, dando-lhe conta de que a o..., Ltd tinha intenções de resolver o contrato caso se mantivesse o incumprimento.

65. A 27 de Março de 2020, a autora entregou à ré mais três moldes por si fabricados.

66. Em dia não concretamente apurado do início de março de 2020 a ré remeteu à autora as primeiras peças, que foram recusadas por não serem passíveis de encaixar no carro e terem anomalias nas superfícies.

67. No dia 26 de março de 2020, a ré entregou as segundas peças do primeiro carro designadamente: capô; conjunto de guarda-lamas; conjunto cantos de para-choques; para-choques frente e molde difusor traseiro.

68. As segundas peças também não encaixavam no carro, outras apesar de encaixarem, não eram simétricas, e outras não respeitavam as medidas e forma dos masters fornecidos, tendo sido alteradas na sua forma e no aspeto final.

69. A autora informou a ré por email de 1 de abril de 2020 de que as peças fornecidas “(…) não respeitavam as medidas e formas dos masters por nós fornecidos, e as peças que se pretendia que fossem em carbono visível apresentavam várias anomalias que não são de todo aceitáveis, visto serem as peças em que a qualidade visível das linhas do carbono tem de ser perentoriamente imaculada, algo que não se verificou (…).

70. A ré alegou que os defeitos se deviam ao facto de a autora ter adicionado requisitos ao longo do processo de produção, o que a autora negou.

71. Nas peças entregues pela ré em março de 2020 a autora assinalou os seguintes problemas:

- Abauladela no capot de 2-3 mm;

- Esquinas não estão coincidentes entre o capot e guarda-lamas; - Desvios na trimagem;

- Lacagem das peças apresenta poros e escorridos de verniz;

- Problemas no corte das camadas e um enrugamento;

- Variações na largura das extremidades dos guarda-lamas entre 6-10 mm – os guarda-lamas do lado esquerdo e do lado direito não eram simétricos;

- Variação no encosto da aba no guarda-lamas original; - Defeitos superficiais na componente.

72. A ré elaborou um relatório datado de abril de 2020, no qual propõe mecanismos para solucionar ou para mitigar os problemas apontados pela autora, entre os quais a produção de uma ferramenta de colagem alegando que o molde original não podia ser usado devido à expansão da peça na cura.

73. A ré enviou novas peças à autora em 14 de abril de 2020.

74. As novas peças padeciam dos mesmos problemas que não foram eliminados, não podendo ser testadas no carro “devido ao desvio verificado das suas formas originais quando comparadas com os masters”.

75. Ante a recusa da autora em aceitar as peças, a ré imputou os problemas à alegada falta de ferramentas/moldes, afirmando que a autora não quis investir na produção dessas mesmas ferramentas/moldes.

76. Como à data a autora ainda não tinha montado um “bodykit” (e já devia ter entregue 15 carros à o..., Ltd), foi forçada a trabalhar com as peças enviadas pela ré, tendo procedido a reparações adicionais em cada uma delas para montar um carro.

77. Para tal teve de aquecer as peças para que se tornassem maleáveis; depois teve de prender as peças ao carro para que adquirissem a forma do mesmo aquando do arrefecimento.

78. Quanto a outras, teve de as trabalhar com massas de enchimento para permitir refazer as formas alteradas pela ré.

79. E teve ainda de cortar e unir algumas peças.

80. No 16 de Abril de 2020, a autora recebeu um e-mail da o..., Ltd em que esta lhe confere um prazo de 10 dias para a conclusão de um carro, sob pena de resolver o contrato e imputar os prejuízos incorridos.

81. A ré foi informada pela própria o..., Ltd do teor daquela comunicação.

82. A ré informou então a autora que ela pretendia uma qualidade que não estava incluída no preço e de que nunca lhes tinha sido fornecida “informação concreta do nível de qualidade exigido, nem especificações”.

83. A ré tinha ainda prometido produzir quatro peças para “substituir aquelas que identificaram não poder usar” até ao dia 24 de abril de 2020, nomeadamente o para-choques frontal; o conjunto frisos de porta; o conjunto de lâminas das saias laterais e o conjunto de “pestanas”.

