Estando demonstrado que o intermediário financeiro violou deveres de esclarecimento e/ou de informação ao apresentar ao investidor um determinado produto financeiro e que a violação do dever foi condição sine qua non da decisão de investir, o art. 562.º do Código Civil determina que deva ser reconstituída a situação que existiria se o investidor não tivesse adquirido o produto financeiro que lhe foi apresentado.
1. O Autor, AA, peticionou contra Banco BIC Português, S.A., a sua condenação no pagamento do valor de € 100.000,00 referente a capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem aquantiade€15.000,00, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento; ou assim não se entendendo a ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o Réu invoque para ter aplicado os €100.000,00 que o Autor entregou ao Réu, em obrigações subordinadas SLN 2006; ser declarado ineficaz em relação ao Autor a aplicação que o Réu tenha feito desses montantes; condenar-seo Réu arestituir ao Autor€115.000,00 queainda não recebeu dos montantes que entregou ao Réu e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento; ser o Réu condenado a pagar ao Autoraquantiade€5.000,00, atítulodedano não patrimonial; eainda ser o Réu condenado nas custas e demais encargos legais.
Para tanto alega, e de forma sumária, que na qualidade de cliente do Banco BPN (actual Ré), na sua agência da ... foi abordado pelo gerente do balcão respectivo no sentido de aplicar o seu dinheiro numa aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pela Ré, com rentabilidade assegurada.
Mais refere que o dito funcionário da Ré sabia que o Autor não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, tendo por isso um perfil conservador no que respeita ao investimento do seu dinheiro tendo-o até essa data sempre aplicando-o em depósitos a prazo.
Salienta que o seu dinheiro, no valor de € 100.000,00, viria a ser colocado em obrigações SLN 2006 sem que o Autor soubesse exactamente o que elas eram, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa, sendo que, se se tivesse apercebido que o capital não era garantido pela Ré não autorizaria tal operação.
Menciona ainda que os juros foram pagos até Novembro de 2015 data essa em que o Banco os deixou de pagar, nunca tendo o gerente ou funcionários do Réu, nem ninguém lido ou explicado ao Autor o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN 2006, nem sequer sido informado sobre a compra das obrigações subordinadas SLN 2006.
Ou seja, refere que nunca qualquer contrato lhe foi lido ou explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelo Autor, nem nunca conheceu o Autor qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações SLN, não lhe tendo sido entregue documento correspondente. Alega que na data de vencimento contratada, o Réu não lhe devolveu o montante que lhe confiou sendo que na agência lhe diziam que era melhor esperar até à maturidade das obrigações também não tendo cumprido o pagamento dos juros acordados, salientando, por fim que a presente situação colocou o Autor num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver o seu dinheiro o que provocou no Autor ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.
2. Devidamente citada para contestar, veio o Réu fazê-lo pugnando pela sua absolvição.
Para tanto não só invoca a prescrição da sua eventual responsabilidade enquanto intermediário financeiro uma vez que o Autor, no seu entendimento, soube desde Abril de 2006 que efectuou algum tipo de negócio onde investiu o seu dinheiro, tendo sido ultrapassado o prazo de dois anos referido no art. 293.º do Código dos Valores Mobiliários uma vez que não houve, nem dolo, nem culpa grave por parte do Réu.
Mais impugna parte da factualidade alegada pelo Autor uma vez que, no seu entender, uma obrigação era, tal como ainda é, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente ao que acrescia no caso concreto, o facto deentidadeemitenteser a“mãe”do Banco, sendo este, necessariamenteum componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais activos do seu património. Mais refere que os juros foram sendo pagos na íntegra e no momento devido não sendo previsível, aquando da subscrição dos mesmos, que em 2008 aconteceria uma nacionalização parcelar do grupo que veio a dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira sendo que, qualquer comparação que possa ter sido efectuada entre este investimento e um vulgar depósito a prazo levou apenas em conta o critério do risco acima elencado, tanto mais que a garantia do Fundo de Garantia de Depósitos era àdata de apenas € 25.000,00.
Sublinha que nunca o Réu, através dos seus colaboradores, transmitiu aos seus clientes que garantia a emissão até porque esse era um problema que nem sequer era colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores, tendo o produto sido apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser a única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora do Banco, não tendo sido violado nenhum dever de informação.
3. Devidamente notificado para responder à excepção de prescrição invocada, veio o Autor fazê-lo salientando o prazo prescricional ordinário de vinte anos que, no seu entender, é o aplicável ao presente caso.
4. Foi proferida sentença que:
- Condenou o Réu Banco BIC Português SA no pagamento ao Autor AA do valor de € 100.000,00 a título de indemnização pelo dano patrimonial por este sofrido acrescidos de juros vencidos a contar da data do incumprimento e vincendos até efectivo e integral pagamento;
- Condenou o Réu Banco BIC Português SA no pagamento ao Autor AA do valor de € 3.750,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos acrescidos de juros vencidos a contar da data do incumprimento e vincendos até efectivo e integral pagamento.
5. Inconformado, o Banco BIC Português, S.A, apelou e o A. apresentou contra-alegações.
6. O TRL conheceu do recurso e decidiu:
a. Quanto à impugnação da matéria de facto:
“Face à prova produzida consideramos que o ponto C dos factos provados se deve manter.”
Quanto ao ponto G dos factos provados, face à prova produzida, passa a ter a seguinte redacção: “G- O que motivou a autorização, por parte do Autor, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu e pela SLN que era dona do banco, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência;”
Quanto ao ponto K da matéria provada, face à prova produzida, mantém-se.
Face à prova produzida, quanto aos pontos F, I, N, O, Q, R,S,V, Y, Z, CC e EE da matéria provada mantém-se.
