PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário


A interrupção da prescrição, ainda que tenha por fundamento a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito, uma vez feita, não pode ser repetida.

Texto Integral

I – RELATÓRIO

A) AA, veio propor ação de processo comum, contra BB.

Alegou, em síntese:

A autora e o réu foram casados um com o outro, sob o regime da comunhão de adquiridos, tendo contraído casamento em ... de agosto de 1995. O referido casamento veio a ser dissolvido por divórcio, decretado por sentença proferida no processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, com o nº 296/11.2..., ação essa proposta pela aqui autora contra o réu, instaurada em 03.06.2011 e que correu seus termos pelo extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial de ..., tendo transitado posteriormente, devido à reorganização judiciária, para o Tribunal Judicial da Comarca de ... - Juízo de Família e Menores de ... – Juiz 2.

A sentença que decretou o divórcio transitou em julgado em 26.10.2012.

Previamente à propositura da referida ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, foi instaurado pela aqui autora contra o aqui réu, um procedimento cautelar de arrolamento dos bens comuns do casal, que correu seus termos sob o nº 296/11.2....

Quer o referido procedimento cautelar de arrolamento dos bens comuns do casal, quer a ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, resultaram da degradação da relação familiar entre a autora e o réu ao longo dos anos, tendo tido o seu epílogo nos factos ocorridos no dia ... de abril de 2011, entre os ex-cônjuges, na então sua casa de morada de família.

Efetivamente, nesse dia ... de abril de 2011, ocorreram entre as partes fortes discussões e agressões, factos esses que deram lugar à instauração por parte do Ministério Público do processo comum coletivo nº 75/11.7..., que correu seus trâmites legais pelo ex-1º Juízo do Tribunal Judicial de ..., tendo no seu âmbito sido aplicada à aqui autora, no dia seguinte à ocorrência daqueles factos, ou seja, no dia ... de abril de 2011, a medida de coação de permanência na habitação com vigilância eletrónica e, ainda, de proibição de contactar com o réu, situação em que permaneceu durante vários meses.

Em resultado das mencionadas agressões, o aqui réu esteve internado no Hospital de ..., em ..., durante 2 dias, após o que teve alta médica, passando a viver em ..., freguesia de ..., concelho de ..., enquanto a autora permaneceu na casa de morada de família, onde cumpriu a medida de coação.

Após a alta hospitalar, o réu passou, a seu bel-prazer, a administrar e/ou, ainda, a dispor em seu único e exclusivo proveito, de quase todo o património angariado e/ou amealhado durante o casamento, pelo então casal formado pela aqui autora e pelo aqui réu.

Face ao referido conflito e dada a situação de diminuição de liberdade de circulação em que passou a estar e, ainda, prevendo que o réu iria procurar ocultar ou fazer desaparecer parte do património comum do casal, a A. deu entrada do referido procedimento cautelar de arrolamento.

A razão da indicada providência cautelar de arrolamento de bens, prendeu-se precisamente com o facto da aqui autora ter começado a verificar que o réu, à sua revelia, sem o seu conhecimento e contra a sua vontade, nos dias 2 e 3 de maio de 2011, havia entretanto começado a fazer movimentos fora do normal nas contas bancárias, pertencentes ao então casal, abertas no Millennium BCP com os nºs .... .... .... .... .... 6 e .... .... .... .... .... 5. No procedimento cautelar foi então proferido despacho, ordenado que fossem “oficiada às entidades bancárias no sentido de se tornarem indisponíveis aos titulares das contas os valores constantes das mesmas, até ser decretado o arrolamento, bem como cancelados os movimentos dos cartões de crédito”.

E, ainda, no âmbito da referida providência cautelar, foram arroladas as identificadas contas do ex-casal e, ainda, as aplicações financeiras associadas a tais contas bancárias, mas investidas em produtos financeiros na Seguradora Ocidental Seguros.

No entanto, entre os dias 2 e 24 de maio de 2011, ou seja, num período temporal que ocorreu antes do decretamento do mencionado arrolamento e, ainda, antes da notificação que o referido Tribunal efetuou ao Millennium BCP, na sequência do despacho já referido, o réu procedeu ainda ao resgate de algumas aplicações financeiras associadas às referidas contas bancárias e, ainda, movimentou a débito tais contas.

Assim, contra a vontade, sem o conhecimento da aqui autora e em único e exclusivo proveito económico do réu, a conta bancária aberta em nome da autora e do réu, no Banco Millennium BCP, com o nº .... .... .... .... .... 6, que em 30.04.2011, apresentava os seguintes valores:

- Depósitos à ordem: …...............……………………… € 8.139,29; e,

- Seguros Poupança/Unit Linked: ……………..……….. € 40.420,31, em 19.05.2011, já somente apresentava os seguintes saldos e/ou aplicações:

- Depósitos à ordem: …......................………………… € 5,32; e,

- Seguros Poupança/Unit Linked: ………………………€ 7.827,89.

