RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL COMPETENTE
TRIBUNAL COMUM
TRIBUNAL DO TRABALHO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
FACTO ILÍCITO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
SEGURADORA
Sumário


I. Tendo em linha de conta a estrutura do pedido e da causa de pedir formulados na acção, não estamos perante um litígio relativo a questões emergentes de um acidente de trabalho, ou seja, um litígio emergente de acidente sofrido por trabalhador por conta de outrem, no exercício das suas funções, e que oponha o sinistrado à seguradora de acidentes de trabalho.
II. São competentes para conhecer da presente acção os Tribunais de comuns.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO

1.AA, casado, instaurou a presente ação declarativa de condenação contra:

1º réu, BB e

2ª ré, COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ, S.A, pedindo condenação solidária dos Réus a a pagar-lhe uma quantia nunca inferior a euro 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros á taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

2. Para tanto e no essencial, em sede de Petição inicial, no que tange à responsabilidade da R. “COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ, S.A.”, alegou o A. o que, no essencial, se passa a transcrever:

«B) DA FORMA DE TRATAMENTO DA R. e do R. PARA COM O A.

104. À semelhança do tratamento prestado ao A. por parte do R., o mesmo sofreu igualmente assédio por parte da R. , e pelos factos adiante aduzidos:

105. Com efeito, na sequência do acidente de trabalho sofrido pelo A., estava a R. obrigada ao cumprimento dos normativos previstos nos art.s 25º e seguintes da Lei 98/2019, de 04 de Setembro.

106. Ora, tal como aduzido supra, o A. necessitava de ajuda de pessoa, bem como de fisioterapia diária.

107. No dia 26.04.2017, data em que o A. deveria receber a visita da pessoa que iria prestar auxílio na higiene, ninguém apareceu.

108. Mais deveriam ter comparecido os bombeiros para transportar o A. à fisioterapia, o que não ocorreu.

109. Perante o sucedido, o A. contactou os serviços administrativos da R., sendo que os mesmos lhe transmitiram que nada sabiam sobre tal assunto, e que tais serviços teriam primeiro de ser prescritos pela equipa médica ou pelo departamento clínico da companhia, e tal não havia sido feito,

110. Por tal facto, o A. não teria direito aos referidos serviços.

111. O A. voltou a transmitir as informações prestadas pelo R. relativamente à ajuda de pessoa e à fisioterapia, sendo que obteve a mesma resposta por parte da R. “Não nada prescrito, portanto nada a fazer”

112. No dia 27.04.2017, e não obstante as queixas apresentadas pelo A. junto da R., não compareceu novamente ninguém para auxiliar o A. na sua higiene nem para o transportar à fisioterapia.

113. O A., voltou a contactar a R., sendo que desta vez obteve a informação que o que estaria prescrito era 2:00h de apoio de pessoa, mas que teria de ser o A. a contratar alguém para prestar tal serviço, e que o mesmo apenas seria comparticipado em Euro 2,00/hora.

114. Perante tal informação, o A. sentiu-se humilhado, vexado, perplexo, revoltado,…irritado;

115. Com efeito, pelo R. havia sido garantido a ajuda de pessoa, todos os dias, para o ajudar na sua higiene.

116. Como poderia o A., no estado em que se encontrava diligenciar por alguém que prestasse tal serviço, tanto mais sendo apenas comparticipado a Euro 2,00 hora?

117. Como iria o A. encontrar alguém que se prestasse a tal serviço?

118. Questionada a R., a mesma apenas referiu que era isso que a mesma pagava e nada mais.

119. Pelo que se viu o a. confrontado com a necessidade de, de moto próprio, encontrar quem prestasse por tais serviços.

120. Todavia, a 02.05.2017., recebeu o A. um email da R., alegando a mesma que não aceitava o orçamento do prestador porque o que estaria contemplado na lei era o apoio máximo de 1,1 do IAS Lei 98/2009 de 4/SET - artº54). (Doc. n.º 19)

121. Nessa conformidade, a 11/05/2017 e a 12.05.2017 o A. reclamou junto da R. não estar a cumprir as promessas do médico assistente, nomeadamente:

Transporte em cadeira por ambulância sempre que tivesse consultas ou exames;

Terceira pessoa todos os dias 2h para ajudar com a higiene e aluguer de cadeira de banheira;

Cedência temporária de cadeira de sanita e andarilho;

Fisioterapia todos os dias uma vez por dia. (Doc.20)

122. Mais referiu que podia usar a casa de banho quando a sua mãe estava em casa porque a cadeira não podia estar na casa de banho por uma questão de espaço, sendo que o A. não tinha capacidade para a transportar.

123. Mesmo o deambular de andarilho, o fazia acompanhado uma vez que havia tropeçado, sendo o risco de queda elevado.

124. Em resposta às reclamações apresentadas, a R. limitou-se a referir que iria dar conhecimento ao prestador clínico e ao médico assistentes, sendo que sobre os pagamentos a pessoa mantinham a posição vertida. (Docs.21 e 22 )

125. Perante a referida posição, e em estado de desespero total, o A. enviou novo email à R. a pedir “ajuda”, pois estava sem dinheiro, sem saúde e sem higiene,

126. Mais referiu que no dia 08/05/2017, em sede de consulta com o R., mencionou ao mesmo que aquele não estava a cumprir com o que prometera, ao que o mesmo ainda alegou que este ainda em tom de tinha prescrito 3h e não 2H de auxílio de pessoa..(Doc.23)

127. Mais referiu ao A. numa manifesta desumanidade: “O problema não é meu! Se tem problemas fale com a Companhia e não me importune”

128. À exposição efetuada pelo A. limitou-se a R. a referir que iam insistir junto dos prestadores clínicos de forma a saber se existia algum tipo de protocolo com prestadores que pudessem realizar o serviço de higiene por um preço mais acessível e que iam ainda pedir um parecer aos seus superiores (Doc.24)

129. A dia 22/05/2017 veio a R. informar que continuavam a aguardar uma resposta por parte do prestador clínico e que haviam celebrado um protocolo com uma entidade que poderia enquadrar-se com as necessidades do A. (Doc.25)

130. Ainda na mesma data foi o A. informado pela R. que, após contactarem com a coordenação obtiveram autorização para fornecer o serviço de 3ªpessoa e que a título de exceção seriam estes a pagar diretamente ao prestador, mas que precisavam de uma autorização do A por escrito. (Doc.26)

131. Mais uma vez ficou o A. perplexo com a resposta obtida, tendo apenas referido/relembrando que não podia assinar nada porque, como era destro, não conseguia escrever nem assinar nada.

132. Solicitou ainda informação da data sobre o início da prestação de serviços pela Entidade 3ª, pois tinha de cancelar com a Empresa que, entretanto, havia contratado. (Doc.27)

133. Apenas no dia 23.05.2017 obteve o A. resposta da R. que referiu que iriam permitir que a autorização fosse enviada via email, informando ainda que quanto à data do início dos serviços de ajuda da terceira pessoa iria ser contactado diretamente pelo prestador. (Doc.28)

134. Ainda hoje o A. aguarda o contacto do referido “prestador”.

135. Nunca apareceu ninguém para fazer higiene ao A….

136. quanto ao transporte em ambulância para a realização da fisioterapia, a informação da R. foi que existiam falta de ambulâncias, mas que, assim que possível, iriam repor o serviço, e uma vez entrando em escala, este passaria a ser prestado com cadência diária e sem interrupções.

137. Ora, certo é que o R. havia referido ao A. que caso o mesmo não fosse transportado à fisioterapia, que “era a fisioterapia que iria até ao A”.

138. Questionada a R. sobre tal facto, a mesma referiu que o A. não tinha indicação para fazer fisioterapia em casa!...............

139. Mais uma vez, o A. sentiu-se humilhado, vexado, frustrado, saturado, gozado, como se a sua recuperação fosse uma “brincadeira”,

140. Sentindo-se um “boneco” nas mãos da R, (…);

141. Ora, se era necessária uma fisioterapia intensiva no Hospital, com frequência bi-diária, e indispensável à sua recuperação, porque motivo a mesma passara a dispensável?

