PRAZO DE PROPOSITURA DA AÇÃO
OFICIAL DE JUSTIÇA
SANÇÃO DISCIPLINAR
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
CONSELHO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
SUBSIDIARIEDADE
Sumário


O prazo de impugnação das deliberações do Plenário do CSM em sede de impugnação administrativa necessária das deliberações do COJ que apliquem uma sanção disciplinar é unicamente aquele que se acha estabelecido no n.º 1 do art. 171.º do EMJ.

Texto Integral



Proc. n.º 23/23.1YFLSB


Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1. AA propôs ação administrativa, pedindo a anulação da deliberação de 07.02.2023 do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) que manteve a decisão do Conselho dos Oficiais de Justiça que lhe aplicou a sanção disciplinar de demissão, pela prática de uma infração disciplinar continuada, prevista no artigo 90.º do EFJ, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção, lealdade e obediência.


2. O CSM contestou, para além do mais excecionando a caducidade do direito de instaurar a ação.


3. O relator proferiu decisão a julgar procedente esta exceção dilatória e a absolver o CSM da instância, com a seguinte fundamentação:


“(…)


As deliberações do Plenário do Conselho Superior da Magistratura são judicialmente impugnáveis mediante ações administrativas a propor neste Supremo Tribunal de Justiça (artigo 169.º e n.º 1 do artigo 170.º, ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais).


O n.º 1 do artigo 171.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais assinala aos interessados – sejam ou não magistrados judiciais – o prazo geral de 30 dias para a propositura das referidas ações.


Tal prazo conta-se a partir da notificação da deliberação (n.º 2 do mesmo preceito), ainda que o ato deva ser publicado, notificação que in casu teve lugar em 08.02.2023.


Trata-se de um prazo de caducidade – logo, de natureza substantiva –, cujo decurso implica a extinção do direito de ação. De acordo com o disposto o n.º 1 do artigo 331.º, do Código Civil, apenas a propositura da ação em juízo é apta a impedir a caducidade do direito.


Por efeito da remissão expressa para o disposto no n.º 1 do artigo 138.º do Código de Processo Civil (cfr. parte final do n.º 1 do artigo 171.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais), a contagem de tal prazo decorre de forma contínua, não se suspendendo aos Sábados, Domingos e feriados.


No caso, mediante a aplicação das sobreditas regras de contagem (e, bem assim, do preceituado na alínea e) do artigo 279.º do Código Civil), o termo final do prazo para impugnar a deliberação em causa ocorreu a 10 de março de 2023.


A apresente ação foi proposta em 29.04.2023, embora a petição inicial que deu origem à presente ação apenas tenha dado entrada na secção deste Tribunal em 03.05.2023, sendo que, rigorosamente, é esta a data em que a ação se tem como proposta (n.º 1 do artigo 78.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).


Independentemente desta questão, é indubitável que mesmo em 29.04.2023 já o prazo perentório contido no n.º 1 do artigo 171.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais se encontrava integralmente transcorrido.


A intempestividade da propositura da ação constitui uma exceção dilatória cuja procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (n.º 2 e alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).


(…)”.


4. Inconformado, o autor apresentou reclamação para a Conferência, invocando essencialmente:


– A questão que se discute é saber se o prazo de 30 dias contido no artigo 171.°, n.º 1, do EMJ, é aplicável à ação de impugnação da deliberação de demissão de um oficial de justiça.


– A aplicação do artigo 169.°, do EMJ, às ações que visam a impugnação das deliberações do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, tem a sua razão de ser na natureza do órgão de onde emana aquela deliberação;


– Os oficiais de justiça são meros trabalhadores da administração pública, sujeitos à ação disciplinar dos órgãos administrativos que os tutelam.


– No que respeita à ação disciplinar movida contra um oficial de justiça, rege primeiramente o Estatuto dos Funcionários de Justiça (DL n.º 343/99, de 26 de Agosto), que manda aplicar supletivamente a Lei Geral do Trabalho em Funções Publicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho).


– No âmbito da LTFP existem dois prazos distintos para a impugnação judicial das sanções disciplinares: um ano para as sanções expulsivas (art. 299°); três meses para as não expulsivas (art. 224°).


– No caso concreto, tratando-se de uma pena de demissão, aquela decisão poderia ser impugnada, de acordo com a norma especial contida no artigo 299.°, da LTFP, por meio de ação a intentar no prazo de 1 ano, a contar da data de produção de efeitos da extinção do vínculo.


– Pelo que o Recorrente ainda se encontrava em prazo para instaurar a ação de impugnação da deliberação que ordenou a sua demissão da função pública.


– Considerar, em face desta norma especial aplicável a todos os funcionários públicos, que no caso concreto o Recorrente teria que impugnar a decisão que o demitiu da função pública, no prazo de 30 dias, nos termos do artigo 171.°, n.º 1 do EMJ, é para além de ilegal, materialmente inconstitucional, por violação do artigo 269.°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa.


– O facto da ação administrativa de impugnação dever ser instaurada junto do STJ e não dos Tribunais Administrativos e Fiscais resulta apenas da exceção contida no artigo 4.°, n.° 4, c) do ETAF.


– O que está em causa é a competência do STJ em virtude do órgão do onde emanou a decisão impugnada ser o Conselho Superior da Magistratura, mas nada nos diz que deve ser aplicado todo o regime previsto na Secção III, do Capítulo X do Estatuto dos Magistrados Judiciais, quando o visado não seja um magistrado judicial e, portanto, não lhe seja aplicável o EMJ.