Também a conta bancária aberta em nome da autora e do réu, no Banco Millennium BCP, com o nº .... .... .... .... .... 5, em 30.04.2011, que apresentava os seguintes saldos e/ou aplicações:

- Depósitos à ordem: ………………………………… € 11.772,32; e,

- Seguros Poupança/Unit Linked: ………………..….... € 190.779,65, em consequência dos movimentos que o R. começou a fazer a partir do dia 2 de maio de 2011, em 19.05.2011, já somente apresentava os seguintes saldos e/ou aplicações:

- Depósitos à ordem: …...............………………………€ 3.108,44; e,

- Seguros Poupança/Unit Linked: …….......………… € 181.953,73 (cfr. doc. 8).

Assim, da indicada conta com o nº .... .... .... .... .... 6, aberta no Millennium BCP, o réu, entre o dia 2 e o dia 19 de maio de 2011, resgatou, transferiu e/ou levantou dessa mesma conta, incluindo aplicações financeiras que aí se encontravam efetuadas pelo casal, quantias que perfizeram um valor total de € 40.726, que este fez suas, em prejuízo da autora.

E da indicada conta com o nº .... .... .... .... .... 5, o réu entre o dia 3 e o dia 16 de maio de 2011, resgatou, transferiu e/ou levantou dessa mesma conta, incluindo aplicações financeiras que aí se encontravam efetuadas pelo casal, quantias que perfizeram um valor de € 17.489,90 que igualmente este fez suas, em prejuízo da autora.

Acresce que em 1 de maio de 2011, o R. recebeu das mãos do seu ex-sogro, pai da aqui autora, a pedido e por imposição daquele, as seguintes quantias que se encontravam guardadas na indicada casa de morada de família:

- € 1.600,00 em numerário; e, ainda,

- um cheque no valor de € 1.200,00, sacado sobre o Millennium BCP, emitido por CC, quantias que igualmente fez suas, em prejuízo da autora.

Em resumo, no período temporal compreendido entre o dia 2 de maio e os dias 23/24 de maio 2011, do património comum do ex-casal, formado pela aqui autora e pelo réu, este levantou, transferiu, resgatou, recebeu e, ainda, fez somente suas as indicadas quantias de € 40.726,39 + € 17.489,90 + € 2.800,00 = € 61.016,29, prejudicando assim o réu a autora, na quantia de € 30.508,15, respeitante a metade daquele valor € 61.016,29, acrescida dos respetivos juros legais.

No procedimento cautelar nº 296/11.2...-A, a A. requereu ainda o arrolamento da viatura automóvel ligeiro de passageiros, marca Opel, modelo Antara, cor azul, matrícula ..-DL-.., do ano de 2007, com cerca de 15.000 quilómetros que tinha sido adquirida, em 13.12.2010, pela autora e pelo réu, pelo preço de € 20.000,00, pago pelo cheque nº ........12, sacado sobre o Millennium BCP.

Tal viatura passou a estar na posse e na propriedade da autora e do réu, até ao dia 13.05.2011, altura em que este, sem o conhecimento, sem a autorização e contra a vontade da autora, a vendeu a terceiro, por se encontrar registada em seu nome, mas no estado de casado com a aqui autora, por valor nunca inferior a € 15.000,00, prejudicando assim o réu a autora no seu património, em quantia nunca inferior a € 7.500,00.

A A. requereu ainda no identificado procedimento cautelar, o arrolamento de um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca Nissan, cor azul, matrícula ..-..-NH, do ano de 1999, que era utilizada no dia a dia, pelo réu, quer pela autora, em trabalho, com o valor comercial nunca inferior a € 3.000,00 que à data de 06.05.2011 ainda se encontrava registada a favor do casal. Em 26.05.2011, o réu veio a vender a DD, por um valor nunca inferior a € 3.000,00, que fez igualmente seu, em prejuízo económico da autora, prejudicando assim o réu a autora no património pessoal desta, em quantia nunca inferior a € 1.500,00, respeitante a metade daquele valor.

Decretado o referido divórcio entre a autora e o réu, aquela, veio em 2015, requerer inventário subsequente ao referido divórcio para partilha dos bens comuns do ex-casal, inventário esse que veio a correr seus termos pelo Cartório Notarial de ..., da Notária EE, sob o nº 866/15, no qual foi cabeça-de-casal o réu que apresentou nos referidos autos uma relação dos bens comuns.

A autora, por ter entendido não terem sido relacionados todos os bens comuns do ex-casal, apresentou reclamação contra a mencionada Relação de Bens, acusando a omissão dos montantes depositados já referidos e da falta da relação dos dois veículos automóveis, também acima referidos e também a omissão da relação de bens da quantia de 1.600,00 e da quantia inscrita no cheque no valor de 1.200,00 que o pai da A. entregou ao R., em 1 de maio de 2011, e que se encontravam na residência das partes.

Na diligência realizada no dia 2 de fevereiro de 2017, no âmbito do processo de inventário, foram as partes remetidas para os meios comuns, relativamente aos bens em causa nesta ação.