142. Conclui o A. que, em boa verdade, o interesse da R. foi sempre cessar os pagamentos pelos dias de internamento para, a final, ver reduzida a indemnização ao A. pelos dias de internamento Hospitalar….., num manifesto tratamento desumano.

143. O interesse da R. para com o A., desde o início dos seus tratamentos, nada esteve relacionado com a sua recuperação, como legalmente é imposto, mas com um objetivo único de carácter economicista….

144. Tal como aduzido supra, deveria o A. efetuar fisioterapia diária, sendo transportado pelos bombeiros.

145. Ora, tal nunca vaio a ocorrer.

146. Com efeito, era necessário transportar o A. por três andares de escadas, acima e abaixo, sendo que o A., à data, pesava mais de 90 kgs.

147. Por tal facto, os bombeiros, temendo pela sua integridade física, recusavam-se a fazê-lo, sendo que por várias vezes deixaram o A. cair.

148. Até no pagamento das IT´s o A. foi objecto de gozo por parte da R..

149. Com efeito, no dia 12/05/2017 o A. enviou um email à R. a reclamar de várias questões, nomeadamente dos pagamentos das IT´s.

150. Ora, a R., em comunicação datada de 02/05/2017 referiu que nessa data iria proceder ao pagamento

151. Como no dia 05/5 o A. ainda não havia recebido nada, contactou o apoio a sinistros por via telefónica, sendo que os mesmos referiram que o cheque tinha sido enviado por correio no dia 04.05.2017 ou mesmo no dia 03.05.2017, e que dia 8/5 ou no máximo 9/5 o A. iria recebê-lo, para não se preocupar…

152. Ora chegado o dia 12.05.2017 nada de cheque…

153. Em desespero, o A. solicitou encarecidamente junto da R. que os pagamentos seguintes fossem efetuados para o NIB que havia facultado, para não haverem atrasos graves como o que estava a suceder.

154. O A. veio posteriormente a confirmar que a R. havia mentido ao mesmo, deliberadamente, pois que a 16.05.2017 foi feita a transferência bancária devida. (Doc.29)

155. Mais uma vez, o A. sentiu-se gozado, humilhado por parte da R.

DA PRESCRIÇÃO DE MEDICAÇÃO

156. A 06.06.2017 o A. informou a R. que a medicação que lhe tinha sido dada terminaria naquele mesmo dia e que como voltaria a ter consulta no dia 12/06/2017, pelo que como deveria proceder. (Doc.30)

157. A partir da referida data a R. começou a prescrever medicação a menos, alegando que eram normas do hospital, prescrevendo apenas medicação para 8 dias….

158. Ora, o A. tendo consultas de 20 em 20 dias como é que ia proceder?

159. O A. entrou em desespero, porquanto, era referido pela R. que tinha de se deslocar à CUF para pedir mais medicação…

160. Ora. O A. deslocava-se à CUF, mas não trazia medicação porque não estavam la médicos da R.

161. O A. não tinha receitas, sendo que a R. nem assegurava o pagamento do transporte para que o A. pudesse levantar a medicação.

162. Questionado o R. sobre o assunto, o mesmo dizia que era responsabilidade da R., sendo que a R. dizia ao A. que era responsabilidade do R…..

163. E o A. assim andava sentindo-se um “boneco no jogo do empurra”;

164. Enquanto andava cheio de dores e sem medicação.

DA PROMOÇÃO DO INTERNAMENTO NO CENTRO DE REABILITAÇÃO DO NORTE

165. Atento os factos supra relatados, e condições de tratamento a que o A. foi sujeito, o mesmo acabou por recorrer à medicina familiar para pedir auxílio e melhor orientação clínica.

166. A sua médica de família, Dr.ª CC requereu uma consulta junto do CENTRO DE REABILITAÇÃO ..., tendo promovido o internamento do A. naquela instituição.

167. O A. disso informou a R. a 06/06/2017, até porque tinha uma cirurgia para remoção de material cirúrgico da mão direita e uma consulta agendadas para os dias 9 e 12 junho de 2017, e por tal facto, o serviço de ambulância teria que ir buscar o A. a partir daquela data àquela instituição.

168. Informou também que os médicos da CUF tinham conhecimento desta situação e que não se opunham, muito pelo contrário, até porque sendo o CR... uma instituição de referência no que à reabilitação diz respeito, muito a recuperação do A. iria ganhar com o trabalho desenvolvido nessa instituição.

169. Como o internamento naquela instituição tinha naturalmente custos, o A. pediu `que a R. se pronunciasse a esse respeito. (Vide Doc. n.º 30).

170. Pois da R. obteve o A. silêncio

171. Foi posteriormente o A. informado por via telefónica pela médica fisiatra Dr.ª DD que a mesma havia tido conhecimento das cirurgias do A. e que então o internamento do mesmo deveria ser protelado até após a cirurgia de remoção do material cirúrgico.172. A 9 de Junho de 2017, dia em que iria ser internado no CR..., em sede de consulta de internamento, a médica, que até então o A. conhecera por telefone, entrou na sala e informou o A., de que pelo facto de o mesmo ter sofrido um acidente de trabalho o internamento teria que ser autorizado pela R.

173. Nessa conformidade, o internamento ficou novamente adiado até que o A. juntasse uma declaração de autorização da R. responsabilizando-se pelo seu internamento naquela instituição.

174. Nessa mesma data, o A. solicitou o deferimento urgente a tal pedido, rogando ainda resposta às suas últimas comunicações. (Doc. 31)

175. A R. continuou no seu silencio….

176. No dia 12/06/2017 o A. teve uma consulta com o médico que lhe havia operado a mão, Dr. EE, e este, questionado que foi sobre o internamento no CR... manifestou-se positivamente tendo inclusivamente dado o seu parecer clínico sobre este assunto no relatório daquela consulta. (Doc.32)

177. Nessa mesma data, o A. informou a R. que tinha sido contactado pela médica Dr.ª DD para saber da declaração de responsabilização da R. por forma a poder ser ali internado, pois que o A. corria o risco de ter de solicitar nova consulta através do centro de saúde. (Doc.33)

178. Mais uma vez, a R. permaneceu em silêncio.

179. Atento a urgência do assunto, no dia 14/06/2017 o A. envia novo email à R. (Doc.34)

180. Mais uma vez não obteve resposta.

181. Saturado com o silêncio contínuo numa situação tão urgente, o A. contactou o mediador, que através do seu contacto na R., conseguiu informar o A. que a questão do internamento estava a ser analisada…e estaria a demorar pois era necessário juntar documentação clínica etc…

182. A 16/06/2017 o A. envia novo email à R. (Doc.35)

183. A 19/06/2017, nova insistência e nisto decorridas 3 semanas desde a data em que o A. deveria ter sido internado… (Doc.36)

184. A 20.06.2017 nova insistência….(Doc.37)

185. Saliente-se que o R. havia dito ao A. que a sua mão estava rigidíssima e que tinha falado pessoalmente com a médica, Dr.ª DD do CR... sobre o seu internamento e que concordava plenamente com o mesmo, mas que competia em exclusivo à R. emitir a declaração e não a ele…

186. Apenas a 21/06/2017 a R. se dignou responder ao A., e para referir que o CR... não era uma instituição convencionada com a R., e que no âmbito dos processos de acidentes de trabalho a assistência clínica era prestada na rede da R. (Doc.38)

187. Mais referiu que haviam solicitado naquela data um relatório médico à CUF para esclarece los das suas eventuais responsabilidades???