Quanto aos pontos FF, GG e HH da matéria provada, consideramos que não foi feita prova quanto ao estado de espírito do Autor, face a não ter obtido o reembolso do capital que investiu nas obrigações, pelo que passam a ser não provados.
Quanto aos pontos BB e DD da matéria provada consideramos que devem passar a ter a seguinteredacção: “Provado apenas o que constado ponto G da matéria provada”
b. Quanto às questões jurídicas –
a. Saber se o Banco é responsável civilmente, por danos patrimoniais
A resposta manteve-se positiva, como já havia sido decidido na sentença.
A justificação foi a seguinte:
“Porquanto, o Recorrido não teria aplicado o seu dinheiro no produto financeiro que lhe foi apresentado pelo Banco, Obrigações SLN, e tendo-o feito, tomando essa decisão face à informação errada do Banco, não recebeu o valor investido na data prevista para reembolso, sendo esse o valor do dano patrimonial que sofreu, no montante de €100.000,00.
Nos termos do disposto no art. 563 do C.Civil a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Está assim o Recorrente obrigado a indemnizar o Recorrido, quanto ao montante de danos patrimoniais sofridos, €100.000,00, acrescido de juros de mora à taxa de legal, desde a citação.”
b. Saber se há lugar a indemnização por danos não patrimoniais
Ao contrário da sentença, não foi concedida a indemnização, com a seguinte justificação:
“Face à matéria considerada provada, não resultaram apurados danos patrimoniais sofridos pelo Recorrido.”
7. E a decisão do tribunal foi a seguinte:
“Face ao exposto, acorda-se em considerar parcialmente procedente o recurso, absolvendo o Recorrente da quantia fixada a título de danos não patrimoniais revogando-se nessa parte a sentença, improcedendo parcialmente o recurso no restante, condenando-se o Banco BIC Português, SA a pagar ao Recorrido quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença (a qual deveráterem consideração queos Autores tem direito ao valor investido (€ 100.000,00, acrescido de juros moratórios à taxa legal contados a partir da data em que o montante investido nas obrigações deveria ter sido reembolsado. A este valor deve ser descontado não só o valor que as obrigações ainda representam, mas também o valor dos juros remuneratórios que recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo).
8. Não se conformando com o acórdão deve vieram apresentados dois recursos – um principal e um subordinado.
O recurso de revista principal veio apresentado como revista excepcional, nos termos do disposto no artº 672º, nº 1, alínea a) do CPC, e nas contra-alegações o A. considera não estarem reunidas as condições da sua admissão pela indicada alínea.
9. Ambos os recursos foram admitidos pelo tribunal recorrido, nos seguintes termos:
“Admite-se o recurso de Revista, com efeito devolutivo. Admite-se o recurso subordinado. Subam os autos ao STJ.”
10. No recurso principal virem formuladas as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.
2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco, não transmitindo a característica da subordinação ou a diferença para o depósito a prazo, configura a prestação de uma informação falsa.
3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.
4. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.
5. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!
6. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!
7. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!
8. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.
9. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.
10. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!
11. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.
12. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!
13. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.
14. O que retira qualquer relevância à transmissão da característica no momento da decisão de investimento.
15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.
16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…
17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!
18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.
19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!
20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo suas obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.
21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.
22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.
23. Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!
24. Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.
25. Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da eminente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.
26. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.
27. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.
28. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pela Autora, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.
29. Acresce que a Autora tinha formação na área financeira e o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.
30. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.
31. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.
32. A simples omissão de referência à característica da subordinação das Obrigações não constitui de forma alguma uma violação do dever de informação.
33. O teor do dever de informação não consiste, nem pode consistir, num mero elenco, apenas para efeitos formais da dita informação, das características do produto, antes devendo adequar-se às concretas circunstâncias relativas ao cliente ou ao momento histórico.
34. Esta particular característica da subordinação refere-se exclusivamente, e por definição, a um cenário de concurso de credores. Este cenário, contudo, e realisticamente falando, era em 2006 por todos encarados como puramente teórico e académico...
35. A situação do sistema financeiro em geral, em Portugal, e do Banco-R. em particular nunca levariam a que ninguém valorizasse uma tal possibilidade mesmo que comunicada. Esta simples e, quanto a nós, óbvia circunstância implica que a falta daquela concreta menção, desde logo não implicou uma verdadeira falta de informação, porquanto nunca seria valorizada por qualquer cliente como tal...
36. Diga-se ainda que nos parece que é evidente que a relação causal entre esta falta de informação e o dano que sobreveio sempre inexistiria de facto, em face da já explicada irrelevância assumida da dita informação sobre subordinação.
37. Dispunha sobre a matéria do conteúdo dos deveres do intermediário financeiro o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
38. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.
39. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
40. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!
41. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
42. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.
43. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.
44. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.
45. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.
46. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.
47. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!
48. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!
49. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.
50. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!
51. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!
52. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.
53. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao Autor e o acto de subscrição.
54. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.
55. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!
56. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.
57. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!
58. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.
59. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o Autor é este o único conteúdo tipico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptivel de o caracterizar.
60. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.
61. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.
62. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.
63. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!
64. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.
65. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.
66. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?
67. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!
68. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.
69. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!
70. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!
71. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!
72. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.
73. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.
74. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.
75. E nada disto foi feito!
76. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.
77. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.
78. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!
79. A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!”
11. No recurso subordinado virem formuladas as seguintes conclusões (transcrição):
“96- Não restam dúvidas quanto à pertinência do direito indemnizatório do Autor.
97- Porém, salvo o devido respeito, já não podemos concordar com o cálculo do valor do dano indemnizável, efetuado no douto acórdão recorrido.