No processo de inventário foram apenas partilhados entre a autora e o réu, os saldos arrolados no procedimento cautelar de arrolamento, existentes quer no Millennium BCP, quer na Ocidental Seguros, mas não os valores que foram resgatados, levantados, recebidos e/ou transferidos pelo réu no período temporal compreendido entre o dia 28 de abril de 2011, data da detenção da aqui ré, como arguida no processo crime acima identificado, até à data em que o Millennium BCP e, ainda, a Ocidental Seguros, respetivamente, dias 24 e 23 de maio de 2011, procederam ao arrolamento ordenado pelo tribunal.

Não foram também partilhadas em tal inventário as duas indicadas viaturas, nem as quantias alegadamente comuns que foram entregues pelo pai da A. ao R..

O réu ao fazer seus tais valores, agiu com o propósito de prejudicar a autora na sua esfera patrimonial, pois que impediu a partilha de tais bens e/ou valores entre a autora e o réu, por aquele processo de inventário nº 866/15, acima referido.

Posteriormente ao indicado processo de inventário nº 866/15, e, ainda, na sequência do decidido neste processo de inventário, na sua mencionada diligência de 2 de fevereiro de 2017, o aqui réu antecipando-se à autora, veio a propor no Tribunal Judicial da Comarca de ..., ação de processo comum, à qual foi atribuído o nº 2259/20.8..., que corre seus termos pelo Juízo Central Cível de ... – Juiz 1.

Nesse processo, a aqui autora contestou e, ainda, deduziu pedido reconvencional, o qual veio a ser somente atendido em parte, tudo como melhor consta do despacho saneador proferido em 27.10.2021, que se junta.

A A. concluiu pedindo que:

“a) Deve o réu ser condenado a entregar à aqui autora a quantia de € 30.508,15, respeitante a metade dos valores, acima referidos, respetivamente de € 40.726,39 + € 17.489,90 + € 2.800,00 = € 61.016,29, que o réu retirou do património comum do ex-casal e fez seus, em prejuízo da aqui autora, na indicada proporção de metade, tudo nos termos alegados nos artigos 1º a 34º e 53º a 55º, acrescido dos respetivos juros vencidos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde 11.05.2017 a 10.05.2022, perfazendo os mesmos a esta data, 11.05.2022, a quantia de € 6.101,63, a que devem acrescer ainda os juros vincendos, contados sobre o valor de € 30.508,15, desde 11.05.2022 até integral e efetivo pagamento.

b) Deve ainda o réu ser condenado a entregar à aqui autora a quantia, pelo menos, de € 9.000,00, respeitante a metade dos valores, acima referidos, respetivamente de € 15.000,00 e € 3.000,00, referentes às mencionadas vendas que o réu fez dos veículos automóveis, acima referidos, os quais à data em que foram vendidos pertenciam ao património comum do ex-casal, formado pela autora e pelo réu, tendo este feito seus os respetivos preços, em prejuízo da aqui autora, na indicada proporção de metade, tudo nos termos alegados nos artigos 1º a 13º, 35º a 48º e 56º a 58º, acrescido dos respetivos juros vencidos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde 11.05.2017 a 11.05.2022, perfazendo os mesmos a esta data, 11.05.2022, a quantia de € 1.800,00, a que devem acrescer ainda os juros vincendos, contados sobre o valor de € 9.000,00, desde 12.05.2022 até integral e efetivo pagamento.”.

B) O Réu regularmente citado nestes autos, apresentou contestação, na qual alegou que o direito que a autora se propõe exercer já está prescrito, por terem decorrido mais de três anos desde a data do conhecimento dos factos por parte da autora, nos termos do disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.

A A. já tem conhecimento do que alega na petição inicial desde 23 de Maio de 2011, quando a instituição bancária informou o Tribunal, na sequência do arrolamento, das quantias efetivamente arroladas, ou seja, há muito mais de três anos, pelo que à data em que instaurou a presente ação, há muito que tinha decorrido o prazo da prescrição de 3 anos previsto no art. 498º, nº 3 do CC.

Mesmo que não se entenda que a A. tomou conhecimento dos pressupostos de facto do direito que invoca na data de 23 de Maio de 2011, indubitavelmente já tinha conhecimento em 07/07/2015, quando apresentou a reclamação contra a relação de bens e onde vem expressamente mencionar que houve os levantamentos que ora refere. Desde então também já passaram mais de 3 anos, não tendo havido qualquer facto interruptivo e suspensivo do prazo de prescrição.

De qualquer modo, a reclamação apresentada no inventário não tinha a virtualidade de interromper o decurso do prazo.

Com efeito, o inventario nunca é o lugar próprio para discutir a responsabilidade civil do ex-cônjuge e fixar indemnizações a favor do cônjuge lesado.

Na presente ação o seu fundamento (responsabilidade civil) e o objeto (restituição de metade dos saldos) são específicos, pelo que, enquanto tal, a ação é estranha e independente do processo de inventário.