188. Perplexo com tal resposta, o A. a 23.06.2017 reiterou a necessidade de ser internado no CR..., solicitando a declaração de responsabilidade da R. (Doc.39)

189. A dia 26 de junho veio a R. referir que como não foi a CUF a promover o internamento no CR... então a mesma não iria assumir…(Doc.40)

190. Inconformado, o A., a 29/06/2017 enviou novo email à R. questionando se haveria algum motivo para indeferir o seu internamento no CR... uma vez que o mesmo havia mesmo sido aprovado pelos médicos da CUF. (Doc.41)

191. Para seu espanto, a 30/06/2017, recebeu o A. uma comunicação da 2ªR., a dizer que depois de terem parecer da coordenação clínica iriam mudar o prestador, ou seja, o A. iria sair do hospital de santa maria no ... para uma clínica “N... ......”….. (Doc.42)

192. A 06 de Julho de 2017 recebe o A. uma chamada telefónica de um senhor denominado “FF”, fisioterapeuta de profissão, responsável clínico da R. a informar o A. que ir para o CR... estava fora de hipótese, mas que iria começar a ter fisioterapia bi-diária, mas por causa da mão……

193. Nessa mesmo dia recebeu o A. um email da R. a informar que afinal…ia continuar no H.... (Doc.43)

194. E nisto tudo….continuava o A. sem os tratamentos devidos…agravando as suas lesões…

195. A 01.09.2017, em sede de consulta, foi comunicado ao A. que o mesmo iria regressar ao trabalho. (…)

198. Aflito com a situação, logo que o A. saiu da consulta contactou a Entidade patronal explicando o que se passava, ao que o mesmo referiu para não se preocupar, para ficar em repouso.

199. No dia 04.09.2017 o A. teve nova consulta.

200. Na referida data, mencionou ao R. que a Entidade Patronal lhe tinha dito para ficar em casa, ao que o R. referiu que iria informar a R., porque a entidade patronal tinha que cumprir com a parte dela sob pena da companhia “saltar fora” e deixar de me prestar os cuidados de saúde e assumir a responsabilidade pelo meu acidente, num claro tom de ameça para com o A…

201. Entretanto, em prol da recuperação do A., a sua Entidade patronal fez uma reestruturação na empresa, uam vez que o A. não conseguia fazer nem 10% daquilo que fazia antes do acidente, colocando o A. no departamento de orçamentação a fazer planeamento e apontamento de obra (planear e depois verificar se o planeamento está a ser cumprido).

202. Ou seja, o A, havia passado de “técnico de compras” a “técnico de obra” estagiário.

203. Ainda nessa data a questão da falta de medicação se mantinha…e assim o foi até o A. ter começado a ser medicado pelos médicos do hospital de ...…

204. O mesmo tinha de “mendigar” por medicação junto da R…medicação essa que veio posteriormente a saber ser desajustada às suas necessidades.

205. Veio o A. a saber que anda a “ser entupido” com tramadol, medicamento analgésico de SOS, e que o A. andava a tomar de forma crónica.

206. Com efeito, tal medicamento é um opiáceo que, derivado ao uso continuado do mesmo, provoca falência dos rins, podendo causa doença hemofílica crónica.

207. Foi apenas com recurso ao médico da especialidade de medicina da dor do hospital de ..., Dr. GG, que deu ordem imediata de interromper o tratamento com tramadol tendo prescrito ao A. uma série de outros medicamentos menos nocivos para o seu organismo, e que ainda toma nos dias de hoje.

208. Toda a forma de tratamento descrita na presente acção por parte do e RR. para com o A., consubstanciadora da prática de assédio, levou a que o A. tivesse atitudes para com terceiros menos próprias, a ponto de colegas de trabalho aconselharem o mesmo a procurar um psicólogo…

209. Confuso, o A. questionou o R. sobre tal assunto, ao que o mesmo friamente respondeu que o A. não tinha indicação para apoio psicológico….

210. Ora, não é despiciendo referir que o A., depois de ter saído dos cuidados intensivos, meses após, foi chamado a uma consulta de follow-up.

211. Na referida consulta, foi pedido ao A. que respondesse a um questionário, para aferir do meu estado e de possíveis patologias que desse episódio tivessem surgido.

212. Nessa sequência, foram promovidas consultas de: ortopedia, medicina da dor, urologia e psiquiatria de ligação.

213. Questiona o A. como o seu estado nunca foi devidamente analisado pelo R??

214. Descrente com todo o tratamento prestado pelos RR., o A. solicitou à R. para trocar de médico assistente e de instituição prestadora,

215. Ao que a resposta da R. foi surpreendente, pois que veio alegar surpresa pois que o R. referiu que relação entre ambos sempre havia sido cordial… (…)

222. no que tange à mão do A., veio o mesmo a saber através do seu médico ortopedista, Dr. HH que, relativamente ao desvio rotacional dos dedos da mão, tendo decorrido tanto tempodesde a última cirurgia, uma nova cirurgia pouco ou nenhum efeito positivo teria -ao contrário do que poderia ter sido feito à data e não o foi… (…)

228. A sorte do A, foi ter contactado com o médico urologista, Dr. II da CUF que prescreveu ao A. um tac à zona pélvica, e foi que encontraram um fragmento ósseo proveniente do trauma da bacia na raiz do pénis…

229. Tal fragmento ósseo causa ainda feridas na uretra do A., motivo pelo qual o mesmo padece de hematúria ocasional

230. E tal facto foi provocado pela relatada realização de carga muito precoce, e que provocou a migração de fragmentos ósseos da fratura.

231. Quer o R., quer a R. bem sabiam que tal podia ocorrer, e não se coibiram de “mandar embora” o A. mais cedo para casa….sabendo que o mesmo não estava recuperado.(…)

233. O A. , no decurso de todas as consultas dava conta das suas dores, sendo que o R., no final das mesmas, e em tom jocoso, ainda dizia ao A.: “Parabéns pela sua recuperação!”234. Ainda relativamente à retirada do material cirúrgico, a médica psiquiatra promoveu uma consulta de ortopedia no hospital de ....

235. Na referida consulta o A. foi atendido pelo médico JJ, que remeteu o A. para a R.

236. O A. solicitou ao seu mediador para marcar uma consulta por recaída, tendo o A. sido novamente chamado ao R, ao que o mesmo referiu: “Não lhe vou tirar nada, e se quiser peça à Companhia”

237. E mesmo assim, prescreveu ao A. RX à bacia e à mão direita..referindo: “É mais radiação, menos radiação!”

238. Entretanto, o A. teve alta sem incapacidade…

239. Posteriormente, em mês que não se recorda, mas que terá sido no ano de 2018, o A. começou a ser seguido por um ortopedista, Dr. HH.

240. Através dos exames realizados veio o A. a descobrir um processo inflamatório na sua articulação sacro-iliaca, além de ter um parafuso partido na minha mão direita.

241. Ou seja, como pode o R., analisados os exames radiológicos, não verificar tal facto?

242. Todos os exames e relatórios foram solicitados à R., quer pelo A., quer pela sua Mandatária, sendo que os mesmos nunca foram entregues….

243. Reitere-se ainda a falta da pagamento da medicação por parte da R., e que se mantem até à presente data..

244. A R. sempre andou “num jogo” com o A….e que ainda continua…

245. Com efeito, inicialmente não queria pagar as despesas com medicação alegando que não tinha sido prescrita pelos médicos da R.

246. Depois do A. ser avaliado por um dos médicos da R., que referiu que na verdade precisava da medicação, é que a R. retomou os pagamentos.

247. Posteriormente, a R. deixou de pagar novamente, até que o A. solicitou o pagamento por carta registada, ao que a 2ª R. referiu, como desculpa, que não estavam a receber os emails…

248. Pelo menos desde 2009 que a R. não paga a medicação ao A., alegando não ter sido prescrita pela equipa médica….., o que levou o A. apresentar uam exposição junto do Tribunal de Trabalho.(Doc.44)

249. Ainda no que tange às despesas de deslocação do A….a R. apenas esteve disposta a pagar 12,5cent por km …..

250. Sendo certo que na presente data, entre consultas, exames, deslocações e medicação a R. deve ao A. praticamente EURO 10.000,00EUR!!! ( …)

257. Desde a data do sinistro que o A. foi gozado, destratado como ser humano, por parte dos RR., violando o sue direito ao respeito da dignidade pessoal, direito à igualdade e não discriminação, direito à integridade física e moral,

258. Todos os factos descritos e silêncios da R. provocaram no A. um desequilíbrio, um desgaste emocional, que enfraqueceram o A, diminuíram a sua autoestima, provocando-lhe ainda tensão emocional grave, e que se arrasta até aos dias de hoje…

259.Tem assim o A., por ter sido assediado, o direito ao ressarcimento dos danos sofridos na sua integridade física e moral, na sua honra, na sua intimidade, na sua personalidade, e na sua dignidade.