84. Como tais peças não foram entregues à autora, a 28 de abril de 2020, esta pediu que a ré informasse “o que vão entregar, quando vão entregar e em que condições o vão fazer”.

85. A ré informou que que as peças ainda não estavam concluídas, que estariam prontas a 29 de abril de 2020, com exceção do difusor, que poderia ser recolhido a 30 de abril de 2020.

86. Perante isto, a autora insistiu que a ré a informasse quanto aos prazos de entrega das peças referentes aos carros 2 e 3.

87. Em resposta, a ré informou que para a entrega das peças relativas aos carros seguintes iria rever os custos de produção, elaborando um novo orçamento.

88. Em 6 de Maio de 2020 a ré enviou uma nova proposta de orçamento, aumentando o custo de produção das peças em mais de 50%.

89. A autora não aceitou a nova proposta de orçamento, e solicitou à ré “com carácter de urgência a devolução de todos os moldes inclusive os que por vocês foram fabricados, bem como os masters fornecidos por nós para a fabricação dos mesmos”, bem como a preparação da recolha do material no dia 11 de maio de 2020.

90. A 12 de Maio de 2020 a ré informou que a autora só poderia recolher os moldes fabricados pela própria autora e os padrões/masters, desde que a fatura das peças já entregues fosse regularizada, uma vez que os por si produzidos “estão a ser revistos e a verificar os que podem ser reparados e utilizados, estamos também a calcular um custo que será enviado.”

91. No dia 15 de maio de 2020 a autora procedeu ao pagamento das peças para poder levantar os moldes e os masters na sede da ré.

92. Nos dias 18 e 19 de maio de 2020, a ré informou a autora de que os moldes e peças produzidos pela própria estavam embalados e à espera de recolha, mas que não iria proceder à entrega dos “moldes que fabricou, e os mesmos vão ser destruídos” e “não vamos enviar”.

93. A autora insistiu junta da ré pela recolha de todos os moldes, caso contrário imputaria os prejuízos decorrentes da sua destruição.

94. Para proceder à entrega dos moldes a ré solicitou verbalmente que a autora declarasse que os aceitava nas condições em que os mesmos se encontravam “sem qualquer recurso contra a Optimal, por garantias, falhas ou defeitos nos mesmos”, o que esta fez a 20 de maio de 2020.

95. A 26 de Maio de 2020 a ré enviou ainda à autora um email, com uma “transação” em anexo, cuja assinatura solicitava para “formalização quer da entrega dos moldes quer do fim da relação comercial.”.

96. Consta de tal documento, mormente da cláusula 7ª que: “A Veloso & Faria e a Optimal declaram mútua e irrevogavelmente que: a) com a compra e venda dos moldes, termina a relação entre ambas; b) não existem motivos para qualquer litigância entre ambas; c) desde já, renunciam expressamente à reanálise do assunto e a qualquer pedido de indemnização decorrente do contrato em apreço.”

97. A autora recusou-se a assinar esse documento.

98. A ré entregou os protótipos finais entregues e os moldes produzidos pela autora, o que ocorreu a 7 e a 10 de Junho de 2020, mas não entregou os moldes por si produzidos.

99. Até junho de 2020 a ré não forneceu as peças para um único “bodykit” completo para aplicação no carro.

100. Para a produção do “bodykit” a autora suporta os seguintes custos: - Preço “bodykit”: 4.240,00 € (sem IVA);- Serviço pintura: 1.600,00€ (sem IVA);

101. Entre 26.01.2021 e 9.03.2021 a autora encetou negociações com a o..., Ltd quanto ao montante da indemnização devido pelo incumprimento contratual, decorrente do referido em 28 e 29.

102. A autora ficou responsável pela montagem, pintura e lacagem das peças, bem como pelos ajustes a que houvesse lugar, durante o processo de montagem das peças no automóvel.

103. A autora não entregou todas as peças-modelo ao mesmo tempo; começou pela frente do carro e foi entregando as restantes peças até ao final de janeiro de 2020.