98- No nosso entender, a douta decisão recorrida não merece juízo de censura na parte em que condenou o Banco Réu no pagamento aos Autores da quantia de € 100.000,00, acrescida dos juros moratórios à taxa legal contados a partir da data em que o montante investido nas obrigações deveria ter sido reembolsado, porém, já não podemos concordar na parte em que, entendeu que a esse valor deve ser descontado não só o valor que as obrigações ainda representam, mas também o valor dos juros remuneratórios que recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo.
99- O dano indemnizável é aquilo que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão, ou seja, o valor que não recebeu pelo não reembolso do capital investido, a saber 100.000,00€ – artigo 562.ºdoCC – sendo que como houve a efetiva celebração do contrato, pode também o lesado pedir os valores que deixou de auferir em virtude da mencionada ilicitude, ou seja, os valores de juros (lucros cessantes) a que teria direito e que não recebe por a entidade efetivamente obrigada (ao contrário do que lhe foi transmitido) não lhe pagar esse valor (veja-se Ac. da R. L. de 22/02/2018, www.dgsi.pt, onde se descreve jurisprudência neste sentido).
100- Assim, tendo o Autor ficado desembolsado da quantia de 100.000,00€, que investiu na aplicação Obrigações SLN 2006, o dano emergente há-de corresponder a esse valor.
101- Por sua vez, quanto aos lucros cessantes, resulta da factualidade dada como provada que, o Banco Réu foi pagando semestralmente ao Autor os juros relativos àquela aplicação até Novembro de 2015 (cfr. factos L e M), sendo que, desde então tais juros deixaram de ser pagos.
102- Ora, os juros recebidos pelo Autor até Novembro de 2015, prima facie, são os juros contratados, ou seja, os juros remuneratórios devidos, em virtude do investimento em Obrigações SLN 2006, durante o período de tempo em que durou a aplicação.
103- De tal forma que, não se afigura razoável deduzir o valor dos juros remuneratórios que o Autor recebeu até Novembro de 2015 e que excedam o valor dos juros que o Autor teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo no mesmo período, pois resulta da matéria de facto dada como provada, que foi dito ao Autor que a aplicação era em tudo igual a um depósito a prazo (cfr. facto C).
104- Face ao exposto,o quantum indemnizatório devido aos Autores, é a quantia de € 100.000,00 de capital, acrescida dos juros moratórios à taxa legal contados a partir da data em que o montante investido nas obrigações deveria ter sido reembolsado, não sendo dedutível qualquer montante.
105- Pelo que, deve proceder o recurso subordinado do Autor.”
12. Em face do exposto, a relatora determinou a remessa dos autos à formação a que se reporta o art.º 672.º do CPC, para decisão relativa à admissão da revista principal, estando verificados os requisitos gerais de admissão da revista e o obstáculo “dupla conforme”, por despacho de 27 de setembro de 2022.
A formação veio a admitir o recurso, por acórdão transitado em julgado.
13. O processo esteve suspenso, por se encontrarem pendentes no STJ, recursos de uniformização de jurisprudência onde se discutiam as questões suscitadas no presente recurso.
(Considerando que as questões envoltas nos recursos – em especial no subordinado – se reportam a matérias em relação às quais ainda não houve pronuncia deste STJ no âmbito dos recursos de Uniformização de Jurisprudência pendentes, e que as mesmas – no que toca ao dano – são fundamentais para a solução a dar ao processo, determina-se a suspensão da instância até que seja proferido Ac de UJ que dê uma solução à questão da aferição do dano a indemnizar, nos termos do art.º 272º, nº 1, do Código de Processo Civil, se suspende a instância até que tais recursos sejam julgados. – despacho da relatora de 21 de Novembro de 2022)
14. Entretanto, foi proferido acórdão de Uniformização de Jurisprudência sobre as questões suscitadas no recurso principal - Acórdão nº 8/2022, de 6 Dezembro de 2021, proc. nº1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (DR-212/2022, SÉRIE I de 2022-11-03)
15. Mas continuou pendente um recurso de Uniformização de Jurisprudência na parte relativa ao recurso subordinado.
O processo indicado foi objecto de decisão do plano das sessões cíveis, adoptado em 17 de Outubr de 2023 não tendo sido uniformizada qualquer jurisprudência sobre a matéria.
Impõe-se, assim, levantar a suspensão e decidir o presente recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
II. Fundamentação
De facto
16. Provados
Por acordo:
A. O Autor era cliente do Réu (BPN), na sua agência de ..., com a conta à ordem n.º ...........01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças.
B. Na data de vencimento contratada, o Réu não lhe restituiu o montante que o Autor lhe confiou, sendo que na agência de ... lhe diziam que era melhor esperar até à maturidade das obrigações.
Da prova produzida e analisada em audiência de julgamento:
C. Em 10 de Maio de 2006 o gerente do Banco Réu da agência de ..., disse ao Autor, que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.
D. O dito funcionário do Banco Réu sabia que o Autor não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.
E. Sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.
F. O seu dinheiro –€100.000,00, viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que o Autor soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.
G. O que motivou a autorização, por parte do Autor, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu e pela SLN que era dona do banco, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência. (modificação do TRL)
H. O Autor actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.
I. Se o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.
J. Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu, e o Autor sempre esteve convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.
K. O Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.
L. Os juros foram sendo semestralmente pagos.
M. Em Novembro de 2015 o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.
N. O Banco Réu atribui a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que o Autor nem sabia existir.
O. O Autor não sabia o que era a SLN.
P. Pensava que era uma mera denominação de conta a prazo, que o Banco Réu utilizava.
Q. O Autor desconhecia que tinha adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo.
R. Provado apenas que caso soubesse que se tratava de um produto de maior risco, não o teria adquirido.
S. O Autor não foi informado sobre a compra das obrigações subordinadas SLN 2006.
T. E nunca o gerente ou funcionários do Réu, nem ninguém, leu ou explicou ao Autor o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN 2006.