A A. não tinha de discutir a responsabilidade civil do R. no processo de inventário, como não tinha que esperar pelo resultado deste para poder exercer o seu direito de indemnização, razão pela qual o prazo de prescrição iniciou o seu curso independentemente da instauração do processo de inventário e do seu desfecho.

Impugnou ainda os factos alegados e concluiu pela sua absolvição do pedido.

C) A autora respondeu, defendendo que não se verificava a prescrição, dado que a mesma não começa nem corre entre cônjuges e foi interrompida, quer pela dedução da reclamação à relação de bens que apresentou no inventário, quer pela reconvenção que deduziu no processo comum n.º 2259/20.8..., quer pelo reconhecimento do réu na realização dos levantamentos em causa.

D) Foi proferido despacho a julgar procedente a excepção invocada da prescrição do direito do requerente.

E) Inconformado, recorreu o requerente BB para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por Acórdão de 2 de Maio de 2023 decidiu «julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida».

F) Inconformado, o Requerente BB, veio apresentar «recurso de Revista excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 672º, nº 1 a) e c) do C. P. Civil, porquanto, no entender do requerente e como consta das alegações está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, que é a da prescrição poder ser ou não interrompida mais que uma única vez, pois, além de existir jurisprudência escassa e toda no sentido de que tal questão se deve responder negativamente, há também o Acórdão contraditório de que ora se recorre e que decidiu que o prazo de prescrição pode ser interrompido mais que uma vez. «Assim, trata-se de questão que apresenta um carácter paradigmático e exemplar, que é controversa e como tal transponível para outras situações e que reclama para a sua solução uma reflexão mais alargada» e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:

1ª/ A revista excepcional é admissível nos termos do art. 672º, nº 1 , a) e c) do C. P. Civil.

2ª/ O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu que a prescrição pode ser interrompida mais que uma única vez, quando a jurisprudência conhecida aponta, no sentido contrário.

3ª/ O Código Civil nada refere quanto a essa possibilidade, ao contrário da Lei Geral Tributária que, no seu art. 49º, nº 2, dispõe que a interrupção tem lugar uma única vez.

4ª/ Trata-se, pois, de uma questão cuja apreciação, pela sua relevância, é claramente necessária para uma melhor apreciação do direito, pois apresenta um carácter paradigmático e exemplar, é controversa e como tal transponível para outras situações e que reclama, para a sua solução, uma reflexão mais alargada.

5ª/ Sendo certo também que o Acórdão de que se recorre está em sentido contrário ao da jurisprudência que é conhecida do recorrente, ou seja, da jurisprudência dominante, como é o caso dos acórdãos referidos: Supremo Tribunal Administrativo de 2/12/2004, proc. 0925/04; Tribunal da Relação de Lisboa de 22/4/2021, Proc. 414/19.5T8MDL.L1-8; Tribunal da Relação do Porto de 7/11/2002-CJ. v, p. 167 e ss; Acórdão do S.T.J de 5/11/2013. Proc. 7624.1TBMAI.S1.

6ª/ Portanto, a relevância da questão não se restringe a um caso concreto como é o presente processo, tratando-se antes de uma questão com relevância geral.

7ª/ Voltando ao caso dos autos a reclamação contra a relação de bens apresentada pela Autora no inventário que correu seus termos no Cartório Notarial de ..., em 7/7/2015, cuja decisão que pôs termo ao mesmo transitou em 6/9/2018 não tem a virtualidade de interromper o prazo de prescrição.

8ª/ Trata-se de um acto não judicial, pelo que não se enquadra no conceito de notificação judicial ou citação a que faz referência o art. 323º, nº 1 do C. Civil.

9ª/ E o direito que com tal reclamação se pretendia exercer não tem a mesma natureza, logo não é o mesmo, que se pretende exercer na presente acção.

10ª/ Na verdade, “a extensão objectiva da interrupção de prescrição determina-se pelo pedido e causa de pedir, pois quando o art- 232º , nº 1 do C. Civil preceitua que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação que exprima a intenção de exercer o direito tem de entender-se que se refere ao direito que se vem invocar na acção onde a prescrição é invocada “ (Acórdão da Relação de Guimarães de 21/4/2016, proc. 3194/15.7T8BRG.G1.)”, sendo no mesmo sentido o Ac. do S.T.J. de 31/10/2006, proc. O6A 2596 atrás citado.

11ª/ A presente acção tem o seu fundamento em responsabilidade civil por factos ilícitos (art. 1681º, nº 1 do C.Civil), actos intencionalmente praticados pelo réu em prejuízo da autora.

12ª/ O direito que a Autora pretende exercer na presente acção não é o de partilhar bens comuns como foi reclamado no inventário notarial, mas a uma indemnização pelos danos causados pelos alegados actos praticados pelo réu em prejuízo daquela.

13ª/ Por isso, o réu alegou no seu requerimento de 13/7/2022 que o pedido e a causa de pedir são diferentes na presenta acção e no inventário, sendo também diferentes os direitos que se pretendem exercer.

