HERANÇA
DIREITO DE CRÉDITO
FACTO CONSTITUTIVO
ÓNUS DA PROVA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HERDEIRO
Sumário


Cabe à Autora o ónus da prova da obrigação de restituir, uma vez que é facto constitutivo do direito por si invocado.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Na presente ação declarativa que AA move contra BB e CC, os RR. interpuseram recurso da sentença pela qual foi julgada a acção parcialmente procedente e, em consequência, se decidiu:

“a) condenar os Réus na qualidade de herdeiros da herança aberta por óbito de DD a reconhecerem que a Autora é titular de um direito de crédito sobre a referida herança no montante de total de € 51.063,15 (cinquenta e um mil e sessenta e três euros e quinze cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, a contar desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento;

b) condenar a herança aberta por óbito de DD, da qual os Réus são aqui herdeiros, a pagar à Autora, também ela herdeira, a quantia total referida na alínea que antecede; c) absolver a herança aberta por óbito de DD, da qual os Réus são aqui herdeiros, quanto ao pagamento das quantias de € 470,00, € 500,00 e € 500,00”.

2. Na alegação de recurso de apelação, os recorrentes pediram a revogação da sentença recorrida e a absolvição dos RR. do pedido.

Nesse recurso os recorrentes impugnaram a matéria de facto:

- quanto aos factos provados sob as alíneas Q), R), S), U), V) e X) e os factos não provados n.ºs 4 e 6.

Nessa impugnação a reanálise dos factos em questão foi solicitada à luz dos seguintes meios de prova:

- documentos 3, 3-A e 5 da petição inicial;

- as declarações de parte da Autora, onde entendem haver uma confissão (admitida pelo Tribunal e transcrita para a acta de julgamento);

- os depoimentos das testemunhas EE, FF, GG, HH e II;

- documentos correspondentes aos extratos da Segurança Social juntos aos autos por ofício de 9.2.2022 (em particular a página 1 do extrato de remunerações do falecido DD) e do DOC. 5 da petição inicial.

Também solicitaram o aditamento de novos factos

Também contestaram o julgamento de direito, por entenderem que o Tribunal não deu por provada a obrigação de restituição por parte do falecido DD, insuficiência esta que não lhe permitia concluir pela existência de mútuos e que era à Autora que cabia essa prova, por ser constitutiva do direito de crédito invocado (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil)

3. A A. não respondeu à alegação de recurso de apelação, nem recorreu subordinadamente.

4. O Tribunal da Relação conheceu do recurso e decidiu:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso revogando a sentença recorrida na parte em que condenou os RR. e a herança aberta por óbito de DD; e mantendo no mais o decidido.

Custas da ação e do recurso pela A.”

5. Não se conformando com o acórdão, veio a A. apresentar recurso de revista, no qual formula as seguintes conclusões (transcrição):

“1) Na fundamentação, o douto Acórdão recorrido socorre-se de factos que não foram alegados pelas partes, a saber:

- "Certamente foi intenção da A. que a casa que foi dos seus pais permanecesse na sua família";

- "Certamente que o DD, com o vencimento que auferia, não se aventuraria a contrair empréstimos bancários para comprar casa que precisava de obras avultadas se não contasse com o apoio da mãe";

2) Sobre estes factos também não foi não houve qualquer contraditório ou prova cabal.

3) Ao fazer estes considerandos como prova cabal para dar como não provado um facto (alínea Q da matéria de facto provada), incorre o douto acórdão no vicio de nulidade, previsto na alínea d) do n. 1 do artigo 615º do CPC;

4) No que concerne ao facto provado constante da alínea Q, o Tribunal a quo considera que o falecido DD ficou com € 11 500 motivando-se num extrato de um saldo bancário e não no preço declarado na escritura. Ora se o preço era de € 100 000 , cada um dos cônjuges deveria receber € 50 000 e se o DD só entregou € 21 500, então o falecido DD ficou com € 28 500 e não com € 11 500 como se pode ler no douto Acórdão recorrido.