U. Sendo assim o Réu depositário de100.000,00€, que mantém aplicados em obrigações SLN 2006.
V. Dinheiro esse que teria aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses.
W. Nunca qualquer contrato lhe foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelo Autor.
X. E nem nunca conheceu o Autor qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações SLN, não lhe tendo sido entregue documento correspondente.
Y. O Autor nunca aceitaria, se acaso o Réu lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu.
Z. Para além disso, o Réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa.
AA. Provado apenas que tal constava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo Réu aos seus funcionários.
BB. Provado apenas o que constado ponto G da matéria provada (modificação do TRL)
CC. As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido.
DD. Provado apenas o que constado ponto G da matéria provada (modificação do TRL)
EE. O Autor, por efeito do incumprimento do Réu, quanto à garantia de capital e juros que tinha dado para data certa, ficou impedido de usar o seu dinheiro como bem entendesse.
FF. (não provado, por modificação do TRL)
GG. (não provado, por modificação do TRL)
HH. (não provado, por modificação do TRL)
II. O Banco Réu agiu como intermediário financeiro.
JJ. O Banco Réu estava para tanto inscrito na CMVM.
KK. O Autor soube, desde 2006 que efectuou algum tipo de negócio onde investiu o seu dinheiro.
LL. A entidade emitente era “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais activos do seu património.
MM. O risco da SLN era indexado ao risco do próprio Banco.
NN. Em 2008 aconteceu uma nacionalização parcelar do grupo, que veio dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira.
17. O Tribunal não considerou como provados os seguintes factos:
1. O aviso referido em H supra deveria ser feito com a antecedência de três dias.
2. Ao Autor foi dado a conhecer um Boletim de Subscrição que assinou, não lhe tendo sequer sido fornecida cópia do mesmo, pelo que o Autor assinou-o sem saber em concreto que estava a dar onde de compra de obrigações SLN.
3. Também não tem cumprido o pagamento dos juros acordados, uma vez que contrataram uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram pagos juros na ordem de 1%, desde Maio de 2009 e até Novembro de 2015.*
4. No mês seguinte à da operação supra, o Autor recebeu por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.
5. Como também e desde então os vários extractos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo.
6. Onde se constata que o produto em causa surge separado dos depósitos, num título denominado “CARTEIRA DE TÍTULOS” e com um sub-título “OBRIGAÇÕES”.
7. De facto, enquanto na hipótese de incumprimento pelo Banco, este responde com todo o seu património, na hipótese de incumprimento da SLN esta respondia com todo o seu património, onde se inseria a totalidade do capital social do Banco e ainda todo o seu demais património.
8. Nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga. 9. Ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.
10. Todos os cupões foram pagos na íntegra e no momento devido.
11. Nunca o Banco Réu através dos seus colaboradores transmitiu aos seus clientes que o banco garantia a emissão.
12. Até porque esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores.
13. O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.
14. O Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade do subscritor e com as instruções recebidas do mesmo, na presença do boletim de subscrição.
15. No mês seguinte ao das referidas operações recebeu por correio um aviso de débito correspondente à subscrição efectuada.
16. Como também foi recebendo, desde então, um extrato periódico onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, separadas dos depósitos, com menção expressa ao facto de se tratar de obrigações depositadas na sua carteira de títulos.
17. Da mesma forma, foram-lhes sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extracto e até a emissão de avisos de lançamento que lhes eram enviados para a sua morada.
18. Tudo isto nunca suscitou da sua parte qualquer reclamação.
19. O Autor sempre foi pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património.
20. Que investiu em produtos diversos dos simples depósitos a prazo como é o caso do Fundo de Investimento Mobiliário BPN Tesouraria, fundo esse que investia igualmente em Obrigações.
21. O Réu, tal qual estava obrigado, prestou ao subscritor informação completa.
22. No momento da subscrição o subscritor foi informado que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.
23. E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN -Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
24. Foi ainda informado de que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso. 25. O que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade.
26. O Banco Réu actuou de acordo com o que o subscritor de facto quis e lhe expressou, ou seja subscrever aqueles €100.000,00 em obrigações subordinadas da Sociedade Lusa de Negócios.
27. Até porque a cliente pretendia rentabilizar o seu investimento nesta modalidade de investimento, pois as taxas que o mesmo proporcionava eram bastante atractivas.
28. O Réu cumpriu então com todos os seus deveres de informação, designadamente informando o subscritor sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto.
29. Que ademais se encontrava disponível para consulta pelos mesmos.
FF. Com a sua actuação, o Réu colocou o Autor num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro (modificação do TRL)
GG. E tem provocado no Autor ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerira sua vida. (modificação do TRL)
HH. Pelo que o Autor anda em permanente estado de “stress”, doente e sem alegria de viver, por ter sido desapossado das suas economias de uma vida, e sem perspetivas de futuro. (modificação do TRL)
De Direito
18. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
13.1. Analisadas as conclusões do recurso principal e do recurso subordinado, pelas quais se delimitam as questões a conhecer na revista, foi possível concluir:
a. No recurso principal está em causa saber se houve violação do dever de informação e se estão reunidos os pressupostos da sua responsabilidade civil, questionando-se o nexo de causalidade e o ónus de invocação dos correspondentes factos suporte, bem como a questão de saber se a presunção de culpa (legal, por violação de dever de informação; e por violação de contrato) envolve uma presunção de ilicitude e causalidade. O recorrente entende que o Tribunal não enveredou pelo caminho certo, nomeadamente da aplicação do direito aos factos provados.
b. No recurso subordinado está em causa saber como se afere o dano na situação dos autos, considerando-se demonstrada a violação de deveres do intermediário financeiro.
14. No que se reporta ao recurso principal
14.1. As questões relativas ao âmbito do dever de informação reportadas a casos similares ao dos presentes autos, presunção de culpa e nexo de causalidade, foram objecto de recente acórdão de Uniformização de Jurisprudência pelo STJ, tendo-se fixado a seguinte orientação jurisprudencial:
1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.