14ª/ Quando a autora apresentou a reclamação contra a relação de bens por falta de relacionação de determinados bens, não tinha razão, como se veio a verificar com a instauração da presente acção, pois não está em causa a falta de tal relacionação, mas sim a responsabilidade civil do réu, nos termos do art. 1681º.nº 1 do C.C.).

15ª/ A presente acção não foi sequer instaurada no âmbito da remessa dos interessados para os meios comuns decidida pela Sra. Notária, pois não se tratou de uma acção onde se pretende seja declarada a existência dos bens em causa como comuns e como tal sujeitos à partilha entres os ex-cônjuges, mas sim de uma acção instaurada por um ex-cônjuge o contra o outro, que, na qualidade de administrador dos bens comuns, alegadamente praticou intencionalmente actos em seu prejuízo.

16ª/ Tratando-se de direito de natureza diferente o visado na reclamação contra a relação de bens, mesmo que considerássemos a notificação daquela como uma notificação judicial, não tem ela a virtualidade de interromper a prescrição do direito que a autora pretende exercer na presente acção.

17ª/ De qualquer modo, entendendo-se como decidiu a 1ª Instância e a Relação de Coimbra, que tal reclamação tem tal virtualidade, temos que considerar que interrompido o prazo de prescrição através da mesma, não pode o mesmo voltar a ser interrompido através da reconvenção deduzida na acção nº 2259/20.8...

18ª/ Na verdade, como ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/11/2013, proc. 7624/12.1TBMAI.S1:

“sabendo-se que a interrupção do prazo prescricional inutiliza todo o que decorre antes do acto interruptivo, iniciando-se novo prazo igual ao primitivo , não será difícil de perceber que não pode admitir-se sucessivas interrupções” (…)

19ª / Admitir a interpretação de que o prazo de prescrição pode ser interrompido várias vezes pela manifestação da intenção de exercer o direito é violar o disposto no art. 300º do C. Civil, como tal refere expressamente o Acórdão acabado de citar.

20ª/ Assim lê-se neste mais adiante:

“Ora, não se vê que a citação ou notificação judicial a que se refere o nº 1 do art. 323º possam ser usadas para interromper mais do que uma vez o prazo prescricional”.

21ª/ Posto isto, numa primeira fase a prescrição ocorria três anos após o trânsito em julgado que decretou o divórcio, ou seja, a prescrição ocorria em 26/10/2015, sendo esta a data em que, salvo o devido respeito, a mesma ocorreu mesmo, já que a reclamação contra a relação de bens não tem a virtualidade de a interromper.

22ª/ Todavia, mesmo que se entendesse que tal reclamação tinha essa virtualidade, então tendo a decisão que pôs termo ao inventário transitado em julgado em 6/9/2018, a prescrição ocorreria em 6/9/2021 e daqui não passava, por não ser possível interrompê-la outra vez, sendo de todo irrelevante a contestação/reconvenção apresentada pela Autora na acção nº 2259/20.8...

23ª/ Esta contestação/reconvenção nunca pode ser considerada um acto interruptivo em hipótese nenhuma, pois ou se trata de uma segunda interrupção, como tal não admissível (caso de a reclamação contra a relação de bens ter a virtualidade de interromper o prazo) ou quando foi apresentada em 1/9/2020 já o direito tinha prescrito em 26/10/2015 (caso de a reclamação contra a relação de bens não ter efeito interruptivo) , como se diz na conclusão 15ª.

24ª/ Em qualquer das hipóteses (referidas respectivamente nas conclusões 16ª e 17ª) a presente acção ao ser instaurada em 11/5/2022 foi muito depois de qualquer daqueles prazos (26/10/2015 ou mesmo 6/9/2021).

25ª/ Pelo que a excepção da prescrição invocada deve considerar-se verificada, julgando-se provada e procedente.

26ª/ Foi violado o disposto nos arts. 300º, 323.º, nº 1, na medida em que o direito invocado no acto interruptivo tem que ser o mesmo que se pretende exercer na acção o acto interruptivo tem que ser realizado em processo judicial, e só pode ser feita a interrupção uma única vez.

I) A recorrida AA veio apresentar contra-alegações defendendo que «não assiste qualquer razão ao recorrente, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 672º, nº 1, als. a) e c), do CPC e, como tal, estando-se perante um caso de dupla conforme, de acordo com o disposto no artigo 671º, nº 3 do CPC, não deverá ser admitido o recurso interposto pelo réu, BB».

Tendo alegado formulou as seguintes conclusões:

1ª O recurso interposto pelo réu/recorrente, não tem acolhimento nos pressupostos ou requisitos, previstos no artigo 672º, nº 1, als. a) e c), do CPC, devendo por isso mesmo ser o mesmo doutamente julgado como não sendo admissível à luz desses referidos pressupostos.

2ª Revelando ainda o réu, BB, com o presente recurso de revista excecional, mero inconformismo perante a decisão recorrida, pois que a decisão recorrida se enquadra numa corrente jurisprudencial consolidada (cfr. a obra “Recursos no Novo Código de Processo Civil, do Ex.mo Juiz Conselheiro, António Santos Abrantes Geraldes, na anotação que faz ao artigo 672º do CPC).