5) Também aqui o Tribunal recorrido interpretou os factos de forma errada e incorreu, assim, em erro de julgamento.

6) Na motivação expendida na página 18, pode ler-se o seguinte: “A testemunha EE, referindo-se em termos gerais e não a nenhuma quantia em particular, declarou que a A. não deu o dinheiro ao filho e que o DD morreu com o desgosto de não ter pago à mãe."

7) “A testemunha GG declarou que a A. emprestou dinheiro ao DD para as obras; que, no início, emprestou uma parcela grande; que o DD dizia à mãe que restituiria um dia; que o DD chegou a ponderar vender a casa, pagando à mãe...”

8) “A testemunha HH, amiga do DD, declarou que a A. foi entregando ao filho, a título de empréstimo, o dinheiro que recebeu para ele fazer as obras na casa; que a ideia do DD era devolver o dinheiro à mãe; e que, no entender do DD, se o pai recebeu €50.000,00, a mãe também devia receber.”

9) A testemunha FF, " .... tendo referido que a A. lhe disse que combinou com o filho que, se este vendesse a casa, uma parte do preço seria para a A. “ (negrito nosso);

10) Ou seja, 4 testemunhas referem a vontade inequívoca do DD em devolver as quantias mutuadas e o Tribunal conclui que a Autora não logrou provar que o DD se obrigou a restituir as quantias que aquela lhe entregou.

11) Considera a Recorrente que existe uma manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão, pelo que o douto acórdão é nulo, nos termos estatuídos no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC.

12) Considera o Tribunal "a quo" que " Lida a petição inicial e ouvidas as declarações da A., a ideia que fica é que, após o falecimento de DD, são consideradas pela A. quantias emprestadas que a A. acha que têm suporte documental e que podem totalizar aproximadamente o valor de €50.000,00."

13) A testemunha HH, já citada, esclareceu que "... A. foi entregando ao filho, a título de empréstimo, o dinheiro que recebeu para ele fazer as obras na casa; que a ideia do DD era devolver o dinheiro à mãe; e que, no entender do DD, se o pai recebeu €50.000,00, a mãe também devia receber";

14) Mais uma vez estamos perante um erro de julgamento, pois o Tribunal interpreta os factos de forma errada de forma que afecta e vicia a decisão proferida”

Pede a declaração de nulidade do acórdão recorrido, ou caso assim não se entenda, a sua revogação e repristinação da sentença.

6. Foram apresentadas contra-alegações, onde se conclui (transcrição):

“1. Vem o recurso interposto pela Autora do acórdão do TRL de 11.5.2023, fundamentado nas nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, al. c) e alínea d) do CPC e em erro de julgamento.

2. Quanto às invocadas nulidades, cumpre salientar que as mesmas são manifestamente inexistentes.

3. Primeiramente porque o TRL não se ocupou de qualquer questão que não tenha sido previamente suscitada pelos Recorrentes.

4. Com efeito, o recurso para o TRL visou a apreciação por esse Tribunal da inexistência de qualquer contrato de mútuo (e os factos que lhe estão subjacentes e que foram impugnados) e foi sobre essa questão que o TRL se debruçou.

5. Para o efeito o TRL ponderou criticamente os factos e a prova produzida, formulou juízos de coerência e razoabilidade e aplicou as regras de lógica e da experiência, fundamentando de forma motivada a sua decisão.

6. Ademais, o TRL não deu por provados factos que não foram alegados pelas partes (os factos ponderados na decisão e aos quais foi aplicado o Direito foram apenas aqueles que constam da lista de factos provados); o que o TRL fez foi explanar detalhadamente o raciocínio que o conduziu à decisão.

7. Por conseguinte, não existe também qualquer contradição entre a fundamentação do acórdão e a decisão, sendo percetível, pela sua leitura, qual o percurso trilhado pelo Tribunal e que o levou, necessariamente, à decisão proferida.

8. Na verdade, o que a Autora fez para sustentar o seu recurso foi “pegar” em partes do acórdão, isoladas e descontextualizadas da restante fundamentação (desconsiderando até outros meios probatórios ponderados pelo TRL) e alegar que esses excertos são contraditórios com a decisão, o que não merece qualquer provimento.