3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.
15. Essa orientação foi definida no âmbito de confronto entre um acórdão recorrido e um acórdão fundamento considerados como contraditórios e, na sequência da uniformização, a solução uniformizadora foi aplicada ao acórdão recorrido – tendo resultado em confirmação do acórdão recorrido por não estar demonstrada a causalidade, enquanto pressuposto indispensável à procedência do pedido indemnizatório.
Nesse processo do acórdão recorrido os factos relevantes eram os seguintes:
a. Provados:
1º - Os autores foram clientes do réu (à data BPN - Banco Português de Negócios), na sua agência de ..., com a conta à ordem n° ..........01, onde movimentavam parte do seu dinheiro, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.
2° - Em 10.4.2006, o autor subscreveu, junto dessa agência, seis "obrigações SLN 2006", cada uma no valor de € 50.000,00.
3º - Aquando do referido em 2º, o autor assinou o boletim de subscrição respectivo, o que fez de forma deliberada e consciente.
4º - Desse documento, assinado também por funcionário do Banco, na parte respeitante ao seu recebimento, referente a "SLN 2006 Boletim de Subscrição", datado de 10.4.2006, consta o seguinte:
«Natureza da Emissão
Emissão até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a escritural com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma, oferecidas directamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal.» (...)
«Prazo e reembolso
O prazo de emissão é de dez anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de Maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN -Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, a partir do 5º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
Remuneração Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:
Cupões Taxa anual nominal bruta
1º semestres
4,5%*
9 cupões seguintes Euribor a 6 meses + 1,15 %
Restantes 10 semestres
Euribor a 6 meses + 1,50 %
*Taxa anual efectiva líquida: 3,632 %
5º - As Obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS, SA, que era, à data, titular de 100% do capital social do Banco réu (então BPN), participação que deteve de forma permanente até Nov/2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as acções integradoras do capital social daquele.
6º - A circunstância de a emitente do produto referido em 2º ser a empresa que detinha o BPN, sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal activo do seu património, aliada às características específicas das obrigações - que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente - levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, considerado seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco.
7º - As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco. Para tanto, era argumentado que a SLN Valor era a maior accionista da SLN SGPS, sendo que esta detinha 100 % do BPN, pelo que não era vista qualquer diferença entre o risco BPN e o risco daquelas aplicações SLN.
8º - A ré pretendia, à data, que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.
9º - Foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via de endosso.
10º - À data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.
11º - O autor subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.
12º - O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada).
13º - Os autores fizeram, por intermédio da ré ou junto desta, outros investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, designadamente, em fundos de investimento.
14º - Os autores têm estado impedidos de usar o dinheiro aplicado nas obrigações referidas em 2º.
O acórdão da Relação aditou os seguintes factos:
15º - Os autores não sabiam o que são obrigações.
16º - O Banco réu não explicou aos autores o que eram obrigações.
17º - Os autores não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram, e ninguém lho explicou correctamente.
18º - Ninguém explicou aos autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.
19º - O BPN garantia o pagamento destas obrigações da SLN.
20º - Foram pagos os juros vencidos até Nov/2015, ficando por pagar os restantes juros até à maturidade (vencidos em Maio/2016).
b) não provados
a) Que a gerente do Banco réu da agência de ... tenha dito ao autor, em Abril/2006, que tinha uma aplicação que correspondia exactamente a – no sentido de ser, verdadeiramente – um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN.
b) Que o autor, ao subscrever as referidas obrigações SLN 2006, não soubesse em concreto “o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa”, estando convencido de estar a aplicar o seu dinheiro num depósito a prazo.
e) Que, se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, cujo capital não era garantido pelo BPN, após explicação do mencionado em 1.6., não tivesse consentido e autorizado tal compra.
f) Que os autores nem soubessem que existia a SLN, pensando que era uma mera denominação de conta a prazo, que era uma mera denominação de conta a prazo, que o banco réu utilizava.
g) Que os autores desconhecessem e nem pudessem conhecer que o seu dinheiro tinha sido aplicado em aplicações com características diferentes de um depósito a prazo.
j) Quais as consequências advindas para os autores do facto de não poderem utilizar o dinheiro investido nas mencionadas obrigações.
16. Na aplicação da solução uniformizadora ao caso concreto, na perspectiva da ilicitude, o tribunal disse:
“Dos factos provados resulta que:
- Os Autores foram clientes do BPN, na sua agência de ..., com a conta à ordem n.º..........01, onde movimentam parte do seu dinheiro, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças.
- Em 10/04/2006, o Autor subscreveu, junto dessa agência, seis “obrigações SLN 2006”, cada uma no valor de €50 000,00, tendo assinado o boletim de subscrição respetivo, o que fez de forma deliberada e consciente.
- O Autor veio a subscrever seis obrigações subordinadas SLN, no valor de €50 000,00 cada, tendo o Banco agido na sua qualidade de intermediário financeiro;
- As Obrigações SLN 2000 foram emitidas pela SLN, SGPS, S.A., que era, à data, titular de 100% do capital social do “Banco réu (então BPN)”, participação que deteve de forma permanente até Nov/2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as ações integradoras do capital social daquele.
Deste modo, não só releva o perfil do cliente e o tipo de contratação que com ele foi estabelecida mas também o facto de o Banco BPN ter um claro interesse no resultado da operação de comercialização das obrigações emitidas pela SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A..
Encontra-se, também, provado que:
- “foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via do endosso.” (facto provado e atrás indicado sob o ponto 7.).
-Tendo o Autor subscrito as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.
- O Autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da Ré que com ele contactaram.
- O Autor não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, o que era do conhecimento do Banco.
- Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou aos Autores o que eram obrigações, bem como, ninguém explicou aos Autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.
Ora, destes factos provados, à luz do direito aplicável, resulta que o Banco prestou ao Autor uma informação, no mínimo, incompleta, incompleta, inexata e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos Autores e aos seus conhecimentos.
7.2. A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações.
Também não foram explicadas “as condições de reembolso…, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via do endosso”, isto é, nada foi dito em que consistia o endosso, apesar de se encontrar provado que “à data, era extramente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta”.
A informação incompleta e inexata porque o reembolso do capital aplicado não era garantido.
Ao contrário da informação do Banco, porquanto se tratava de um empréstimo obrigacionista em que, em caso de falência ou liquidação do emitente, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da emitente: “apenas se pode pagar sobre o património do emitente depois de satisfeitos todos os credores comuns” (Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª edição, p.137).
A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.
Assim, as informações incorretamente prestadas ao Autor assumiam um cariz objetivo – pois o que relevava para os Autores, para além da rentabilidade, era saber se o reembolso do capital investido estava assegurado – constituem informações que não estavam dependentes de quaisquer variantes analíticas ou evolução da conjuntura económico-financeira, decorrendo das próprias características do produto.
Como já se deixou dito, o intermediário financeiro deve prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (artigo 312.º, n.º 1, do CVM). Além disso, a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º, n.º 2, do CVM), o que significa que a “intensidade do dever de informação varia em função do tipo contratual e do perfil do cliente” (Acórdão STJ, de 11/10/2018), devendo o grau de conhecimentos e experiência reportar-se ao produto financeiro em causa. Por outro lado, não se deve ignorar que nas relações com os clientes “os intermediários devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” (artigo 304.º, n.º 2, do CVM).
7.3. Para resolver a situação suscitada no Acórdão recorrido é premente ir mais longe na análise do caso concreto, nomeadamente considerando os factos alegados e a situação fáctica com que o Tribunal tem de decidir.
Do ponto de vista da alegação dos Autores, estes alegaram:
- que o gerente dessa agência disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rentabilidade assegurada.
Analisando.
A ser prestada esta informação, estaríamos em presença de uma informação falsa, porquanto, no caso das obrigações subordinadas não existe a garantia dos depósitos bancários a prazo, isto é, se o Autor constituísse um depósito a prazo no mesmo valor, em caso de falência do Banco, o Autor teria o reembolso de €25 000,00, garantido legalmente (artigos 164.º e 166.º, nº 1, do Decreto - Lei n.º 298/92 de 31.12, na redação do Decreto - Lei n.º 252/2003 de 17/10 - cf. Ac. STJ, de 23.3.2021, processo n.º 1209/19.9T8STR.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt); pelo contrário, em caso de insolvência da entidade emitente das obrigações, o que sucedeu, o Autor não tem garantia legal de reaver qualquer montante aplicado no produto (podendo, contudo, a final da liquidação, ser reembolsado).
Contudo, apesar da alegação dos Autores, esse facto não ficou provado no Acórdão recorrido.
Do ponto de vista da alegação dos Autores, estes também disseram:
- que foi dito pelo Banco ao Autor que o reembolso do capital era garantido pelo BPN, o que se traduziria numa informação falsa.
Analisando, também nesta parte os Autores não lograram fazer a prova do que alegaram.
- Estas alegações dos Autores e o resultado fáctico será reanalisado novamente, em sede de análise da causalidade -
Ponto de síntese:
Considerando-se, assim, que os factos provados permitem configurar a violação do dever de informação que impendia sobre o Banco, conclui-se pela existência da ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada ao Banco.”
17. Na aplicação da solução uniformizadora ao caso concreto, na perspectiva da culpa, o tribunal disse:
“Por outro lado, verifica-se a existência do dano e o Banco não demonstrou que não agiu com culpa, como se referiu esta presume-se nos termos do disposto no n.º1 do artigo 799.º, n.º1, do Código Civil (sendo que estes pressupostos da responsabilidade civil não estavam colocados em crise no Acórdão recorrido).”
18. Na aplicação da solução uniformizadora ao caso concreto, na perspectiva do nexo de causalidade, o tribunal disse:
“7.5. Importa agora verificar se está preenchido o requisito da existência, no Acórdão recorrido, do nexo de causalidade entre o facto ilícito – a prestação de informação incompleta, falsa e obscura – e o dano (a perda do capital investido na aquisição das obrigações).
7.5.1. Como se referiu anteriormente, a prova da verificação do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano compete ao Autor, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil, encontrando-se afastada a presunção de causalidade, no caso presente.
Apesar de ocorrer a violação do dever de informação (ilicitude) e de a culpa se presumir (artigo 304.º n.º 2, do CVM – na redação em vigor aquando da ocorrência dos factos), a obrigação de indemnizar não prescinde, pois, do preenchimento dos demais pressupostos – o dano e nexo de causalidade –, o que significa que, no caso vertente, haveriam de estar provados factos que permitissem estabelecer uma cadeia factual, que incluísse o ato ilícito que o desencadeou (isto é, a falta de informação sobre o produto subscrito) e que, naturalística e juridicamente, conduzisse ao dano (artigo 563.º do Código Civil), sendo que era sobre os Autores que recaía o ónus dessa prova (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) – (cf. Ac. STJ, de 30/04/2019 (processo n.º 2632/16. 6T8LRA.L1.S1).
Com efeito, dispõe o artigo 563.° do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano (…), sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo nº 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo nº 3379/05.4TBVCT.G1.S1).
Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica.
Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo nº 409/09.4YFLSB).
7.5.2. atentemos nos factos provados e não provados.