260. Os RR.., de forma consciente e dolosa, provocaram danos não patrimoniais graves ao A. que merecem a tutela do direito.

261. Nesta conformidade, pelo ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo A. devem os RR. ser condenados solidariamente a pagar ao A. numa indemnização de valor não inferior a Euro 60.000,00 (sessenta mil euros).”

Assim, em síntese, o autor, relativamente à co-ré seguradora alega que esta celebrou com a sua entidade empregadora seguro de acidente de trabalho, alega factos pelos quais pretende acionar a responsabilidade civil que imputa à ré – seguradora pelo sofrimento moral – DANOS MORAIS – que esta alegadamente infligiu ao A., pela prática de “assédio” no decurso do seu tratamento após acidente de trabalho que simultaneamente foi acidente de viação e que constitui violação à sua integridade física ao abrigo do disposto no art. 483º do CC.

2. Citada, a co-ré, COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ, S.A., contestou e excepcionou a incompetência material do tribunal a quo com os seguintes fundamentos:

“Toda a assistência prestada pela seguradora decorreu no âmbito da gestão de um processo por acidente de trabalho.

Existindo regras especiais neste domínio no que toca ao lugar da prestação da assistência clínica, escolha do médico assistente, substituição do mesmo, contestação das resoluções do médico assistente, etc., conforme melhor decorre dos artigos 25º e ss da Lei 98/2009.

Sendo certo que, em caso de divergência em relação às resoluções do médico assistente ou até de actos da própria na gestão do sinistro, estão previstos mecanismos próprios de resolução, dos quais o sinistrado poderia ter lançado mão (vide artigos 33º e 34º da Lei 98/2009).

Em todo o caso, o Tribunal competente para decidir definitivamente sobre tais questões será o tribunal do trabalho da área onde o Autor se encontra e não a jurisdição comum (vide artigo 34º Lei 98/2009).

Efectivamente, o acidente sofrido pelo Autor deu lugar ao processo especial por acidente de trabalho, que corre termos no Juízo do Trabalho ..., sob o n.º 1522/18.2...

No âmbito do mesmo, foi realizada Tentativa de Conciliação, tendo em tal sede a aqui reconhecido o acidente sofrido pelo Autor em 23.03.2017 como acidente de trabalho, aceitou o nexo de causalidade entre as lesões constatadas e o acidente, bem como as sequelas constantes do boletim de alta.

Porém, não concordou a com o resultado do exame médico realizado pelo INML, não aceitou a dependência por parte do Autor de ajudas medicamentosas, nem de consultas das especialidades de ortopedia, psiquiatria, urologia e de medicina física e reabilitação, bem como tratamentos associados. Não concordando ainda com os valores reclamados.

Em consequência, avançou tal processo para a fase judicial, aguardando ulteriores termos.”

4. O autor pronunciou-se no sentido da competência do tribunal comum para conhecer do mérito da presente acção.

5.Terminados os articulados, foi proferido despacho saneador que, relativamente à exceção arguida julgou o Tribunal comum incompetente em razão da matéria para conhecer da eventual responsabilidade da co–Ré-seguradora de acidente de trabalho, e, assim, absolveu da instância a Ré seguradora, fixando as custas a cargo do autor na proporção de 50%.

No essencial, o tribunal recorrido, entendeu que ao caso em apreço são aplicáveis as disposições conjugadas do DL n.º 159/99, de 11 de Maio, Lei 98/2209, de 04 de Setembro e Código de Processo de Trabalho (vide art. 15º e art. 99º e seguintes), que versam precisamente sobre os acidentes de trabalho, sendo que a forma ou espécie de processo adequada para o Autor fazer valer os seus direitos é a acção especial emergente de acidente de trabalho e não uma acção declarativa de processo comum.

6. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, e, no essencial, concluiu que pela presente acção o que o A. pretende, estando bem discriminado em sede de Petição inicial, é que a R. seja responsabilizada por todo o sofrimento moral – DANOS MORAIS - infligido ao A., pela prática de assédio - no decurso do seu tratamento, e que constituiu violação à sua integridade física ao abrigo do disposto no art. 483º do CC, questão que ao Tribunal de Trabalho – salvo melhor entendimento – não cabe/tem competência para apreciar.

7. Não foram apresentadas contra-alegações.

8. Conhecendo do recurso o Tribunal da Relação confirmou a sentença, dizendo que os tribunais competentes são os tribunais de trabalho.

O acórdão teve um voto de vencido, onde se defende serem competentes os tribunais comuns.

9. Não se conformando com a decisão, veio apresentado pelo A. recurso de revista, onde são formuladas as seguintes conclusões:

“A) Entende o Recorrente que o Douto Acórdão posto em crise operou uma errada interpretação e subsunção jurídica dos factos, efectuando desajustada aplicação da lei, violando o disposto nos artigos 25º e ss da Lei 98/2009, art. 126.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, bem como o art. 483º do CC.

B) Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão proferido pelo Meritíssimo TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO que, conclui nos seguintes termos em sede de SUMÁRIO:

III. A competência material do Tribunal, como pressuposto processual que diz respeito ao Tribunal e cuja apreciação naturalmente precede a apreciação de outras quaisquer questões, determina-se pelos termos em que o autor estruturou o pedido e a causa de pedir.

IV. Em matéria da competência em razão da matéria resulta da Lei Orgânica do sistema Judiciário ( Lei nº 63/2013) que o critério é formal. III.E decorre do art 126º da LOSJ, als b) ,c) e d) que compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:

b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;

c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;

d) Das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais;”

IV. Decorre da lei que o propósito do legislador é que todas as questões que digam respeito a acidentes de trabalho e suas consequências, incluindo prestações de assistência etc, devem ser da competência da jurisdição laboral

V. Por isso as denominadas “acções conexas” com acidentes de trabalho são da competência dos tribunais de trabalho.

VI. Nos termos do artigo 40º, da LOFT, os Tribunais judiciais têm uma competência residual, apenas intervindo quando as causas não estejam atribuídas a outra ordem jurisdicional e a situação dos autos está expressamente afecta à jurisdição laboral, ex vi do artigo 126º, nº1, alínea c) do mesmo diploma, tendo em atenção o pedido e a causa de pedir.

VII. Seria uma incongruência concluir-se que o Tribunal de Trabalho era o competente para aferir da responsabilidade da entidade seguradora relativamente a acidentes de trabalho, por via da transferência das responsabilidades através da celebração obrigatória do contrato de seguro havido com a entidade patronal em sede de acidentes de trabalho, e, já não o seria, para averiguar, afinal das contas, se teria ou não ocorrido um deficiente cumprimento da obrigação de assistência médica assumida pela seguradora do trabalho, incumprimento que é alegado para fundar uma pretensão compensatória de alegados danos não patrimoniais derivados daquele incumprimento.

VII. Consagra-se, assim, o princípio da absorção das competências, o que equivale a dizer que tendo os Tribunais de trabalho a competência exclusiva para a apreciação das problemáticas decorrentes dos acidentes de trabalho, a eles competirá, mutatis mutandis, igualmente, o conhecimento de todas as questões cíveis relacionadas com a prestação de assistência médica assumida pela seguradora de acidentes de trabalho.