9. É, pois, manifesta a inexistência da nulidade prevista ano artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC.

10. Por fim, realça-se que a Recorrente invoca erro de julgamento sobre a matéria de facto e a prova produzida, pretendendo que este Supremo Tribunal faça a respetiva reapreciação (valorando apenas os depoimentos vagos, genéricos, confusos, nada concretos e sem qualquer suporte documental indicados pela Autora) e não toda a prova que foi produzida nos autos (e que o TRL apreciou devidamente), o que está vedado por força do disposto nos artigos 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 1 e n.º 2, todos do CPC.”

7. O recurso foi admitido no tribunal recorrido.

8. Em setembro de 2023, por acórdão da conferencia no tribunal recorrido foram refutadas as apontadas nulidades ao acórdão recorrido, dizendo-se:

“No âmbito do recurso de revista interposto pela A. a 22 de junho de 2023, esta arguiu a nulidade do acórdão proferido a 11 de maio de 2023 com fundamento no disposto no art. 615º nº 1 als. c) e d) do C.P.C. - aplicável à 2ª instância por força do art. 666º nº 1 do C.P.C. -, nos termos do qual “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão…; o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

“No tocante à causa de nulidade prevista na c) do nº 1 do mesmo preceito, vem-se entendendo, sem controvérsia, que a oposição entre os fundamentos e a decisão constitui um vício da estrutura da decisão. Radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico- jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 2 de junho de 2016, processo 781/11.6TBMTJ.L1.S1).

Nas conclusões recursivas, pode ler-se:

“… 4 testemunhas referem a vontade inequívoca do DD em devolver as quantias mutuadas e o Tribunal conclui que a Autora não logrou provar que o DD se obrigou a restituir as quantias que aquela lhe entregou.”

Eventuais contradições na decisão sobre a matéria de facto não são causa de nulidade do acórdão.

A causa de nulidade da sentença prevista no art. 615º nº 1 al. d) do C.P.C. está diretamente relacionada com o art. 608º nº 2 do C.P.C., segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Nas conclusões recursivas, pode ler-se:

“Na fundamentação, o douto Acórdão recorrido socorre-se de factos que não foram alegados pelas partes.”

“… o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 23 de março de 2017, processo 7095/10.7TBMTS.P1.S1; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de outubro de 2015, processo 161/09.3TCSNT.L1-2).

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em indeferir a arguição da nulidade do acórdão proferido a 11 de maio de 2023.”

Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

II. Fundamentação

De facto

9. Das instâncias vieram dados como provados os seguintes factos (alterações introduzidas pelo TR a negrito):

A - A Autora foi casada com o BB, tendo-se divorciado em ... de Maio de 1999.

B - Dessa união nasceu o DD.

C - A Autora e o Réu BB foram proprietários do prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua ..., lote 101, ..., freguesia de ..., concelho do ..., descrito na Conservatória do registo Predial do ... sob o número mil seiscentos e cinquenta da mesma freguesia e que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4207.

D - Aquando da partilha dos bens comuns do casal, a ora Autora e o Réu BB acordaram em vender ao filho DD o referido imóvel, pelo preço de €100.000,00 (cem mil euros), cabendo €50.000,00 (cinquenta mil euros) a cada um dos cônjuges.

E - DD adquiriu o referido prédio em 3 de Dezembro de 2010.

F - Para garantia do pagamento da sua quota parte foi emitido cheque visado no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros), que o Réu BB recebeu no acto da escritura.

G - O falecido DD contraiu dois empréstimos bancários, um de €50.000,00 realizado com a escritura de compra e venda e outro no valor de €40.000,00.

H - A Autora constitui-se fiadora e principal pagadora de todas as obrigações decorrentes dos dois empréstimos, no valor total de €90.000,00 (noventa mil euros).

I - O falecido DD emigrou para o ..., onde veio a contrair matrimónio em 2013, com a Ré CC.