–A Lei Geral do Trabalhado em Funções Públicas no é uma norma especial, pois o que se discute nos presentes autos é a legalidade da cessação do vínculo de trabalho em funções públicas do Recorrente, de acordo com o disposto nos artigos 1.°, n.º 1 e 2.°, n.º 1, a) da LTFP.


5. O CSM respondeu, pugnando pelo indeferimento da reclamação.


Decidindo.


II.


6. Em síntese, sustenta o autor, ora reclamante, que, in casu, o prazo de propositura de ação a considerar seria o estabelecido no art. 299.º, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.


Como resulta da concatenação do disposto no artigo 98.º com o disposto no n.º 2 do artigo 111.º - ambos do Estatuto dos Funcionários Judiciais - e como tem sido repetidamente sublinhado pela jurisprudência desta Secção do STJ, o Conselho dos Oficiais de Justiça exerce a ação disciplinar sobre funcionários judiciais a título preliminar, subordinado e não exclusivo.


Na verdade, quando o visado seja oficial de justiça afeto a secções dos tribunais judiciais (como é o caso do autor), cabe ao Conselho Superior da Magistratura, em sede de impugnação administrativa necessária das decisões do Conselho dos Oficiais de Justiça (n.º 2 do artigo 118.º do mesmo diploma), ter a última palavra em matéria disciplinar, em linha com o disposto no art. 218.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa1.


Essa intervenção do CSM radica na constatação de que “(…) os funcionários de justiça também fazem parte da estrutura dos tribunais; e, por isso, são elementos fundamentais para a realização prática da garantia constitucional da respetiva independência. (…)”2, sendo, pois, inexato considerar, como defende o Autor, que os oficiais de justiça são “(…) meros trabalhadores da administração pública, sujeitos à ação disciplinar dos órgãos administrativos que os tutelam (…)”.


Ora, como resulta da conjugação do disposto no artigo 169.º e no n.º 1 do artigo 170.º, ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais, as deliberações do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura são, por opção legislativa - constitucionalmente legítima3 -, unicamente impugnáveis perante este Supremo Tribunal. A norma vertida na alínea c) do n.º 4 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - profusamente convocada pelo Autor - constitui um mero reflexo dessa opção.


Daí que, na estrita observância do Estatuto dos Magistrados Judiciais, não possa deixar de se concluir no sentido da aplicabilidade ao caso vertente das normas previstas na Secção III do Capítulo X deste diploma, incluindo o prazo fixado no n.º 1 do seu artigo 171.º.


Aliás, se assim não fosse, estabelecer-se-ia, para os oficiais de justiça a quem foi aplicada a sanção disciplinar de demissão, um regime comparativa e objetivamente mais favorável do que aquele que é aplicável a magistrados judiciais (e, em especial, àqueles a quem seja imposta a mesma sanção), o que, tendo em conta que está em causa a impugnação de atos administrativos provindos do mesmo órgão, carece, em absoluto, de sustentação, desde logo à luz do estruturante princípio da igualdade (cfr. n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa).


Acresce, por outro lado, que a aplicação da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (artigo 123.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça) assume, neste contexto, um cariz meramente subsidiário. Ora, como se deixou antevisto no despacho impugnado, o Estatuto dos Magistrados Judiciais prevê especificamente o prazo em causa, pelo que é manifestamente despiciendo o recurso a normas contidas naquele diploma para regular a questão solvenda.


Por fim, refira-se que, ao contrário do que se advoga, o chamamento constitucional das regras e dos princípios constitucionalmente previstos no processo penal para o procedimento disciplinar (cfr. arts. 32.º, n.º 10, e 269.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa) não tem a virtualidade de conceder a quem neste é visado a opção por um prazo de propositura da ação mais alargado do que aquele que claramente deflui da lei aplicável, sendo certo que, na ausência de argumentos que deponham nesse sentido, não se divisa minimamente em que concreta medida o entendimento ora reiterado é suscetível de contender com os direitos de defesa e de audição que assistem ao oficial de justiça visado em processo disciplinar.


Em suma, afigurando-se inequívoco que o prazo para a propositura da ação é, como repetidamente se tem decidido nesta Secção4, unicamente aquele que se acha estabelecido na norma aplicada no despacho reclamado, conclui-se pela improcedência da reclamação, cabendo, consequentemente, manter o despacho reclamado.


III.


7. Nestes termos, indeferindo a presente reclamação para a conferência, acorda-se em confirmar despacho proferido pelo relator.


Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.


Lisboa, 22 de Novembro de 2023


Mário Belo Morgado (Juiz Conselheiro Relator)


Orlando Gonçalves (Juiz Conselheiro Adjunto)


António Barateiro Martins (Juiz Conselheiro Adjunto)


Manuel Capelo (Juiz Conselheiro Adjunto)


António Magalhães (Juiz Conselheiro Adjunto)


João Cura Mariano (Juiz Conselheiro Adjunto)


Teresa Féria (Juiz Conselheiro Adjunto)


Maria dos Prazeres Beleza (Juíza Conselheira Presidente)

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1. Sobre as implicações desta norma no plano da competência para apreciar o mérito e exercer a ação disciplinar relativamente aos oficiais de justiça, v.g. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 73/02, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020073.html.↩︎

2. Cita-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 145/2000, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000145.html.↩︎

3. Assim, entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2000, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000421.html.↩︎

4. Decidiu-se neste sentido nos acórdãos proferidos a 21 de fevereiro de 2006 (proc. n.º 4383/05), a 21 de Abril de 2010 (proc. n.º 52/10.5YFLSB), 2 de Março de 2011 (proc. 168/10.8YFLSB) e a 5 de Julho de 2012 (proc. n.º 41/12.5YFLSB, acessíveis em www.dgsi.pt.↩︎