C - VEJA-SE, TODAVIA, O VOTO DE VENCIDO – QUE ACOMPANHAMOS NA ÍNTEGRA:

IV. De acordo com o art.º 38º nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26.08 (LOSJ, Lei de Organização do Sistema Judiciário), a competência dos tribunais fixa-se no momento em que a ação é proposta. E, a ser assim, a competência em razão da matéria terá de ser aferida em função do pedido e da causa de pedir, tal como formulados pelo Autor.

A causa de pedir consiste no ato ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, e não nos factos naturalísticos.

Nesta medida, entendemos que o facto jurídico invocado pelo Autor consiste na responsabilidade civil por factos ilícitos (art.º 483º do CC), praticados durante a prestação de serviços clínicos prestados por ambos os Réus, como estavam obrigados por lei.

Não está aqui em causa o acidente de trabalho que, aliás, segundo se depreende do texto, está já resolvido.

Também não se pretende a reparação do acidente laboral (art.º 25º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, LATDP).

O que o Autor diz é que as prestações em espécie a que os Réus estavam obrigados (conforme artigos 25º a 46º da LATDP), não foram cumpridas, ou foram-no deficientemente, e puseram em causa a sua saúde, integridade física, bem-estar e dignidade pessoal.

E é exatamente nesse âmbito que o Autor peticiona apenas indemnização por danos morais. (sublinhado nosso).

V. A reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, LATDP) é uma lei especial, com um âmbito bem delimitado, tendo em conta os interesses de natureza pública que lhe subjazem.

Ao contrário da indemnização civil, que abrange “todos os danos” causados pelo ilícito, o direito à reparação por sinistros laborais vem delimitado no art.º 23º da LATDP: prestações em espécie (melhor discriminadas no art.º 25º a 46º) e em dinheiro (art.º 47º a 74º).

O regime dos acidentes de trabalho baseia-se numa responsabilidade objetiva (artigo 7.º da LATDP). Exatamente porque as indemnizações contempladas não integram “todos os danos” é que a efetivação da indemnização laboral não exclui a indemnização civil, fenómeno bem conhecido nos acidentes que são simultaneamente de trabalho e de acidente de viação em que, como é jurisprudência aceite, as indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário.

No domínio da responsabilidade laboral, a Seguradora responde em termos da responsabilidade contratual que a une ao empregador (a sua responsabilidade tem a exata medida da do empregador).

Quando lhe é imputável um facto ilícito, de per si, a Seguradora responde em termos de responsabilidade extracontratual, em nome próprio.

Daí, também, que a Seguradora (laboral ou civil) tenha direito de regresso contra os responsáveis ─ em determinadas circunstâncias tipificadas legalmente (ex: o álcool,por aquilo que pagou.

Mas já não o tem quando responde em nome próprio, por uma atuação ilícita por violação dos seus deveres legais ou contratuais.

A regra geral no domínio da infortunística laboral é da indemnização por danos patrimoniais ou físicos (cf. art.º 8º nº 1 da LATDP).

O seu objetivo é a reparação da capacidade produtiva do trabalhador ou indemnizá-lo pela sua perda de capacidade.

A indemnização por danos morais constitui exceção, contemplada apenas para os casos em que o sinistro decorre de atuação culposa do empregador ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho, caso em que “a indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais” (art.º 18º nº 1 da LATDP). Neste sentido, Luís Menezes Leitão, “Acidentes de trabalho e responsabilidade civil”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 46, bem como “Direito do Trabalho”, 4º edição, Almedina, p. 408; em termos jurisprudenciais, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 4281//12.9TTLSB-A.L1.4, de 26/02/2014 e do Tribunal da Relação do Porto, de 23/06/2021, processo nº 2019/20.6T9PNF.P1 (e acórdãos aí citados).

Nestes casos, estamos já no domínio da culpa, elemento que é essencial neste âmbito, mas que não se atende na indemnização laboral, em que a indemnização é devida independentemente de culpa na ocorrência do sinistro.

Não há o mínimo indício nos autos de que o sinistro tenha sido imputável a atuação culposa do empregador ou tenha resultado de falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho.

Mas, mesmo que o fosse, o que o Autor aqui imputa aos Réus é a prática de factos ilícitos, praticados a título pessoal. /sublinhado nosso).

VI. Para além disso, revela-se aqui uma incongruência que deve ser sopesada.

Não se entende como, num processo com a mesma (e única, ainda que complexa) causa de pedir, os mesmos factos e um pedido de condenação em regime de solidariedade, se possibilite julgar o Réu médico ── que, segundo alega a Ré Seguradora, atuou “na dependência técnica desta Ré no exercício da sua profissão” ── na jurisdição civil e reenviar a Ré Seguradora para a jurisdição laboral, com tudo o que isso vai acarretar do ponto de vista prático-jurídico, como seja a possível contradição de julgados.

Ou como se irá deslindar os problemas de legitimidade, dado que o pedido é de “condenação em solidariedade” num processo (cada um dos futuros processos) em que só existirá um Réu! (sublinhado nosso).

Nesta medida, oferece-se-nos que, a considerar-se que a competência material cabe aos Tribunais do Trabalho, a mesma teria de ser atribuída para a ação in totum, englobando ambos os Réus.

Concluindo: a nosso ver, a competência material para apreciação dos presentes autos compete à jurisdição comum ou civil, pelo que julgaríamos a apelação procedente. KK (sublinhado nosso).

POSTO ISTO:

D) Salvo o devido respeito, não pode o recorrente concordar com os fundamentos que sustentam o Douto Acórdão proferido, no sentido de ser a Jurisdição de trabalho a competente para dirimir o presente litígio.

II - DO DIREITO:

E) Conforme melhor resulta dos autos principais, o julgamento nos presente autos está agendado para o dia 13.10.2023 pelas 09:00horas.

F) Tal como já alegado pelo Recorrente em sede de Alegações:

“A presente acção foi interposta contras os RR. BB e “COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A.”, ao abrigo do disposto no art. 483º do CC de acordo com o qual:

“Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. “Todos os factos descritos em sede de Petição inicial são consubstanciadores da prática da assédio ao A. por parte de ambos os RR.

De acordo com a Lei 98/2209, de 04 de Setembro e Código de Processo de Trabalho (vide art. 15º e art. 99º e seguintes):

Artigo 99.º Modalidades das prestações em espécie:

Constituem ainda prestações em espécie o reembolso das despesas de deslocação, de alimentação e de alojamento indispensáveis à concretização das prestações previstas no artigo 25.º, bem como quaisquer outras, seja qual for a forma que revistam, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador e à sua recuperação para a vida activa .

Já de acordo com o art. 126º, n.º 1, alínea c) da Lei 62/2013, de 26 de Agosto).

Artigo 126.º Competência cível

1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:

c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;

Reitere-se que o aqui Recorrente não pretende nestes autos por parte dos RR. o ressarcimento de: despesas de deslocação, de alimentação e de alojamento, necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador e à sua recuperação para a vida activa.

G) Como bem refere o Tribunal “a quo”, no âmbito dos acidentes de trabalho, ao contrário de uma acção por responsabilidade civil extracontratual resultante de acidente de viação, os termos das prestações a que o Autor terá direito e seus limites, encontra-se especialmente regida pelas disposições legais constantes da Lei 98/2009.

H) Todavia, o que o A. pretende, estando bem discriminado em sede de Petição inicial, é que a R. seja responsabilizada por todo o sofrimento moral infligido ao A., pela prática de assédio - no decurso do seu tratamento, e que constituiu violação à sua integridade física ao abrigo do disposto no art. 483º do CC, questão que ao Tribunal de Trabalho – salvo melhor entendimento – não cabe/tem competência para apreciar. - Posição sufragada em sede de voto de vencido.