104. Os protótipos referidos em 51 eram apenas seis das vinte e quatro peças-modelo que deviam ter sido entregues.

105. O molde do para-choques traseiro feito pela própria autora chegou à ré em 10 de março de 2020.

106. De acordo com o relatório da “Informa” de 4 de maio de 2021 a autora obteve os seguintes resultados líquidos nos dois últimos exercícios:

2018: €26.856,21;

2019: €53.200,49.

Factos considerados não provados:

1. A o..., Ltd perdeu a confiança na autora, cuja imagem está hoje descredibilizada perante a sua cliente e no mercado.

2. Nas primeiras conversações entre as partes ficou claro que a autora não dispunha de budget para moldes em alumínio ou em carbono, os únicos capazes de produzir peças de alta qualidade.

3. Por isso, a Optimal, tentou encontrar soluções de baixo custo para os moldes, que se enquadrassem na disponibilidade financeira da autora.

4. As peças que a autora entregou, e que serviam de modelo para os moldes, não coincidiam com o modelo 3D (CAD) entregue para orçamentação, tendo-se concluído que as mesmas eram mais complexas.

5. A Optimal não usa esta solução de moldes em compósito (no caso, em fibra de vidro) para nenhum dos seus clientes.

6. O ficheiro CAD enviado pela autora apenas transmitia a imagem com a geometria e as formas nominais das peças, não especificando qualquer detalhe relativamente a acabamento de superfícies e tolerâncias.

7. A autora também nunca disponibilizou estas informações à ré, durante toda a execução do projeto.

8. Veio a verificar-se que várias das peças pretendidas pela autora tinham mais área de superfícies do que o enviado nos modelos CAD.

9. Com base no modelo CAD fornecido pela autora, a peça (front fender) seria somente uma casca exterior colada no guarda-lamas original.

10. Porém, quando a autora entregou a peça-modelo, a Optimal percebeu que se pretendia moldar o interior da peça para esta assentar numa zona maior que o guarda-lamas.

11. O que levou a que fosse necessário produzir dois moldes, um exterior e outro interior e que a peça fosse composta de duas peças coladas.

12. O que também sucedeu com o molde da cava da roda traseira e o molde do capô.

13. Veio a verificar-se a existência das seguintes peças com mais área do que previsto originalmente, e que tiveram de ter mais moldes: Capot, GL FR Esq, GL FR Dta, GL TR Esq, GL TR Dta, Spoiler CL, Embaladeira Esq Carbon L, Embaladeira Drt Carbon L, Embaladeira Esq, Embaladeira Dta, Add on emb Esq Carbon L, Addon Emb Dir Carbon L, Friso Porta Esq, Friso Porta Dto, GL FRT Esq Peq, GL FRT Dir Peq.

14. O que significou que onze peças originais fossem transformadas em vinte e quatro peças finais, e que dezasseis dos vinte e quatro moldes fossem mais complexos do que o modelo CAD fornecido pela autora.

15. Pelo que os moldes levaram o dobro do tempo a fazer e tiveram um aumento significativo dos custos de produção.

16. A Optimal nunca se comprometeu com prazos fixos, porque estava em causa um projeto de desenvolvimento (work in progress) que, por essa natureza, poderia levar sempre mais tempo do que o inicialmente previsto.

17. Nunca houve uma encomenda formal da autora com o número de peças encomendadas e o seu valor, a quantidade estava ainda em aberto.

18. Só é possível obter peças de alta precisão com um excelente acabamento de superfície com moldes de alto custo, como sejam os de alumínio ou de carbono.

19. As peças produzidas em moldes compósitos (fibra de vidro), são passíveis de pequenos defeitos, os quais podem ser removidos no acabamento e montagem.

20. Esses pequenos defeitos não eram suscetíveis de impedir a utilização das peças, e iriam sendo corrigidos ao longo do processo.

21. Esses pequenos defeitos apenas aconteceram porque a autora nunca forneceu à Optimal qualquer documento relativo aos parâmetros de qualidade das peças.

22. As tolerâncias geométricas também nunca foram definidas pela autora, pelo que a ré assumiu que estas seriam relativamente alargadas e as peças seriam ajustadas na montagem.

23. A ré faz peças imaculadas para outros clientes, o que envolve um investimento do cliente em ferramentas de laminação metálicas, de recorte e colagem cujo custo é superior a 200.00,00€ (duzentos mil euros).