3ª Consequentemente, ocorrendo a dupla conformidade de decisões proferidas pelo Tribunal de primeira instância e, ainda, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, nos termos do disposto no artigo 671º, nº 3 do CPC, o recurso ficou vedado ao réu recorrente, pois que o mesmo com o presente recurso não demonstra, com êxito, concorrer alguma das três exceções ou pressupostos legais previstos no artigo 672º, nº 1, als. a), b) e c), do CPC.

4ª A não se entender assim, então, nesta possibilidade, deverá doutamente considerar-se que as questões de direito que o recorrente coloca no seu recurso, há muito que se encontram cristalinas na Lei, ainda na doutrina e bem assim na jurisprudência, pelo que o Tribunal da Relação de Coimbra fez uma correta interpretação das normas jurídicas e, consequentemente, aplicou corretamente o direito aos factos carreados para os autos, não devendo, por isso mesmo, a douta decisão recorrida merecer de Vas Ex.as qualquer censura jurídica.

TERMOS EM QUE, e nos melhores de direito e com o Douto suprimento de Vas Ex.as, deverá julgar-se improcedente o presente recurso de revista excecional

J) Por despacho de 11 de Setembro de 2023, após se ter apreciado a verificação de dupla conforme, foi decidido remeter os presentes à formação prevista no n.º 3 do artigo 672 do CPC.

K) Por Acórdão da Formação deste Supremo Tribunal de Justiça, a que alude o artigo 672 n.º 3 do Código de Processo Civil, foi decidido que «Como tem sido entendimento desta Formação, a relevância jurídica ocorre em face de questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes, quando o tema encerre novidade, ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do Supremo Tribunal de Justiça possa contribuir para a segurança e certeza do direito, – acórdão de 23-06-2022, proc. n.º 573/15.3T8FAR.E1.S2.

No caso dos autos, está em causa a matéria atinente ao regime de interrupção do prazo de prescrição, entendendo o Recorrente que a interrupção, que tem por fundamento a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito, uma vez feita, não pode ser repetida.

O acórdão recorrido, embora tenha enunciado a mesma interpretação normativa como posição de princípio, entendeu que, na situação concreta, se justificava relevar uma série de atos interruptivos da prescrição,

Face ao ineditismo desta perspetiva a qual, a ser acolhida, poderá abrir um campo de exceção àquela posição de princípio, que tem sido sufragada maioritariamente pela doutrina e pela jurisprudência, justifica-se que o Supremo Tribunal de Justiça tome posição.

Resulta, assim, que o presente recurso deve ser admitido, ficando prejudicada a apreciação da contradição de julgados também invocada pelo Recorrente».

Verifica-se, assim, que a revista excepcional foi admitida com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 672 do CPC (quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito).

L) Corridos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. A factualidade provada, tal como foi considerada pelo Acórdão recorrido e que se mantém, é a supra descrita, resultando ainda dos autos os seguintes factos (admitidos por acordo ou provados por documentos) com relevo para o conhecimento do presente recurso:

. A e R. casaram um com o outro em ... de agosto de 1995.

.O casamento foi dissolvido por divórcio por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de ..., 1º juízo, em 26.10.2012, nos autos de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, instaurados pela também aqui A., contra o também aqui R. (proc. 296/11.2...) que transitou em julgado nessa data.

.Préviamente à instauração da ação de divórcio que foi instaurada em 30.06.2011, a A. requereu, em 04.05.2011, contra o R. procedimento cautelar de arrolamento de bens.

.Em 26 de maio de 2011 procedeu-se ao arrolamento dos bens, tendo designadamente se procedido ao arrolamento das contas bancárias abertas pelas partes no Millenium BCP com os nºs .... .... .... .... .... 6 e .... .... .... .... .... 5, e das aplicações financeiras que as partes detinham na Ocidental – Companhia de Seguros de Vida, SA, associadas a estas contas.

. Correu termos pelo Cartório Notarial de ... da Notária EE, o inventário para partilha dos bens do dissolvido casal, formado pela A. e pelo R., autos em foi requerente a A. e requerido o R., o qual desempenhou as funções de cabeça-de-casal.. Apresentada a relação de bens pelo R., a A. veio deduzir incidente de reclamação, onde, designadamente, acusou a falta na relação de bens das quantias a que se refere nesta ação, requerendo que o cabeça de casal relacionasse os valores em falta e acusou também a falta de relação das viaturas automóveis a que se refere na petição inicial e requereu a sua inclusão na relação de bens.

. No dia 2 de Fevereiro de 2017 no âmbito do processo de inventário foi decidido remeter os interessados para os meios judiciais comuns, relativamente aos seguintes bens:

“Todo o dinheiro que não se encontrar arrolado no auto de arrolamento – processo 206/1.2...-A, a confirmar no prazo de 20 dias acima referido e ainda:

A verba nº 32 (Casa) – Questão que se prende com a sua titularidade e ainda os bens que se discutem nos artigos nºs 60.1 e 60.2 da Reclamação – Veículo automóvel – Opel, modelo Antara e Veículo automóvel – Nissan; e ainda,

As questões/bens constantes dos Artigos nºs 61º a 75º da Reclamação”.