I) Nesta conformidade, e reiterando o Voto de Vencido proferido em sede do Tribunal da Relação do Porto - é ao JUÍZO CENTRAL CÍVEL ... que caberá apreciar o pedido do A, pois que:

- O que o Autor aqui imputa aos Réus é a prática de factos ilícitos, praticados a título pessoal, um processo com a mesma (e única, ainda que complexa) causa de pedir, os mesmos factos e um pedido de condenação em regime de solidariedade, se possibilite julgar o Réu médico ── que, segundo alega a Ré Seguradora, atuou “na dependência técnica desta Ré no exercício da sua profissão” ── na jurisdição civil e reenviar a Ré Seguradora para a jurisdição laboral, com tudo o que isso vai acarretar do ponto de vista prático-jurídico, como seja a possível contradição de julgados. Ou como se irá deslindar os problemas de legitimidade, dado que o pedido é de “condenação em solidariedade” num processo (cada um dos futuros processos) em que só existirá um Réu!

- A competência material para apreciação dos presentes autos compete à jurisdição comum ou civil,

J) O douto Acórdão posto em crise operou uma errada interpretação e subsunção jurídica dos factos, efectuando desajustada aplicação da lei, violando, entre o demais, o disposto nos arts., 25º e ss da Lei 98/2009, art. 126.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, bem como o art. 483º do CC.”

10. O recurso foi admitido no tribunal recorrido com o seguinte despacho:

“Admito o recurso de revista interposto, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo .arts 671º e ss CPC)”

II. Fundamentação

De facto

11. Relevam os elementos indicados no relatório.

De Direito

12. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O objecto do recurso consiste em saber se para a presente acção são competentes os tribunais de trabalho ou os tribunais comuns.

13. Para fundamentar a atribuição de competência aos tribunais de trabalho, o tribunal recorrido disse:

“Doutro passo, a determinação do tribunal materialmente competente realiza-se em função da estrutura da relação jurídico-material submetida à apreciação do tribunal pelo autor, tendo em conta o pedido e os seus fundamentos.

No que respeita à competência laboral, está a mesma presentemente regulada no art.º 126.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, nos seguintes termos:

1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:

a) Das questões relativas à anulação e interpretação dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho que não revistam natureza administrativa;

b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;

c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;

d) Das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais;

e) Das ações destinadas a anular os atos e contratos celebrados por quaisquer entidades responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do trabalho;

f) Das questões emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho;

g) Das questões emergentes de contratos de aprendizagem e de tirocínio;

h) Das questões entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, a respeito de direitos e obrigações que resultem de atos praticados em comum na execução das suas relações de trabalho ou que resultem de ato ilícito praticado por um deles na execução do serviço e por motivo deste, ressalvada a competência dos tribunais criminais quanto à responsabilidade civil conexa com a criminal;

i) Das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais;

j) Das questões entre associações sindicais e sócios ou pessoas por eles representados, ou afetados por decisões suas, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de uns ou de outros;

k) Dos processos destinados à liquidação e partilha de bens de instituições de previdência ou de associações sindicais, quando não haja disposição legal em contrário;

l) Das questões entre instituições de previdência ou entre associações sindicais, a respeito da existência, extensão ou qualidade de poderes ou deveres legais, regulamentares ou estatutários de um deles que afete o outro;

m) Das execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos executivos, ressalvada a competência atribuída a outros tribunais;

n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente;

o) Das questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão;

p) Das questões cíveis relativas à greve;

q) Das questões entre comissões de trabalhadores e as respetivas comissões coordenadoras, a empresa ou trabalhadores desta;

r) De todas questões relativas ao controlo da legalidade da constituição, dos estatutos e respetivas alterações, do funcionamento e da extinção das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores;

s) Das demais questões que por lei lhes sejam atribuídas.

2 - Compete ainda às secções do trabalho julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação nos domínios laboral e da segurança social.

Em síntese, os juízos do trabalho têm uma competência especializada, dirimindo, por esse efeito, conflitos que assentem em factos relacionados com aquela jurisdição, tal como se mostram configurados pelo já citado artigo 126.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário.

Resulta assim que a lei prescreve competir aos tribunais do trabalho em matéria cível, além do mais que aqui não releva, conhecer, por um lado, das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, conforme al.c) do citado art 126º da LOSJ.

E, por outro, das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho, ou um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a de trabalho, por acessoriedade, complementariedade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente (artigo 126º, alíneas c) e n), da LOSJ).

Assim, a competência em razão da matéria dos tribunais de trabalho abrange as acções:

- que tenham por objecto questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

- que versem sobre litígios envolventes de sujeitos de relações jurídicas de trabalho.

- e cujo objecto emirja de uma relação jurídica conexa com a de trabalho em termos acessórios, complementares ou de dependência, envolva um sujeito da primeira e um terceiro e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal do trabalho seja directamente competente.

O referido nexo de acessoriedade, complementariedade ou de dependência justificativo da atribuição da competência aos tribunais do trabalho, a que se reporta o último dos referidos normativos pressupõe a natureza substantiva das relações conexas com a relação jurídica laboral. Decorrentemente, não basta, para o referido efeito de competência, a mera conexão processual.

Posto isto, no caso em apreço, resulta da alegação da petição inicial que o autor, apresenta-se como trabalhador por conta de outrem, que celebrou com uma entidade empregadora um contrato subordinado e que sofreu um acidente de trabalho ( e simultaneamente de viação) e pretende nesta ação responsabilizar a recorrida, enquanto seguradora com a qual a entidade empregadora celebrou o seguro obrigatório de acidentes de trabalho, juntamente com o 1º réu, médico que o assistiu, por alegada deficiente prestação de cuidados médicos necessários ao restabelecimento do estado de saúde do trabalhador vítima de um acidente.

Tendo em linha de conta a estrutura do pedido e da causa de pedir formulados na acção, certo é estarmos perante um litígio relativo a questões emergentes de um acidente de trabalho, ou seja, um litígio emergente de acidente sofrido por trabalhador por conta de outrem, no exercício das suas funções, e que opõe o sinistrado à seguradora de acidentes de trabalho.

E apesar do litígio enunciado não ocorrer entre os sujeitos de uma relação jurídica laboral, certo é que na acção o autor figura como sujeito de uma relação jurídica laboral e a ré figura como terceiro no âmbito de uma outra relação jurídica de seguro, celebrado com a entidade empregadora do autor e por isso conexa com a relação laboral.

Por definição, um acidente de trabalho é aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho, produzindo lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho, ou de ganho, ou a morte, tendo o trabalhador direito à reparação dos danos daí emergentes nos termos do nº1 do artigo 283º do CTrabalho, resultando do nº5 deste mesmo normativo que «O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista neste capítulo para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.».

A regulamentação do regime de reparação dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais encontra-se consagrada na Lei 98/2009, de 4 de Setembro, encontrando-se abrangidos pela mesma os trabalhadores por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos, artigo 3º, nº1, sendo que o normativo inserto no seu artigo 79º, nº1 replica aquela supra imposição decorrente do CTrabalho, no que tange à obrigatoriedade da efectivação de seguro por banda da entidade empregadora, com vista à reparabilidade prevenida na apontada legislação.

E como é sabido, no âmbito dos acidentes de trabalho ao contrário de uma acção por responsabilidade civil extracontratual resultante de acidente de viação, os termos das prestações a que o Autor terá direito e seus limites, encontra-se especialmente regida pelas disposições legais constantes da Lei 98/2009.

De resto, o autor-recorrente, na Conclusão recursória L) escreveu: “pretende acionar a responsabilidade civil que imputa à ré –seguradora pelo sofrimento moral – DANOS MORAIS – que esta aledamente inflingiu ao A., pela prática de assédio no decurso do seu tratamento, e que constituiu violação à sua integridade fisica ao abrigo do disposto no art. 483º do CC.”

Atente-se que estando em causa um acidente de trabalho, a responsabilidade pela reparação do mesmo, nos termos previstos na lei dos acidentes de trabalho (Lei n.º 98/2009, de 04-04) é da seguradora.