No que respeita ao nexo de causalidade, os Autores alegaram:
- “… o que motivou a autorização, por parte do A. marido, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias (artigo 6.º da petição inicial);
- se o A. marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria” (artigo 8.º da petição inicial);
- pelo que os AA. desconheciam e nem podiam conhecer, que tinham adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido (artigo 17.º da petição inicial).
Todavia, os Autores não lograram provar qualquer destes factos; alguns foram expressamente dados como não provados (cf. alíneas a), e) e g) dos factos não provados).
Assim, não se verifica que qualquer facto dado como provado tenha operado, no plano meramente factual, como conditio sine qua non do dano, maxime, que as deficiências da informação do BPN tenham funcionado como condição desencadeadora do prejuízo do não reembolso do capital.
Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações.
Falece, assim, a relação de causalidade adequada entre a ilicitude por violação dos deveres de informação e o dano de não reembolso do capital.
Deste modo, embora com fundamentos não coincidentes, o recurso não pode proceder.”
19. Da Fixação de jurisprudência e sua aplicação ao concreto processo que a despoletou resulta sem sombra de dúvidas que o âmbito do dever de informação e sua violação comporta uma vertente subjectiva, em função do perfil do cliente com quem o banco contratou o produto financeiro. Tratando-se de pessoa com pouca literacia e experiência em investimentos típicos deste mercado financeiro a informação a prestar pelo banco teria de ser superior à que é necessária para um cliente com conhecimentos e experiência relevante. Sendo pessoa menos experiente ou que depositasse confiança significativa em informação – menos precisa ou até errónea – que fosse decisiva para a opção de investimento, poder-se-ia admitir existir ilicitude na prestação da informação contratualmente devida.
Por isso, no caso do RUJ, se deu destaque, entre outros, ao facto de o cliente ser pouco experiente e informado, como resultava do facto provado “12º - O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada).
20. A situação no presente recurso não é substancialmente diversa:
A. Quanto ao perfil do cliente:
i. no presente processo está provado que:
A. O Autor era cliente do Réu (BPN), na sua agência de ..., com a conta à ordem n.º ...........01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças.
C. Em 10 de Maio de 2006 o gerente do Banco Réu da agência de ..., disse ao Autor, que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.
D. O dito funcionário do Banco Réu sabia que o Autor não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.
E. Sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.
F. O seu dinheiro –€100.000,00, viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que o Autor soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.
J. Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu, e o Autor sempre esteve convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.
K. O Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.
L. Os juros foram sendo semestralmente pagos.
M. Em Novembro de 2015 o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.
N. O Banco Réu atribui a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que o Autor nem sabia existir.
O. O Autor não sabia o que era a SLN.
P. Pensava que era uma mera denominação de conta a prazo, que o Banco Réu utilizava.
Q. O Autor desconhecia que tinha adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo.
R. Provado apenas que caso soubesse que se tratava de um produto de maior risco, não o teria adquirido.
S. O Autor não foi informado sobre a compra das obrigações subordinadas SLN 2006.
T. E nunca o gerente ou funcionários do Réu, nem ninguém, leu ou explicou ao Autor o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN 2006.
U. Sendo assim o Réu depositário de 100.000,00€, que mantém aplicados em obrigações SLN 2006.
V. Dinheiro esse que teria aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses.
Y. O Autor nunca aceitaria, se acaso o Réu lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu.
Z. Para além disso, o Réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa.
ii. No processo do RUJ está provado que ((17º) Os autores não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram, e ninguém lho explicou correctamente.; (12º) - O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada).
22. Existem assim pontos comuns nos factos em confronto do processo do RUJ e no presente como:
B. informação sobre o que eram obrigações/conhecimento do significado “obrigações e obrigações subordinadas”:
i) no presente processo está provado que:
F. O seu dinheiro –€100.000,00, viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que o Autor soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.
J. Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu, e o Autor sempre esteve convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.
K. O Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.
L. Os juros foram sendo semestralmente pagos.
M. Em Novembro de 2015 o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.
N. O Banco Réu atribui a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que o Autor nem sabia existir.
O. O Autor não sabia o que era a SLN.
P. Pensava que era uma mera denominação de conta a prazo, que o Banco Réu utilizava.
Q. O Autor desconhecia que tinha adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo.
R. Provado apenas que caso soubesse que se tratava de um produto de maior risco, não o teria adquirido.
S. O Autor não foi informado sobre a compra das obrigações subordinadas SLN 2006.
T. E nunca o gerente ou funcionários do Réu, nem ninguém, leu ou explicou ao Autor o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN 2006.
U. Sendo assim o Réu depositário de 100.000,00€, que mantém aplicados em obrigações SLN 2006.
V. Dinheiro esse que teria aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses.
Y. O Autor nunca aceitaria, se acaso o Réu lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu.
Z. Para além disso, o Réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa.
iii. No processo do RUJ está provado que (15º) Os autores não sabiam o que são obrigações; (16º ) O Banco réu não explicou aos autores o que eram obrigações;
23. Ora, da análise dos factos provados nos presentes autos, nomeadamente dos acabados de indicar, resulta que foi prestado ao Autor informação não completa e adequada aos seus conhecimentos e perfil – também aferido pelo seu perfil de cliente bancário e à confiança depositada na informação recebida - que lhe permitisse decidir com inteiro conhecimento de causa que tipo de investimento estava a realizar.
Por estes motivos, pode equiparar-se a situação informativa destes As. à situação de outros que têm obtido dos tribunais uma posição de defesa da sua frágil posição informativa reflectida em decisões de investimento, tudo apontando no sentido de estarmos perante alguém que decidiu enveredar por um investimento que comportava algum risco sem ter sido esclarecido completamente do risco em causa.
Nas indicadas condições de facto constantes dos presentes autos estão reunidas as condições para se entender que houve falta/incompletude de informação, e que por isso tenha havido ilicitude na actuação do intermediário financeiro, apta a conduzir a possível dever de indemnizar.