. No inventário foi proferida sentença de homologação do acordo efetuado pelos interessados que transitou em julgado em 06.09.2018.

. Posteriormente ao processo de inventário nº 866/15, o réu instaurou contra a A. no Tribunal Judicial da Comarca de ..., ação de processo comum, à qual foi atribuído o nº 2259/20.8..., que corre seus termos pelo Juízo Central Cível de ... – Juiz 1.

. Nesse processo, a aqui autora contestou e deduziu pedido reconvencional, pedindo, designadamente que venha a ser declarado que os valores respetivamente de € 40.726,39 + € 17.489,90 + € 12.203,26 + 2.800,00 + 25.000,00 + 3.000,00 + 4.109,40 e ainda o valor de 280,22, no total de 105.608,97 são bens comuns do ex casal, mas foram resgatados, levantados, transferidos ou alienados pelo A. em seu único e exclusivo proveito antes da propositura do procedimento cautelar, também durante o mesmo e até durante a ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge e, consequentemente, devem os referidos valores serem restituídos pelo autor ao património comum do ex-casal para virem a ser partilhados entre si, acrescidos de juros.

. O despacho saneador foi proferido em 27.10.2021 e transitou em julgado, apenas tendo sido admitida a reconvenção em parte, nos termos constantes do despacho saneador junto à petição inicial.

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.

A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Como se afirma no Acórdão da Formação supra referido a questão fundamental a decidir incide «No caso dos autos, está em causa a matéria atinente ao regime de interrupção do prazo de prescrição, entendendo o Recorrente que a interrupção, que tem por fundamento a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito, uma vez feita, não pode ser repetida.

O acórdão recorrido, embora tenha enunciado a mesma interpretação normativa como posição de princípio, entendeu que, na situação concreta, se justificava relevar uma série de atos interruptivos da prescrição,» questão esta que pelo seu «ineditismo» que a ser acolhida, «poderá abrir um campo de exceção àquela posição de princípio, que tem sido sufragada maioritariamente pela doutrina e pela jurisprudência, justifica-se que o Supremo Tribunal de Justiça tome posição».

Nos termos do Acórdão em apreço, o que está em causa é uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

A questão concreta é a de se saber se a prescrição pode ser ou não interrompida mais que uma única vez.

B) A sentença de primeira instância entendeu que o prazo de prescrição começou a correr em 26.10.2012, data em que ocorreu o trânsito em julgado que decretou o divórcio entre Autora e Réu.

Assim, o prazo de prescrição iniciou-se em 26.10.2012 pelo que terminaria em 26.10.2015.

Porém, esse prazo interrompeu-se em 05.10.2015, data em que o réu apresentou a resposta à reclamação de bens apresentada no inventário que foi instaurado.

Entendeu ainda que o novo prazo de prescrição só começaria a correr com o transito em julgado da decisão que pôs termo ao inventário, o que apenas ocorreu em 06.09.2018.

O novo prazo de prescrição de três anos começou então, novamente, a correr em 06.09.2018 e terminaria em 06.09.2021.

Por último entendeu que posteriormente se verificou nova causa de interrupção do prazo de prescrição, quando a autora, em 01.09.2020, apresentou contestação, com reconvenção, à acção n.º 2259/20.8..., na qual peticionou, além do mais, a condenação do réu no pagamento da sua quota-parte nos movimentos e actos efectuados, em termos semelhantes aos desta acção.

Desconhecendo-se a data em que o réu foi notificado de tal contestação, tomar-se-á em consideração a data em que apresentou a respectiva réplica, dado que, para a apresentar, foi previamente dela notificado – 07.10.2020.

Em 07.10.2020, interrompeu-se a prescrição, o que sucedeu antes de decorrido o respectivo prazo, pelo que tendo a autora instaurado a presente acção em 11.05.2022, fê-lo dentro do respectivo prazo, razão pelo qual considerou que não se verifica a prescrição do direito da Autora.

C) Por sua vez o Acórdão recorrido entendeu que para ocorrer a interrupção não é necessário que a citação ou notificação «tenha lugar no processo onde se procura exercer o direito. Pode verificar-se num ato preparatório (procedimento cautelar) e basta que o ato do titular do direito, objeto da citação ou notificação, exprima direta ou indiretamente, a intenção de o exercer».

Entendeu ainda que «No caso não suscita dúvidas que a intenção do exercício do direito foi manifestada diretamente pela A. ao deduzir o incidente de reclamação quanto à relação de bens apresentada pelo Réu»

E, prossegue afirmando, que «pelo menos em 05.10.2015, data em que o R. foi notificado de reclamação, interrompeu-se a prescrição que só voltou a correr, depois de ter passado em julgado a decisão que pôs termo ao processo, no caso a sentença que homologou o acordo efetuado pelas partes, em 06.09.2018, começando a correr novo prazo de prescrição (artº 327º, nº 1 do CC)».