O seguro de acidentes de trabalho, também chamado “seguro de trabalho”, garante a prestação dos cuidados médicos necessários ao restabelecimento do estado de saúde do trabalhador vítima de um acidente, ou sinistrado, da sua capacidade de trabalho e de ganho, bem como todas as despesas relacionadas com a assistência hospitalar, medicamentosa e farmacêutica, despesas de hospedagem, de transporte e apoio psicoterapêutico à família (quando reconhecido pelo médico como necessário).

Além da assistência médica, o seguro garante o pagamento de eventuais indemnizações por incapacidade temporária ou permanente que resulte de um acidente de trabalho ou de uma doença profissional.

Assim, nos termos do Artigo 23.ºda Lei nº 98/2009, o direito à reparação compreende as seguintes prestações:

a) Em espécie - prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa;

b) Em dinheiro - indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei.

Assim, nas hipóteses em que o sinistrado alega o cumprimento defeituoso das prestações em espécie feitas ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho e pretende ser ressarcido de danos alegadamente sofridos em consequência do comportamento imputado à seguradora de acidentes de trabalho, afigura-se-nos que a competência material para julgar esses litígios pertence aos tribunais do trabalho, atento o disposto no art. 126º, nº1, als c) e n) da LOSJ.

Por isso, no caso em apreço, a competência material para apreciar e decidir a responsabilidade civil que o autor-recorrente imputa á ré-seguradora pertence aos tribunais do trabalho, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida.

E convocando a argumentação expendida no Ac da Relação de Guimarães da secção Social de 10.09.2020, urge referir que no caso o pedido de indemnização por danos morais não emerge só de um alegado incumprimento do contrato de seguro de trabalho, mas sim de uma relação jurídica mais ampla e complexa que implica a análise do acidente de trabalho e das consequências que dele resultaram para o autor. Ora, tal análise cai ainda dentro da alçada atribuída aos tribunais de trabalho.

Recordamos a razão que subjaz à atribuição da competência material. A saber, o reconhecimento da maior preparação técnico-jurídica de que o magistrado de um juízo especializado estará dotado. Porque mais vocacionado para conhecer de causas que, por lhe estarem a priori atribuídas e com elas diariamente se ocupar, lhe aumentarão o saber advindo da experiência, em detrimento de um juízo de competência residual e genérica.

Ora, o pedido de danos morais formulado nos autos depende essencialmente de toda uma prévia actividade judicial tipicamente laboral, qual seja a de saber se ocorreu um acidente de trabalho, se existe dano na capacidade de ganho e de trabalho, bem como a fixação de incapacidade com perícias sujeitas a regras próprias do foro laboral.

A análise do dano moral é uma actividade para o qual tal jurisdição está preparada, porquanto já o faz, embora noutro âmbito, mormente em caso de violação de regras de segurança pelo empregador, sendo utilizados critérios parcialmente comuns, mormente na fixação do que se considera dano moral relevante e na sua quantificação monetária.

Acresce que é suposto o tribunal o trabalho estar familiarizado com a análise de contratos de seguro por acidentes de trabalho, incluindo o caso específico do contrato de seguro de acidentes de trabalho dos trabalhadores independentes. Em suma, disporá, à partida, de um maior grau de especialização para apreciar a questão do que um tribunal cível de competência residual.

E como se referiu nesse acórdão, convocando a argumentação da decisão ali recorrida:

“…mal se compreenderia que tivesse o trabalhador/tomador/beneficiário do seguro de lançar mão de duas ações em duas jurisdições distintas para obter o total ressarcimento dos danos que entende ter sofrido. Tal incongruência seria ainda maior quando se verifica que a decisão da ação na qual fosse pedir apenas os danos não patrimoniais estaria totalmente dependente da decisão a proferir na ação de reparação do acidente de trabalho, uma vez que para aferir da existência do dano se teria primeiramente de apurar quando ocorreu a alta, se deve ou não ser o autor sujeito aos tratamentos que reclama e que a ré se terá negado a prestar e qual a incapacidade de que se mostra afetado. “.

Assim, aconselham esta solução também razões de economia processual, de eficiência e eficácia do sistema, bem como de harmonia no julgar.

Finalmente, importa convocar o recente acórdão do STJ de 30-04-2019 [proc 100/18.0T8MLG-A.G1.S1], www.dgsi.pt, onde se refere:

“Consagra-se, assim, o princípio da absorção das competências, o que equivale a dizer que tendo os Tribunais de trabalho a competência exclusiva para a apreciação das problemáticas decorrentes dos acidentes de trabalho, a eles competirá, mutatis mutandis, igualmente, o conhecimento de todas as questões cíveis relacionadas com aqueles que prestem apoio ou reparação aos respectivos sinistrados, já que, o cerne da discussão se concentra na ocorrência do sinistro e eventual violação por banda da entidade empregadora das regras de segurança.”

Também o acórdão do STJ de 8-06-2017 (R. Leones Dantas), www.dgsi.pt, assinala:

“1 – Incumbe à Jurisdição do Trabalho, através das Secções Especializadas do Trabalho, conhecer «c) das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais», nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.

2 – Cabe na competência daquelas secções conhecer dos litígios emergentes de acidentes sofridos por trabalhadores por conta própria, no exercício das suas funções, litígios esses que ocorram entre aqueles trabalhadores e as seguradoras para quem tenham transferido a responsabilidade pela reparação das consequências daqueles acidentes, mesmo quando ocorridos antes de 1 de janeiro de 2000.”

Reportando-nos ao caso em análise, afigura-se-nos que a fundamentação é inteiramente aproveitável, designadamente na parte em que se concluiu:

“Deste modo, tendo em conta as razões que justificam a existência da Jurisdição do Trabalho no sistema jurídico português e a sua melhor aptidão para a realização da Justiça do caso, pode concluir-se que cabem na competência desta jurisdição os litígios emergentes de acidentes sofridos por trabalhadores por conta própria, no exercício das suas funções, que envolvam esses trabalhadores e as seguradoras para quem tenham transferido o risco inerente ao exercício dessas funções, nos termos de contrato de seguro…”.

Assim sendo, concordamos que o pedido de indemnização por danos não patrimoniais formulado nos autos contra a ré-seguradora de acidente de trabalho, pode e deve, ainda, enquadrar-se nas “questões emergentes de acidentes de trabalho” que são da competência do tribunal do trabalho.

Aliás, seria uma incongruência concluir-se que o Tribunal de Trabalho era o competente para se aferir da responsabilidade da entidade seguradora na decorrência da celebração de um contrato de seguro de trabalho, por via da transferência das responsabilidades através da celebração obrigatória do contrato de seguro havido com a entidade patronal em sede de acidentes de trabalho, e, já não o seria, para averiguar, afinal das contas se teria ou não ocorrido uma execução deficiente por parte da seguradora do trabalho na execução da obrigação de assistência médica a que está sujeita, incumprimento alegado pelo autor e no qual este faz funda o direito de compensação de danos morais que pretende accionar, porquanto o que está em causa, a jusante e a montante, é a responsabilidade pelo acidente de trabalho .”

14. O voto de vencido aposto no acórdão recorrido, e no qual se louva o recorrente, dizia o seguinte:

“I. De acordo com o art.º 38º nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26.08 (LOSJ, Lei de Organização do Sistema Judiciário), a competência dos tribunais fixa-se no momento em que a ação é proposta.

E, a ser assim, a competência em razão da matéria terá de ser aferida em função do pedido e da causa de pedir, tal como formulados pelo Autor. A causa de pedir consiste no ato ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, e não nos factos naturalísticos.

Nesta medida, entendemos que o facto jurídico invocado pelo Autor consiste na responsabilidade civil por factos ilícitos (art.º 483º do CC), praticados durante a prestação de serviços clínicos prestados por ambos os Réus, como estavam obrigados por lei.

Não está aqui em causa o acidente de trabalho que, aliás, segundo se depreende do texto, está já resolvido. Também não se pretende a reparação do acidente laboral (art.º 25º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, LATDP).

O que o Autor diz é que as prestações em espécie a que os Réus estavam obrigados (conforme artigos 25º a 46º da LATDP), não foram cumpridas, ou foram-no deficientemente, e puseram em causa a sua saúde, integridade física, bem-estar e dignidade pessoal.