É, por isso de confirmar o entendimento sufragado no acórdão recorrido quanto à ilicitude.
24. Quanto à culpa, neste ponto do recurso, embora o recorrente entenda ter sido violada a lei, à luz da jurisprudência uniformizada já indicada, a decisão adoptada está correcta e deve ser confirmada, pelos fundamentos nela indicados.
25. Quanto ao nexo de causalidade, neste ponto do recurso, embora o recorrente entenda ter sido violada a lei, à luz da jurisprudência uniformizada já indicada, a decisão adoptada está correcta e deve ser confirmada, pelos fundamentos indicados, que encontram respaldo integral nos factos provados, já supra citados.
Improcede, assim, o recurso principal.
26. Quanto ao recurso subordinado
Os AA. questionam a indemnização que o tribunal recorrido lhe arbitrou, e que foi assim indicada: “…condenando-se o Banco BIC Português, SA a pagar ao Recorrido quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença (a qual deveráterem consideração queos Autores tem direito ao valor investido (€ 100.000,00, acrescido de juros moratórios à taxa legal contados a partir da data em que o montante investido nas obrigações deveria ter sido reembolsado. A este valor deve ser descontado não só o valor que as obrigações ainda representam, mas também o valor dos juros remuneratórios que recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo).”
No seu entender a solução correcta seria a que não efectuasse qualquer desconto ao valor dos 100.000 euros e ainda contemplasse os juros moratórios à taxa legal contados a partir da data em que o montante investido nas obrigações deveria ter sido reembolsado. Assim,
“98- …., porém, já não podemos concordar na parte em que, entendeu que a esse valor deve ser descontado não só o valor que as obrigações ainda representam, mas também o valor dos juros remuneratórios que recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo.
….
104- Face ao exposto,o quantum indemnizatório devido aos Autores, é a quantia de € 100.000,00 de capital, acrescida dos juros moratórios à taxa legal contados a partir da data em que o montante investido nas obrigações deveria ter sido reembolsado, não sendo dedutível qualquer montante.”
A solução preconizada pelo AA. não merece apoio do tribunal.
A ser a mesma adoptada os AA. estariam a beneficiar da indemnização pelo incumprimento do contrato, recebendo aquilo que teria sido devido se o mesmo fosse integralmente cumprido.
Porém, a decisão do tribunal a conceder a indemnização tem na sua base a falta/incompletude da informação que foi prestada ao A. na celebração do contrato, não se tratando aqui se um problema de incumprimento do contrato.
O que o A. alegou – e ficou provado – foi que estava convencido de ter aplicado dinheiro num depósito a prazo – e que seria esse o produto que queria.
Repitam-se aqui os factos mais relevantes:
G. O que motivou a autorização, por parte do Autor, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu e pela SLN que era dona do banco, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência. (modificação do TRL)
H. O Autor actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.
I. Se o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.
Q. O Autor desconhecia que tinha adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo.
A indemnização devida ao AA. é assim aquela que lhe permitisse estar hoje na posição que estaria se tivesse subscrito um depósito a prazo.
E um depósito a prazo, na data em que a subscrição das obrigações SLN foi efectuada, não atribuía o mesmo juro deste produto.
Isto significa que o A. tem direito a receber os 100.000 euros, acrescido do juro que uma aplicação a prazo com a duração da aplicação efectuada nas obrigações lhe permitiria auferir, descontada do valor recebido a título de juros das obrigações subordinadas, e acrescida do juro de mora.
Tem sido esta a orientação seguida na jurisprudência do STJ, nomeadamente no acórdão de 2/3/2023, processo n.º 2992/18.4T8STR.E1.S1, onde se lê:
“O princípio de que a indemnização há-de colocar o Autor, agora Recorrido, na situação em que estaria se não tivessem subscrito as obrigações subordinadas SLN exige em todo o caso um esclarecimento. em primeiro lugar, o valor do capital investido deverá ser sempre deduzido do valor actual das obrigações da emitente adquiridas pelo Autor e, em segundo lugar, o valor do capital investido deve ser sempre deduzido do valor dos juros pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos pela entidade emitente como remuneração de um depósito a prazo.”
Face ao exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido, condenando o Réu / Recorrente Banco BIC Português, S.A., a pagar a quantia que se vier a liquidar em execução, a qual deverá ter em consideração:
I. — que o Autor / Recorrido tem direito a uma indemnização por danos patrimoniais correspondente ao capital investido (50 000 euros);
II. — que o capital investido deve ser deduzido:
a. — do valor actual da obrigação;
b. — do valor dos juros pagos pela entidade emitente SLN — Sociedade Lusa de Negócios, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos como remuneração de um depósito a prazo;
III. — que a quantia resultante da aplicação dos critérios enunciados em I e II deve ser acrescida de juros à taxa legal a contar do momento em que o Réu haja sido citado para a presente acção.”
III. Decisão
Em face do exposto:
- improcede o recurso principal;
- o recurso subordinado improcede, mas o Réu vai condenado a pagar ao A., nos seguintes termos:
I. —o Autor tem direito a uma indemnização por danos patrimoniais correspondente ao capital investido (100 000 euros);
II. — que o capital investido deve ser deduzido:
a. — do valor actual da obrigação;
b. — do valor dos juros pagos pela entidade emitente SLN — Sociedade Lusa de Negócios, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos como remuneração de um depósito a prazo;
III. — que a quantia resultante da aplicação dos critérios enunciados em I e II deve ser acrescida de juros à taxa legal a contar do momento em que o Réu haja sido citado para a presente acção.”
Custas: cada parte suportará as custas do seu próprio recurso.
Lisboa, 16 de Novembro de 2023
Fátima Gomes (relatora)
Oliveira Abreu
Nuno Pinto Oliveira