24. Para fazer os moldes a ré teve em média durante dois meses e meio três pessoas alocadas ao projeto (desde meados de setembro até ao final de dezembro).

25. A um custo horário de 30 Eur/hora, dá um valor de 39.600,00€ (trinta e nove mil e seiscentos euros).

26. Tipicamente para um projeto destes o custo da matéria-prima e consumíveis são 20% do valor das horas de mão-de-obra, por isso o custo de matéria-prima foi de 7.920,00€ (sete mil, novecentos e vinte euros).

27. Um dos custos que a Optimal recupera também na produção em série são os custos associados à montagem do processo, o que inclui geração de ply kits, ply books, otimização de laminados e peças que são consideradas não utilizáveis enquanto o processo está a ser afinado.

28. Para este projeto a Optimal despendeu 5.900,00€ (cinco mil e novecentos euros), assim discriminado:

- 50 horas de engenharia de processo: 50 x 50 Eur/hr = 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros);

- 20 horas de máquina de corte para criar os processos de corte de pluykits: 20 x 60 Eur/hr = 1.200,00€ (mil e duzentos euros);

- 60 horas de laminação de peças que acabaram por não ser usadas: 60 x 30 Eur/hr = 1.800,00 € (mil e oitocentos euros);

- e cerca de 400,00€ (quatrocentos euros) de material.

29. A Optimal suportou ainda o custo associado ao arranque formal do projeto e à gestão do mesmo na fase de desenvolvimento, correspondeu a 32 horas a 50 Eur/hr, num total de 1.600,00€ (mil e seiscentos euros)”.

Fundamentação de direito.

Está em causa na revista a indemnização por incumprimento de um contrato, que as instâncias qualificaram, e bem, como de subempreitada, celebrado entre a autora e a ré.

O nº1 do art. 1213º do Código Civil define “subempreitada como o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela.”

A subempreitada tem como pressuposto a pré-existência de um contrato de empreitada na sequência do qual o empreiteiro – actuando nas vestes do dono da obra - contrata com um terceiro a realização de todos ou de parte dos trabalhos que se vinculou a realizar (Ac. STJ de 09/02/2010, CJ/STJ, 1º, pag. 64).

No caso dos autos, o contrato de empreitada foi celebrado entre a autora e a empresa inglesa “o..., Ltd” e teve por objecto a produção e instalação pela primeira de um “bodykit” para 60 carros de marca Bentley, no período de 01 de Janeiro de 2020 a 31 de Dezembro do mesmo ano, comercializados pela o..., Ltd. Para a realização da obra, a autora subempreitou à ré a produção de uma parte do bodykit.

A matéria de facto é concludente no sentido de que a ré incumpriu os prazos acordados e executou deficientemente as peças, o que levou as instâncias a coincidirem em considerar lícita a resolução do contrato pela autora, como se extrai do seguinte excerto do acórdão recorrido:

“Perante a matéria de facto apurada, que traduz o comportamento da Ré de dificuldade na produção das peças, incapacidade de eliminação dos problemas verificados nas mesmas, atrasos na entrega, imposição de novo preço unilateralmente comunicado, traduzido num agravamento de 50%, e informação de que não irá cumprir se a Autora não aceitar pagar o novo valor, entendemos que efetivamente será um caso passível de admitir a resolução do contrato por justa causa, por quebra de confiança, independentemente de interpelação admonitória, tal como decidido pelo tribunal a quo.

Não merece, por isso, censura a decisão do tribunal a quo que julgou válida a resolução, improcedendo nesta parte o recurso.”

A ré não impugnou a decisão nesta parte, pelo que deve considerar-se definitivamente decidido que a ré incumpriu o contrato de subempreitada, sendo apenas matéria controvertida a respeitante à indemnização devida à autora pelo incumprimento da ré, questão esta que dividiu as instâncias.

Assim, enquanto a sentença condenou a ré a pagar à autora:

a) a quantia de €199.625,00 a título de danos patrimoniais (danos emergentes) com juros de mora, à taxa legal aplicável às sociedades comerciais, a contar desde a citação e até integral pagamento;

b) a quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença relativa aos prejuízos imputados à autora por força do incumprimento contratual com a o..., Ltd, incluindo os danos de imagem;

A Relação alterou a indemnização pelos danos emergentes para €80.000,00 num juízo de equidade, e revogou a condenação pelos danos ilíquidos.