E é exatamente nesse âmbito que o Autor peticiona apenas indemnização por danos morais.

II. A reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, LATDP) é uma lei especial, com um âmbito bem delimitado, tendo em conta os interesses de natureza pública que lhe subjazem.

Ao contrário da indemnização civil, que abrange “todos os danos” causados pelo ilícito, o direito à reparação por sinistros laborais vem delimitado no art.º 23º da LATDP: prestações em espécie (melhor discriminadas no art.º 25º a 46º) e em dinheiro (art.º 47º a 74º). O regime dos acidentes de trabalho baseia-se numa responsabilidade objetiva (artigo 7.º da LATDP).

Exatamente porque as indemnizações contempladas não integram “todos os danos” é que a efetivação da indemnização laboral não exclui a indemnização civil, fenómeno bem conhecido nos acidentes que são simultaneamente de trabalho e de acidente de viação em que, como é jurisprudência aceite, as indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário.

No domínio da responsabilidade laboral, a Seguradora responde em termos da responsabilidade contratual que a une ao empregador (a sua responsabilidade tem a exata medida da do empregador). Quando lhe é imputável um facto ilícito, de per si, a Seguradora responde em termos de responsabilidade extracontratual, em nome próprio.

Daí, também, que a Seguradora (laboral ou civil) tenha direito de regresso contra os responsáveis ─ em determinadas circunstâncias tipificadas legalmente (ex: o álcool, 31 nos sinistros rodoviários; a atuação culposa do empregador, nos sinistros laborais) ─, por aquilo que pagou.

Mas já não o tem quando responde em nome próprio, por uma atuação ilícita por violação dos seus deveres legais ou contratuais.

A regra geral no domínio da infortunística laboral é da indemnização por danos patrimoniais ou físicos (cf. art.º 8º nº 1 da LATDP). O seu objetivo é a reparação da capacidade produtiva do trabalhador ou indemnizá-lo pela sua perda de capacidade.

A indemnização por danos morais constitui exceção, contemplada apenas para os casos em que o sinistro decorre de atuação culposa do empregador ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho, caso em que “a indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais” (art.º 18º nº 1 da LATDP). Neste sentido, Luís Menezes Leitão, “Acidentes de trabalho e responsabilidade civil”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 46, bem como “Direito do Trabalho”, 4º edição, Almedina, p. 408; em termos jurisprudenciais, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 4281//12.9TTLSB-A.L1.4, de 26/02/2014 e do Tribunal da Relação do Porto, de 23/06/2021, processo nº 2019/20.6T9PNF.P1 (e acórdãos aí citados).

Nestes casos, estamos já no domínio da culpa, elemento que é essencial neste âmbito, mas que não se atende na indemnização laboral, em que a indemnização é devida independentemente de culpa na ocorrência do sinistro.

Não há o mínimo indício nos autos de que o sinistro tenha sido imputável a atuação culposa do empregador ou tenha resultado de falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho. Mas, mesmo que o fosse, o que o Autor aqui imputa aos Réus é a prática de factos ilícitos, praticados a título pessoal.

III. Para além disso, revela-se aqui uma incongruência que deve ser sopesada.

Não se entende como, num processo com a mesma (e única, ainda que complexa) causa de pedir, os mesmos factos e um pedido de condenação em regime de solidariedade, se possibilite julgar o Réu médico ── que, segundo alega a Ré Seguradora, atuou “na dependência técnica desta Ré no exercício da sua profissão” ── na jurisdição civil e reenviar a Ré Seguradora para a jurisdição laboral, com tudo o que isso vai acarretar do ponto de vista prático-jurídico, como seja a possível contradição de julgados. Ou como se irá deslindar os problemas de legitimidade, dado que o pedido é de “condenação em solidariedade” num processo (cada um dos futuros processos) em que só existirá um Réu!

Nesta medida, oferece-se-nos que, a considerar-se que a competência material cabe aos Tribunais do Trabalho, a mesma teria de ser atribuída para a ação in totum, englobando ambos os Réus.

Concluindo: a nosso ver, a competência material para apreciação dos presentes autos compete à jurisdição comum ou civil, pelo que julgaríamos a apelação procedente.

15. Quer a primeira instância, quer o Tribunal da Relação tiverem oportunidade de justificar a opção interpretativa do regime legal sobre o sentido da norma que atribui competência aos tribunais de trabalho para conhecer dos acidentes de trabalho e das questões conexas com eles, que se venham a suscitar.

16. Contudo, a responsabilidade que é reclamada na acção não é a laboral (que por regra é pelo risco sendo a culpa do trabalhador ou do empregador apenas admissível para excluir a responsabilidade ou para agravar o âmbito da indemnização) mas sim a responsabilidade civil extracontratual da própria seguradora por comportamentos seus e que não envolvem qualquer vínculo laboral.

Numa situação com estas características a conexão que se pode reportar à competência do tribunal de trabalho não envolve aquela em que seja imputada à seguradora por acidente de trabalho uma responsabilidade que emerge da alegação de factos que evidenciem uma culpa própria, totalmente estranha na sua natureza à relação laboral em que ela é seguradora, e em que é pedida indemnização por danos decorrentes dessa responsabilidade extracontratual.

Atendendo à estrutura, e ainda mais à natureza, do pedido e da causa de pedir formulados na acção, não se estará perante um litigio relativo a questões emergentes de um acidente de trabalho, porque embora se possa dizer que sem o acidente de trabalho esta questão não se colocaria, a verdade é que ela não emerge do conjunto de questões que tenham com o acidente uma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência porque os factos da causa de pedir delimitam comportamentos próprios e de natureza não laboral e até independentes de todas as obrigações do 1º réu como médico e da 2ª ré como seguradora decorrentes do acidente de trabalho.

Sendo certo que nos acidentes de trabalho, a responsabilidade pela reparação é da seguradora o seguro garante a prestação dos cuidados médicos necessários e todas as despesas entendo que no caso o pedido de apenas danos morais não se situa no âmbito do incumprimento de qualquer contrato de seguro nem se pode inserir em qualquer relação jurídica que implique sequer a análise do acidente de trabalho e das consequências que dele resultaram para o autor.

A disputa sobre o acidente de trabalho, com a respetiva fixação de incapacidade e indemnização por todos os danos sofridos não abrange nem interfere, com a causa ou as consequências da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos praticados pelos réus.

Se na razão para atribuição da competência material se quiser remeter para a reclamação da maior preparação técnico-jurídica de uma jurisdição especializada, o pedido formulado na ação está manifestamente fora dessa preparação uma vez que, ao contrario do que diz a decisão recorrida, não depende em nada de qualquer prévia actividade judicial tipicamente laboral: saber que ocorreu um acidente de trabalho, se existe dano na capacidade de ganho e de trabalho, bem como da fixação de incapacidade com perícias sujeitas a regras próprias do foro laboral em nada interessa ou importa à decisão nesta outra acção.

Aliás, sendo a responsabilidade regra em direito de trabalho a objectiva basta esta indicação para que não possa predicar-se que o dano moral (que nem sequer é da responsabilidade da empregadora, a qual é transferia para seguradora) é uma actividade para o qual tal jurisdição está (mais) preparada, sendo os exemplos que são mencionados na decisão recorrido, totalmente alheios a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

No caso dos autos a indemnização causada pelo facto/acidente é independente, autónoma e distinta daquela a que respeitam os danos que se dizem ter sido provocados pelos réus que nenhumas relações laborais têm com o autor.

Assim, entende-se que a solução mais ajustada à interpretação das normas indicadas é a de conferir competência aos tribunais comuns.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados é concedida a revista.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 16 de Novembro de 2023

Relatora: Fátima Gomes

1º Adjunto: Juiz Conselheiro: Dr(a). Nuno Ataíde das Neves

2º Adjunto: Juiz Conselheiro: Dr(a). Manuel Capelo