J - No dia ... de Outubro de 2014 o DD e a Ré CC regressaram de urgência a Portugal, uma vez que ao falecido DD foi indiciada a possibilidade de existência de uma doença do foro oncológico e aquele não tinha direito a assistência na saúde gratuita no ....

L - DD foi admitido no Instituto Português de Oncologia de ..., onde viria a falecer em Dezembro de 2017.

M - Durante o período de doença o DD conseguiu passar à situação de reforma por invalidez, auferindo uma pensão média no valor de €400,00 (quatrocentos euros).

N - O falecido DD construiu uma pequena piscina e a relvou o logradouro do imóvel.

O - O DD faleceu no estado de casado em primeiras núpcias e no regime de separação de bens com a Ré CC, não tendo deixado descendentes.

P - Da escritura de compra e venda referente à aquisição a que alude a alínea E) consta que o Réu BB e a Autora venderam o imóvel pelo valor de cem mil euros “que já receberam”.

Q – eliminado

R - O falecido DD ficou desempregado a ... de fevereiro de 2012.

S - A A. entregou ao DD as seguintes quantias:

- Em 27-09-2013 TRANSF. BANCÁRIA - €250,00;

- Em 29-11-2013 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 31-12-2013 TRANSF. BANCÁRIA - €420,00;

- Em 29-01-2014 TRANSF. BANCÁRIA - €390,00;

- Em 27-02-2014 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 25-04-2014 TRANSF. BANCÁRIA - €200,00;

- Em 30-05-2014 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 30-06-2014 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 31-07-2014 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 02-09-2014 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 30-09-2014 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 03-11-2014 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 01-12-2014 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 12-01-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €50,00;

- Em 14-01-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €300,00;

- Em 02-03-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 31-03-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 04-05-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 01-06-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 03-07-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 30-07-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €1.000,00;

- Em 27-08-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €500,00;

- Em 02-09-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 05-10-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 28-10-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €1.000,00;

- Em 04-11-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 04-12-2015 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 11-01-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 12-02-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 10-03-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 08-04-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 09-05-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €800,00;

- Em 11-05-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 24-05-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €500,00;

- Em 03-06-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €2.000,00;

- Em 24-06-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 19-07-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €200,00;

- Em 11-08-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 14-09-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €200,00;

- Em 25-10-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €225,00;

- Em 15-12-2016 TRANSF. BANCÁRIA - €300,00;

- Em 19-01-2017 TRANSF. BANCÁRIA - €300,00;

- Em 17-02-2017 TRANSF. BANCÁRIA - €300,00;

- Em 17-03-2017 TRANSF. BANCÁRIA - €200,00;

- Em 11-04-2017 TRANSF. BANCÁRIA - €400,00;

- Em 15-06-2017 TRANSF. BANCÁRIA - €300,00;

- Em 19-07-2017 TRANSF. BANCÁRIA - €300,00;

- Em 21-08-2017 TRANSF. BANCÁRIA - €300,00;

- Em 19-09-2017 TRANSF. BANCÁRIA - €200,00;

- Em 31-10-2017 TRANSF. BANCÁRIA - €150,00.

T) Os depósitos e transferências referidos na alínea S) foram realizados na conta bancária titulada pelo DD na Caixa de Crédito Agrícola, balcão da ..., com o número .. .. .. .......49.

U) eliminado

V) eliminado

X) eliminado

Z) Entre Autora e o falecido DD foi acordado que aquela utilizaria o imóvel e pagaria a prestação relativa aos empréstimos bancários.

10. Das instâncias vieram dados como não provados os seguintes factos (alterações introduzidas pelo TR a negrito):

1 - O cheque visado a que alude a alínea F) foi exigência do Réu BB.

2 - A Autora fez doações ao filho e em caso afirmativo em que montantes.

3 - As obras foram realizadas com recurso a poupanças que o falecido possuía, bem como a quantias que auferiu enquanto trabalhou e enviou para Portugal e a quantias da Ré CC.