Recordemos como as instâncias justificaram as respectivas decisões.

Para chegar ao valor de € 199.625,00€ ponderou a sentença:

“Está provado que o preço pago pela o..., Ltd à autora por cada carro é de €13.825,00, sendo o lucro da autora em cada carro, deduzidos os custos de €7.985,00, como decorre dos pontos 2, 99 e 100 dos factos provados.

Dado que em virtude do incumprimento contratual da ré a autora deixou de obter um lucro de €199.625,00 (25 carros x €7.985,00), o qual corresponde ao lucro cessante que iria obter caso tivesse entregue os carros à o..., Ltd, cumprindo os termos do contrato com a mesma celebrado, como resulta do ponto 101 dos factos provados.”

Para esta conclusão concorreu o facto dado como provado no ponto 101:

“Em virtude do incumprimento contratual da ré a autora deixou de obter um lucro de 199.625,00€ (25 carros x 7.985,00€ [13.825,00€ - 4240,00€ - 1.600.00€ = 7.985,00€]).”

A Relação eliminou este facto do acervo factual, com a seguinte justificação:

Quanto ao ponto 101) dos factos provados está em causa matéria manifestamente conclusiva e desnecessária em face da matéria de facto já julgada provada.

Assim, consta já do ponto 22) dos factos provados que a Autora, nos termos do contrato celebrado com a o..., Ltd, obrigou-se a entregar 60 carros com o “bodykit” no período de 1 de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020, escalonados em 5 unidades mensais, pelo preço de €13.825,00, e consta do ponto 100) que para a produção do “bodykit” a Autora suporta os seguintes custos: Preço “bodykit”: 4.240,00 € (sem IVA); Serviço pintura: 1.600,00€ (sem IVA).

A questão do incumprimento contratual da Ré será conhecida em sede de direito, sendo aliás o cerne do litigio em discussão nos presentes autos, e o montante do lucro cessante será retirado dos factos já julgados provados.”

É contra esta decisão que a recorrente começa por se insurgir, dizendo que a matéria dada como provada no ponto 101 da sentença “é uma ilação que advém de um desenvolvimento lógico da matéria de facto dada como provada e concretizadora do valor dos lucros que a Recorrente deixou de obter por força do incumprimento da Recorrida”, pugnando pela repristinação do facto em causa.

Que dizer?

Nos termos do nº3 do art. 607º do CPC, na elaboração da sentença, deve o juiz (…) discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.”

Não contém o actual Código de Processo Civil um preceito que reproduza a regra do nº 4 do art. 646º do anterior CPC, que considerava “não escritas as resposta do tribunal colectivo sobre questões de direito.”

Daqui não se segue que seja admissível a assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação estritamente jurídica superar os aspectos que dependem da decisão da matéria de facto.

O entendimento maioritário no STJ é no sentido que a decisão de facto não pode conter, por sua própria natureza, juízos de natureza conclusiva ou valorativa.

Posição expressa no Acórdão de 22.02.2022, P. 116/16. 1T8OLH.E1.S1, que com a devida vénia se transcreve:

“A actividade probatória só poderá incidir sobre factos concretos e não sobre juízos valorativos ou conclusões de direito, sob pena de se colocar a actividade de produção de prova num sistema de ligação directa e automática como interpretação e aplicação da lei- função jurídica exclusivamente reservada ao órgão jurisdicional -, como se não estivessem em causa dois planos rigorosamente distintos que não se confundem nem se sobrepõem.