Finalmente entendeu que «A lei não proíbe que o prazo de prescrição possa ser interrompido por mais de uma vez».

«Com a reconvenção deduzida, a apelante voltou a manifestar diretamente a intenção de serem considerados comuns os bens em causa e de metade do seu valor ser considerado no seu património, pelo que se interrompeu de novo a prescrição, pelo que, à data da instauração da presente ação – 11.05.2022 - ainda não tinham decorridos três anos sobre a data da segunda interrupção (considerou-se data de 07.10.2020, data em que a resposta à contestação com reconvenção foi deduzida, no desconhecimento da data em que o autor foi notificado do articulado da ré)».

D) Vemos que ambas as instâncias seguiram a tese de que o prazo de prescrição pode ser interrompido por mais de uma vez, pois nada na lei o impediria.

Não podemos concordar com esta posição.

Vejamos

Dispõe o artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, que «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente».

E, nos termos do artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil, «se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».

Estatui também o artigo 326.º do Código Civil, relativo aos «Efeitos da interrupção» que:

1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo seguinte.

2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º.

O instituto da prescrição visa servir a segurança e a certeza jurídica impedindo que se prolonguem no tempo situações de indefinição sempre indesejáveis para a ordem jurídica e social.

Por isso a lei permite através deste instituto que aquele que invoque a prescrição se oponha ao exercício de um direito por outrem invocando que o mesmo não foi exercido em certo prazo.

Mas a invocação da prescrição tem regras e a própria figura da prescrição tem regras.

Uma delas é a da interrupção.

Nos termos do supra citado artigo 323.º, n.º 1, a prescrição pode interromper-se pelas forma aí estabelecidas sendo que a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, n.º 1 do citado artigo 326.º.

Significa isto que havendo interrupção da prescrição o prazo já decorrido fica inutilizado, fica sem efeito, não conta. O que conta é o novo prazo que então começa a correr. Tudo volta ao início.

A questão concreta que se coloca é então saber se pode haver nova interrupção, ou seja estando a correr o novo prazo da prescrição que se iniciou após a interrupção do prazo inicial da prescrição, pode interromper-se de novo este prazo, inutilizando-o, e começando a correr um novo prazo de prescrição.

Ao contrário do Acórdão recorrido entendemos que não.

Em nosso entendimento tendo ocorrido a uma interrupção da prescrição inutilizando-se o primeiro prazo começa a correr um segundo e último prazo.

Afigura-se-nos que todo o espírito do instituto da prescrição bem como a redacção do supra citado artigo 326 a prescrição não pode ser interrompida por um qualquer acto quando já tenha sido interrompida uma vez.

Ou seja, respondendo à questão concreta que vem colocada, a prescrição não pode ser interrompida mais que uma única vez.

Esta é a jurisprudência uniforme, {remetemos para a conclusão 18 das alegações de recurso, que repetimos «(pode) ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/11/2013, proc. 7624/12.1TBMAI.S1:

“sabendo-se que a interrupção do prazo prescricional inutiliza todo o que decorre antes do acto interruptivo, iniciando-se novo prazo igual ao primitivo , não será difícil de perceber que não pode admitir-se sucessivas interrupções” (…)}.

Aliás, como bem salienta o Acórdão da formação, foi o «ineditismo» da situação presente que ditou a admissão da revista excepcional, pois que o próprio Acórdão recorrido enunciou como posição de princípio a jurisprudência que agora seguimos como maioritária ou unânime.

Podemos, assim, concluir que a interrupção da prescrição, ainda que tenha por fundamento a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito, uma vez feita, não pode ser repetida.

Mas se assim é, afigura-se-nos ser manifesto e evidente que o direito que a Autora pretendeu exercer com a presente acção estava prescrito na data em que a acção foi proposta.

Aceitando que a reclamação de bens apresentada no inventário tinha como efeito a interrupção da prescrição, o novo prazo começaria a correr com a decisão que pôs termo ao inventário, a qual transitou em julgado em 6/9/2018, pelo que a prescrição ocorreria em 6/9/2021.

Não poderia haver nova interrupção com a contestação/reconvenção apresentada pela Autora na acção nº 2259/20.8...

Assim, quando a presente acção foi instaurada em 11/5/2022 já o direito da Autora estava prescrito (desde 6/9/2021).

Em suma e em conclusão, quando a presente acção foi instaurada em 11/5/2022 já o direito da Autora estava prescrito (desde 6/9/2021) pois que a interrupção da prescrição, ainda que tenha por fundamento a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito, uma vez feita, não pode ser repetida.

Impõe-se a procedência das alegações do recorrente, razão pela qual se concede a revista, revogando-se a decisão recorrida e julgando procedente a invocada excepção da prescrição.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se conceder a revista, revogando-se a decisão recorrida, julgando procedente a invocada excepção da prescrição.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, de 2023

José Sousa Lameira (relatora)

Conselheiro Nuno Pinto de Oliveira

Conselheiro Lino Ribeiro