4 – eliminado

5 - Autora, a pedido de DD, emprestou a este as seguintes quantias:

Em 30-03-2011 DEP NUMERARIO .........79 - €470,00;

Em 02-05-2011 DEP NUMERARIO ..........80 - €500,00;

Em 31-05-2011 DEP NUMERARIO ..........28 - €500,00.

6 – eliminado

7 - As quantias a que aludem as alíneas Q), S), U), V) e X) foram pagas à Autora.

8 - Do montante que a A. recebeu da venda a que alude a alínea D), ela emprestou ao falecido DD, a pedido deste, a quantia de € 21.500,00 em virtude de aquele pretender fazer obras no imóvel.

9 - Para pagamento das prestações relativas aos empréstimos bancários e outras despesas, a A., a pedido de DD, emprestou a este as seguintes quantias:

- Em 30-06-2011 DEP NUMERARIO .........80 - €500,00;

- Em 03-08-2011 DEP NUMERARIO ..........37 - €450,00;

- Em 05-09-2011 DEP NUMERARIO ..........16 - €460,00;

- Em 30-09-2011 DEP NUMERARIO ..........61 - €450,00;

- Em 03-11-2011 DEP NUMERARIO ..........99 - €480,00;

- Em 30-11-2011 DEP NUMERARIO ..........49 - €460,00;

- Em 30-12-2011 DEP NUMERARIO ..........22 - €500,00;

- Em 02-02-2012 DEP NUMERARIO .........94 - €460,00;

- Em 01-03-2012 DEP NUMERARIO .........60 - €30,00;

- Em 02-04-2012 DEP NUMERARIO .........21 - €50,00;

- Em 03-09-2012 DEP NUMERARIO ..........85 -€420,00;

- Em 26-09-2012 DEP NUMERARIO ..........60 - €500,00;

- Em 02-10-2012 DEP NUMERARIO ..........10 - €80,00;

- Em 01-02-2013 DEP NUMERARIO - €200,00;

- Em 02-04-2013 TRANSF. BANCÁRIA - €320,00;

- Em 03-05-2013 DEP NUMERARIO - €300,00;

- Em 26-06-2013 TRANSF. BANCÁRIA - €100,00;

- Em 17-09-2013 TRANSF. BANCÁRIA - €438,00;

- Em 01-11-2013 DEP NUMERARIO - €100,00;

- Em 29-04-2015 DEP NUMERARIO ..........53 - €200,00.

10 - As quantias referidas em S foram entregues pela A. ao DD, a pedido deste, para pagamento das prestações relativas aos empréstimos bancários, com a obrigação do DD as restituir à A.

11 - Em março de 2013, a A. emprestou ao DD o valor de €251,46, para pagamento à Segurança Social das prestações de subsidio de desemprego que foram pagas indevidamente ao falecido filho.

12 - A 8 de Setembro de 2015, a A. emprestou ao DD o montante de €801,69 para pagamento de prestações que lhe foram indevidamente pagas pela Segurança Social.

13 - A 4 de dezembro de 2014, a A. emprestou ao DD a quantia de €1.227,00, através do pagamento de uma fatura de ar condicionado.

De Direito

11. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

As questões são assim:

- nulidade do acórdão, por contradição entre fundamentos e decisão;

- nulidade por omissão de pronúncia;

- impugnação da matéria de facto fixada;

- decisão de direito.

12. Quanto à nulidade apontada ao acórdão recorrido por contradição entre decisão e fundamentos, a Recorrente diz que existe “uma manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão, pelo que o douto acórdão é nulo, nos termos estatuídos no artigo 615º, 1, alínea c) do CPC”.

O tribunal recorrido teve oportunidade de apreciar a indicada nulidade, explicando a diferença entre a nulidade do acórdão com este fundamento, indicando que a mesma não ocorreu.

Nesta vertente, assiste razão ao tribunal recorrido.

No acórdão não se encontra qualquer desarmonia lógica entre a motivação fáctico- jurídica e a decisão. O que o tribunal considerou provado é compatível com a solução de direito aplicada – alguém pode entregar dinheiro a outrem e se considera que o fez a título de mútuo (com direito à restituição) é sobre si – que alega o facto – que incumbe o ónus de demonstrar que existia um dever de restituição de alguma ordem. Não o demonstrando, não se pode condenar o R. a restituir sem a prova do dever de restituir sustentada em factos.