(…)

Uma coisa é a materialidade que resulta da actividade instrutória e que traduz objectivamente um determinado acontecimento da vida que deverá ser, como tal, descrito no âmbito dos factos provados; outra, essencialmente diferente, é a dedução ou a ilação que o observador ou o intérprete entendam dever retirar, na sua análise e perspectivas pessoais sobre os factos (tal como efectivamente se verificaram), ainda que justificada e mesmo porventura óbvia. Neste contexto, a 2ª instância tem naturalmente toda a liberdade e o poder para modificar a redacção de pontos de facto fixados na sentença recorrida quando se apercebe que os mesmos encerram indevidamente juízos valorativos e conclusivos e não a pura factualidade que é suposto conterem.” (cf., neste sentido, e sem preocupação de exaustividade, vejam-se os Acórdãos do STJ de 10.01.2017 (Nuno Cameira), P. 761/13, de 14.03.2015 (Garcia Calejo), P. 10795/09, de 28.05.2021 (Lima Gonçalves), P. 1011/11, e de 28.10.2021 (Cura Mariano), P. 4150/14.

Posto isto,

Na acção estava em causa saber se a ré incumpriu ou não o contrato de subempreitada que celebrou com a autora e, na afirmativa, a indemnização a que a autora tem direito pelos danos resultantes do incumprimento. (art 798º do CCivil).

Questões puramente de direito, a que julgador deve responder com base nos factos provados relativos ao cumprimento da obrigação.

Ora a sentença ao incluir nos factos provados que “em virtude do incumprimento contratual da ré a autora deixou de obter um lucro de 199.625,00€ (25 carros x 7.985,00€ [13.825,00€ - 4240,00€ - 1.600.00€ = 7.985,00€])”, deslocou para a decisão de facto uma conclusão que deve resultar da interpretação e aplicação da lei. É dizer que resolveu em sede de decisão sobre a matéria de facto a questão jurídico em debate.

Daí que nada haja a censurar à Relação quando decidiu suprimir da matéria de facto uma afirmação que integra um juízo conclusivo, que encerrava a decisão do litígio, por tal não consubstanciar materialidade que competia à autora provar.

Com o que improcede nesta parte a revista.

A alegação constante da conclusão 5ª que com a eliminação do facto em causa, “ficando os autos omissos da fixação do número de carros mensais que deixaram de ser entregues pela Autora à o..., Ltd”, o acórdão sofre da nulidade prevista no art. 615º/1, c) do CPC, por ter sido suprimido “um elemento de facto essencial na causa e na determinação do prejuízo sofrido”, não tem, com o devido respeito, fundamento.

A disposição em causa sanciona com a nulidade a sentença/acórdão “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”

Nenhum destes vícios afecta a decisão, cujo inteligibilidade é evidente.

Tendo o acórdão recorrido concluído que os factos apurados não permitiam um juízo seguro quanto ao montante do dano emergente sofrido pela autora, daí não se segue nenhum problema com a inteligibilidade da decisão, pois que a lei prevê expressamente essa eventualidade no nº3 do art. 566º do CC, determinando que o tribunal julgue equitativamente “dentro dos limites que tiver por provados.”

Nas conclusões 6ª e sgs., sustenta que a matéria de facto demonstra cristalinamente que o montante do seu prejuízo ascende a €199.625,00, não havendo assim motivo para que a Relação tenha recorrido à equidade para fixar a indemnização pelo dano emergente.

Neste particular, ponderou o acórdão recorrido:

“In casu, o dano que está em causa é a perda da vantagem patrimonial pela Autora com o incumprimento da Ré, que a impediu de entregar os veículos à “o..., Ltd”, pelo menos até junho de 2020, ou seja o lucro que deixou de obter.

A Autora equacionou esse dano e formulou a sua pretensão indemnizatória considerando que, segundo o acordo que tinha celebrado com a “o..., Ltd”, entre janeiro e inicio de junho deveria entregar 25 carros (5 unidades por mês), logo tendo um lucro de €7.985,00 em cada carro, teria deixado de obter um lucro global de €199.625,00.

Foi esse também o raciocínio, e subsequente cálculo, efetuado pelo tribunal a quo que condenou a Ré a pagar à Autora a referida quantia a título de danos patrimoniais.

Entendemos, contudo, que o cálculo não pode ser efetuado de forma tão linear, considerando as circunstâncias do caso concreto, evidenciadas na matéria de facto provada.

Vejamos.

A Autora, nos termos do contrato celebrado com a o..., Ltd, obrigou-se efetivamente a entregar 60 carros com o “bodykit” no período de 1 de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020, escalonados em 5 unidades mensais (12x5=60).

Porém, conforme decorre dos autos, tendo o contrato celebrado com a o..., Ltd a data de 13/10/2019, a Autora em 25/10/2019 comunicava à Ré ter em perspetiva a preparação de no mínimo 50 veículos (documento de fls. 231).

Não obstante em janeiro de 2020 ter alegadamente de entregar 5 veículos à “o..., Ltd”, a Autora apenas entregou à Ré em dezembro de 2019 seis peças/protótipo para a Ré produzir em massa, e, conforme decorre do ponto 104) dos factos provados, não entregou as peças-modelo ao mesmo tempo e foi entregando as peças até final de janeiro de 2020.

Por outro lado, em 16 de janeiro, a Autora decidiu conjuntamente com a Ré, que iria ela mesma produzir algumas das ferramentas/moldes por forma a acelerar o processo de produção, tendo recolhido o protótipo das peças enviadas em 09/12/2019 para produzir ela própria os moldes destas peças (pontos 57 e 58 dos factos provados).

A Autora enviou à Ré três moldes prontos para que iniciasse a produção das peças em 26 de fevereiro de 2020 (ponto 61 dos factos provados) e mais três moldes por si fabricados em 27 de março de 2020 (ponto 65 dos factos provados).

Do exposto decorre que, em nosso entender, não pode afirmar-se que, não fora o incumprimento definitivo da Ré ou a perda de confiança justificativa de justa causa de resolução, e a Autora teria efetivamente conseguido entregar 25 veículos à “o..., Ltd”, entre janeiro e inicio de junho de 2020.

Atente-se que a atribuição da indemnização tem de ser norteada, como já referido, pelo necessário nexo de causalidade: a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Por outro lado, cremos que dificilmente será possível concluir qual o número exato de veículos que a Autora teria conseguido efetivamente entregar, não se mostrando viável a avaliação do dano em termos de um valor exato, mesmo em eventual sede de ulterior liquidação.

Julgamos, por isso, que no caso concreto a fixação da indemnização deve ser feita com recurso à equidade, dentro dos limites tidos por provados, nos termos do artigo 566º n.º 3, do CC.

E, face à factualidade descrita, temos por mais ajustada, equilibrada e equitativa a indemnização de €80.000,00, que corresponde aproximadamente ao lucro que a Autora poderia obter da entrega de 10 veículos à “o..., Ltd” (€7.985,00x10=€79.850,00), pelo menos nos meses de abril e maio de 2020, não fora a atuação da Ré geradora de incumprimento e consequente resolução do contrato.

A referida indemnização fixada na quantia de €80.000,00 será acrescida de juros de mora desde a presente data (à qual se mostra reportada), à taxa de juro aplicável aos créditos de que são titulares as empresas comerciais, até integral pagamento.”

A Relação ajuizou bem.

Na verdade, a prova produzida (cf. além dos factos referidos na decisão recorrida também os constantes dos pontos 103, 104 e 105) revela que o incumprimento dos prazos não é apenas imputável à ré – as partes acordaram em alterar o acordo inicial, tendo a autora assumido a produção de parte das ferramentas/moldes - não sendo, pois, lícito concluir que, não fora o incumprimento da ré, a autora teria conseguido entregar à o..., Ltd, entre janeiro e início de junho de 2020, 25 carros, assim deixando de obter um lucro de €199.625,00 (€7.985,00 por cada carro).

A fixação da indemnização com recurso à equidade tem respaldo, como supra referimos, no nº3 do art. 566º do CCivil.


///


Insurge-se ainda a recorrente contra o acórdão que revogou a sentença na parte que condenara a ré a pagar à autora “a quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença relativa aos prejuízos imputados à autora por força do incumprimento contratual com a o..., Ltd, incluindo os danos de imagem”.

Decisão assim justificada:

Entendemos que a sentença proferida ao reconhecer desde já o direito de regresso, tem a natureza jurídica de uma sentença condicional e, sendo assim, não pode nesta parte ser confirmada.

De facto, a sentença recorrida, condena a Recorrente a pagar à Autora a quantia relativa aos prejuízos imputados à Autora pela “o..., Ltd”, que se vier a apurar em execução de sentença, reconhecendo, dessa forma o direito de regresso da Autora, sem saber se esse direito alguma vez existirá.