Improcede a arguição de nulidade.

13. Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, diz a recorrente que o tribunal não respondeu a questão que tinha obrigação de responder.

Também aqui o tribunal recorrido apreciou a nulidade, refutando a sua existência, decisão que merece a nossa concordância: atender a um facto que não foi alegado, ou deixar de atender, não é uma questão jurídica a que o tribunal tenha de dar resposta. E só essas, se não obtiverem resposta, podem constituir omissão de pronúncia.

Improcede a invocação de nulidade.

14. Antes de abordar a problemática da decisão de direito, importa tecer algumas considerações sobre a alegação de recurso na parte relativa à decisão recorrida que alterou a matéria de facto – e que – em certa medida também a ser questionada na revista.

Na questão relativa à impugnação da matéria de facto a recorrente sustenta que o tribunal recorrido violou a lei.

Contudo, importa deixar claro quais os poderes deste STJ nesta matéria, por força da lei, onde se dispõe:

artigo 674.º, n.º 3 do CPC:

“o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

artigo 682.º do CPC:

1 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

2 - A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º.”

Sendo este o limite dos poderes do STJ, e não estando invocada uma violação dos poderes do tribunal recorrido no âmbito da apreciação da impugnação de facto por via do art.º 662.º do CPC, estamos em condições de conhecer da questão suscitada: no caso concreto não se verifica que venha alegada qualquer ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, pelo que está vedada, a este Supremo Tribunal, a reapreciação da prova e dos factos materiais da causa fixados pelo TRL. Os meios de prova convocados pela recorrente não estão dotados de força probatória especial, sendo todos sujeitos à livre apreciação do tribunal.

Assim, o recurso de revista nesta parte não pode ser conhecido com a extensão pretendida pela recorrente, que manifesta agora a sua discordância com o modo como a alteração da matéria de facto foi impugnada e conhecida na apelação, não tendo produzido contra-alegações nesse recurso – momento certo para contraditar as alterações que os RR. haviam propostos, seja por contra-alegações, seja por via de recurso subordinado.

E esta mesma objecção é de aplicar à suposta violação da lei – dita nulidade nas palavras da recorrente – quando se reporta à circunstância de a alteração da matéria de facto ter introduzido considerações que não foram alegadas pelas partes na fundamentação da decisão. Se tivesse contraditado a apelação a recorrente teria podido fazer surgir a sua versão sobre os factos, quer essenciais, quer complementares. Não o fez. E, por isso, o tribunal com base nas regras da experiência pode retirar ilações de factos conhecidos e provados, para obter outros, que seriam consequência lógica dos primeiros, na normalidade da vida, na medida em que os mesmos sejam complementares dos factos essenciais – aqueles que têm necessariamente de vir alegados.

Improcede assim a questão.

15. Tal como improcede a questão relativa à decisão de direito.

Com os factos apurados nos presentes autos e tendo em consideração o pedido da A., bem andou o tribunal recorrido em decidir a causa – por falta de prova dos elementos essenciais da pretensão da A. – contra ela, aplicando o regime do art.º 342.º do CC.

Esta decisão nada tem de errado, à luz da alteração da matéria de facto empreendida, sendo correcto afirmar – como disse o acórdão recorrido:

Resulta da matéria de facto provada que a A. entregou ao DD as quantias discriminadas na alínea S) da matéria de facto provada. Cabe a A. o ónus da prova da obrigação de restituir, uma vez que é facto constitutivo do direito por si invocado (art. 342º nº 1 do C.C.). Não tendo a A. logrado provar que o DD se obrigou a restituir as quantias que aquela lhe entregou, a ação tem de improceder.”

Improcede a questão suscitada.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.

Custas pela A, recorrente.

Lisboa, 16 de Novembro de 2023

Relatora: Fátima Gomes

1º Adjunto: Dr Ferreira Lopes

2º Adjunto: Dr Nuno Pinto Oliveira