Não está apenas em causa a dúvida sobre o montante dos prejuízos, mas se a “o..., Ltd” os irá efetivamente imputar à Autora; como na própria sentença recorrida se afirma “o pagamento da aludida indemnização pela autora pode nunca vir a concretizar-se”, já que a relação de parceria entre a o..., Ltd e a Autora ainda hoje se mantém, “o que reconhecidamente DD e CC referiram em audiência”.

Procede, pois, nesta parte o recurso, devendo a Recorrente ser absolvida também deste pedido, e ficando prejudicado o conhecimento da questão do eventual abuso de direito e enriquecimento sem causa, a que se refere a Recorrente.”

Sustenta a recorrente que está em causa a questão da fixação do montante de indemnização em execução de sentença, o que é perfeitamente admissível nos termos do artigo 358.º, n.º 2 e do artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. E acrescenta na conclusão 12ª

no caso sub judice não está em causa averiguar no incidente de liquidação em execução de sentença se a Recorrida é ou não responsável pelos danos causados a título de danos emergentes, visto que tal já ficou decidido!” (conclusão 12º).

Vejamos.

Neste pedido a autora pretende obter a condenação da ré tendo em vista um futuro direito de regresso para ser ressarcida da indemnização que venha ter de pagar à o..., Ltd.

Não existe nenhuma condenação da ré a indemnizar a o..., Ltd, nem processo judicial com essa finalidade a correr termos.

Ora, além de o nosso ordenamento jurídico não admitir a condenação condicional – ou seja, a sentença em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido à data do encerramento da discussão da causa (Ac. STJ de 07.04.2011, P. 419/06 (Lopes do Rego), a pretensão da autora esbarra com o entendimento pacificamente aceite a propósito do nº2 do art. 609º, segundo o qual “a condenação no que vier a ser liquidado, através de incidente de liquidação, só é cabida no tocante aos danos relativamente aos quais, embora de existência comprovada, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade (cf. Acórdãos de 21.04.2010, P. 9673/04, de 09.09.2014, P.388/05, de 30.04.2015, P. 353/08 e de 18.09.2018, P. 4174/16).

Danos estes – resultantes da indemnização a pagar à o..., Ltd - que pura e simplesmente não estão comprovados.

Em suma, contrariamente ao que sustenta a recorrente não está apenas em causa a quantificação da indemnização, mas a própria existência do dano.

Também nesta parte a revista não merece provimento.

Quanto ao teor da conclusão 14ª, não há nada a esclarecer.

A ré foi absolvida do pedido formulado em b) e não da instância. A absolvição da instância ocorre nas situações previstas no nº1 do art. 278º do CPC, sendo que nenhuma delas se verifica no caso.

Por último, insurge-se a recorrente quanto aos termos da condenação em custas no acórdão, dizendo que “a decisão do Tribunal recorrido, na parte em que fixou as custas da acção, o que inclui as custas do pedido reconvencional cuja decisão já se encontrava transitada em julgado, extravasou os seus poderes de cognição, incorrendo em nulidade prevista no artigo 615º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil e que assim expressamente se arguiu.”

A decisão do acórdão nesta parte foi a seguinte:

As custas do presente recurso e da ação são da responsabilidade da Autora e da Ré na proporção do decaimento (artigo 527º do CPC), e que se fixa em 2/3 para a Autora e 1/3 para a Ré.

Também nesta parte não assiste razão à recorrente.

A reconvenção constitui uma acção cruzada contra o autor, servindo para o réu formular pretensão ou pretensões correspondentes a uma ou diversas acções autónomas. (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I, pag. 301).

No caso, a reconvenção foi julgada improcedente e a ré condenada nas custas por decisão da 1ª instância transitada em julgado, e essa decisão em nada é afectada pelos termos da condenação em custas decretada pela Relação.

Com o que improcedem as conclusões formulados pela recorrente.

Decisão.

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, em consequência, o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 16.11.2023

José Maria Ferreira Lopes (relator)

Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (1ª Adjunta)

Conselheiro Nuno Pinto Oliveira (2ª Adjunto)